Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0211/18
Data do Acordão:07/04/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:VALOR DA CAUSA
INTIMAÇÃO PARA COMPORTAMENTO
Sumário:No nº 2 do artº 97º-A do CPPT estão contemplados, potencialmente, todos os processos judiciais tributários previstos no artº 97º do CPPT com excepção dos que não estão excepcionados no nº 1 e suas alíneas, do mesmo preceito.
Nº Convencional:JSTA000P23489
Nº do Documento:SA2201807040211
Data de Entrada:02/27/2018
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1) Relatório:
A………………. SA veio apresentar petição de intimação para um comportamento contra a Administração Tributária na qual peticionou o reembolso de IRC no montante de 856.743,23 Euros e ainda de 85.191,61 Euros de juros indemnizatórios e atribuiu à acção o valor de 30.000 Euros.

Por decisão judicial de 20/10/2017 foi indeferida a intimação requerida e fixado o valor à acção no montante de 856.743,23 Euros.

Notificada que foi da decisão reagiu a apresentante da dita petição apresentando recurso para este STA circunscrito à questão da fixação do valor da causa apresentando alegações que culminam com as seguintes conclusões:

A) A meritíssima Juiz do tribunal recorrido fixou o valor da causa em €856.743,23.

B) O despacho recorrido ao fixar o valor da causa:

i) não ponderou a complexidade do processo, nem a situação económica da recorrida;

ii) nem respeitou o limiar da alçada dos tribunais judicias de 1ª instância.

C) Nessa medida a sentença recorrida, na parte em que fixa o valor da causa não cumpre o dever de fundamentação e viola os artigos n° 2 do artigo 97-A do CPPT e nº 1 do artigo 44 da Lei de Organização do Sistema Judiciário.

Termos em que, com fundamento em erro grosseiro na fixação do valor da causa, nessa parte deve ser anulada a sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A fls. 137 dos autos a Mª Juíza de 1ª Instância supriu a nulidade decorrente da falta de fundamentação da decisão de fixação do valor da causa, atento o disposto no artigo 615.º n.º 1 b), proferindo o despacho a que se refere o artigo 617.º n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi artigo 2.º alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário. [

E, ponderou quanto ao valor da causa que o mesmo era de fixar em €856.743,23 pois que: “Nesta intimação para um comportamento, apresentada em 07.01.2013, ao abrigo do disposto no artigo 147.º do CPPT, com base na alegação de que a AT não procedeu à liquidação dos montantes apurados por via das declarações apresentadas, nem ao respectivo reembolso, perfazendo o direito ao reembolso o valor de € 527.318,67, em 2004, de € 326.287,45, em 2005 e de €3.137,41, em 2007, totalizando o montante de €856.743,23 [cfr. artigo 11 da petição inicial], formula-se o pedido de que a AT seja intimada a “efectivar o reembolso do valor devido, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos na data do efectivo pagamento”.

O Ministério Público neste STA emitiu parecer nos seguintes termos:

“O recurso é de improceder, sendo de confirmar o decidido, quanto ao valor com a doutrina que se cita”.

2- FUNDAMENTAÇÃO:

A decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

1. Em 11.11.2010, foi comunicado à Requerente o acórdão do Tribunal Constitucional, de 09.11.2010, que indefere a reclamação da decisão sumária que havia sido proferida pelo mesmo Tribunal, em 28.09.2010, onde, além do mais, consta o seguinte:

“Mediante decisão proferida em 11.09.2009, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF) rejeitou liminarmente a oposição à execução fiscal, deduzida pela A…………… (...), com fundamento notado de a mesma ter sido deduzida fora de prazo.

A executada interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul, sustentando, em síntese, a tempestividade da oposição e alegando que a dívida exequenda se encontra prescrita (...). Por acórdão de 18.05.2010, o Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento ao recurso. A executada apresentou requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (...).

Assim, pela ausência de requisitos essenciais ao conhecimento do mérito do recurso, relativamente a ambas as questões de constitucionalidade colocadas pela Recorrente, não é possível a sua apreciação, pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada (...).“

[cfr. cópia de acórdão junta pela requerente como articulado inicial como doc. n.º 1, de fls. 3-29 do processo físico].

2. Em 11.05.2011, a requerente submeteu uma declaração de rendimentos, modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2004, assinalando no quadro 4, relativo ao tipo de declaração, o campo 6 “declaração de substituição (art.º 122.º n. 3)” e a “data 2010-11-12” e no quadro 10, relativo ao cálculo do imposto, inscreveu no campo 367, o total a pagar de 199.668,40.

[cfr. cópia de comprovativo de entrega de declaração via internet, junta pela requerente com o articulado inicial como doc. n.º 2, de fls. 30-35 do processo físico].

3. Em 11.05.2011, a requerente submeteu uma declaração de rendimentos, modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2005, assinalando no quadro 4, relativo ao tipo de declaração, o campo 6 “declaração de substituição (art.º 122.º, n.º 3)” e a “data 2010-11-12” e no quadro 10, relativo ao cálculo do imposto, inscreveu no campo 368, o total a recuperar de 25.582,21.

[cfr. cópia de comprovativo de entrega de declaração via internet, junta pela requerente com o articulado inicial como doc. n.º 3, de fls. 36-41 do processo físico].

4. Em 11.05.2011, a requerente submeteu uma declaração de rendimentos, modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2007, assinalando no quadro 4, relativo ao tipo de declaração, o campo 6 “declaração de substituição (art.º 122.º n.º 3)” e a “data 2010-11-12” e no quadro 10, relativo ao cálculo do imposto, inscreveu no campo 368, o total a recuperar de 3.105,59.

[cfr. Cópia de comprovativo de entrega de declaração via internet, junta pela requerente com o articulado inicial como doc. n.º 4, de fls. 42-47 do processo físico].

5. Em 07.01.2013, foi remetido a este Tribunal o requerimento inicial desta acção.

[cfr. Requerimento inicial e vinheta correspondente ao registo dos CTT a posta no envelope ao mesmo anexa, de fls., 2-8 do processo físico].

DECIDINDO NESTE STA

A questão a decidir prende-se apenas com o valor atribuído à causa que passou do valor indicado pela recorrente (30.000 Euros) para o valor fixado e agora sindicado de 856.743.23 euros, estando pois ultrapassada a questão da bondade da decisão que indeferiu o meio impugnatório que não é aqui sindicada.

Mostra-se correcta a decisão que fixou o valor da causa no montante acabado de referir?

Vejamos: A fundamentação da mesma assentou nas seguintes considerações:

“(…) Porque a intimação para um comportamento não é um meio processual impugnatório e o n.º 2 do artigo 97.º-A do CPPT apresenta critérios de fixação do valor da acção que não são aplicáveis em meios processuais não impugnatórios (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e comentado, 5.ª Edição, 2011, página 75] e decorre da lei que o valor a atribuir à causa representa a utilidade económica imediata do pedido [artigo 305º do CPC (redacção anterior a 01.09.2013, equivalente ao artigo 31.º n.º 1 do CPTA sendo, in casu, a utilidade económica imediata do pedido formulado a do valor correspondente ao reembolso que se pretendia que a AT fosse intimada a pagar, fixo o valor da causa em 856.743.23 euros. Notifique(…)”.

Vejamos agora a lei:

Dispõe o artigo 97.º-A, sob a epígrafe “Valor da causa”:

1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;

c) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;

d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício.

e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.

2 - Nos casos não previstos nos números anteriores, o valor é fixado pelo juiz, tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica do impugnante, tendo como limite máximo o valor da alçada da 1.ª instância dos tribunais judiciais.

3 - Quando haja apensação de impugnações ou execuções, o valor é o correspondente à soma dos pedidos.

Este normativo foi aditado pelo DL nº 34/2008, de 26/2 e é aplicável a processos (e respectivos incidentes, recursos e apensos) iniciados a partir de 20/4/2009 (cfr. os arts. 26º e 27º desse DL, na redacção dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12). É por isso aplicável ao caso dos autos. Neste preceito legal estabelecem-se as regras segundo as quais deve ser atribuído um valor concreto aos processos que corram os seus termos nos Tribunais Tributários e em que se discutam questões relativas a tributos.

O despacho recorrido, apoiou-se na doutrina expressa por Jorge Lopes de Sousa in CPPT Comentado e anotado 6ª edição de 2011 vol. II a fls. 74 e 75 anotação 8ª ao artº 97-A do CPPT sob o título “valor nos processos não impugnatórios” onde se refere que os critérios de fixação do valor, previstos no artº 97-A do CPPT não se aplicam a processos não impugnatórios e que se o valor não dever ser calculado pelas regras especiais no caso dos processos referidos no artº 12º do Regulamento das Custas Processuais então é de aplicar o critério da utilidade económica do pedido previsto na lei processual civil. E, daí que tenha concluído que tal utilidade económica imediata do pedido formulado é a do valor correspondente ao reembolso que se pretendia que a AT fosse intimada a pagar, tendo fixado o valor da causa em 856.743.23 euros.

Reconhecidamente, ocorrem algumas dificuldades de interpretação do nº 2 do artº 97-A do CPPT, como aliás dá conta o referido autor na obra referida, impondo-se uma leitura do preceito por atenção ao seu teor literal sim, mas conjugado com os outros elementos interpretativos a que se refere o artº 9º do C. Civil designadamente o pensamento/espírito legislativo por forma a que não sejamos remetidos para situações absurdas como aquela a que se reportam os autos onde um simples pedido de intimação para que a AT efectue um reembolso tributário determinou através de uma leitura estritamente formal da lei, efectuada pela decisão recorrida, na fixação do valor da causa no valor supra referido. Assim quando o referido preceito no seu nº 2 se refere “a condição económica do impugnantedepois de elencar no número anterior e suas alíneas os meios impugnatórios para os quais fixou outras regras de fixação do valor da causa, (sendo que a alínea e) foi aditada pela Lei nº 66-B/2012 de 31/12) tal pode significar que os critérios ali definidos se aplicam a outros processos de entre os referidos no artº 97º do CPPT e, designadamente, à intimação para um comportamento. O impugnante na expressão legal será pois o sujeito passivo que reage contra a acção ou omissão da Administração Tributária através de outros meios que não tenham declaradamente natureza impugnatória (Como observa Jorge L. de Sousa na mesma obra e local têm natureza impugnatória, a impugnação de actos de apreensão (artº 143º do CPPT), a impugnação de providências cautelares adoptadas pela Administração Tributária (artº 144º do CPPT); a reclamação de actos praticados na execução fiscal (artº 276º do CPPT) ao recurso de actos de derrogação do sigilo bancário). E, não tem, ostensivamente, natureza impugnatória o processo judicial tributário ”intimação para um comportamento”, que é o caso que nos ocupa. Assim, cremos que a melhor interpretação é aquela que aceita que no nº 2 do artº 97º-A do CPPT estão contemplados, potencialmente, todos os processos judiciais tributários previstos no artº 97º do CPPT com excepção dos que não estão excepcionados no nº 1 e suas alíneas, do dito artº 97-A do CPPT:

Se ocorrerem, ainda, casos omissos temos de atender à lei supletiva (CPTA ou CPC conforme a natureza do caso omisso, como impõe o art. 2º, alíneas c) e e) do CPPT.

No caso dos autos e uma vez que estamos perante um pedido de intimação para um comportamento para o qual não está previsto um valor específico cremos que com a interpretação perfilhada poderá e deverá ser aplicado o critério previsto no artigo 97-A nº2 do CPPT que se mostra perfeitamente adequado e ajustado.

A conclusão seguinte e final é a de que se mostra incorrecta a decisão recorrida quanto à fixação do valor da causa, o qual se alterará e fixará por atenção ao critério a que supra nos referimos.

4- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em conceder provimento ao recurso e em revogar a decisão recorrida. Mais, conhecendo em substituição, fixam o valor da causa em cinco mil (5000) Euros.

Sem custas.

Lisboa, 4 de Julho de 2018. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.