Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0556/10
Data do Acordão:11/17/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
ACUSAÇÃO
NULIDADE INSUPRÍVEL
Sumário:I - Em processo de contra-ordenação, a dedução da acusação pelo Ministério Público não impede que este Magistrado promova e o juiz decida a declaração da nulidade da decisão administrativa.
II - Tratando-se de nulidades insupríveis, sendo estas de conhecimento oficioso e podendo ser arguídas até a decisão se tornar definitiva (cfr. artº 63º, nºs 1 e 5 do RGCO), sempre se lhe impunha arguir tal nulidade, na defesa do princípio da legalidade.
III - O facto do Ministério Público não retirar a acusação isso não significa que, ao defender a nulidade dos termos subsequentes do processo à decisão administrativa, se está perante a nulidade de falta de promoção por não ter sustentado a acusação até ao julgamento.
IV - Com efeito, falta de promoção do processo significará inexistência de acusação ou falta de impulso do processo, mas, aqui, ela existe e impulso do processo também existe, uma vez que o Ministério Público está a promover o seu andamento nos termos legais.
V - A ser nula a acusação por esse facto, a decisão administrativa continuaria a figurar na ordem jurídica, com a consequente condenação do arguido, sem que tivesse sido exercida a acção penal, o que é, manifestamente, ilegal.
Nº Convencional:JSTA00066687
Nº do Documento:SA2201011170556
Data de Entrada:06/29/2010
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR NORDESTE, EPE E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF MIRANDELA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:DL 433/82 DE 1982/10/27 ART43 ART62 N1 ART63 N1 N3 N5 ART72 N1.
CONST97 ART266.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – O Magistrado do Ministério Público, não se conformando com o despacho do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou nula a acusação que aquele Magistrado deduziu no processo de contra-ordenação instaurado contra o Centro Hospitalar do Nordeste, EPE, dele vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1 - Recebido no tribunal o contra-ordenacional recurso de impugnação judicial da decisão administrativa condenatória não pode o Mº Pº deixar de o apresentar ao juiz.
2 - Apresentado, se se verificar que a decisão administrativa enferma de nulidade insuprível, mais não resta que o Mº Pº promover e o juiz decidir pela declaração de nulidade da decisão e, em consequência, remeter o processo à entidade administrativa para, querendo, renovar sem vícios a decisão.
3 - A tanto obrigam os arts 63, nºs 1, al. d), 3 e 5 do RGIT e 59, nº 1, e 62, nº 1, do RGCO.
4 - Com o que, não têm aplicação ao caso as normas dos arts 119, al. b), 48 e 53, nº 2, al. c), do CPP.
5 - Decidindo como decidiu o despacho em recurso violou por omissão e erro de interpretação e de aplicação tais dispositivos legais.
6 - Pelo que deve ser substituído por outro que declare nula a decisão administrativa, com nulidade dos termos subsequentes que dela dependam absolutamente e, em consequência, se ordene a baixa à entidade administrativa para eventual sanação da nulidade e renovação do acto administrativo condenatório.
A recorrida e a Fazenda Pública não contra-alegaram.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A questão que constitui objecto do presente recurso consiste em saber se, tendo o Ministério Público deduzido acusação em processo de contra-ordenação, pode, posteriormente, promover a nulidade da decisão administrativa e, em consequência, ordenar a remessa do processo à entidade que a emitiu, para, querendo, a renovar sem quaisquer vícios.
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
“O Dig. Mag. do MP junto deste TAF apresentou os autos ao juiz pelo que, com este acto, deduziu acusação - art.º 62.º, n.º 1 do RGCO.
Posteriormente pugnou pela nulidade da decisão administrativa, e, portanto, da sua própria acusação – Cfr. art.º 63.º, n.º 1, al. d), e n.º 3 do RGIT.
Ora, apesar de formalmente o MP pretender não retirar a acusação, significa que, ao defender a nulidade dos termos subsequentes do processo à decisão administrativa, estamos perante a nulidade de falta de promoção porque não sustentou a acusação até ao julgamento – art.ºs 119.º, al. b) 48.º e 53.º, n.º 2 al. c) do CPP, por remissão do art.º 3.º, al. b) do RGIT e 41.º, n.º 1 RGCO.
Pelo exposto julgo nula a acusação do Dig. Mag. do MP.”.
Desde logo, importa referir que não vem posto em causa que o Magistrado do Ministério Público deduziu acusação.
Entende, porém, o Mmº Juiz “a quo”, como vimos, que, o Magistrado recorrente, com a sua promoção, ao pugnar pela nulidade da decisão administrativa e, portanto, da sua própria acusação e ao pretender não retirar a sua acusação, isso significa que “ao defender a nulidade dos termos subsequentes do processo à decisão administrativa, estaríamos perante a nulidade de falta de promoção, uma vez que aquele não sustentou a acusação até ao julgamento”, para concluir, assim, que essa acusação é nula.
Mas não cremos que lhe assista razão.
Com efeito, dispõe o artº 62º, nº 1 do RGCO, aqui aplicável ex vi do artº 3º do RGIT que “Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação”.
“A remessa do processo ao Ministério Público e não directamente ao juiz, visa possibilitar àquele promover a prova dos factos que considere relevantes para a decisão (art. 72.º, n.º 1, do RGCO), para além de lhe proporcionar tomar conhecimento do processo, em que irá ter intervenção na fase judicial, e a apreciar da legalidade da condenação.
Ao fazer esta apreciação, o Ministério Público pode chegar à conclusão de que a condenação é ilegal” (Jorge Sousa e Simas Santos, in Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral).
No caso dos autos, o Magistrado do Ministério Público, já depois de ter deduzido a acusação, tendo deparado com várias nulidades de que enferma a decisão administrativa e que cita na sua promoção, promoveu a nulidade dessa mesma decisão.
E, ao contrário do decidido, sempre lhe cabia requerer essa nulidade, tudo na defesa do princípio da legalidade, que tem consagração expressa nos artº 43º do RGCO e 266º da CRP e cuja fiscalização lhe está legalmente atribuída.
Na verdade e no caso, tratando-se como se trata de nulidades insupríveis, sendo estas de conhecimento oficioso e podendo ser arguidas até a decisão se tornar definitiva (cfr. artº 63º, nºs 1 e 5 do RGCO), sempre se lhe impunha, na defesa desse princípio da legalidade, arguir a nulidade da decisão administrativa e, consequentemente, a baixa do processo à entidade que a prolatou para suprimento dessas nulidades e renovação da decisão, se assim o entender.
Por outro lado, o facto de o MP não ter retirado a acusação isso não significa que, “ao defender a nulidade dos termos subsequentes do processo à decisão administrativa, estamos perante a nulidade de falta de promoção porque não sustentou a acusação até ao julgamento”.
Com efeito e como bem salienta o Magistrado recorrente, na sua motivação do recurso, a promoção da declaração de nulidade “não pode ter-se como equivalente a falta de promoção do processo. Falta de promoção do processo significará inexistência de acusação ou falta de impulso do processo. Mas aqui a acusação existe, sem embargo de se poder considerar nula, por lhe falecerem requisitos essenciais. E impulso do processo também está a haver pois o Mº Pº está a promover o seu andamento nos termos legais”.
Acresce que o deferimento do referido requerimento tem como consequência imediata, apenas, a nulidade da decisão administrativa e só de forma mediata e por força do disposto no artº 63º, nº 3 a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, nomeadamente a acusação.
Aliás, a ser nula a acusação, como decidiu o Mmº Juiz “a quo”, a decisão administrativa continuaria a figurar na ordem jurídica, com a consequente condenação do arguido, sem que tivesse sido exercida a acção penal, o que é, manifestamente, ilegal, como vimos.
3 – Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, no conhecimento do objecto do recurso judicial, aprecie a promoção do Ministério Público.
Sem custas.
Lisboa, 17 de Novembro de 2010. – Pimenta do Vale (relator) – António Calhau – Casimiro Gonçalves.