Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0508/11.2BEALM
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:TAXA
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - O direito ao recebimento (ou, noutra perspetiva, a obrigação do pagamento), de todas as quantias (a que, circunstancialmente, o legislador, na Lei n.º 23/96 de 26 de julho, chama “preço”) respeitantes, entre outros, aos serviços de fornecimento de água, de recolha e tratamento de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos, prescreve decorridos que sejam 6 meses, sobre o momento do respetivo fornecimento/prestação.
II - Para as taxas de manutenção de infraestruturas urbanas (TMIU), não sendo aplicável o prazo prescricional de 6 meses, previsto no art. 10.º n.º 1 da Lei n.º 23/96 de 26 de julho, tem de relevar o de 8 anos, inscrito no art. 15.º n.º 1 do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), a contabilizar nos termos do n.º 3 do mesmo normativo.
Nº Convencional:JSTA00071182
Nº do Documento:SA22021060230508/11
Data de Entrada:04/19/2021
Recorrente:A......., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO SEIXAL
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ART. 10.º, N.º 1 LEI N.º 23/96 (REDACÇÃO LEI N.º 12/2008)
ART. 15.º, N.ºs 1 e 3 LEI N.º 53-E/2006 (RGTAL)
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

A………….., S.A., …, recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, em 20 de novembro de 2020, que julgou parcialmente procedente oposição a execução fiscal (« Julgo parcialmente procedente a presente oposição, por prescrição dos valores cobrados a titulo de consumo de água nas faturas n.º 10536315 de 11/5/2009 e na fatura n.º 10491858, de 8/4/2009, no valor total de EUR 2.172,91, devendo o PEF n.º 208438 prosseguir quanto ao restante. (…). »), instaurada apela Câmara Municipal do Seixal, para cobrança de dívida proveniente do fornecimento de água, no valor de € 8.146,32 e acrescido.
A recorrente (rte) apresentou alegação, encerrada com as seguintes conclusões: «

A. O tribunal a quo que incorreu em erro de julgamento quanto ao enquadramento das taxas incluídas nas faturas da água em execução e omissão de pronúncia ao não apreciar oficiosamente a prescrição das quantias em dívida, por referência à data da prolação da decisão e relativamente a todos os diplomas legais convocados para fundamentar a sentença.
B. São serviço públicos essenciais de acordo com o taxativamente disposto no artigo 1º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho para além do fornecimento de água entre outros, o:
f) Serviço de recolha e tratamento de águas residuais; e os
g) Serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos.
C. Assim às taxas de Resíduos sólidos urbanos (TxRSU) e Taxa de Tratamento de Efluentes, terá de aplicar-se o mesmo regime legal aplicado ao fornecimento de água e concluir pela prescrição das referidas dívidas, nos termos do disposto na Lei n.º 23/96, de 26 de Julho na redação dada pela Lei 12/2008, de 26 de fevereiro.
D. Nos contratos de prestação de serviços públicos essenciais o valor pago pelo utente é um preço e não uma taxa.
E. O preço não deriva de uma relação jurídico-tributária, mas de uma relação de direito privado, uma vez que a autarquia, na qualidade de prestador de serviço não actua dotada de ius immperii.
F. Situação que, aliás, o legislador veio a reconhecer ao consagrar no art. 4º nº 4 al. e) do ETAF Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro na redação dada pela lei 114/2019 de 12 de Setembro, que, estão excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
e) A apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva.
G. Quanto à taxa de Taxa Manutenção de Infraestruturas Urbanísticas (TxMIU) apesar de a mesma não estar taxativamente prevista na lei dos serviços públicos essenciais, não vemos quaisquer razões para que não seja considerada como tal e considerada um preço.
H. Nestes termos deve o presente recurso ser admitido e a sentença proferida pelo TAF de Almada ser substituída por acórdão que reconheça que todas taxas incluídas nas faturas de fornecimento de água são na verdade preços de serviços públicos essenciais e portanto sujeitos ao regime da Lei Lei n.º 23/96, de 26 de Julho na redação dada pela Lei 12/2008, de 26 de fevereiro, encontrando-se prescritos.
I. Contudo e mesmo que assim não se entenda, sempre, relativamente à taxa, de Manutenção de Infraestruturas Urbanísticas (TxMIU) e a todas as demais caso seja decidido aplicar-lhes o regime do RGTAL aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, competia ao tribunal a quo apreciar - à data da decisão - (e não apenas à data da instauração da execução) por tal ser de conhecimento oficioso, no termos do disposto no art. 175º do CPPT, a prescrição dessas quantias, nos termos do disposto no artigo 15º nº 3 do RGTAL atento o lapso de tempo já decorrido desde a instauração da execução e a presente data.

NESTES TERMOS, NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, A QUAL DEVERÁ SER SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE CONSIDERE PRESCRITA NA INTEGRA A DÍVIDA EXEQUENDA.
FAZENDO-SE JUSTIÇA! »
*

Não foram formalizadas contra-alegações.


*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso, com a manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, consta: «

Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

1. Em 21/4/2009, o Município do Seixal emitiu a fatura da água n.º 10491858, em nome da Oponente, relativa ao consumo de água do período de 10/3/2009 a 8/4/2009 no valor total de EUR 4.234,49, constante a fls. 5 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, da qual consta:

“(…)
Água: EUR 1998,08
Taxa Resíduos sólidos urbanos (TxRSU): EUR 138,43
Taxa Manutenção de Infra - Estruturas Urbanísticas (TxMIU): EUR 999,04
Taxa Tratamento de Efluentes: EUR 999,04
(…)”

2. Em 30/4/2009, a oponente rececionou a fatura da água n.º 10491858, descrita no ponto que antecede (cf. Carimbo de receção a fls. 5 dos autos).

3. Em 16/5/2009, o Município do Seixal emitiu a fatura da água n.º 10536315, em nome da Oponente, relativa ao consumo de água do período de 9/4/2009 a 11/5/2009 no valor total de EUR 395,29, constante a fls. 7 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, da qual consta:

“(…)
Água: EUR 174,83
Taxa Resíduos sólidos urbanos (TxRSU): EUR 36,88,43
Taxa Manutenção de Infra - Estruturas Urbanísticas (TxMIU): EUR 87,42
Taxa Tratamento de Efluentes: EUR 87,42
(…)”

4. Em 25/5/2009, a oponente rececionou a fatura da água n.º 10536315, descrita no ponto que antecede (cf. Carimbo de receção a fls. 7 dos autos).

5. Em 16/6/2009, o Município do Seixal instaurou à oponente o processo de execução fiscal, com base na certidão de dívida n.º 200931/223, no valor de EUR 4.234,49, proveniente da fatura n.º 10491858 do ano económico de 2009 (cf. certidão de dívida a fls. 3 do Processo de Execução Fiscal).

6. Em 8/7/2009, a Município do Seixal, instaurou à oponente o processo de execução fiscal n.º 16161, com base na certidão de dívida n.º 200943/518, para cobrança do valor em dívida de EUR 395,29 emitida em 8/7/2009 (cf. certidão de dívida a fls. 10 do Processo de Execução apenso aos autos).

7. Em 9/7/2009, o Município do Seixal emitiu o ofício de citação constante a fls. 4 do Processo de Execução Fiscal, para pagamento do valor total de EUR 4.281,55 relativo às faturas n.º 10536315 de 11/5/2009 no valor total de EUR 395,29 e da fatura n.º 10491858, de 8/4/2009, no valor de EUR 3886,26, (cf. ofício de citação a fls. 4 do Processo Executivo Tributário).

8. Em 27/9/2010, o Município do Seixal enviou à oponente o ofício n.º 37181, constante de fls. 15 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto “Resposta a Reclamação Fatura de ÁGUA n.º 10491858”.

9. Em 21/10/2010, a Oponente enviou à Câmara Municipal do Seixal o requerimento constante de fls. 11 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto “Reclamação da fatura da Água n.º 10491858”.

10. Em 14/1/2011, o Município do Seixal emitiu a fatura da água n.º 40790821, em nome da Oponente, relativa ao consumo de água do período de 11/12/2010 a 10/1/2011, no valor total de EUR 3.864,77, constante a fls. 9 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, da qual consta:

“(…)
Água: EUR 1.831,05
Taxa Resíduos sólidos urbanos (TxRSU): EUR 92,81
Taxa Manutenção de Infra - Estruturas Urbanísticas (TxMIU): EUR 915,52
Taxa Tratamento de Efluentes: EUR 915,52
(…)”

11. Em 25/1/2011, a Oponente enviou à Câmara Municipal do Seixal o requerimento constante de fls. 13 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto “Reclamação da fatura da Água n.º 40790821”.

12. Em 15/3/2011, a Município do Seixal, instaurou à oponente o processo de execução fiscal n.º 16162, com base na certidão de dívida n.º 298/706, para cobrança do valor em dívida de EUR 3864,77 emitida em 15/3/2011 (cf. certidão de dívida a fls. 15 e 16 do Processo de Execução apenso aos autos).

13. Em 16/3/2011, o Município do Seixal enviou à oponente, o ofício de citação constante a fls. 17 do Processo de Execução Fiscal, para pagamento do valor total de EUR 8.146,32, relativo às faturas n.º 40790821 de 10/1/2011, no valor de EUR 3.864,77, fatura n.º 10536315 de 11/5/2009, no valor total de EUR 395,29 e da fatura n.º 10491858 de 8/4/2009, no valor de EUR 3886,26, (cf. ofício de citação a fls. 17 do Processo Execução).

14. Em 23/3/2011, a oponente rececionou o ofício de citação descrito no ponto que antecede (cf. carimbo de receção a fls. 4 dos autos).

15. Em 15/4/2011, o ora oponente apresentou no Município do Seixal a presente oposição à execução fiscal (cf. fls. 2 dos autos). »

***


A única questão candente, neste processo, é a da prescrição da dívida exequenda, que a sentença recorrida dirimiu, nestes moldes, argumentativos: «


(…).
A prescrição extintiva - cujo decurso do prazo legal e a sua invocação por quem a mesma aproveita extingue o direito do credor - visa evitar que este, por inércia, retarde em demasia a exigência de créditos que sejam periodicamente renováveis, dificultando a prestação a cargo do devedor.
O prazo de prescrição relativamente às obrigações de pagamento pelo consumo de água faturada, conta-se a partir da data em que terminou o período de faturação em causa, ou seja, desde o primeiro dia do mês sequente ao fornecimento, momento em que a dívida se tornou exigível.
Nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 12/2008, de 26 de fevereiro, o legislador determina o seguinte:
“(…)
Artigo 10.º
Prescrição e caducidade
1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efetuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.
3 - A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efetuar o pagamento.
4 - O prazo para a propositura da acção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.
5 - O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão. (…)
Estão em causa nos presentes autos as seguintes faturas:
- A fatura da água n.º 10491858, relativa ao consumo de água do período de 10/3/2009 a 8/4/2009 no valor total de EUR 4.234,49, emitida em 21/4/2009 e recebida pela oponente em 30/4/2009 (cf. pontos 1. e 2. dos factos provados).
- A fatura da água n.º 10536315, relativa ao consumo de água do período de 9/4/2009 a 11/5/2009 no valor total de EUR 395,29, emitida em 16/5/2009 e recebida pela Oponente em 25/5/2009 (cf. pontos 3. e 4. dos factos provados).
Em 16/6/2009, o Município do Seixal emitiu a certidão de dívida n.º 200931/223, no valor de EUR 4.234,49, proveniente da fatura n.º 10491858, e em 9/7/2009, emitiu o ofício de citação, para pagamento do valor total de EUR 4.281,55 relativo às faturas n.º 10536315 de 11/5/2009 no valor total de EUR 395,29 e da fatura n.º 10491858, de 8/4/2009, no valor de EUR 3886,26 (cf. pontos n.º 5 e n.º 6 dos factos provados).
Contudo, o Município do Seixal não apresenta prova do envio à oponente, do ofício de citação para pagamento do valor total de EUR 4.281,55 relativo às faturas n.º 10536315 de 11/5/2009 no valor total de EUR 395,29 e da fatura n.º 10491858, de 8/4/2009, no valor de EUR 3886,26, ou seja, prova da citação efetuada à oponente no prazo de seis meses previsto no artigo 10.º da Lei n.º 12/2008, de 26 de fevereiro.
Nos termos do n.º 2, do artigo 11.º do Decreto-Lei 12/2008, de 26 de fevereiro, incide sobre o prestador do serviço o ónus da prova da realização das comunicações a que se refere o artigo 10.º, relativas à exigência do pagamento e do momento em que as mesmas foram efetuadas.
Uma vez que, o Município do Seixal não apresenta prova da realização da citação da oponente no prazo de seis meses, conclui-se que a obrigação do pagamento do valor EUR 2.172,91, relativa ao consumo de água nestas duas faturas se encontra prescrito.
Porém, não está prescrita a obrigação do pagamento dos valores em cobrança nas faturas n.º 10536315 de 11/5/2009 e da fatura n.º 10491858, de 8/4/2009, relativos às taxas Taxa Resíduos sólidos urbanos (TxRSU), Taxa Manutenção de Infraestruturas Urbanísticas (TxMIU) e Taxa Tratamento de Efluentes, uma vez que são taxas e, por isso, sujeitas ao regime da prescrição previsto no RGTAL, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, e que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007, nos termos do art. 18.º da Lei que o aprovou.
O prazo de prescrição é o de 8 anos previsto no n.º 1 do art. 15.º do RGTAL, a contar, desde 1/1/2009, pelo que em 16/3/2011, data em que se verifica que ocorreu efetivamente a citação da oponente, não estavam prescritas as referidas taxas, uma vez que a citação constitui causa de interrupção da citação, à luz do n.º 2 do art. 15.º do RGTAL. »

A rte invetiva este julgamento e sustenta a prescrição total da quantia em execução coerciva, com a defesa de que, também, as quantias respeitantes às taxas de resíduos sólidos urbanos (TRSU), às taxas de tratamento de efluentes (TTE) e às de manutenção de infraestruturas urbanísticas (TMIU), só podiam (como as quantias respeitantes ao consumo de água) ser exigidas no prazo de 6 meses, nos termos e para os efeitos da Lei n.º 23/96 de 26 de julho, na redação da Lei n.º 12/2008 de 26 de fevereiro.

Relativamente às TMIU (bem como, às demais - TRSU e TTE -), se for entendido ser aplicável o quadro normativo decorrente do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), aprovado pela Lei n.º 53-E/2006 de 29 de dezembro, igualmente, até à data de interposição do recurso, já, havia decorrido o prazo prescricional de 8 anos.

Para clarificar a discussão seguinte, importa começar por mencionar que a dívida exequenda, total, dos processos de execução fiscal, visados pela presente oposição, tem na base a emissão, pelo município do Seixal, de três faturas, com os números 10491858 (de 21 de abril de 2009), 10536315 (de 16 de maio de 2009) e 40790821 (de 14 de janeiro de 2011), todas ostentando verbas, parcelares, respeitantes a água, TRSU, TMIU e TTE (Pontos 1., 2. e 10. dos factos provados.).

O tribunal recorrido, com os fundamentos acima transcritos, entendeu que prescreveu a obrigação do pagamento de € 2.172,91, respeitante “ao consumo de água”, constante das faturas n.ºs 10491858 e 10536315 e nada mais, ou seja, não prescreveram os montantes relativos às TRSU, TMIU e TTE, inscritos nas mesmas. Outrossim, também, assumiu a não prescrição de quaisquer das quantias (incluindo a do “consumo de água”) mencionadas na fatura n.º 40790821.

Versando o entendimento de não declarar prescritas as demais quantias das duas primeiras faturas, verificamos que assentou no pressuposto de que só à respeitante ao consumo de água beneficiava do prazo prescricional de 6 meses, previsto no art. 10.º n.º 1 da Lei n.º 23/96 de 26 de julho, na redação da Lei n.º 12/2008 de 26 de fevereiro. Com todo o respeito, erradamente.

Nos próprios dizeres da Lei n.º 23/96 de 26 de julho, visou, esta, “cria(r) no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais”, pelo que, logo, no seu art. 1.º n.º 2 consagrou uma lista dos “serviços púbicos abrangidos”, entre os quais, expressamente, o “Serviço de fornecimento de água;”, “Serviço de recolha e tratamento de águas residuais;” e “Serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos.” - cf. alíneas a), f) e g). E, em sede de “Prescrição e caducidade”, o, já, mencionado art. 10.º n.º 1 dispõe: “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.

Deste cenário normativo, decorre, para nós, inquestionável a vontade do legislador, no sentido de que o direito ao recebimento (ou, noutra perspetiva, a obrigação do pagamento), de todas as quantias (a que, circunstancialmente, chama “preço”) respeitantes, entre outros, aos serviços de fornecimento de água, de recolha e tratamento de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos, prescreve decorridos que sejam 6 meses, sobre o momento do respetivo fornecimento/prestação (“Considera-se prestador dos serviços abrangidos pela presente lei toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços referidos no n.º 2, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não de contrato de concessão.” - art. 1.º n.º 4.). Assim sendo, estando-se em presença de um, claro, regime privativo, específico, do instituto da prescrição, temos de assumir, no que releva para a situação julganda, entendimento, no sentido da defesa de que, independentemente, da designação dada, pelo prestador dos serviços abrangidos pela versada Lei n.º 23/96 de 26 de julho (como, in casu, “taxas”), o prazo prescricional, transversalmente, aplicável a todas, é o de seis meses.

Consequência, imediata, desta conclusão, a sentença recorrida errou, ao não haver declarado a prescrição da obrigação, da executada (ora, rte), de pagar as quantias, inscritas nas faturas números 10491858 (de 21 de abril de 2009) e 10536315 (de 16 de maio de 2009), respeitantes a TRSU e TTE, seguindo, singelamente, o mesmo raciocínio e argumentação desenvolvida, para justificar a decretada prescrição da parcela da dívida relativa ao consumo de água.

Remanesce, portanto, destas duas faturas, o tratamento, quanto à prescrição, dos valores respeitantes às TMIU, taxas de manutenção de infraestruturas urbanas, relativamente aos quais, de imediato, podemos asseverar, não lhes ser aplicável o prazo prescricional de 6 meses, previsto no art. 10.º n.º 1 da Lei n.º 23/96 de 26 de julho, porque tais serviços de manutenção estão fora da lista (restrita) de serviços públicos essenciais (abrangidos), constante do art. 1.º n.º 2 da identificada lei. Quanto a estas, portanto, laborou com acerto, o julgador, ao apontar como prazo prescricional, relevante, o de 8 anos, previsto no art. 15.º n.º 1 do RGTAL, porquanto, estando em causa a obrigação do pagamento de uma taxa a uma autarquia local, o tratamento da relação jurídico-tributária em causa tem de ser operada no âmbito do regime normativo instituído pela Lei n.º 53-E/2006 de 29 de dezembro (vulgo, RGTAL) e, obviamente, respeitando o regime, específico, privativo, de prescrição, na mesma inscrito.

Contudo, no que tange à contagem do prazo de prescrição em causa, uma vez mais, emerge o cometimento de errado julgamento.

Em primeiro lugar, os operantes 8 anos não se contam desde 1 de janeiro de 2009, mas, sim, das datas da ocorrência dos correspondentes factos tributários; concretamente, entre 10 de março e 11 de maio de 2009.

Num segundo momento, mostrando-se correto afirmar que o disputado prazo prescricional foi interrompido pela citação da oponente, acontecida, quanto a todas as execuções fiscais/faturas, em 16 de março de 2011 - ponto 13. dos factos provados, o tribunal recorrido, ao julgar o caso, no final do ano de 2020, olvidou o regime previsto no art. 15.º n.º 3 do RGTAL (« A paragem dos processos de reclamação, impugnação e execução fiscal por prazo superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar a interrupção da prescrição, somando-se, neste caso, o tempo que decorreu após aquele período ao que tiver decorrido até à data da autuação. »), cuja consideração podia (pode) conduzir a resultado diverso, em função do devir processual dos processo de execução fiscal objeto desta oposição.

Quanto ao julgamento da prescrição envolvendo as quantias inscritas na fatura n.º 40790821 (de 14 de janeiro de 2011) (Ponto 10. dos factos provados.), na sentença sob crítica, decidiu-se que o direito de recebimento, pelo município, das quantias, parcelares, de consumo de água, TRSU, TTE e TMIU (e outros acréscimos), no montante total de € 3.864,77, não se encontrava afetado por extinção prescritiva, em virtude de os prazos, aplicáveis, de 6 meses e 8 anos, terem sido interrompidos pela citação efetivada em 16 de março de 2011.

Conferindo, em sintonia com o acima expresso, o prazo de prescrição, das quantias relativas a água, TRSU e TTE (respetivamente, € 1.831,05, € 92,81 e € 915,52), de 6 meses, contados, das datas dos fornecimentos/prestações, nos termos do art. 10.º n.º 1 da Lei n.º 23/96 de 26 de julho, in casu, para as quantias mais antigas, desde 11 de dezembro de 2010, objetivamente, não tinha sido consumido, em 16 de março de 2011, aquando da realização da citação da executada/oponente, ato este que, como vimos, implicou a interrupção da discutida prescrição e, necessariamente, a inutilização de todo o tempo decorrido até aí, com o acrescento de que o novo prazo de prescrição (de 6 messes) só começará a correr, de novo, quando a execução fiscal respetiva for extinta (ou declarada em falhas a dívida exequenda e acrescido) - arts. 326.º n.º 1 e 327.º n.º 1, com as devidas adaptações, ambos do Código Civil (CC).

Outrossim, o prazo de prescrição, da quantia relativa à TMIU (€ 915,52), de 8 anos, contado, das datas de ocorrência dos factos tributários, nos termos do art. 15.º n.º 1 do RGTAL, casuisticamente, para as quantias mais antigas, desde 11 de dezembro de 2010, não tinha sido consumido, em 16 de março de 2011, aquando da realização da citação da executada/oponente, ato este que, como vimos, implicou a interrupção da discutida prescrição. Porém, aqui, ao invés, do acabado de dizer, a citação não detém o efeito de impedir (até ao decesso da execução fiscal) o início da contagem de novo prazo de 8 anos, mostrando-se necessário operar, após recolher os dados factuais pertinentes, o regime positivado no n.º 3 do coligido art. 15.º.

Em suma:

- prescreveu o direito, do município do Seixal, de receber as quantias, relativas a água (prescrição afirmada na sentença recorrida), TRSU e TTE (e correspondentes acréscimos), inscritas nas faturas números 10491858 (de 21 de abril de 2009) e 10536315 (de 16 de maio de 2009);

- não prescreveu o seu direito ao recebimento das quantias, referentes a água, TRSU e TTE (e correspondentes acréscimos), inscritas na fatura número 40790821 (de 14 de janeiro de 2011);

- no que concerne às quantias em dívida, nas três faturas identificadas, respeitantes a “Taxa Manutenção de Infra-Estruturas Urbanísticas” (TMIU), terá o tribunal recorrido de desenvolver as diligências probatórias, necessárias e adequadas, tendentes a poder dispor de todos os dados de facto disponíveis para realizar a contagem do aplicável prazo prescricional, de 8 anos, no respeito, além do mais, pelo disposto no art. 15.º n.º 3 do RGTAL.


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# III.


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder parcial provimento ao recurso;

- declarar prescrito o direito, do município do Seixal, de receber as quantias, relativas a água, TRSU e TTE (e correspondentes acréscimos), inscritas nas faturas números 10491858 (de 21 de abril de 2009) e 10536315 (de 16 de maio de 2009);

- determinar a volta do processo, ao TAF de Almada, para os fins supra assinalados.


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Custas por recorrente e recorrido (Município do Seixal), nas proporções de 65% e 35%, respetivamente; sendo que, o recorrido não paga taxa de justiça, por não haver contra-alegado.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 23 de junho de 2021


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Pela (o) Exma. (o.) Senhora/Senhor Conselheira (o) Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro e Francisco António Pedrosa de Areal Rothes, na condição de adjuntos, foi transmitido, enquanto relator, a mim, Aníbal Augusto Ruivo Ferraz, voto de conformidade, com os fundamentos e a decisão supra - artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março.