Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0307/18.0BEBRG
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PROGRAMA POLIS
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica admitir a revista em providência cautelar se o acórdão recorrido decidiu de forma plausível e fundamentada as diversas questões que lhe eram suscitadas, sem evidência de erro manifesto ou preterição de princípios processuais fundamentais.
Nº Convencional:JSTA000P26273
Nº do Documento:SA1202009100307/18
Data de Entrada:07/27/2020
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………., B…………, C…………, D…………, E………….., F…………., G…………., H…………, I…………., J…………, K…………., L…………., M…………., N………….., O…………., invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticionam a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 17.04.2020 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 3719/3798 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso que haviam dirigido quanto à decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante TAF/B] que havia julgado improcedente a pretensão cautelar pelos mesmos deduzida contra VIANAPOLIS - SOCIEDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA POLIS EM VIANA DO CASTELO, SA, na qual era peticionada: i) «suspensão de eficácia dos atos da Requerida VianaPolis, SA»; ii) «abstenção por parte da Requerida VianaPolis, SA de desalojar e esvaziar as frações de que os Requerentes são proprietários no edifício em causa»; e iii) «abstenção por parte da Requerida VianaPolis, SA de iniciar a demolição».

2. Motivam a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 3810/3889] na relevância jurídica e social das questões/litígio [mormente, por o «ato em causa de desocupação» envolver e ter implicações em termos de «direito fundamental e constitucional do direito à habitação, à saúde, vida e dignidade da pessoa humana e direito de propriedade dos Recorrentes …» e tratar-se de «intervenção urbanística numa parte da cidade de Viana do Castelo, referente a um edifício multifamiliar e em propriedade horizontal, … que afeta os Recorrentes e suas famílias, … mas também com reflexo e relevância em toda aquela zona e até em toda a cidade»] e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito» [fundada na ocorrência de nulidades processuais (nulidade processual principal por falta notificação e constituição de advogado em decorrência da habilitação de herdeiros havida - arts. 40.º, 41.º, 191.º, 195.º, 196.º, 199.º, 200.º, n.º 3, e 566.º do CPC) e de decisão (omissão de pronúncia - art. 615.º, n.º 1, als. b), c) e d), do CPC), na necessidade de reforma da decisão, nomeadamente quanto a vários pontos da factualidade provada (art. 616.º n.º 2, al. b) do CPC) e, bem assim, em erros de julgamento de facto e de direito por incorreta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 341.º, 347.º, 352.º, 356.º, n.ºs 1 e 2, 357.º, 362.º, 364.º, n.ºs 1 e 2, e 376.º todos do CC, 118.º e 120.º, n.º 1, do CPTA, 410.º e 411.º do CPC, 01.º, 02.º, 03.º, 09.º, als. b), d) e h), 12.º, n.º 1, 13.º, 16.º, n.º 2, 17.º, 18.º, 20.º, n.º 4, 24.º, 25.º, n.ºs 1 e 2, 26.º, 34.º, 62.º, 64.º, n.º 1, 65.º, 72.º, n.º 1, 165.º, 266.º e 268.º, n.º 4, da CRP, 01.º, 02.º, 03.º, 05.º, 06.º, 07.º e 08.º da CEDH, 01.º, n.º 1 do Protocolo Adicional à mesma Convenção, 01.º, 02.º e 03.º da CDFUE, 02.º, 03.º, 12.º, 17.º, 56.º e 81.º do TCE, 03.º, 04.º, 05.º, 06.º, 07.º, 08.º 10.º, 150.º, 151.º, 152.º, 153.º, 161.º e 162.º do CPA, 02.º, al. f), e 04.º da Lei n.º 18/2000, de 10.08, e/ou interpretação inconstitucional] entendendo como verificados os requisitos para a decretação da pretensão cautelar deduzida, mormente o do fumus boni iuris.


3. A requerida, aqui ora recorrida, produziu contra-alegações em sede de recurso de revista, nas quais, desde logo, pugnou pela não admissão do recurso [cfr. fls. 3900/3993].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/B negou a tutela cautelar peticionada pelos aqui recorrentes, rejeitando a pretensão pelos mesmos deduzida, para o efeito fundando seu juízo no entendimento de que in casu não estava preenchido o requisito do fumus boni iuris previsto e exigido pelo n.º 1 do art. 120.º do CPTA, dado não descortinar ocorrência de probabilidade de procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal enquanto estribada nos fundamentos de ilegalidade acometidos ao ato suspendendo, sendo que também não se encontrava preenchido o requisito previsto no n.º 2 do referido art. 120.º do CPTA [cfr. fls. 3238/3359].

7. O TCA/N no seu acórdão de 17.04.2020, apreciando da verificação do requisito do fumus boni iuris, manteve integralmente o juízo de improcedência da pretensão cautelar que havia sido firmado pelo TAF/B, tendo vindo a proferir acórdão, em 19.06.2020, sustentando aquela sua anterior decisão, desatendendo as arguições de nulidade [processual e de decisão] e os pedidos de reforma [cfr. fls. 4001/4009].

8. Os requerentes cautelares, aqui ora recorrentes, fundam a necessidade de admissão da presente revista não só na relevância social e jurídica do litígio/questões, mas para melhor aplicação do direito, acometendo a decisão de enfermar, para além de nulidades, de vários erros de julgamento, concluindo estarem verificados os requisitos de decretação, nomeadamente o do fumus boni iuris.

9. Refira-se, desde logo, que, como repetidamente se tem afirmado, constitui questão jurídica de importância fundamental aquela - que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjetivo - que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência ou da doutrina.

10. E tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias que se revistam de particular repercussão na comunidade.

11. O carácter excecional deste recurso tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência desta Formação a que compete a apreciação preliminar dos seus pressupostos específicos, com especial destaque para os processos cautelares em que se tem afirmado a exigência de um rigor acrescido.

12. Daí que, neste domínio, a orientação jurisprudencial desta Formação de Admissão Preliminar tem sido a de que não se justifica admitir revista de decisões de segunda instância, salvo quando se discutam aspetos do regime jurídico específicos ou que exclusivamente digam respeito ou se confinem à tutela cautelar, ou quando a decisão contenda com situações de relevância comunitária particularmente intensa ou de inobservância de princípios processuais fundamentais.

13. Entrando na análise do preenchimento dos pressupostos da revista sub specie importa, desde já, atentar que se é certo que o litígio respeitante à discussão em torno da expropriação e demolição do denominado «Edifício Jardim» mereceu, nomeadamente decisões de admissão pelos acórdãos desta Formação de 10.01.2008 [Proc. n.º 01029/07] [relativo a processo cautelar que veio a ser julgado pelo acórdão de 03.04.2008] e de 15.05.2013 [Proc. n.º 0775/13] [em sede de ação administrativa e que veio a ser julgado pelo acórdão de 18.12.2013], ressalta, todavia, que no quadro da discussão que se vem mantendo em torno deste litígio a Formação de Apreciação Preliminar deste Supremo vem emitindo sucessivas decisões no sentido da não admissão das revistas que foram sendo interpostas [cfr., mormente, quanto a ação administrativa, o Ac. de 31.01.2014 - Proc. n.º 01748/13, e relativamente a processos cautelares os Acs. de 28.05.2015 - Proc. n.º 0439/15, de 07.04.2016 - Proc. n.º 0374/16, e de 30.06.2016 - Proc. n.º 0787/16].

14. Assim, afirmou-se no acórdão desta Formação de 07.04.2016 [Proc. n.º 0374/16] que «[é] certo que já por diversas vezes se considerou preenchido o critério de admissibilidade da relevância social relativamente a outros episódios do litígio jurídico-público relativamente à expropriação e demolição do “Edifício Jardim” ou “Edifício Coutinho”, apesar de a complexidade intrínseca da questão jurídica ou a possibilidade de expansão da controvérsia poderem não exceder o que é comum em casos do género» e que «[c]ontinua a ter-se por adequado este critério de relevância social da questão, em situações de litigiosidade com elevados reflexos na comunidade e interessamento desta na solução fundada em preocupações legítimas numa sociedade democrática quanto à gestão da coisa pública que faz com que, neste domínio, os litígios por vezes assumam uma importância que os expande para lá da esfera jurídica formal dos sujeitos jurídicos portadores imediatos das pretensões em confronto», mas «[t]odavia, este aprofundamento da discussão das questões jurídicas a fim de esgotar o esclarecimento do direito e pacificar a divergência social que emerge de opções extremadas, como pode considerar-se a expropriação com vista à demolição de um imóvel com impacto local significativo, no âmbito de uma operação de requalificação urbanística em que avultam razões de ordem da estética das povoações, não pode alongar indefinidamente conflitos para que os tribunais já tenham esgotado o seu contributo normal, no plano que lhes é próprio» tanto mais que «quanto à regularidade jurídica da atuação pública materializada no ato administrativo objeto da providência cautelar, inclusivamente quanto à conformidade constitucional da sua base legal, já os tribunais administrativos disseram a sua última palavra», pelo que «a controvérsia sobre as opções públicas materializadas no ato expropriativo e na operação urbanística em que se insere se mantenha, a dúvida sobre as questões jurídicas relativas à atuação administrativa em causa deixa de ter importância fundamental» e «[n]estas circunstâncias, não se justifica a admissão da revista excecional para saber se deve ou não manter-se a suspensão de eficácia. Não podem transpor-se para a presente situação as ponderações que, com invocação deste fundamento, levaram a admitir o recurso perante decisões que decretaram a providência porque a situação de dúvida ou incerteza acerca da sustentação jurídica da opção administrativa tem agora o influxo do julgamento de improcedência da ação no âmbito da jurisdição administrativa».

15. Acolhendo e transpondo-se a doutrina exposta para o caso vertente ressalta, assim, desde logo, que as questões elencadas pelos recorrentes como de relevância jurídica e social fundamental soçobram clara e inequivocamente, quer porque a discussão em torno da concreta «intervenção urbanística» mostra-se já ter sido alvo de apreciação pelos tribunais, quer porque o apelo à defesa e tutela dos direitos fundamentais alegadamente preteridos não evidencia complexidade superior àquela que é comum nesse quadro, não se vislumbrando suscitadas questões que transcendam ou possuam um grau de dificuldade superior ao comum dentro das controvérsias judiciárias e litígios do género, na certeza de que as questões adjetivas/processuais invocadas também não relevam nesta sede e âmbito.

16. Temos, ainda, que também não nos deparamos ante uma situação em que a admissão do recurso se imponha pela clara necessidade de melhor aplicação do direito.

17. Com efeito, as instâncias convergiram no sentido do não preenchimento do concreto do requisito do fumus boni iuris inserto do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, entendendo que, presentes os fundamentos de ilegalidade invocados, não se vislumbrava como provável a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, sendo que a alegação expendida pelos recorrente não se mostra persuasiva, tudo apontando, presentes o quadro normativo em crise e os contornos do caso sub specie, no sentido de que, para além de inexistirem nulidades, o acórdão sob recurso decidiu com acerto, tanto mais que a fundamentação utilizada pelo tribunal a quo não evidencia erro manifesto de raciocínio ou na escolha ou interpretação do quadro normativo e principiológico convocado e aplicável.

18. Sendo de notar que as questões que os recorrentes pretendem ver reapreciadas nesta sede são as mesmas que se apresentam como centrais na e para a solução definitiva do litígio na ação administrativa principal.

19. E que o objeto recursivo não se esgota, nem incide sobre qualquer aspeto essencial do regime jurídico da tutela cautelar no contencioso administrativo, designadamente quanto aos contornos e âmbito dos critérios da sua concessão das providências, já que, na verdade, o acórdão recorrido não se afasta dos critérios que jurisprudencialmente vêm sendo sedimentados na aplicação do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, na certeza de que, naquilo que é essencial, a divergência dos recorrentes com o decidido respeita apenas àquilo que é a concreta aplicação do critério do fumus boni iuris feita à luz das particularidades do caso.

20. Nessa medida, mostrando-se as questões apreciadas em sede cautelar em dois graus de jurisdição e que há-de iniciar-se e ulteriormente seguir-se um novo ciclo de decisões sobre elas no quadro do processo principal, e que nenhuma razão se vislumbra, à luz do n.º 1 do art. 150.º do CPTA, para que este Supremo Tribunal seja chamado a emitir pronúncia na providência cautelar com o carácter provisório que é próprio das decisões em tal sede, temos que a presente revista revela-se ser inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo por razões de relevância jurídica ou social e para uma melhor aplicação do direito.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo dos recorrentes.
D.N..
Lisboa, 10 de setembro de 2020
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e José Augusto Araújo Veloso]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho