Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0494/11
Data do Acordão:09/28/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRC
CUSTO FISCAL
FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
RECURSO SUBORDINADO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO A REQUERIMENTO DO RECORRIDO
Sumário:I - A única possibilidade que a parte vencedora tem de fazer reapreciar um pedido que foi julgado improcedente, designadamente o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, é interpor, em devido tempo, recurso subordinado nos termos do disposto no artigo 682.º do CPC. Não o tendo feito, não pode socorrer-se da previsão do artigo 684.º-A do CPC, pois que a ampliação do âmbito do recurso aí prevista pressupõe que a parte vencedora haja decaído em algum dos fundamentos (causas de pedir) que suportavam a acção ou a defesa, e não que tenha decaído num dos pedidos formulados na acção.
II - A fundamentação do acto tributário de liquidação não é obscura nem insuficiente se explicita as razões que levaram a Administração Tributária a efectuar a correcção à matéria colectável declarada e que, no caso, se traduzem na recusa de aceitação, como custo fiscal relevante, das menos-valias apuradas pela Impugnante, com o argumento de se tratar de um custo não indispensável à obtenção de proveitos e de as menos-valias serem nulas caso tivessem sido correctamente apuradas à luz das regras previstas no artigo 66.º e 67.º do CIRC, não se integrando, assim, o custo declarado na previsão da norma contida no artigo 23.º do CIRC.
III - O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos no discurso fundamentador ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correcção efectuada, é matéria que não contende com a fundamentação formal do acto, mas sim com a sua fundamentação substancial.
IV - Se os elementos que a Administração aduziu no discurso administrativo fundamentador não são suficientes nem adequados para suportar a conclusão a que chegou sobre a dispensabilidade do custo e erro na sua quantificação, impedindo que se tenha como pertinente o juízo que elaborou no sentido de que o contribuinte apurou uma menos-valia superior à devida e que deduziu, assim, um custo indevido, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, o que determina a procedência da impugnação por falta de fundamentação substancial, reconduzida a vício de violação de lei por falta de verificação dos pressupostos factuais e jurídicos necessários àquela correcção.
Nº Convencional:JSTA00067141
Nº do Documento:SA2201109280494
Data de Entrada:05/19/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Área Temática 2:DIR PROC CIVIL
Legislação Nacional:CPC96 ART682 ART684-A
CCIV66 ART217 N1
CONST76 ART268 N3
LGT98 ART75 ART77
CPA91 ART125
CIRC88 ART23 ART66 ART67
CPTRIB91 ART78
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC25832 DE 2001/05/09; AC STA PROC21514 DE 2002/09/25; AC STA PROC556/08 DE 2008/08/27
Referência a Doutrina:LEBRE DE FREITAS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VIII PAG35.
SÉRVULO CORREIA NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI PAG403.
VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA LIÇÕES 2ED PAG269.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 2ED PAG470.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a fls. 350 a 366, de procedência da impugnação judicial que A…, S.A. deduziu contra os actos de liquidação adicional de IRC referentes aos exercícios de 1994 e 1995 e dos respectivos juros compensatórios.
1.2. Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
I. - O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da total procedência da impugnação deduzida contra as liquidações adicionais n° 8310012764 e nº 8310013009, relativas a IRC dos exercícios de 1994 e 1995.
II. Fundamentação da sentença recorrida (síntese):
(...) Olhando o probatório fixado, logo se vê que a Administração Tributária não cumpriu com o ónus de suscitar e comprovar a dispensabilidade do custo ou perda, em ordem a exercer o seu direito de corrigir a pretendida dedução do montante respectivo a título de custo fiscal.
(...) a Impugnante comprovou a indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora e a realização de ganhos sujeitos a imposto.
O que nos termos do art. 23° do CIRC torna o custo dedutível. Face ao exposto (...) não pode a correcção efectuada pela AF manter-se.
Assim, tendo sido deduzida contra a liquidação do exercício de 1994, a qual não se pode manter, não poderá sobreviver a liquidação do exercício de 1995.
III A liquidação adicional de IRC ao exercício de 1994, objecto da presente Impugnação resulta, e segundo se transcreveu na al. F) do probatório, da não consideração como custo fiscalmente dedutível, nos termos do art. 23° do CIRC, da menos-valia apurada pela Impugnante aquando da dissolução e liquidação da sociedade B…, por não ter observado o disposto no art. 66° do CIRC (com a redacção em vigor à data dos factos tributários).
IV Da p.i. da presente Impugnação decorre que o contribuinte, após ter sido notificado das correcções preconizadas pela AF, ficou na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, foi-lhe dada, e nem se afigurando de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão, com o qual o S.P. não concordou, exercendo o respectivo direito de defesa.
V Como se reconhece na douta sentença, o custo ora em causa consiste numa menos-valia que resultou da diferença entre o preço de aquisição do activo da empresa em causa (a participação da B…) e o valor recebido em resultado da liquidação da B…;
VI Pelo que no caso sub judice, ao invocar os arts. 66° e 67° do CIRC, o que a AF vem corrigir é o próprio apuramento da menos-valia, deduzida como custo.
VII Ou seja, a AF considerou que o valor recebido pela Impugnante pela liquidação da B… deveria equivaler ao preço de mercado, isto é, € 7.217.381,11 (1.446.955.000$) - porque encontra-se demonstrado nos autos que se deu a transmissão do património da C… para a ora Impugnante - ao invés de ser assumido o valor constante do balanço, € 122.591,29 (24.577.347$).
VIII Face ao que é invocado pela Impugnante, designadamente o afirmado no Parecer junto aos autos, e que foi corroborado pela prova testemunhal produzida, a operação em causa tratou-se de um investimento financeiro.
IX É evidente, e de resto do foro dos actos de gestão da Impugnante e que a AF não pode sindicar, que houve uma tomada de negócio da C… por parte da Impugnante, tanto que a marca "C…" deixou de actuar. No entanto, a Impugnante não se desfez do respectivo mercado (clientes), o seu activo principal, nem dos seus empregados, rentabilizando portanto, o valor pago pela aquisição da B….
X Assim, e conforme se afirmou no discurso fundamentador da AF e reconhece a Impugnante - § 35° e 36° da p.i., o valor de aquisição da B… diz respeito ao valor de mercado da C…, naquela data.
XI Atendendo a que os recursos da C… foram utilizados e rentabilizados nos exercícios seguintes - vide § 77° da p.i. - não poderá concluir-se que à data da liquidação da B…, o valor do seu património que incluía a participação de 100% no capital da C…, não deveria ser valorizado ao preço de mercado igual ao da aquisição, operações que ocorreram no mesmo exercício.
XII A menos valia apurada pela Impugnante, cuja dedutibilidade como custo não foi aceite pela AF, resulta do facto de a Impugnante no seu apuramento, não ter tido em conta o disposto no art. 66° do CIRC, que refere que “Na determinação do resultado da liquidação, havendo partilha dos bens patrimoniais pelos sócios, considerar-se-á como valor de realização daqueles o respectivo valor de mercado”.
XIII Ao considerar apenas o valor do capital próprio da B…, € 122.591,29 (24.577.347$00), a menos valia apurada pela Impugnante não é real, pois não obedeceu aos princípios legais consagrados nesse art. 66° do CIRC.
XIV Ora se a menos valia não é real, por não ter sido apurada de acordo com os respectivos critérios legais, o custo que ela vem consubstanciar também não pode ser fiscalmente dedutível.
XV Deste modo, não poderá impender sobre a AF o ónus de suscitar e comprovar a dispensabilidade do custo, em ordem a exercer o seu direito de corrigir.
XVI Embora a Impugnante tenha comprovado a indispensabilidade da aquisição da B… - alíneas R), S) e T) do probatório – não demonstrou ter apurado o resultado da liquidação dessa sociedade de acordo com o disposto no art. 66° do CIRC;
XVII Pelo que a menos valia apurada em desacordo com os critérios legais previstos no art. 66° do CIRC, não pode ser fiscalmente dedutível nos termos do art. 23° do CIRC.
XVIII Subsistindo a liquidação do ano de 1994, deverá manter-se a correcção ao resultado fiscal de 1995.
XIX A douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada aplicação da norma vertida no art. 66° do CIRC.
1.2. A Recorrida apresentou conclusões para sustentar a manutenção do julgado e insistir na invocação da prescrição das dívidas que emergem dos actos de liquidação impugnados, tendo rematada a sua alegação com as seguintes conclusões:
1.ª As dívidas tributárias resultantes das liquidações de IRC de 1994 e 1995 que foram objecto de impugnação encontram-se prescritas.
2.ª À dívida tributária referente ao IRC de 1994 aplica-se o prazo de 10 anos estabelecido no artº 34°, n° 1 do CPT, pelo que a prescrição teria lugar em 1 de Janeiro de 2005;
3.ª Quanto à dívida tributária referente ao IRC de 1995, quer se aplique o art.º 34° do CPT, quer se aplique o art.º 48° da LGT, a prescrição teria lugar em 1 de Janeiro de 2006;
4.ª A contagem dos prazos prescricionais interrompeu-se em 10/12/1999, com a instauração dos processos de execução fiscal;
5.ª Tendo a impugnante apresentado, em 8/2/2000, garantias bancárias para a suspensão dos processos de execução fiscal, o fim da interrupção da contagem dos prazos prescricionais só teve lugar com a caducidade das garantias bancárias;
6.ª Nos termos do artº 183°-A do CPPT, introduzido pela Lei n° 15/2001 de 5/6, e entrado em vigor em 5/7/2001, a caducidade das garantias teve lugar em 5/7/2004, data em que se completou o prazo de 3 anos para a caducidade das garantias;
7.ª Assim, quanto ao IRC de 1994, entre 1/1/1995 e 10/12/1999 (data da instauração da execução) decorreram 4 anos, 11 meses e 9 dias;
8.ª Ainda quanto ao IRC de 1994, de 5/7/2004 (data da caducidade da garantia) até ao presente decorreram mais de 6 anos, que somados aos 4 anos, 11 meses e 9 dias, implica a prescrição da dívida;
9.ª Quanto ao IRC de 1995, de 1/1/1996 a 10/12/1999, decorreram 3 anos, 11 meses e 9 dias;
10.ª Ainda quanto ao IRC de 1995, de 5/7/2004, até ao presente, decorreram mais de 6 anos, que somados aos 3 anos, 11 meses e 9 dias, implica a prescrição da dívida.
11.ª Na douta sentença recorrida considerou-se que as liquidações impugnadas eram ilegais por vício de forma por falta de fundamentação;
12.ª Na verdade, a Administração Fiscal, ao fundamentar as correcções ao exercício de 1994 que deram origem às impugnadas liquidações de IRC de 1994 e 1995, defendeu que a menos-valia calculada e declarada pelo contribuinte, na dissolução e liquidação da sociedade B…, não era “indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora”, invocando, assim, como norma fundamento, o art.º 23° do CIRC;
13.ª Porém, de seguida, como é dito na douta sentença, “veio sem suporte de facto e de direito invocar a sua inexistência, para concluir, com base no art.º 67° do CIRC, a sua não consideração. É caso, para se mostrar legítima a pergunta: Afinal em que ficamos?”;
14.ª Ora, é assim evidente que considerar que há uma menos-valia que não deve relevar fiscalmente por não ser indispensável à obtenção de proveitos ou à manutenção da fonte produtora e considerar que não houve qualquer menos-valias, consubstancia uma fundamentação contraditória, incongruente e, como tal, ilegal.
15.ª No recurso agora reduzido contra a douta sentença vem-se defender que no cálculo do resultado da liquidação da B… a impugnante não cumpriu o disposto no art.º 66° do CIRC;
16.ª Porém, sem razão, desde logo, porque a Administração Fiscal não faz prova de que o valor relevado pela impugnante quanto ao bem que recebeu como contrapartida da dissolução/liquidação da B… estava mal calculado;
17.ª Nomeadamente, a Administração Fiscal não fez prova - e o ónus era seu – de que o valor desse bem era diferente do que resultava dos capitais próprios da Sociedade;
18.ª A sentença recorrida não merece, assim, qualquer censura.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, por considerar que «tinha interesse apurar se com a liquidação a que se procedeu na sequência da aquisição, ocorreram mais ou menos valias, o que a matéria de facto apurada não esclarece.
Com efeito, tendo sido alegado que tinha ocorrido a liquidação da sociedade adquirida - aliás, por valor superior ao da aquisição, conforme se fundamentava ainda a fls. 244 - afigura-se que tinha ainda interesse apurar tal, pois a aplicação do previsto no art. 23.° do C. do I.R.C. não pode ser efectuado de forma desligada das disposições subsequentes, entre as quais as demais acima referidas. Ora, no dito contexto de aquisição da empresa que foi liquidada, o disposto naquele art. 66.° do C. do I.R.C, não resulta totalmente como não podendo ser de aplicar.
Conclusão.
É de entender que, dependendo embora de matéria de facto que não foi apurada, a norma contida no art. 66.° do C. do I.R.C. podia ainda ter sido aplicada, razão pela qual o recurso é de proceder.».
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.
2. A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
A- Em 23 de Março de 1994, mediante escritura pública de cessão de quotas lavrada no nono Cartório Notarial de Lisboa, a Impugnante adquiriu 100% do capital social da B…, LDA, de valor nominal 1.000.000$00, pelo preço de 1.446.955.000$00 - (Doc. n.°2 junto à p.i.);
B- A B…, LDA, era detentora de 100% do capital social da C…;
C- Em 3 de Novembro de 1995, mediante escritura pública lavrada no sétimo Cartório Notarial de Lisboa, operou-se a dissolução e liquidação da B…, LDA, com efeitos reportados a 31 de Outubro do mesmo ano - (Doc. n.°3 junto à p.i.);
D- Por via do acto notarial a que alude a al. C) do probatório procedeu-se à transmissão de todo o património da B…, LDA, para a Impugnante, na qualidade de sua única credora - (Doc. n.º 3 junto à p.i.);
E- Na sequência da análise interna levada a efeito à Impugnante, a Administração Tributária efectuou correcções meramente aritméticas à matéria colectável do exercício de 1994 - (Doc. fls. 85 a 93 dos autos);
F- No mapa de apuramento modelo DC-22, quadro 22, a Administração Tributária fez constar como «fundamentação das correcções efectuadas», por anexo, o seguinte:
«(...) Aceitar a A… um preço de 1.446.955.000$0 pela aquisição da B…, firma cujo capital próprio se resumia a escassos 24.577.347$00, revela uma distorção total da realidade e evidencia peremptoriamente que esse preço de aquisição não corresponde ao valor de mercado se não se atendesse ao valor patrimonial da C…
Parece pois, lógico, que o preço pago indubitavelmente respeita à participação financeira a 100% no Capital da C…, que no acto de liquidação da B… passou para a posse da A…
Nesta óptica, o diferencial que gerou a Menos-Valia Fiscal consubstancia um custo que ao abrigo do art. 23° do CIRC não pode ser aceite fiscalmente por não ser “indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora”.
Sendo o objectivo da A… a aquisição total da C…, então o preço pago pela aquisição da B… deve corresponder a um valor atribuível à participação financeira da B… na C…, valor que deve ser considerado para efeitos de dissolução e liquidação da firma, pois não se verificou qualquer perda de valor, e a totalidade do património da C… passou integralmente para a posse da A….. (...).
De conformidade com o preconizado no artigo 66° do CIRC, “na determinação do resultado de liquidação, havendo partilha dos bens patrimoniais pelos sócios, considerar-se-á como valor daquela o respectivo valor de mercado”.
Então, se o valor pago pela aquisição do capital da B…consubstancia o património total da C…, que integralmente foi transmitido no acto de liquidação para a A…, deveria esse valor (1.446.955.000$00) ser considerado para efeitos do cálculo das Mais e Menos Valias, como valor de realização, por ser o valor representativo do património da C…, que foi integralmente transferido para a A…, e não o valor do capital próprio apurado, onde não se entendeu ao valor real do seu principal e único património da C…, e que, como também já se aludiu, passou integralmente para a posse da A….. (Doc. fls. 85 a 92 dos autos).».
G- As correcções efectuadas referentes ao exercício de 1994, quantificadas em € 7.157.966,87 (1.435.043.514$00), alteraram o prejuízo fiscal de € 1.500.818,58 (300.887.111$00) para o montante de lucro tributável de € 5.657.148,29 (1.134.156.403$00) - (Doc. fls. 85 a 92 dos autos);
H- A Administração Tributária efectuou correcções à matéria colectável relativa ao exercício de 1995, cuja fundamentação é a que consta do mapa de apuramento modelo DC-22, quadro 22, donde consta:
«Quadro 12 linha 1- O sujeito passivo deduziu indevidamente ao lucro tributável no Quadro 18 campo 407 da declaração Mod.22 o montante de 300 887.111$00 de prejuízos fiscais do ano de 1994, que foram corrigidos fiscalmente, situação que não dá cumprimento ao art. 46° do CIRC» - (Doc. fls. 98 a 101 dos autos).
I- A correcção efectuada à matéria colectável do exercício de 1995, reportada aos prejuízos fiscais de 1994, alteraram a matéria colectável de 1.245.913.336$00 para 1.545.800.447$00.
J- Em 23.07.1999, com base nas correcções efectuadas, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 8310012764, referente ao exercício de 1994 no montante de € 3.612.692,55 (725.249.835$00), mostrando-se aposto o dia 15.09.1999 como data limite de pagamento voluntário. (Doc. fls. 41 dos autos);
K- Em 30.07.1999, com base nas correcções efectuadas, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 8310013009, referente ao exercício de 1995, no montante de € 834.557,50 (167.313.757$00), mostrando-se aposto o dia 22.09.1999 como data limite de pagamento voluntário. (Doc. fls. 42 dos autos);
L- Em 10.12.1999, foram instaurados os processos de execução fiscal n.° 99/183497.5 e 99/183498.3, a correr na Repartição de Finanças de Algés contra a Impugnante tendo por base certidões por dívidas de IRC, dos anos de 1994 e 1995, no montante total de 891.593.592$00. (Doc. fls 1, 2 e 3 do processo de execução fiscal em apenso);
M- Em 14.12.1999, deu entrada na Repartição de Finanças de Oeiras – 3ª a petição inicial que originou os presentes autos - (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos);
N- Em 03.02.2000, a Impugnante prestou garantias bancárias n.º 158.02.0204315 e 158020204306 no âmbito dos processos de execução fiscal a que alude a al. L) do probatório - (Doc. fls. 24 e 25 do processo de execução fiscal em apenso);
O- Em 08.02.2000, por despacho da autoria do Chefe da Repartição de Finanças de Oeiras - 3 foi decidido aceitar as garantias bancárias n.º 158.02.0204315 e 158020204306 para assegurar o pagamento das quantias exequendas - (Doc. fls. 26 do processo de execução fiscal em apenso);
P- Em 13.04.2006, por decisão proferida pelo TAF de Sintra foi declarada a caducidade das garantias prestadas pela Impugnante nos processos de execução fiscal reportados na al. N) do probatório, transitada em julgado a 05.05.2006 (Doc. fls. 31 e 32 do processo de execução fiscal em apenso);
Q- A impugnação judicial esteve parada por causa não imputável à Impugnante de 09.05.2006 a 01.10.2008;
R- A aquisição da B… teve como objectivo o crescimento da actividade da Impugnante de modo a aumentar a quota de mercado - (Cfr. Depoimento prestado por D…);
S- A C…, exercendo a mesma actividade que a Impugnante, apresentava-se no mercado como uma concorrente - (Cfr. Depoimento prestado por D…);
T- A C…, enquanto segunda maior empresa na área da segurança, detinha uma carteira de clientes que interessava à Impugnante - (Cfr. Depoimento prestado por D…).
3. Em causa nos presentes autos de impugnação judicial estão os actos de liquidação adicional de IRC referentes aos exercícios de 1994 e 1995, decorrentes de correcções que a Administração Tributária efectuou à matéria colectável declarada pela Impugnante relativamente a esses exercícios, pela supressão do montante de € 1.500.818,58 de prejuízos fiscais que esta deduziu ao lucro tributável do exercício de 1994 e pela correcção do lucro tributável do exercício seguinte face à eliminação da possibilidade de dedução daquele prejuízo.
Esse prejuízo fiscal provinha do custo declarado pela Impugnante com as menos-valias que apurou na sequência da operação de aquisição do capital social da B…, LDA e da posterior dissolução e liquidação dessa sociedade, menos-valias que quantificou, à luz do disposto no artigo 67.º do CIRC, em 1.422.377.653$00, atendendo à diferença entre o preço de aquisição (1.446.955.000$00) e o capital próprio dessa sociedade à data da liquidação (24.577.347$00).
Por seu turno, a correcção efectuada pela Administração Tributária resulta da não aceitação como custo fiscal dessa menos-valia apurada pela Impugnante, no entendimento de que o mesmo não se enquadra no artigo 23.º do CIRC, com a seguinte argumentação:
o facto de a impugnante ter pago pela aquisição da B… o preço de 1.446.955.000$00, quando o capital desta sociedade se resume a 24.577.347$00, evidencia que aquele preço de aquisição só pode corresponder ao valor de mercado se englobar o valor patrimonial da C…, de que a B… era detentora de 100% do capital social, pelo que «parece pois, lógico, que o preço pago indubitavelmente respeita à participação financeira a 100% no Capital da C…, que no acto de liquidação da B… passou para a posse da A… Em face disso, concluiu que «o diferencial que gerou a Menos-Valia Fiscal consubstancia um custo que ao abrigo do art. 23° do CIRC não pode ser aceite fiscalmente por não ser “indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora”»;
essa menos-valia sempre seria inexistente à luz dos artigos 66.º e 67.º do CIRC, já que «se o valor pago pela aquisição da B… consubstancia o património total da C…, que integralmente foi transmitido no acto de liquidação para a A…, deveria esse mesmo valor (1.446.955.000$00) ser considerado para efeitos de cálculo da mais e menos-valia como valor de realização, por ser o valor representativo do património da C…, que foi integralmente transferido para a A… e não o valor do capital próprio apurado».
Neste processo judicial tributário, a Impugnante defende a ilegalidade desses actos de liquidação, por vício de forma (fundamentação incongruente) e vício de violação de lei (ofensa do disposto no artigo 23.º do CIRC e nos artigos 66º e 67.º do CIRC), enunciando, para o efeito a seguinte argumentação, vertida nas conclusões formuladas na parte final da petição inicial:
a. As liquidações adicionais ora impugnadas são ilegais, por a fundamentação ser incongruente.
b. a Administração Fiscal corrigiu a matéria colectável calculada e declarada pela impugnante, argumentando que a menos-valia suportada na dissolução e liquidação da sociedade B… não era indispensável para a obtenção de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do artº 23°, do CIRC;
c. a Administração Fiscal aceitou, assim, a existência de uma menos-valia, não a considerando (fiscalmente) pelo seu carácter de dispensabilidade na obtenção de proveitos;
d. incongruentemente, a Administração Fiscal fundamenta a mesma correcção da matéria colectável, argumentando que na dissolução e liquidação da B… a ora impugnante não suportou qualquer menos-valia, nos termos do artº 67°, do CIRC;
e. considerar que a menos-valia existe e que a menos-valia não existe, constitui uma fundamentação incongruente e, como tal, ilegal;
f. as liquidações adicionais ora impugnadas são ilegais por fundamentação obscura e insuficiente, já que não se explicita e justifica porque razão a menos-valia obtida pela impugnante é um custo não indispensável à obtenção de proveitos;
g. As liquidações adicionais ora impugnadas são ilegais, por erro nos pressupostos, ao considerar a situação não subsumível ao artº 23°, do CIRC;
h. na verdade, o custo incorrido pela impugnante, na aquisição da B…, era potencialmente apto para influir positivamente nos proveitos;
i. a aquisição de outras sociedades é uma das formas - às vezes a única - de ganhar quota de mercado e, portanto, aumentar os proveitos;
j. além de o referido custo ser potencialmente apto a atingir tal objectivo, em concreto, a impugnante obteve o sucesso pretendido com a operação, através do aumento dos seus proveitos;
l. As liquidações adicionais ora impugnadas são ainda ilegais, por violação dos arts. 66° e 67° do CIRC.
m. determinam as referidas disposições legais, que na dissolução e liquidação de sociedades, a diferença entre o preço de aquisição das participações e o valor recebido da sociedade liquidada, se negativa, é menos-valia fiscalmente relevante;
n. a ora impugnante teve efectivamente uma menos-valias, resultado da liquidação da B…, como resulta inequivocamente da situação económico-financeira da Sociedade C…, único activo detido pela B…;
o. a Administração Fiscal ao corrigir a menos-valia calculada e declarada pela impugnante, ignorou a situação patrimonial da C…, violando, assim, frontalmente, os arts. 66° e 67°, do CIRC.
A sentença recorrida, depois de ter julgado improcedente a questão que entretanto fora suscitada pela Impugnante, da inutilidade superveniente da lide, julgando que não se encontravam prescritas as dívidas que emergem dos actos de liquidação impugnados, decidiu que estes actos eram ilegais por padecerem, simultaneamente, de vício formal de falta de fundamentação e vício de violação de lei por ofensa do disposto no artigo 23.º do CIRC.
É contra essa decisão que se insurge a Fazenda Pública, invocando, por um lado, que os actos impugnados se encontram devidamente fundamentados (conclusão IV) e, por outro, que não houve violação do citado normativo do CIRC, já que o custo em causa não é fiscalmente dedutível nos termos do artigo 23° do CIRC por inexistir a menos-valia que foi apurada e declarada.
Assim, e sabido que é pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – as questões que se colocam a este Tribunal são as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro no julgamento dos aludidos vícios, por errada interpretação e aplicação das normas que disciplinam o dever de fundamentação dos actos tributários e da norma contida no artigo 23.º do CIRC.
3.1. Todavia, antes de entrar na apreciação do mérito do recurso, convém tomar posição sobre uma questão prévia e que tem a ver com a possibilidade de a Impugnante, ora Recorrida, invocar em sede de contra-alegações, sem expresso pedido de ampliação do âmbito do recurso, a prescrição das dívidas que emergem dos actos de liquidação impugnados, tendo em conta que se trata de matéria já suscitada no Tribunal a quo e que foi objecto de apreciação e decisão na sentença recorrida, tendo-se aí julgado que o prazo de prescrição ainda não decorrera e que, por isso, não podia proceder o pedido formulado pela Impugnante de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Como se sabe, o legislador prevê duas situações em que a parte vencedora pode fazer valer as posições que sufragou e que não obtiveram vencimento na decisão recorrida: uma, quando face a um determinado pedido tenha apresentado vários fundamentos e o tribunal tenha julgado a acção procedente com base em determinado fundamento e julgado improcedentes os demais; outra, quando tenham sido deduzidos vários pedidos e algum deles tenha sido julgado improcedente.
No primeiro caso a lei permite que o recorrido lance mão do estipulado no artigo 684.º-A, n.º 1, do CPC e que, aproveitando as contra-alegações, requeira e deduza aí a ampliação do âmbito do recurso interposto pela parte vencida. Na segunda situação, a lei prevê que a parte deduza atempadamente recurso subordinado, nos termos previstos no artigo 682.º do CPC.
Na verdade, da leitura do artigo 684.º-A (Segundo o qual, «No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal do recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeria, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação».) resulta claro que o legislador quando fala em “fundamentos da acção ou da defesa” está a reportar-se a causas de pedir, enquanto que no artigo 682.º fala em decisões desfavoráveis, as quais se reportam, logicamente, a pedidos julgados improcedentes.
Assim, nas situações em que tenham sido deduzidos vários pedidos e um deles tenha sido julgado improcedente, a parte vencedora da acção, caso pretenda sindicar a decisão que lhe foi desfavorável, deverá fazê-lo através de um recurso subordinado (artigo 682.º) e não mediante uma ampliação do âmbito do recurso nos termos do disposto no artigo 684.º-A. Já o regime previsto no artigo 684.º-A pressupõe que a parte vencedora haja decaído em algum dos fundamentos (causas de pedir) que suportavam a acção ou a defesa, tendo o ónus de suscitar a apreciação da matéria em que decaiu, prevenindo a hipótese de vir a ser revogada a decisão na parte ou segmento que lhe foi favorável. Se não cumprir esse ónus, a decisão recorrida consolida-se quanto a tal segmento decisório, o qual não poderá ser objecto de reapreciação oficiosa caso o tribunal ad quem venha a inflectir o sentido da decisão recorrida no que toca ao fundamento que conduzira a que o recorrido tivesse anteriormente obtido ganho de causa.
Como refere JOSÉ LEBRES DE FREITAS, no “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 2003, em anotação ao artigo 684.º-A, «o nº 1, prevê o caso de haver pluralidade de fundamentos da acção (causas de pedir) ou da defesa (excepções), impondo ao tribunal de recurso que conheça do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira na sua contra-alegação, ainda que a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação”. (...) “pode figurar-se a situação de o autor ter pedido a anulação judicial de um contrato por si celebrado com fundamento em dois vícios diferentes (por exemplo erro e coacção), se a acção foi julgada procedente com base num dos vícios, afastando-se o outro por não terem sido provados os factos a ele atinentes, pode o autor recorrido pedir a ampliação do objecto do recurso de modo a abranger o fundamento em que decaiu. Mas o vencedor que se prevaleça desta faculdade não tem o estatuto de recorrente.».
No caso em apreço, verifica-se que a Impugnante não interpôs recurso subordinado da decisão de improcedência do pedido que formulou, a fls. 296 a 300, de extinção do processo de impugnação judicial face à aí invocada prescrição das dívidas que resultam dos actos impugnados. Por outro lado, embora insista, na veste de Recorrida, na tese da ocorrência da prescrição, não pediu a ampliação do âmbito do recurso interposto pela Fazenda Pública nem invocou ou requereu a aplicação do disposto no artigo 684.º-A do CPC para sindicar a decisão de improcedência desse pedido. Ora, para haver ampliação nos termos do artigo 684.º-A, é necessário, como claramente resulta do preceito, que a parte a suscite de modo claro e expresso, pedindo ao tribunal de recurso que conheça do fundamento em que decaiu, não bastando a referência a essa matéria nas contra-alegações apresentadas.
Mas ainda que se aceitasse a tese, sufragada por alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal (Cfr., entre outros, os Acórdãos proferidos pela Secção de Contencioso Administrativo em 27/08/2008 no Processo n.º 556/08. ), de que o requerimento para ampliação do âmbito do recurso tanto pode ser expresso como tácito (sendo tácito quando tal pretensão se deduza de factos que com toda a probabilidade a revelam, em conformidade com o disposto no artigo 217.º, n.º 1 do C.Civil) e se pudesse concluir, perante os termos em que as contra-alegações foram redigidas, que a Recorrida requereu tacitamente a ampliação do âmbito do recurso para ver reapreciada a decisão que julgou improcedente o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o certo é que sempre seria inadmissível essa ampliação, uma vez que, como vimos, a única possibilidade que a parte vencedora tem de fazer reapreciar um pedido que foi julgado improcedente é interpor, em devido tempo, recurso subordinado nos termos do disposto no artigo 682.º do CPC.
Não o tendo feito, não pode agora socorrer-se da previsão do artigo 684.º-A, pois que a situação em causa não se enquadra nesse normativo legal.
Por tudo o que se deixa dito, não se apreciará a questão abordada pela Recorrida nas suas contra-alegações.
3.2. Quanto à questão da fundamentação dos actos de liquidação impugnados, é sabido que a Administração Tributária tem o dever de fundamentar de facto e de direito as decisões em matéria tributária que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes, de harmonia com o disposto nos artigos 268.º, nº 3, da Constituição da República, 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 125.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A fundamentação visa responder às necessidades de esclarecimento do administrado, procurando-se, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto e permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e os motivo por que se decidiu num sentido e não noutro, e, por isso, um acto só pode considerar-se fundamentado quando tanto o Tribunal como o administrado (colocado na posição de um destinatário normal) podem ficar esclarecidos acerca das razões que estiveram na base desse acto e que o motivaram.
Razão por que é essencial a suficiência, clareza e congruência da fundamentação, de modo a que o administrado possa dispor dos elementos necessários à compreensão suficiente da motivação da decisão, permitindo-lhe conhecer as razões fácticas e jurídicas que estiveram na sua base, por forma a aceitá-las ou rebatê-las, optando em consciência entre a aceitação da decisão e a sua impugnação; e de modo a que o Tribunal possa dispor de um efectivo controle sobre a legalidade da decisão, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. E, por isso, a insuficiência, a obscuridade e a contradição da motivação equivalem a falta de fundamentação (artigo 125.º, nº 2, do CPA), por impedirem uma cabal apreensão do iter volitivo e cognoscitivo que determinou a Administração a praticar o acto com o sentido decisório que lhe conferiu (Neste sentido, vide, entre tantos outros, os Acórdãos do STA de 14/02/2001, no Proc. nº 21514 e de 9/05/2001, no Proc. nº 25832.).
No caso vertente, não está em causa que as liquidações impugnadas dispõem de fundamentação expressa, vertida no relatório que consta de fls. 85 a 93 dos autos e nos mapas de apuramento mod.DC-22, referidos nas alínea E), F) e H) probatório da sentença. O que se questiona é se essa fundamentação responde às exigências contidas na lei, isto é, se são congruentes e apreensíveis as razões que levaram a Administração a efectuar a enunciada correcção técnica, os motivos por que não aceitou, em sede de IRC, o custo fiscal constituído pela menos-valia calculada e declarada pela Impugnante.
A Impugnante invocara a incoerência da fundamentação, na medida em que, por um lado, a Administração aceitou a existência de uma menos-valia na liquidação da B…, não a tendo considerado fiscalmente pelo seu carácter de custo não indispensável à obtenção de proveitos e, simultaneamente, considerou que a impugnante não suportou qualquer menos-valia face ao disposto no artigo 67.° do CIRC. Deste modo, ao considerar que a menos-valia existe e que a menos-valia não existe, a Administração teria elaborado uma fundamentação incongruente. Por outro lado, a fundamentação seria obscura e insuficiente, por não explicitar a razão por que se considerou que essa menos-valia é um custo não indispensável à obtenção de proveitos.
Na decisão recorrida julgou-se verificado o vício de falta de fundamentação com a seguinte e única argumentação: «Com efeito, se por um lado a Administração Tributária entendeu, logo veremos se bem ou mal, desconsiderar o custo por não ser ele indispensável à obtenção de proveitos ou à manutenção da fonte produtora, logo mais adiante, veio sem suporte de facto e de direito invocar a sua inexistência, para concluir, com base no art.º 67.º do CIRC, a sua não consideração. É caso para se mostrar legítima a pergunta: afinal em que ficamos?».
Todavia, os elementos que constituem o suporte fundamentador dos actos impugnados não autorizam esta análise e solução da questão.
Deles resulta, claramente, que as liquidações provém da não consideração como custo fiscalmente dedutível, à luz do artigo 23.° do CIRC, da menos-valia apurada pela Impugnante aquando da dissolução e liquidação da sociedade B…, por a Administração ter concluído que essa menos-valia provém de um encargo que não é indispensável à obtenção de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora e, para além disso, o seu montante, se correctamente calculado à luz dos princípios consagrados nos artigos 66.º e 67.º do CIRC, seria nulo ou inexistente, pelo que, também por esse motivo, não representa um gasto indispensável para a obtenção de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.
Não há qualquer obscuridade ou incongruência nesta fundamentação.
E tanto assim é, que a Impugnante revela, no modo como articulou a petição inicial e todas as restantes peças processuais desta impugnação judicial, ter compreendido perfeitamente o iter cognoscitivo que levou a Administração a não aceitar como custo fiscalmente dedutível a menos-valia apurada aquando da dissolução e liquidação da sociedade B…, tendo atacado, de forma directa e frontal, a legalidade das liquidações por violação do disposto nos artigos 23.º, 66.º e 67.º do CIRC.
Por outro lado, essa fundamentação também não é obscura ou insuficiente, pois encontram-se explicitadas as razões que levaram a Administração a considerar essa menos-valia como um custo não indispensável à obtenção de proveitos, e a Impugnante revela tê-las compreendido perfeitamente, analisando-as e condenando-as com vista a obter a anulação das correspondentes liquidações.
O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos nesse discurso fundamentador não ser suficiente para retirar a conclusão que aí se retirou, isto é, ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correcção efectuada, é matéria que não contende com a fundamentação formal do acto, mas sim com a fundamentação substancial, que pode levar à procedência da impugnação por força dos vícios de violação de lei que foram invocados.
Com efeito, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte SÉRVULO CORREIA (In “Noções de Direito Administrativo”, I, pág. 403.), «a fundamentação pode ser inexacta e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexactidão dos fundamentos não conduz ao vício de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vício de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto».
Pelo que ficou dito, consideramos incorrecta a posição sufragada na sentença recorrida, no sentido da verificação do vício de falta de fundamentação, pelo que não pode manter-se a decisão de anulação dos actos de liquidação impugnados com base nesse vício formal.
3.3. Todavia, a sentença recorrida decidiu ainda que os actos impugnados eram ilegais por ofensa do disposto no artigo 23.º do CIRC, na medida em que «olhando o probatório fixado, logo se vê que a Administração Tributária não cumpriu com o ónus de suscitar e comprovar a dispensabilidade do custo ou perda, em ordem a exercer o seu direito de corrigir a pretendida dedução do montante respectivo a título de custo fiscal. Bem pelo contrário, da matéria assente nas alíneas R), S) e T), resulta demonstrado que a aquisição da B… teve como objectivo o crescimento da actividade da Impugnante de modo a aumentar a quota de mercado, uma vez que a C…, enquanto segunda maior empresa na área da segurança, detinha uma carteira de clientes que interessava a Impugnante, apresentando-se no mercado como uma concorrente.
Em face de tal factualidade, e se a indispensabilidades dos custos ou perdas para a realização de proveitos e a manutenção da fonte produtora é de aferir a partir de um juízo positivo de subsunção na actividade societária concretamente exercida e com abstracção de um qualquer e necessário nexo causal, é de concluir, que a Impugnante comprovou a indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora e a realização de ganhos sujeitos a imposto.
O que nos termos do art. 23° do CIRC torna o custo dedutível.».
A Fazenda Pública não questiona minimamente este juízo sobre a indispensabilidade do custo para a manutenção da fonte produtora e para a realização dos ganhos sujeitos a imposto, aceitando a dedutibilidade do custo à luz desse pressuposto contido no artigo 23.º do CIRC.
O que invoca é que o Mmº Juiz incorreu em erro ao restringir a sua análise e decisão a esse aspecto da questão, ignorando que a Administração também apoiou a indedutibilidade do custo no argumento de que as menos-valias seriam nulas caso tivessem sido apuradas correctamente à luz das regras previstas no artigo 66.º e 67.º do CIRC, pelo que o custo declarado não se integraria na norma contida no artigo 23.º do CIRC, por não representar um gasto indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
No que lhe assiste inteira razão.
Embora a Impugnante tenha comprovado a indispensabilidade da operação de aquisição e liquidação da sociedade B… para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, sendo, nessa perspectiva, um custo enquadrável no artigo 23.º do CIRC, tornava-se, ainda, necessário analisar se o resultado dessa liquidação (e das consequentes menos-valias) fora ou não apurado de acordo com o disposto nos artigos 66.° e 67.º do CIRC, tendo em conta que a Administração Fiscal alterou a forma de quantificar as menos-valias declaradas, corrigindo o seu montante para um valor nulo, no pressuposto de que não existia diferença, à luz das regras previstas naquelas normas, entre o valor de aquisição do capital social da B… e o valor da liquidação e partilha dos bens desta sociedade, argumentando que, também por isso, se tratava de um custo que não se enquadrava no âmbito do artigo 23.º do CIRC.
Reconhecido o invocado erro de julgamento, cumpre, então, analisar esse argumento ou aspecto da questão.
Para o efeito, importa primeiramente relembrar que é à Administração Tributária que cabe o ónus da prova dos pressupostos do seu direito a proceder às correcções, demonstrando a factualidade que a levou a desconsiderar um custo contabilizado ou a alterar o seu valor, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT e artigo 78.º do CPT), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que esses custos são fiscalmente relevantes, isto é, que foram realmente suportados e que eram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Com efeito, tal como a doutrina e a jurisprudência têm repetidamente afirmado, actuando a Administração Tributária no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas que suportam essa liquidação. Como refere VIEIRA DE ANDRADE (in “A Justiça Administrativa” (Lições), 2º edição, pág. 269.), «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos», adiantando JORGE LOPES DE SOUSA (in “Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado”, 2ª edição, pág. 470.) que «o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74º/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário (...)».
Por outro lado, convém recordar o regime legal de tributação dos sócios na sequência da liquidação e partilha dos bens patrimoniais de uma sociedade dissolvida.
O artigo 67.º do CIRC, na redacção então vigente, determinava que «É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais» (n.º 1). «No englobamento para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior observar-se-á o seguinte: a) Essa diferença, quando positiva, é considerada como rendimento de aplicação de capitais (...); b) Essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valias dedutível.» (n.º 2).
E o artigo 66.º do CIRC estipulava que «Na determinação do resultado da liquidação, havendo partilha dos bens patrimoniais pelos sócios, considerar-se-á como valor de realização daqueles o respectivo valor de mercado».
Deste modo, na determinação do resultado de liquidação de uma sociedade, havendo partilha dos bens patrimoniais pelos sócios (e partes sociais ou quotas numa sociedade são bens patrimoniais), há que considerar como valor de realização daqueles o respectivo valor de mercado.
No caso vertente, a Impugnante, como única sócia da B…, efectuou a dissolução e liquidação desta sociedade, procedendo imediatamente à transmissão de todo o seu património para si própria, o qual era composto, como se pode ver pela escritura de dissolução, liquidação e partilha, documentada a fls. 77 e seguintes, pelos seguintes bens, no valor total de 55.015.688$60:
seis quotas no capital social da sociedade C…, no total de 50.000.000$00 (sendo três no valor nominal de 20.000$00 cada uma, e três nos valores nominais de, respectivamente, 27.830.000$00, 20.860.000$00 e 1.250.000$00) – às quais foram atribuídos, para efeitos da aludida transmissão, valores iguais aos valores nominais;
créditos no valor de 4.287.988$40 a receber do Estado e de outras entidade públicas;
141 acções nominativas, no valor nominal de 1.000$00 cada uma, do Banco Totta & Açores, às quais foi atribuído o valor total de 451.200$00;
276.500$20 em dinheiro.
Em resultado da referida liquidação, a Impugnante considerou como menos-valia fiscalmente relevante a quantia de 1.422.377.653$00, por ser esse o resultado da diferença entre o preço de aquisição da sociedade dissolvida (1.446.955.000$00) e o capital dessa sociedade (24.577.347$00).
A Administração Fiscal, embora aceite como correcto e real o preço que a Impugnante declarou ter pago pela aquisição das quotas da sociedade B… (1.446.955.000$00) e aceite que ele deve ser atendido como custo de aquisição desta sociedade, defende que deve também ser esse o valor a considerar na transmissão operada por força da liquidação e partilha dos bens desta sociedade, por ser esse o valor de mercado do património da C…, que foi transmitido para a Impugnante através dessa operação, tendo em conta que o artigo 66.º do CIRC manda atender ao preço de mercado para posterior aplicação do artigo 67.º do CIRC.
O que significa, no fundo, que a Administração concluiu que o património que a Impugnante recebeu em resultado da liquidação da B…, na parte correspondente à participação social que esta detinha na sociedade C…, valia, em termos de mercado, tanto quanto a Impugnante pagara pela aquisição da B… - 1.446.955.000$00. Ou seja, a Administração afirma e conclui que o património da C… tinha um valor precisamente igual àquele que a Impugnante pagara pela aquisição da sociedade B…, apesar de saber que esta era detentora não só do capital social da C… como, ainda, de outros bens patrimoniais, que ela detinha um capital próprio de 24.577.347$00, e de não poder desconhecer que o preço acordado pelas partes para a aquisição das quotas de uma sociedade (no caso, da B…) é conformado não só pela existência dos bens patrimoniais que esta possui, como, também, pela existência de bens incorpóreos que a valorizam, como seja a clientela, o aviamento, etc.
E para chegar a essa conclusão, a Administração Tributária não procedeu a qualquer mecanismo de avaliação das quotas no capital social da C… de forma a apurar qual era o seu valor de mercado, não apurou que bens compunham o seu património, a sua natureza, valia e preço de mercado, não perscrutou a situação económico-financeira desta sociedade, qual a evolução dos seus capitais próprios, qual o seu activo e passivo, se ela chegou a ser explorada no período que mediou entre a data aquisição e a data da dissolução da B…, nem atendeu ao circunstancialismo de a C… ter sido, por sua vez, dissolvida e liquidada pela Impugnante.
Limitou-se a presumir que o valor do património da C… à data da dissolução da B… seria igual ao preço que a Impugnante pagara pela aquisição desta última, com o argumento de que esse preço englobava já o valor da participação financeira no capital da C…, sem atribuir aos restantes bens da B… qualquer valor e sem ponderar que estes terão, naturalmente, contribuído para a formação do respectivo preço de aquisição.
Como salienta o Professor Saldanha Sanches no elucidativo parecer junto aos autos, a Administração não podia ignorar que «quando liquidamos uma sociedade, de duas uma: ou a sociedade tem um património que vale por si, como edifícios, máquinas em bom estado, patentes ou acções ou mesmo estabelecimentos que mantiveram a sua individualidade, esse valores constituem em princípio bens económicos autónomos. Com um valor de mercado. Ou esta tem outro tipo de bens: por exemplo, um conjunto de contratos e uma carteira de clientes que não podem, em princípio ter a natureza de bens autónomos e um específico valor de mercado.». E, assim sendo, tornava-se essencial que a Administração averiguasse quais os concretos bens que compunham o património da C… à data da aquisição da B…, analisando a sua natureza e valor, e quais os concretos bens que compunham esse património à data da liquidação da B… não bastando a sua suspeita ou suposição de que o activo da C… valia 1.446.955.000$00 tanto no momento em que a Impugnante adquiriu B… como no momento da liquidação desta sociedade. E sendo a sociedade C… uma sociedade por quotas, havia que determinar o seu valor de mercado com o recurso aos mecanismos disponíveis, nomeadamente, um estudo de avaliação da empresa ou à situação patrimonial da sociedade verificada em balanço especialmente levantado.
Neste contexto, e embora estando correcto o entendimento assumido pela Administração Fiscal no sentido de que, na partilha de bens da sociedade liquidada, o rendimento - acréscimo é determinado em função do valor de mercado dos bens partilhados (valor de realização), em conformidade com o disposto no artigo 66.º do CIRC, não podemos deixar de concluir que ela não fez prova dos pressupostos legais que legitimam a correcção que efectuou, na medida em que não aduziu elementos fácticos susceptíveis de abalar a presunção de veracidade da declaração do contribuinte, não provando, assim, como lhe competia, o bem fundado da formação da sua convicção quanto ao valor de mercado dos bens transmitidos, quanto ao erro na quantificação das menos-valias e quanto à consequente violação do preceituado no artigo 66.º do CIRC.
Na verdade, a Administração Fiscal actuou baseada na existência de menos-valias inferiores àquelas que foram apuradas e declaradas pela Impugnante, mas os elementos que aduziu no discurso administrativo fundamentador não são bastantes para convencer sobre a adequação do seu juízo, não são suficientes nem adequados para suportar a conclusão a que chegou sobre o erro na quantificação das menos-valias declaradas, impedindo que se tenha como pertinente o juízo que elaborou no sentido de que o contribuinte apurou uma menos-valia superior à devida e que deduziu, assim, um custo indevido.
E não tendo feito prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a correcção do montante das menos-valias declaradas e do custo fiscal deduzido.
Deste modo, apesar de termos julgado como formalmente fundamentado o acto, por se perceberem claramente os motivos que levaram a Administração a não aceitar como custo fiscal a menos-valia apurada pela Impugnante pela operação de aquisição e liquidação da B…, julgamos, também, que a valia substancial dos fundamentos aduzidos não é suficiente e adequada ao juízo formulado em suporte dessa correcção, o que determina a procedência da impugnação por falta de fundamentação substancial, reconduzida a vício de violação de lei por falta de verificação dos pressupostos factuais e jurídicos necessários àquela correcção.
O que leva à manutenção da sentença de anulação dos actos de liquidação impugnados, embora com a fundamentação ora exposta, e conduz a que se negue provimento ao recurso, já que com ele se pretendia a revogação daquela sentença anulatória.
4. Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a sentença de procedência da impugnação judicial, embora com distinta fundamentação.
Sem custas, dado que a Fazenda Pública delas se encontrava isenta nos processos instaurados até 1/01/2004.
Lisboa, 28 de Setembro de 2011. - Dulce Manuel Neto (relatora) – João Valente Torrão – António Calhau.