Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0634/12.0BELSB-A 0847/17
Data do Acordão:09/23/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
CONTRADIÇÃO
Sumário:I - O recurso para uniformização de jurisprudência, fora das situações previstas no art.º 691.º, do CPC – onde a sua interposição pelo MP se destina a resolver para o futuro um problema abstracto de direito –, deve revestir utilidade para o caso concreto em litígio, não visando apenas a uniformização de jurisprudência.
II – Não se justificando uniformizar jurisprudência relativamente a questões irrelevantes para a decisão da causa, “questões fundamentais de direito” são apenas aquelas de que possa resultar, pela sua procedência, a alteração do decidido pelo tribunal “a quo”.
III – Ainda que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento tenham interpretado de forma diversa os artºs. 6.º e 54.º, n.º 1, al. d), ambos da Lei n.º 12-A/2008, de 27/2, não é de admitir o recurso para uniformização de jurisprudência quando se conclua que a contradição não incide sobre uma questão fundamental de direito por o acórdão recorrido sempre ter de ser mantido em virtude de aquele art.º 6.º não ser aplicável ao concurso que nele estava em causa.
Nº Convencional:JSTA000P28200
Nº do Documento:SAP202109230634/12
Data de Entrada:07/12/2017
Recorrente:SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


1.O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, com sede na Av. Coronel Eduardo Galhardas, n.º 22-B, em Lisboa, interpôs recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão do TCA-Sul que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAC que julgara improcedente a acção administrativa especial que intentara contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:
“1)Atenta a identidade dos factos, assim como das normas de direito que lhes são aplicáveis, existe contradição de julgados entre o acórdão proferido nos presentes autos e o acórdão proferido no processo n.º 10642/13 (2.º Juízo), em 23.10.2014, pelo TCA Sul.
2) A admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto no art.º 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de (i) existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e (ii) a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
3) A identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, e a identidade substancial das situações fácticas, com igual subsunção às mesmas normas legais, sem que tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, impõem a prolação de decisão que uniformize a jurisprudência sobre o assunto.
4) O entendimento e solução perfilhada pelo douto acórdão fundamento, por se revelar a mais consentânea com a letra e espírito da lei, deve prevalecer e conduzir a solução idêntica nos presentes autos, com a subsequente revogação do acórdão recorrido”.
Não houve contra-alegações.
A Exmª. Magistrada do MP, notificada nos termos do n.º 1 do art.º 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

2.1. O acórdão fundamento considerou provados os seguintes factos:
a) O R. abriu concurso externo de ingresso, por tempo indeterminado, para o provimento de um posto de trabalho de educador de infância, publicitado através de Aviso n.º 21554/2009, publicado no Diário da República, II Série, n.º 231, de 27 de Novembro de 2009;
b) O procedimento concursal foi aberto para preenchimento de posto de trabalho que ficou vazio por aposentação de uma educadora de infância;
c) Em 22/11/2010, o Júri do concurso elaborou a seguinte lista de graduação final dos candidatos:
1.º Z……………. 16,32 valores.
2.º Y…………………………… 14,16 valores.
3.º X……………………………. 13,90 valores.
(…).
d) Em 29/12/2010, a Presidente da Câmara Municipal de Almada homologou a referida lista e autorizou a contratação do concorrente graduado em terceiro lugar.
e) O R. considerou que “o recrutamento se realiza pela ordem decrescente da ordenação final dos candidatos aprovados tendo prioridade os detentores das seguintes relações jurídicas: situação de mobilidade especial; contratado por tempo indeterminado; contrato por tempo determinado ou determinável ou sem qualquer relação jurídica de emprego público, nos termos dos números 3 a 7 do art.º 6.º conjugado com a alínea d) do n.º 1 do art.º 54.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro”.
f) Em 10/01/2011, o R. celebrou contrato de trabalho por tempo indeterminado com a concorrente graduada em terceiro lugar, X…………………….
2.2. Por sua vez o acórdão recorrido deu por provada a seguinte factualidade:
a) Por Aviso n.º 8928/2010, da Direcção dos Serviços de Gestão dos Recursos Humanos (DSGRH) da então DGCI (actual Autoridade Tributária e Aduaneira), publicado no DR n.º 87, 2.ª série, de 5/05/2010, procedeu-se à abertura, pelo prazo de 15 dias úteis, do concurso externo de admissão a período experimental para a constituição de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, tendo em vista a ocupação de 350 postos de trabalho da categoria de Inspector Tributário, nível 1, da carreira de inspecção tributária (GAT) do mapa de pessoal da DGCI, conforme documento n.º 3 junto à p.i.;
b) Os aqui associados do A. foram opositores ao concurso, admitidos e aprovados;
c) Todos os associados do A. à data da candidatura eram (e são) já detentores de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado da então DGCI (actual Autoridade Tributária e Aduaneira), conforme documento n.º 4 a documento n.º 19 junto aos autos;
d) O ponto 2 do Aviso de abertura acima identificado estipulava que o presente procedimento concursal rege-se pelo disposto, entre outros diplomas, na Lei n.º 12-A/2008, mormente pelo seu art.º 6.º;
e) Dando cumprimento ao disposto no ponto 9 do referido Aviso de Abertura, em 28/5/2011 realizou-se a prova escrita de conhecimentos específicos – único método de selecção previsto, e os aqui associados do A. obtiveram todos uma classificação final superior a 9,5 valores, ficando, assim, aprovados, tal como se previa no ponto 9.1 do referido Aviso de Abertura;
f) Esta lista de classificação final foi objecto de despacho de homologação proferido pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em 14/11/2011, conforme resulta do Aviso (extracto) n.º 22968/2011, de 16/11, publicado no DR, 2.ª série, n.º 225, de 23/11, junto à p.i. sob documento n.º 21;
g) No âmbito do procedimento concursal em apreço, veio a ser divulgado pela Direcção de Serviços de Gestão de Recursos Humanos da DGCI, no dia 6/12/2011, um Aviso subscrito pelo respectivo Chefe de Divisão, com a seguinte epígrafe: «Admissão de candidatos ao concurso externo para inspector tributário»;
h) Através do referido Aviso, a DSGRH comunica no ponto 1 que, “Para os devidos efeitos, informa-se que a DGCI vai proceder à notificação aos primeiros 350 classificados do procedimento concursal em epígrafe, em conformidade com o Despacho n.º 2007/2011, de 21 de Novembro, de Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Pública, depois de deduzida a quota prevista no n.º 12 do Aviso de Abertura, publicado no DR, n.º 87, de 5/05/2010, para apresentação dos seguintes documentos…”;
i) A DSGRH informa ainda, no ponto 2 do Aviso em questão, que a candidatura aos lugares e locais para realização do estágio, seria efectuada via internet no portal das Finanças, entre os dias 16 e 20 de Dezembro de 2011, sendo a data previsível de assinatura do contrato para início do período experimental o dia 30 de Dezembro de 2011;
j) A maior parte dos aqui representados do A., aquando da divulgação do Aviso em análise, por discordarem do mesmo, reclamaram por escrito, para o então Director-Geral dos Impostos (actual Director-Geral da AT) sobre a não aplicação do princípio da prioridade no recrutamento previsto no n.º 4 do art.º 6.º da Lei n.º 12-A/2008:
k) Na sequência do exposto no Aviso em questão, a DSGRH notificou os 350 primeiros classificados para a apresentação da documentação necessária, com vista à celebração de contrato para realização do período experimental, tendo em 21/12/2011 publicado e divulgado a lista de colocação daqueles candidatos nos postos de trabalho para a realização do estágio na categoria de Inspector Tributário, tendo o contrato com o qual se dava início ao período experimental sido celebrado em 30/12/2011;
l) Em face da aplicação do referido Aviso pela DSGRH, para efeitos de celebração de contrato para realização do período experimental, os aqui associados do A. não procederam à outorga do mesmo;
m) Os associados do A., conforme elementos de fls. 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19, tiveram notas compreendidas entre 9,6 e 10,4 valores, tendo ficado classificados em 432.º, 467.º, 513.º, 518.º, 580.º, 638.º, 655.º, 664.º, 714.º, 715.º, 747.º, 783.º, 785.º, 813.º, 856.º e 874.º lugares na lista de ordenação final;
n) Os concorrentes que, nos termos do Aviso de 6/12/2011, subscrito pelo Chefe de Divisão da DSGRH, foram notificados para a apresentação de documentos ficaram classificados até ao 414.º lugar, sendo que a nota da última concorrente notificada para esse efeito (W………………) foi de 10,8 valores, tendo ficado classificada em 414.º lugar.

3. Resulta da matéria fáctica dada por provada no ponto 2.1. que, na sequência de concurso externo aberto para preenchimento de um lugar de educador de infância que fora publicitado por aviso publicado no DR de 27/11/2009, o Presidente da Câmara Municipal de Almada, por despacho de 29/12/2010, homologou a lista final de classificação dos candidatos e autorizou a contratação do que ficara graduado em 3.º lugar, o qual, sendo titular de uma prévia relação de emprego público, beneficiava de prioridade no recrutamento, face ao que dispunham os nºs. 3 a 7 do art.º 6.º, conjugado com o art.º 54.º, n.º 1, al. d), ambos da Lei n.º 12-A/2008.
O acórdão fundamento, para negar provimento ao recurso, interposto pela concorrente que ficara graduada em 1.º lugar, da decisão do TAF que julgara improcedente a acção administrativa especial que esta intentara para impugnação do aludido despacho de 27/11/2009, entendeu que da conjugação dos mencionados preceitos resultavam duas prioridades no recrutamento, a primeira para os trabalhadores que se encontravam em SME (Situação de Mobilidade Especial) e a segunda para aqueles que possuíam uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida.
Por sua vez, o acórdão recorrido foi proferido sobre o recurso interposto pelo ora recorrente da sentença do TAC que julgara improcedente a acção administrativa especial de impugnação do despacho, de 30/11/2011, do Secretário de Estado da Administração Pública, onde se entendera que no concurso externo – publicitado através do aviso publicado no DR de 5/5/2010 e onde se estabelecia que eram aplicáveis as regras constantes da Lei n.º 12-A/2008, do DL n.º 204/98, de 11/7 e do DL n.º 557/99, de 17/12 – de admissão a período experimental para a constituição de relação jurídica por tempo indeterminado, tendo em vista a ocupação de 350 postos de trabalho na categoria de inspector tributário, nível 1, da carreira de inspecção tributária (GAT), os candidatos deveriam ser chamados segunda a ordenação constante da lista de classificação final, por o art.º 54.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 12-A/2008, não estabelecer qualquer prioridade no recrutamento para os possuidores de relação jurídica de emprego público, seja por tempo indeterminado ou por tempo determinado/determinável. Acolhendo este entendimento, o acórdão considerou que o n.º 4 do art.º 6.º da Lei n.º 12-A/2008 não consagrava qualquer regra de prioridade no recrutamento, dele resultando apenas que “só podia recorrer-se a um concurso externo quando os detentores de vínculo incluindo os de SME não sejam suficientes para o preenchimento das vagas postas a concurso”.
Resulta do exposto que ambos os acórdãos consideraram aplicáveis aos concursos que estavam em causa nos respectivos autos o disposto nos artºs. 6.º e 54.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 12-A/2008, mas enquanto o acórdão fundamento entendeu que o n.º 4 desse art.º 6.º consagrava uma prioridade no recrutamento para os trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida, o recorrido considerou que esse preceito só era aplicável na fase prévia à abertura do concurso.
É aqui que, na perspectiva do recorrente, reside a contradição entre ambos os acórdãos, pugnando ele pela consagração da posição que foi perfilhada no acórdão fundamento.
Vejamos.
O recurso para uniformização de jurisprudência, cujo objectivo é o de resolver um conflito jurisprudencial, tem, como um dos requisitos de admissão, a existência de uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre dois acórdãos transitados em julgado.
Porém, fora das situações do art.º 691.º, do CPC – onde o recurso interposto pelo MP, no puro interesse da uniformização da jurisprudência, não se destina a modificar a decisão dada à causa, mas a resolver para o futuro um problema abstracto de direito –, o recurso para uniformização de jurisprudência, não visando apenas tal uniformização, tem de revestir utilidade para o caso concreto em litígio.
Por isso, tem-se entendido que, devendo o recurso ter um efeito útil, as “questões fundamentais de direito” a considerar são apenas aquelas de que possa resultar, pela sua procedência, a alteração do decidido pelo tribunal “a quo”, dado que não se justifica uniformizar jurisprudência relativamente a questões irrelevantes para a decisão da causa (cf. Ac. do Pleno desta Secção de 19/1/2012 – Proc. n.º 849/11 e Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha in “Comentário ao CPTA”, 2017, 4.ª edição, pág. 1178).
Assim, “não se justificando uniformizar jurisprudência relativamente a questões irrelevantes para a decisão da causa, é de entender que não há uma contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito quando se conclua que, ainda que se verifique a contradição alegada e seja de perfilhar a posição do acórdão fundamento, será de manter o acórdão recorrido” (cf. Ac. do Pleno desta Secção do STA de 9/5/2019 – Proc. n.º 1447/17.9BEPRT).
Ora, é essa irrelevância da contradição alegada, por o acórdão recorrido sempre ter de subsistir, que ocorre no caso vertente.
Vejamos porquê.
Por força do n.º 2 do art.º 50.º da Lei n.º 12-A/2008, os procedimentos concursais destinados ao recrutamento de trabalhadores teriam de observar a injunção que resultava do n.º 4 do art.º 6.º do mesmo diploma, onde se estabelecia que “o recrutamento para constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo indeterminado nas modalidades previstas no n.º 1 do artigo 9.º inicia-se sempre de entre trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida”.
Quanto à tramitação desse procedimento, o art.º 54.º, n.º 1, al. d), dessa Lei n.º 12-A/2008 dispunha que o recrutamento se efectuava “pela ordem decrescente da ordenação final dos candidatos colocados em situação de mobilidade especial e, esgotados estes, dos restantes candidatos”.
Dado o disposto nos nºs. 6 e 7 do art.º 118.º da mesma Lei, os citados artºs. 50.º e 54.º só produziam efeitos a partir de 23/1/2009 (data da entrada em vigor da Portaria n.º 83-A/2009, de 22/1), enquanto o aludido art.º 6.º produzia efeitos desde 1/1/2009 (data da entrada em vigor do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (doravante RCTFP), aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11/9].
O art.º 101.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008 – que estabelecia que as carreiras de regime especial e os corpos especiais seriam revistas no prazo de 180 dias, de forma a que fossem convertidas, com respeito pelo disposto nesse diploma, em carreiras especiais ou que fossem absorvidas por carreiras gerais –, que entrou em vigor em 28/2/2008, também só produziu efeitos a partir da data da entrada em vigor do RCTFP (cf. citado art.º 118.º, nºs. 2 e 7).
O art.º 18.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12 (que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2009), veio estatuir que, sem prejuízo da revisão que deva ter lugar nos termos legalmente previstos, mantinham-se as carreiras, designadamente as de regime especial e as de corpos especiais, que ainda não tivessem sido objecto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, as quais regiam-se “pelas disposições normativas actualmente aplicáveis, com as alterações decorrentes dos artigos 46.º a 48.º, 74.º, 75.º e 113.º, da Lei n.º 12-A/2008”.
A Portaria n.º 83-A/2009, de 22/1 – que, ao abrigo do n.º 2 do art.º 54.º da Lei n.º 12-A/2008, regulamentou a tramitação dos procedimentos concursais, sendo aplicável aos que tivessem sido publicitados após a data da sua entrada em vigor (cf. artºs. 52.º e 55.º) –, não previa, na ordenação final dos candidatos, qualquer prioridade (cf. art.º 34.º), estabelecendo, quanto à apresentação dos documentos de candidatura, que era obrigatória a concessão de um prazo suplementar quando se tratasse de trabalhador colocado em situação de mobilidade especial cuja candidatura tivesse sido apresentada apenas pela entidade gestora da mobilidade (cf. art.º 28.º, n.º 11).
Sob a epígrafe “Procedimentos concursais no âmbito de carreiras não revistas e subsistentes”, o art.º 19.º, n.º 1, do DL n.º 69-A/2009, de 24/3 (diploma que estabeleceu as disposições necessárias à aplicação do Orçamento de Estado para 2009), estipulou:
“Os procedimentos concursais no âmbito de carreiras que ainda não tenham sido objecto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, designadamente as de regime especial e os corpos especiais, regem-se, até à sua extinção ou revisão, pelas disposições normativas que lhes eram aplicáveis em 31/12/2008”.
Com a Lei n.º 3-B/2010, de 28/4 (que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2010), foi dada uma nova redacção ao art.º 106.º, da Lei n.º 12-A/2008 – que tinha como epígrafe “Carreiras subsistentes” – passando o seu n.º 7 a dispor que “os procedimentos concursais para as carreiras ou as categorias a que se reporta o presente artigo regem-se pelas disposições normativas aplicáveis em 31/12/2008 e pelo disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 54.º, bem como no n.º 11 do art.º 28.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22/1, com as necessárias adaptações”. Por sua vez, o art.º 21.º da mesma Lei veio dispor que, sem prejuízo da revisão que deva ter lugar nos termos legalmente previstos, mantinham-se as carreiras que ainda não haviam sido objecto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, designadamente as de regime especial e as de corpos especiais, sendo que até ao início de vigência da revisão, aos procedimentos concursais para essas carreiras era aplicável o disposto no art.º 54.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 12-A/2008 e o art.º 28.º, n.º 11, da Portaria n.º 83-A/2009.
A Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 (que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2011), continha, no seu art.º 35.º, disposições idênticas às do referido art.º 21.º.
E o mesmo sucedeu com o art.º 35.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 31/12 (que aprovou o Orçamento de Estado para 2012), que, no entanto, veio estabelecer, no seu art.º 39.º, n.º 1, al. a), que nos procedimentos concursais publicitados ao abrigo e nos termos do disposto no art.º 6.º, n.º 6, da Lei n.º 12-A/2008, o recrutamento efectuar-se-ia, sem prejuízo das preferências legalmente estabelecidas, dando prioridade aos candidatos aprovados com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida.
O concurso em causa nos autos onde foi proferido o acórdão recorrido tinha por objecto a ocupação de 350 postos de trabalho da categoria de Inspector Tributário, nível 1, da carreira de inspecção tributária (GAT).
À data da publicação do aviso respectivo vigorava o DL n.º 557/99, de 17/12, que estabelecera o estatuto de pessoal e o regime de carreiras dos funcionários da Direcção-Geral dos Impostos, onde se incluía o pessoal das carreiras do GAT previstas no anexo III a esse diploma de que fazia parte a carreira de inspecção tributária.
Só com o DL n.º 132/2019, de 30/8 – proferido ao abrigo dos artºs. 101.º e 106.º da Lei n.º 12-A/2008 – é que se veio a proceder à revisão e à decisão de subsistência das carreiras especiais da Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo então sido extinta a carreira de inspector tributário (cf. art.º 1.º, n.º 2).
Assim, à data da publicação do aviso de abertura do aludido concurso, a carreira de regime especial de inspector tributário ainda se mantinha, regendo-se pelas disposições normativas aplicáveis em 31/12/2008, com as alterações decorrentes dos artºs. 46.º a 48.º, 74.º, 75.º e 113.º, da Lei n.º 12-A/2008, sendo aplicável ao respectivo procedimento concursal o DL n.º 204/98, com as alterações decorrentes dos artºs. 54.º, n.º 1, al. d), dessa Lei e 28.º, n.º 11, da Portaria n.º 83-A/2009. Não lhe era, pois, aplicável o art.º 6.º, da Lei n.º 12-A/2008 que, como vimos, em 31/12/2008 ainda não produzia efeitos.
Portanto, o acórdão recorrido, quando considerou que, por força do citado art.º 54.º, n.º 1, al. d), eram os trabalhadores em SME os únicos que beneficiavam de uma prioridade no recrutamento, decidiu correctamente.
Nestes termos, podendo concluir-se que a contradição invocada pelo recorrente é insusceptível de conduzir à alteração do decidido no acórdão recorrido, não se justifica uniformizar as interpretações adoptadas pelos acórdãos em confronto, havendo que proferir decisão de não admissão do presente recurso por aquela não incidir sobre uma questão fundamental de direito.

4. Pelo exposto, acordam em não admitir o recurso para uniformização de jurisprudência.
Custas pelo recorrente.



Lisboa, 23 de Setembro de 2021. - José Francisco Fonseca da Paz (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - José Augusto Araújo Veloso - Maria Benedita Malaquias Pires Urbano - Ana Paula Soares Leite Martins Portela - Maria do Céu Dias Rosa das Neves - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha - Cláudio Ramos Monteiro.