Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0974/13
Data do Acordão:11/27/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IMPOSTO DE SELO
BASE DE INCIDÊNCIA
USUCAPIÃO
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
Sumário:Tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi erguida uma construção, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo.
Nº Convencional:JSTA00068475
Nº do Documento:SA2201311270974
Data de Entrada:05/30/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIS ART1 ART2 ART3 ART13.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0619/12 DE 2012/10/17; AC STA PROC01120/11 DE 2012/02/08; AC STA PROC01082/11 DE 2012/02/23; AC STA PROC0818/11 DE 2012/02/29; AC STA PROC0833/11 DE 2012/03/07
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, julgou procedente a impugnação deduzida por A………, com os demais sinais dos autos, contra liquidação adicional de imposto de selo, no montante de 4.113,50 Euros.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de Imposto de Selo com o nº 151133, emitida em 2006-06-09, no montante de 4.113,50 Euros, por haver concluído que "A liquidação de imposto de selo só pode realizar-se sobre o valor do terreno objecto da escritura de justificação.".
B. Sendo a questão a decidir por que valor deve incidir o imposto de selo devido pela transmissão efetuada naquela escritura de justificação, em ordem aos artigos 1º, nº 1 e 3, alínea a); 2º, nº 2, alínea b); 3º, nº 3 alínea a) e, Verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo,
C. não pode, com o respeito devido por diversa opinião, concordar a Fazenda Pública com a conclusão do Tribunal a quo, de que a construção do imóvel sendo "uma benfeitoria realizada pelos justificantes ela não pode incluir-se no âmbito da aquisição por usucapião para efeitos de liquidação do Imposto de Selo devido pela escritura de justificação.".
Pois,
D. Em sede de Imposto de Selo, a quantificação da obrigação tributária será efetuada a partir do valor do prédio, tal como ele é descrito na escritura de justificação notarial e, à data da sua celebração, em ordem aos artigos 5º, nº 1, alínea r) e 13º, nº 1 do CIS.
E. Apesar do concluído, entendeu o Tribunal a quo, "que a escritura de justificação refere-se à justificação do prédio urbano conforme resulta dos três primeiros parágrafos da transcrição da matéria de facto julgada provada na alínea A)...".
F. No caso concreto, foram os próprios outorgantes que declararam, à data da escritura, serem donos de um prédio urbano, mas não detentores de qualquer título formal que legitime o domínio do mesmo, encontrando-se apenas inscrito na respetiva matriz predial urbana em nome dos justificantes e, não de um prédio rústico,
G. bem como atribuíram um valor a esse mesmo prédio urbano, coincidente com o valor patrimonial constante da respetiva matriz predial urbana, sob o artigo 374, à data da escritura ("DEZASSEIS MIL QUATROCENTOS E VINTE E OITO EUROS E CINQUENTA CÊNTIMOS").
H. Daí que, nos termos do art. 13º, nº 1 do CIS (que determina que o valor do imóvel a atender é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão ou, o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial), seja o valor do prédio urbano, o relevante para a fixação do imposto de selo,
I. que apenas não coincide no caso em concreto com o valor constante da matriz declarado na escritura face às regras a atender nos termos do art. 15º e 27º do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, uma vez que se tratava de um prédio ainda não avaliado segundo as regras do IMI, retroagindo, no entanto, o valor patrimonial fixado nos termos daquele código, a essa mesma data.
J. Assim, se na própria escritura de justificação se atendeu ao valor patrimonial do prédio urbano constante da matriz predial urbana, atribuindo os justificantes o mesmo valor e, não ao valor do terreno sem a construção edificada, não se entende como melhor interpretação, perante o previsto no art. 13º, nº 1 do CIS,
K. deduzir, desse mesmo valor patrimonial do prédio a que a escritura de justificação se refere - o prédio urbano - o valor do terreno do prédio rústico, quando dessa mesma escritura não consta sequer a referência à inscrição na respetiva matriz predial rústica desse mesmo terreno ou, sequer o pedido de inscrição porque omisso à matriz,
pois,
L. o prédio objeto de justificação foi o prédio urbano e, não o prédio rústico e, é ao valor deste prédio urbano constante da matriz à data da escritura de justificação, que se deve atender para efeitos de liquidação de imposto de selo pela transmissão fiscalmente ocorrida.
M. Para além dos normativos legais ínsitos no CIS acabados de referir, importa ainda, atentar que, da concatenação dos arts. 92º do CN e 117º-A do CRP, resulta que as aquisições por usucapião formalizadas por escritura de justificação realizada na vigência do CIS, só podem reportar-se aos direitos reais inscritos na matriz à data da celebração da escritura pública de justificação notarial ou, cuja inscrição se encontre pedida na mesma data.
N. Acrescendo ainda que, nos termos do disposto no art. 30º, nº 1 do CRP nos "títulos respeitantes a factos sujeitos a registo, a identificação dos prédios não pode ser feita em contradição com a inscrição na matriz".
O. E, a inscrição na matriz, como referido na escritura de justificação, era relativa ao prédio urbano, que inclui o terreno e a edificação, cujo valor patrimonial engloba aquela total realidade,
pelo que,
P. o valor a atender, para efeitos de incidência do imposto de selo, em causa nos autos, nos termos dos já citados preceitos, reitera-se, deve ser o valor patrimonial do prédio urbano objeto da escritura de justificação, considerado na liquidação controvertida e, não apenas o do terreno, cujo valor nem foi atribuído pela justificante/impugnante na escritura de justificação, nem consta da respetiva matriz predial rústica.
No entanto e, sem conceder, caso assim não se entenda,
Q. É patente que, mesmo que se considere que para o património do ora impugnante apenas se transmitiu o terreno e, ainda, que foi aquele que edificou a habitação, o objeto da dita aquisição é a realidade imobiliária existente e descrita à data da celebração da escritura e, não qualquer outra.
R. Na verdade, o ora impugnante - a ser aquela a factualidade - construiu um prédio em terreno de terceiro, facto este que não lhe confere a propriedade do mesmo, pois tal construção e, como entendeu o Tribunal a quo, se revelaria numa mera benfeitoria útil, cfr. nº 3 do art. 216º do CC, o que poderá originar o seu levantamento ou, a indemnização do possuidor, nos termos do disposto no art. 1273º do CC.
S. Assim, o facto de os usucapientes terem edificado a construção em momento anterior à celebração da escritura de justificação, não os torna proprietários do mesmo, apenas lhe conferindo os referidos direitos.
T. O objeto de incidência em imposto de selo é o imóvel usucapido que, nos exatos termos da escritura de justificação, é integrado por uma realidade imobiliária (terreno e construção), objeto de posse que conduziu à usucapião.
U. Não sendo, por conseguinte, admissível outro valor que não o do prédio urbano, que acolhe o valor do terreno onde está edificado a casa, como assim também o entenderam os justificantes na atribuição do valor do prédio urbano objeto da escritura, seja o considerado para efeitos de incidência de imposto de selo.
V. Destarte, o valor tributável da aquisição por usucapião terá de ser o valor patrimonial tributário do prédio adquirido, no momento do nascimento da obrigação tributária, tal como a lei fiscal o configura, resultando impossível deduzir o eventual direito de crédito do usucapiente sobre o proprietário, relativamente às benfeitorias por aquele realizadas, como entendeu o Tribunal a quo,
W. só podendo ser o valor patrimonial do prédio urbano (que absorveu o terreno onde foi construído), objeto da escritura de justificação, o considerado na determinação da matéria colectável,
X. ou seja, o valor patrimonial tributário de 82.270,00 Euros (não contestado) do prédio urbano (que absorveu o terreno onde foi construído) e, objeto da escritura de justificação, constituindo assim, o valor tributável da transmissão gratuita por usucapião na data da escritura de justificação, no caso em concreto, metade desse valor no que à impugnante respeita.
Y. Em face do exposto, ao decidir como decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais citadas.
Termina pedindo se dê provimento ao recurso e, em consequência, seja revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«1. Recorre a F. P. no processo em que é impugnante A…….., colocando em causa a o entendimento tido, nomeadamente, com base na al. r) do art. 5º do C. Imposto de Selo (I.S.), e a aplicação que foi efectuada do art. 216º do C. Civil, defendendo que o valor a ter em conta para efeitos de tributação é o valor do prédio urbano existente à data da escritura de justificação ou o do terreno, efectivamente, objecto de usucapião onde esse prédio urbano foi implantado.
2. Emitindo ainda parecer, não se vai divergir do já anteriormente manifestado pelo M.P.
É certo que se encontra previsto que, no caso de transmissão gratuita, a obrigação nasce com o trânsito em julgado da acção de justificação notarial, com a celebração da escritura de justificação notarial ou no momento em que se tomar definitiva a decisão proferida em processo de justificação - al. r) do ar. 5º do C.I.S..
Contudo, e conforme já foi assinalado foi, no caso da usucapião, pela qual se opera ainda a aquisição originária do direito de propriedade, os seus efeitos retroagem à data do início da posse – art. 1288º do C. Civil.
Ora, assim sendo, não faz sentido impor uma outra tributação que não outra que não aquela que faz reportar ao seu início a tributação.
Com efeito, na dúvida, é de acolher a posição segunda a qual é de dar prevalência da norma contida no art. 11º, nº 3 da L.G.T., em que se prevê que "deve atender-se à substância económica dos factos tributários".
E, ao contrário da tese sustentada pela recorrente, resulta que a aquisição por usucapião do prédio em causa, actualmente já urbano como ficou até a constar da escritura de justificação notarial, é relativa a um prédio rústico no qual recorrida veio a construir uma casa.
Efectivamente, tal o que resulta da alínea A) do probatório, em que se refere ter sido edificada uma casa após a impugnante e seu marido após 1975, data em que os mesmos adquiriram por compra o respectivo prédio rústico, por acto que antes nunca formalizaram.
Concluindo, não sendo de pôr em causa o entendimento tido, o qual está de acordo com o decidido em múltiplos acórdãos do S.T.A., parece que o recurso é de improceder.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) O impugnante e a mulher, B………, contribuinte fiscal nº ………, outorgaram a escritura pública de justificação notarial realizada em 3/2/2005, no Cartório Notarial de Penafiel, em que declararam (fls. 32 a 35 verso):
"Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do seguinte imóvel:
Prédio urbano, composto por uma casa de dois pavimentos destinada a habitação, com a superfície coberta de noventa metros quadrados, com anexos com a área de sessenta metros quadrados e com quintal com a área de seiscentos e setenta e quatro metros quadrados, sito no lugar de ......., da freguesia de ……., concelho de Paredes, a confrontar do norte com C………, do sul com D……., do nascente com a Estrada Nacional e do poente com E…….., inscrito na respectiva matriz, em nome do justificante, sob o artigo 374, com o valor patrimonial e atribuído de DEZASSEIS MIL QUATROCENTOS E VINTE E OITO EUROS E CINQUENTA CÊNTIMOS.
Que não são detentores de qualquer título formal que legitime o domínio do referido prédio e não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes.
Que o prédio rústico onde foi edificada a casa foi adquirido por eles justificantes, por compra feita a F……….., viúvo, residente que foi na ……., da freguesia de ……., concelho de Paredes, por volta do ano de mil novecentos e setenta e cinco, acto que nunca formalizaram.
Que não obstante isso, desde logo entraram na sua (posse) primeiro como prédio rústico, tendo no mesmo ano de mil novecentos e setenta e cinco iniciado a construção da casa e após a sua conclusão no ano de mil novecentos e setenta e oito passado a habitá-la, tratando da sua conservação e limpeza, e cultivando o quintal, gozando todas as utilidades por ele proporcionadas, pagando os respectivos impostos, com ânimo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa fé por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, continua e publicamente à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém - e, tudo isto, por lapso de tempo superior a vinte anos.
Que dadas as enunciadas características de tal posse, eles justificantes, adquiriram o identificado prédio por usucapião título este que, por natureza, não é susceptível de ser comprovado por meios normais. (...)".
B) A administração tributária avaliou, para efeitos de IMT, o prédio urbano a que respeita a justificação notarial, tendo fixado um valor patrimonial de € 82.270,00 (fls. 11 do processo administrativo (PA)).
C) Com base nesse valor foi liquidado o Imposto do Selo que consta da demonstração de liquidação de fls. 18 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

3.1. Na sequência de uma escritura notarial de justificação foi efectuada a liquidação de IS aos justificantes/usucapientes.
Considerando os sujeitos passivos que essa liquidação devia incidir exclusivamente sobre o valor do terreno que foi usucapido e não sobre a casa que por eles foi erigida nesse terreno, insurgiram-se contra essa liquidação, impugnando-a e pedindo a anulação desse acto.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou a impugnação judicial procedente e anulou a liquidação, aderindo, no essencial, à jurisprudência do STA, afirmada, entre outros, no ac. de 17/10/2012, rec. nº 619/12.

3.2. A Fazenda Pública discorda desse entendimento, alegando que, nos termos do título (escritura pública de justificação notarial), o objecto de incidência é o prédio tal como existente (prédio urbano, «que absorveu o terreno onde foi construído») nessa data, que é a que releva também para efeitos de constituição da obrigação tributária. Ou seja, não se discute no presente recurso qual o momento em que se constitui a obrigação tributária, mas apenas qual o valor sobre que deve incidir o IS: o do prédio urbano existente à data em que foi celebrada a escritura de justificação notarial ou o do prédio rústico no qual foi construída pelos Impugnantes a casa que determinou a mudança da qualificação do prédio para urbano?

3.3. A questão a decidir prende-se, portanto, com a de saber qual é o objecto da tributação em imposto de selo, no caso de usucapião de um prédio rústico no qual foi construída uma casa pelo respectivo usucapiente.
Trata-se, aliás, de questão tem sido uniforme e reiteradamente apreciada por esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo [cfr., por mais recentes e entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção: de 20/1/2010, proc. nº 773/09 (Ap. ao DR, de 24/3/2011, pp. 79 a 83); de 28/4/2010, proc. nº 126/10 (Ap. ao DR, de 30/3/2011, pp. 707 a 712); de 12/5/2010, proc. nº 53/10 (Ap. ao DR, de 30/3/2011, pp. 804 a 808); de 9/6/2010, proc. nº 242/10 (Ap. ao DR, de 30/3/2011, pp. 1014 a 1017); de 22/9/2010, proc. nº 334/10 (Ap. ao DR, de 1/4/2011, pp. 1403 a 1407); de 8/2/2012, proc. nº 1120/11; de 23/2/2012, proc. nº 1082/11; de 29/2/2012, proc. nº 818/11; de 7/3/2012, proc. nº 833/11; e de 17/10/12, proc. 619/12].
Por isso, e porque não vislumbramos motivo para divergir da jurisprudência consolidada, limitar-nos-emos a seguir a fundamentação expendida no primeiro daqueles referidos arestos (o acórdão proferido em 20/1/2010, no processo com o nº 773/09, relatado pelo presente relator), bem como no acórdão proferido em 17/10/2012, rec. nº 0619/12, que o mesmo relator subscreveu como adjunto cfr. art. 8º, nº 3, do CCivil.
Assim:
Revogado que foi, a partir de 1/1/2004 (cfr. arts. 31º e 32º do DL nº 287/2003, de 12/11), o Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, as transmissões gratuitas de móveis e imóveis passaram a ser reguladas pelo CIS, cujo art. 1º, que tem como epígrafe «Incidência objectiva», na versão aplicável, dispõe, no que aqui interessa, o seguinte:
«1 - O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
2 - (…)
3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto:
a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião; [Redacção introduzida pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho]. (…)».
Por sua vez, o art. 2º, sob a epígrafe «Incidência subjectiva», dispõe:
«1 - (…)
2 - Nas transmissões gratuitas, são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras:
a) (…)
b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários. [Redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro)».
E o art. 3º, «Encargo do imposto», dispõe:
«1 - O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1º. [Redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro).
2 - (…)
3 - Para efeitos do nº 1, considera-se titular do interesse económico:
a) Nas transmissões por morte, a herança e os legatários e, nas restantes transmissões gratuitas, bem como no caso de aquisições onerosas, os adquirentes dos bens;
(…)».
Já a alínea r) do art. 5º («Nascimento da obrigação tributária»), na redacção da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, dispõe que a obrigação tributária se considera constituída, «Nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial».
Finalmente, o nº 1 do art. 13º dispõe que o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
E de acordo com a verba 1.2. da Tabela Geral o imposto do selo recai em 10% sobre o valor dos respectivos contratos de «aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião (…)».
«De acordo com a jurisprudência referida, entende-se que o acto de «aquisição por usucapião» do imóvel objecto dessa aquisição é incidente de tributação em imposto de selo, não o sendo já, porém, o acto de aquisição de benfeitorias entretanto realizadas no mesmo imóvel pelo sujeito beneficiário da usucapião.
É certo que embora sendo uma forma de aquisição originária (cfr. arts. 1287º e segts. do CC), a usucapião é, para efeitos fiscais, considerada como uma transmissão gratuita de bens imóveis, que ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou transmissão: no caso, a data em que for celebrada a escritura de justificação notarial – cfr. a citada alínea r) do art. 5º do CIS).
Todavia, também é certo que, como se disse, só o acto de aquisição do prédio objecto da aquisição por usucapião (e não o acto de aquisição das benfeitorias neste realizadas) é que está abrangido no âmbito da incidência objectiva do imposto de selo, pois que, vigorando nesta sede (de incidência do imposto), o princípio da tipicidade fiscal, a regra constante quer da norma corporizada na verba 1.2. da Tabela Geral, quer das normas da alínea a) do nº 1 e do nº 3, ambos do art. 1º do CIS e acima transcritas, é a de que tal imposto só incide sobre o acto de «aquisição por usucapião».
E na verdade, como ficou dito no acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 1124/09, «o acto tributário tem que ter por base uma situação de facto ou de direito, concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Tal base é, pois, o pressuposto de facto ou o facto gerador da imposição – cf. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 1972, p. 266.
No Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade (…).
O facto tributável, com ser um facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos, que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto, bastando a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação. No Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva.
Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue se eles se verificarem – cf., sobre o princípio da tipicidade em Direito Fiscal, Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 263 e ss. Sobre o conceito de “implicação intensiva”, cf. Castanheira Neves, Questão-de-facto - Questão-de-direito, p. 264, e ainda J. Baptista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1991, 5.ª reimpressão, p. 187.
A tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto».
Assim, embora para efeito de tributação em IS seja irrelevante o momento da aquisição do direito de propriedade, pois que a obrigação tributária se constitui com a transmissão gratuita operada por via da escritura de justificação notarial (cfr. alínea r) do art. 5º do CIS), já não o é para efeitos do respectivo valor tributável, pois que só sobre o acto de aquisição por usucapião incide o imposto.
E como só o prédio rústico foi objecto de tal forma de aquisição, só o valor deste deve ser considerado na aplicação da respectiva taxa.
Não pode, portanto, afirmar-se que o estado do imóvel a atender para a aferição do valor terá de ser o verificado na data da escritura de justificação, independentemente das causas das modificações verificadas, sendo que tal estado é uno e não pode cindir-se em rústico e urbano e que a quantificação da obrigação tributária se faz apenas a partir do valor do prédio objecto da escritura. E também não releva (para poder concluir que o valor para cálculo do imposto é o do prédio urbano, por ser assim que o mesmo é descrito na escritura) a circunstância de terem sido os justificantes a declarar, à data da escritura, que eram donos de um prédio urbano, e não já de um prédio rústico, dado que tal declaração não pode, neste âmbito, ter efeitos constitutivos.
Aliás, a realidade imobiliária existente no terreno à data da celebração da escritura de justificação não pode ignorar que foram os recorridos que edificaram nele a construção em causa, em momento anterior à celebração dessa escritura. E tratando-se de uma benfeitoria útil – cfr. art. 216.º do CC (que poderia, porventura, vir a conferir a propriedade do terreno por via de acessão industrial imobiliária) não podia a mesma incluir-se no âmbito da aquisição por usucapião, para efeitos da liquidação aqui impugnada.
Assim, como bem decidiu o Juiz do Tribunal “a quo”, a liquidação impugnada sofre de ilegalidade decorrente da violação das apontadas normas do CIS e tem que ser anulada na parte em que nela foi incluído o valor das benfeitorias realizadas pelos ora justificantes.
O recurso não merece, pois, provimento.

DECISÃO
Termos em que se acorda em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 27 de Novembro de 2013. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.