Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:020/22.4BALSB
Data do Acordão:06/29/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:Não havendo entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral apresentada como fundamento, contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P29663
Nº do Documento:SAP20220629020/22
Data de Entrada:02/11/2022
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. A…………, Lda, sociedade identificada nos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 25.º, n.ºs 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo n.º 533/2020-T, invocando oposição com decisão do mesmo CAAD, proferida no processo n.º 182/2017-T.
Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:
A- O presente recurso vem interposto da decisão arbitral proferida no processo nº 533/2020-T, que correu termos no CAAD, que julgou improcedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa (DJAC) da Direção de Finanças do Porto, onde pedia que fosse anulado o ato tributário de liquidação adicional, referente a IRC - ano de 2017, bem como a declaração da ilegalidade do respetivo ato tributário de liquidação adicional.
B- Para fundamentar o seu pedido alegava a Recorrente, em síntese, a ilegalidade do despacho de indeferimento da R Graciosa e do ato de liquidação de IRC e de juros compensatórios subjacente, por entender enfermar de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto entendia, entre o mais, que, existindo saldos de caixa considerados excessivos em todos os anos anteriores ao ano de 2017, e constando do extracto da conta 11, os movimentos que deram origem a esses acréscimos no saldo de caixa teria de concluir-se que as saídas ocorreram nesses anos anteriores, uma vez os saldos de caixa respetivos deram cobertura ao montante das saídas considerado para efeitos de tributação autónoma.
C- Para a liquidação ser referente a 2017 tinham que se identificar os factos tributariamente imputáveis unicamente ao exercício de 2017, por força do citado artº8º, nº 1, do CIRC, e que não poderiam, em nenhuma circunstância, ser imputados a outro exercício.
D- A aferição do critério temporal definidor dessa tributação tinha reflexo directo na caducidade do direito à liquidação que se alegava, como fundamento da anulação do acto tributário.
E- Ao contrário do sustentado pela Recorrente, entendeu-se na Decisão Recorrida, quando os sujeitos passivos, incumprindo os seus deveres declarativos, omitem a contabilização das saídas de caixa, é inviável a determinação da data da saída de caixa, pelo que terá de recorrer-se como indicador supletivo à data da contagem física de Caixa.
F- Assim, concluiu-se não assistir razão à Requerente: (i) quer em relação ao momento temporal a que se reporta o facto gerador, não tendo logrado demonstrar que as saídas de Caixa em causa ocorreram em anos anteriores a 2017; (ii) quer em matéria de caducidade do direito à liquidação, pois, sendo o ano de referência 2017, em 2019 ainda não tinha decorrido o prazo de 4 anos, contado nos termos do disposto nos artigos 45.º, n.º 1 e 46.º,n.º 1, ambos da LGT.
G- Acontece que esta decisão arbitral proferida, (Acórdão Recorrido), julgou improcedente a pretensão da aqui Recorrente, adoptando uma solução jurídica que, no seu entendimento, se encontra em oposição frontal e direta com a solução jurídica adotada na anterior Decisão proferida no Processo 182/2017-T, do CAAD, (Decisão/Fundamento).
H- Encontra-se, pois, justificada a intervenção uniformizadora deste Tribunal para dirimir a questão fundamental de direito:
A concluir-se pela existência de despesas não documentadas, não será aplicável o princípio da especialização dos exercícios devendo as mesmas ser imputadas ao exercício em que foi detectada a divergência entre o saldo e a realidade, como atesta a Decisão recorrida, e, por isso, não haveria lugar à caducidade da liquidação relativamente a esses anos, ou
…apenas poderão ser imputadas ao período em causa, as despesas que correspondem à diferença entre o saldo da conta do ano em que foi feita a conferência. Por isso, relativamente aos rendimentos anteriores ficariam sujeitos a tributação, nesses anos, sobrevindo a dita caducidade de liquidação, como se entende na Decisão/Fundamento
I- A solução adotada pelo Acórdão Recorrido, encontra-se em oposição frontal e direta com a solução jurídica adotada no Acórdão/Fundamento e não deverá manter-se, pois, neste ultimo, está consagrada a interpretação jurídica que se afigura mais consentânea com o entendimento que deve ser admitido.
J- A prova do momento da ocorrência das despesas e o facto tributário são, obviamente, coisas diferentes a existência de despesas e o momento em que ocorrem, e a prova da sua existência e o momento em que a prova é obtida.
O facto tributário, que justifica a tributação, é a existência de despesas, que não se confunde com a prova da sua ocorrência.
K- No entendimento plasmado na Decisão Recorrida, o momento da ocorrência do facto tributário acaba por ser aquele em que se fez a contagem física da caixa, o que se reconduz à possibilidade de multiplicação ilimitada dos factos tributários, pois sempre que fosse efectuada uma contagem e fosse detectada uma falta de valores na caixa física estar-se-ia perante um novo facto tributário: isto é, houve um facto tributário porque foi feita uma contagem, mas, se fosse feita nova contagem no dia seguinte, haveria aí um novo facto tributário, pois ainda não haveria os valores em caixa. E assim sucessivamente, a mesma apropriação de quantias seria suporte de multiplicação de tributações autónomas todas as vezes (duas, três, cinco, dez ou mais) que fosse efectuada uma contagem física e se verificasse que continuava a faltar aquele valor em caixa física.
L- Esta seria uma hipotética solução legislativa tão desacertada e desproporcionada, por razões que suponho serem óbvias, que tem de se presumir não ter sido legislativamente adoptada, por força da presunção que impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.
M- E, da mesma forma, as mesmas despesas não documentadas que terão forçosamente ocorrido antes de 2014 poderiam ser repetidamente tributadas, tanto antes da data em foi feita a contagem como posteriormente, ad eternum, sempre que se fizer uma nova contagem que confirme que continua a falta de valores na caixa física. Esta tese, para além de contrariar o texto do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, que identifica as despesas e não a contagem física da caixa como o facto tributário sujeito a tributação autónoma, é também incompatível também com o n.º 14 do mesmo artigo que impõe a conexão das despesas com determinado período de tributação.
N- E a tese, ao permitir tributar com tributações autónomas despesas ocorridas em qualquer momento do passado, desde que a contagem se faça dentro do prazo de caducidade, é também incompatível com a proibição da retroactividade das leis fiscais (artigo 103.º, n.º 3, da CRP), pois, em última análise, permite, por essa via, tributar, inclusivamente, despesas realizadas antes da introdução no nosso sistema jurídico das tributações autónomas (há 20,30 ou mais anos) e aplicar as taxas actuais a despesas que foram realizadas quando as taxas eram menores.
O- O que releva quando se está a aplicar a justiça é que, quaisquer que sejam os métodos que se utilizem, com presunções ou sem elas, num juízo objectivo e imparcial inerente a uma decisão jurisdicional, não há qualquer fundamento para crer que uma empresa com a dimensão da Requerente dispusesse daqueles elevados valores em caixa física no início de 2017 e os tivesse utilizado integralmente durante esse ano para pagamentos ou apropriações não documentadas.
P- No caso, a natureza do rendimento foi assumida, desde o primeiro momento, pela Recorrente, reconhecendo tratar-se de rendimentos de capitais resultantes de adiantamentos por conta de lucros a que se refere a al. h) do n.º 2 do artigo 5º do CIRS.
Q- No final dos exercícios dos anos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, constavam nas demonstrações financeiras da Requerente, os saldos de caixa de € 322 628,63, de € 332 961,46, de € 343 759,25, de € 394 606,55 e de € 406 364,60, respectivamente.
R- A Recorrente, regularizou as Declarações de Retenções na fonte IRS/IRC e Imposto relativas aos anos 2014/15/16/17, não o tendo feito no respeitante aos adiantamentos por conta de lucros ocorridos antes de 31.12.2013, atento o instituto da caducidade (art.º 45, n.º 1 da LGT).
S- O prazo geral de caducidade do direito de liquidação é de 4 anos, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, da LGT. Este prazo conta-se, nos impostos sobre o rendimento, quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.º4, da LGT).
T- O prazo de caducidade suspende-se durante a ação inspetiva externa, desde que a sua duração não exceda 6 meses (artigo 46.º, n.º 1, da LGT). A ação inspetiva iniciou-se em 11.10.2018 e terminou em 09.01.2019), pelo que o prazo de caducidade suspendeu-se, durante este período, quanto aos anos de 2014 e seguintes.
Mas nesta data já havia caducado o direito de liquidar os rendimentos subjacentes ao saldo de caixa que se verificava no final de 2013.
U- O prazo de caducidade do direito de liquidação iniciou se, pelo menos, em 01.01.2014 (e em datas anteriores quanto a rendimentos de anos anteriores a 2013), pelo que a caducidade do direito de liquidação ocorreu, pelo menos, no final do 4.º ano posterior ao ano em que se verificou a colocação à disposição.
V- Em 2017, quando foi efectuada a liquidação, já tinha transcorrido integralmente o prazo de caducidade do direito de liquidação.
X- A não efectivação da liquidação dentro do prazo de caducidade constitui vício de violação de lei que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
NESTES TERMOS, contribuindo para uma melhor e mais uniforme aplicação do Direito, deve o presente Recurso proceder, revogando-se a decisão arbitral recorrida, com as legais consequências, nomeadamente a anulação do ato tributário de liquidação contestado, como se pedia.


1.2. Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do RJAT.

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
Em face do exposto apresentam-se as seguintes conclusões:
A. Serão requisitos de admissibilidade do recurso,

i) a existência de contradição entre uma decisão arbitral e outra decisão arbitral;

ii) o trânsito em julgado da decisão fundamento;

iii) a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; e,
B. Relativamente àquilo em que se deve concretizar a “questão fundamental de direito” afigura-se essencial a existência de identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, que tem subjacente a identidade dos respectivos pressupostos de facto (Como se sumariou no acórdão proferido pelo STA, em 23/03/1993, no processo n.º 028258 «I – Para que se possa reconhecer a existência de oposição de julgados é necessário que se reconheça a unidade da questão jurídica nos acórdãos ditos em conflito. II – A unidade da questão jurídica só verdadeiramente se descobre na perspectiva da específica finalidade deste recurso em contencioso administrativo que é, apenas, a uniformização da jurisprudência do Tribunal no sentido de impedir o tratamento desigual de casos iguais e não a uniformidade na interpretação da lei. III – Não é possível determinar a existência de um conflito de decisões sem uma referência bipolar, "simultânea, às questões de direito e às situações da vida..." (disponível em www.dgsi.pt)) e, ainda, que a oposição decorra de decisões expressas e não meramente implícitas.
C. O recurso apresentado falha na verificação de qualquer destes pressupostos, não obstante a Recorrente, de forma enviesada, tentar urdir argumentos onde empreende uma pretensão recursiva que assenta numa lógica em que se abstrai em absoluto dos contornos fácticos das situações subjacentes, que tendo embora alguns pontos em comum, apresentam diferenças de relevo.
D. Decorre das decisões aqui trazidas pela Recorrente, e com relativa facilidade, que não está aqui em causa uma qualquer diferença interpretativa.
E. Efectivamente, e conforme infra demonstraremos, está aqui em causa a prova que foi, ou não, efectuada nos autos em dissensão.
F. E assim é porque – decorre cristalinamente de uma leitura não atenta das decisões –
a. em primeiro (1) lugar a decisão 533/2020–T CAAD aqui recorrida diz respeito a tributações autónomas na decorrência de despesas não documentadas, e a decisão 182/2017–T CAAD que se quer fazer fundamento, reporta-se a adiantamentos por conta de lucros.
b. Em (2) lugar, está em causa questões de livre apreciação da prova, que aqui não são sindicáveis.
G. Relembre-se, em primeiro lugar, não há, manifestamente, divergência de soluções jurídicas, o que decorre silogisticamente da total falta de similitude das questões de facto…
H. Para tanto, para chegar a tal conclusão bastar-se-á atentar à matéria dada como provada na decisão recorrida e na decisão fundamento.
I. Por razões de economia, remetemos para as decisões sub juditio naquela parte
J. Por outro a questão de direito é diametralmente oposta exactamente por ter origem em questão factuais diferente, i.e, tem por base pressupostos de fundamento decisório completamente diferentes,
K. Mas relembremo-nos que
a. em primeiro (1) lugar a decisão 533/2020–T CAAD aqui recorrida diz respeito a tributações autónomas na decorrência de despesas não documentadas, e a decisão 182/2017–T CAAD que se quer fazer fundamento, reporta-se a adiantamentos por conta de lucros.
b. Em (2) lugar, está em causa questões de livre apreciação da prova, que aqui não são sindicáveis.
L. Pelo que perecem in totum os argumentos apresentados pela Recorrente, não se verificando os requisitos de admissibilidade do presente meio processual.
M. O que, desde já, se sindica.
DO THEMA DECIDENDUM
N. Sobre o mérito, ainda que se admitisse que o recurso preenche os requisitos para a sua admissão – o que não se concede e apenas por mero exercício intelectual se cogita – desde já, e por razões de eficiência, sem necessidade de maiores lucubrações, remete-se para a Resposta apresentada no centro de arbitragem a 26-04-2021, e obviamente à decisão arbitral proferida no âmbito do processo 533/2020–T CAAD, porquanto nelas consta a melhor aplicação e interpretação do Direito e propugnado pela ora Recorrida, as quais ao abrigo do princípio da cooperação, juntamos cada uma delas com as presentes contra-alegações.
Sem prescindir, cumpre ainda tecer as seguintes considerações sobre esta temática
Da inexequibilidade da tese propugnada pela Requerente/Recorrente Vs o ónus da prova exigido
O. A exequibilidade da tese aqui defendida pela Recorrente e sufragada diversas vezes pelo centro de arbitragem não escapa ao seguinte e simples teste silogístico: Se as despesas não estão documentadas então não é possível aferir sobre o destino, datas, locais e beneficiários dos meios financeiros não encontrados na esfera empresarial, logo é factual e juridicamente impossível aplicar-lhes o princípio da especialização só porque mais apraz à Recorrente.
P. Criando-se, deste modo, um vazio jurídico insuscetível de ser apreendido pelo homem médio. E, sub-repticiamente, cria-se um ónus à administração fiscal que não existe por lei. Exigindo
Q. poderes de premonição à administração fiscal no sentido de adivinharem o ano em que exfluxos não documentados e não reflectidos na contabilidade (e, por conseguinte, também não reflectidos também nas obrigações declarativas) ocorreram, por forma a instruírem a abertura do respectivo procedimento inspectivo. Com efeito,
R. por auto-recriação dos sujeitos passivos, acumulam-se saldos de caixa, esvazia-se o património social da empresa a favor dos seus sócios, bastando, para tanto, que decidam não documentar os exfluxos, quer contabilisticamente, quer fiscalmente. Ora, S. assim, partindo-se deste erróneo e enviesado entendimento esvazia-se o conceito de «despesas não documentadas», porque, em bom rigor, exigindo-se essa probatio diabolica à AT deixariam de ser «despesas não documentadas» para se transmutarem em «despesas indevidamente documentadas», deixando de funcionar, o caráter anti abusivo e anti elisivo que subjaz à tributação autónomas sobre «despesas não documentadas», Pelo que
T. Aderir a esta inopinada tese é desvirtuar o combate à fraude e à evasão fiscal, compactuando com estes fenómenos, fazendo tábua rasa do esforço colectivo, legislativo e inspectivo no combate aos mesmos.
Da violação do princípio da igualdade e dos princípios do ónus da prova
U. E há manifestamente, na raiz, da tese propugnada pela Requerente uma frontal e violenta violação do princípio da igualdade. Vejamos,
«A tributação autónoma exprime o exercício de uma função regulatória através do CIRC, inerente às finalidades e exigências de um Estado de direito material, onde se incluem objetivos incentivar a formalização da economia, o rigor e a fiabilidade das contas das empresas, prevenir a fraude e a evasão fiscal, nomeadamente através da retirada dissimulada de ativos monetários.» negrito e sublinhado nossos in decisão arbitral n.º 235/2020-T CAAD
V. Fazendo a comparação com o contribuinte comum, i.e., o trabalhador por conta de outrem, ou seja, o ante referido homem médio, e que representa o “core” das receitas de impostos sobre o rendimento em Portugal, e os sócios de entidades que recorrem as estas finuras, verifica-se que o homem médio - o trabalhador por conta de outrem,- participa e contribui para uma justa repartição do esforço fiscal e de consolidação dos cofres públicos; já aqueles, os que durante anos usaram e usam estes ardis, simplesmente não o fazem, eximindo-se ao mínimo esforço.
W. Na tributação em geral, e especificamente na tributação dos rendimentos, o legislador, a lei, e a Constituição da República Portuguesa elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social por forma de garantir a uma justa repartição do esforço fiscal, uma óptica de progressividade e de distribuição dos ónus e encargos fiscais.
X. Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os contribuintes e incida sobre todos os tipos de rendimento, e, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e de evasão fiscais. Ora,
Y. com este esquema, os tais que recorrem a estes expedientes, esvaziam o património das suas empresas, retiram rendimentos, evitando o pagamento dos impostos devidos, fazendo tábua rasa das políticas fiscais, da legalidade, da moralidade e, acima de tudo, do princípio da igualdade.
Z. Atente-se ao que lapidarmente se referiu na decisão arbitral n.º 3/2017–T CAAD, que se reporta igualmente aos esquemas de regularização dos saldos de caixa
«Aliás, importa acrescentar que repugnaria à própria axiologia da tributação que a obrigação de pagar imposto sobre uma capacidade contributiva gerada pela apropriação pelos sócios gerentes das disponibilidades de caixa da Requerente pudesse ser afastada por uma 'fórmula' tão 'básica' quanto a da omissão, ao longo de anos bastantes para a caducidade do direito a liquidar, de lançamentos na conta Caixa correspondentes aos atos de apropriação, seguida de uma ou mais regularizações contabilísticas retroativas, feitas em data já para lá do período de exercício do direito a liquidar.» sublinhado e negrito nossos
AA. E ainda, também lapidarmente:
«… não se vê como seja conforme ao Direito uma interpretação que, (…), confere a sujeitos passivos de IRC incumpridores uma via segura para práticas de ‘caixa aberta’, que esvaziam sem nada documentarem nem contabilizarem, com o previsível resultado – deve o julgador recorrer à experiência – de que nem os sócios são tributados sobre dividendos, ou terceiros são tributados sobre recebimentos opacos, nem as sociedades suportam a tributação autónoma que está na lei. Ponto é, para que tais práticas de evasão fiscal sejam bem sucedidas, ficando imunes à aplicação da lei, que as saídas tampouco sejam contabilizadas, assim inviabilizando a aplicação a tais esvaziamentos de caixa do princípio da especialização dos exercícios, caso este fosse entendido como aplicável a mais do que aquilo que está na lei: à periodização do rendimento e portanto do lucro tributável. A posteriori, quase lhes basta venire contra factum proprium e invocar que a sua própria contabilidade não tem rigor no caso específico da conta 11-Caixa, tem incorreções, lacunas, etc. Estaria assim criada, e sancionada pela jurisprudência, uma simples mas eficaz técnica de transferência de rendimento (income shifting technique), incompatível com a teleologia inerente ao instituto das tributações autónomas, de prevenção da erosão da base tributária.» sublinhado e negrito nossos, Decisão arbitral n.º 235/2020
BB. Sufragar estas teses é permitir que se eximam do esforço colectivo largas franjas da sociedade que, por opção sua, se mantém, ao largo do espectro fiscal.
CC. Finalizando e concluindo:
«O conceito de «despesas» utilizado no art.º 88.º, n.º 1, do CIRC, não é definido neste Código e não coincide com o de «gastos», definido no art.º 23.º do CIRC (que inclui, designadamente, «perdas» e «ajustamentos»), pelo que deverá ser atribuído àquela expressão o alcance que tem na linguagem comum, de saída de dinheiro do património de uma empresa.
(…)
mais recentemente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo não faz depender a tributação autónoma baseada em despesas não documentadas da sua relevância como gastos para determinação do lucro tributável, como pode ver-se pelo acórdão do STA de 31-03-2016, processo n.º 0505/15:
O art.º 81.º do CIRC, na redacção vigente à data da tributação definia as diversas taxas que seriam utilizadas para tributação dos tipos de despesas ali enunciadas, sem haver qualquer dispositivo legal que determinasse que essa tributação só ocorreria se estas despesas houvessem sido tidas como custos fiscais da empresa para a determinação do seu lucro tributável.
Admitindo-se que a finalidade da tributação autónoma apontada pela recorrente - reduzir a despesa fiscal evitando a fraude e evasão fiscais - seja um dos elementos considerados pelo legislador no estabelecimento desta regulamentação, essa finalidade não pode permitir, como aquela pretende que a interpretação do normativo em questão seja efectuada de molde a nele inserir um pressuposto legal sem qualquer assento no texto da lei, o que seria manifestamente desconforme com o disposto no art. 9.º do Código Civil.
As despesas em questão são tributadas apenas porque são efectuadas, havendo mesmo a cargo do contribuinte a obrigação de as tornar aparentes na sua declaração de rendimentos.
Se todas ou parte delas poderiam ter sido consideradas como custos da empresa para efeitos da determinação do seu lucro tributável, aumentando a despesa fiscal com a consequente diminuição do lucro tributável, e a empresa por decisão consciente, ou esquecimento, não as considerou desse modo na sua declaração de rendimentos, nem por isso, elas perdem a sua natureza de despesas tributáveis em sede de tributação autónoma, que, por definição é uma tributação destacável da tributação em sede de IRC.
Na jurisprudência arbitral já havia sido defendido este entendimento, designadamente no voto de vencido proferido pelo Senhor Professor Doutor Manuel Pires no processo n.º 7/2011-T:
«(. . .) devem ser incluídas na tributação autónoma em causa não apenas as despesas não documentadas, contabilizadas como gastos, mas também aquelas com as mesmas características, isto é, não documentadas que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade, como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram e, portanto, não afectaram o resultado, não existindo razão excludente das vias que, embora não sejam ou possam não ser as mais evidentes, não deixam de implicar despesas não documentadas». Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que as despesas não documentadas a que se refere o art.º 88.º, n.º 1, do CIRC reconduzem-se a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiário.» Decisão arbitral n.º 486/2019 – negrito e sublinhado nossos
DD. Quanto à prova, sempre se diga – e porque mais não se nos afigura dizer, face à inocuidade do que foi apresentado nestes autos pela ora Recorrente, além do por si profusamente alegado, sem que ensaiasse provar fosse o que fosse - “…probare oportet, nec suficit dicere…”:
vi. que não se provou que a existência do saldo de caixa referido se deva a erros ou irregularidades contabilísticas.
vii. À AT cabe o ónus da prova da existência de despesas não documentadas.
viii. No caso vertente, a prova está feita pela mera verificação da falta na caixa do valor contabilizado na Conta 11-Caixa.
ix. Não há sequer ensaio de prova pela Requerente da alegação de que o valor contabilizado na Conta 11-Caixa se mostra viciado pelos erros e incorreções que alega existirem, pelo que se tem que entender ser verídico, fazendo prova bastante contra si, o que está na contabilidade, bem como o que decorre da sua prática de retirar fundos de caixa sem documentação nem contabilização.
x. Não tem a AT o ónus de prova de cada concreta despesa, o que, relativamente a despesas não documentadas e não contabilizadas, seria probatio diabolica, postulado que temos por inadmissível.
EE. Ora, concluindo, no caso em apreço não foi apresentado qualquer documento que revele o destino desses meios, pelo que está demonstrada uma situação factual enquadrável no conceito de despesas não documentadas para efeitos da tributação autónoma prevista no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC.
FF. Entendendo-se em sentido contrário – o que não se concede - estar-se-á a dar guarida a uma fórmula inatacável de sonegação de receita fiscal (devida) e dos contribuintes se eximirem às suas obrigações e responsabilidades fiscais, i.e., aos que não se eximem apenas subjaz o reflexo de carácter e seriedade de qualquer cidadão cumpridor da Lei num Estado de Direito Democrático.
Nestes termos, e nos mais de direito, peticiona-se pela
a) improcedência do pedido apresentado pela Recorrente, desde logo porque se não encontram reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no art.º 145.º do CPTA, ou, não se entendendo assim, o que não se concede, deverá
b) ser o presente recurso de uniformização ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se a decisão ora recorrida incólume na ordem jurídica, uniformizando-se a jurisprudência em consonância com o entendimento, na melhor aplicação do Direito ali vertido e propugnado pela Recorrida.

1.4. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, emitiu douto parecer no sentido de não se tomar conhecimento do mérito do recurso.

1.5. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, há que decidir.

2. Fundamentação de facto
Nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 6, e 679.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA dão-se por reproduzidos os julgamentos da matéria de facto efetuados nas decisões arbitrais, recorrida e fundamento.

3. Fundamentação de Direito
3.1. Da admissibilidade do recurso
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso, de acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA.

São pressupostos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência: i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo (artigo 25.º, n.º 2 do RJAT); ii) que exista contradição entre essa decisão e uma outra decisão arbitral ou com um acórdão proferido por algum dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito (artigo 25.º, n.º 2 do RJAT).

Depois, ainda que se verifique tal oposição, o recurso não prosseguirá seus termos se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 152.º n.º 3 do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

O não preenchimento de tais requisitos obstará ao conhecimento do mérito do recurso.

Não havendo controvérsia quanto ao preenchimento do primeiro dos requisitos referidos – a decisão arbitral recorrida conheceu do mérito e pôs termo ao processo arbitral -, impõe-se conhecer do segundo, da contradição relativamente à mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e a decisão fundamento.

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, para se apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível que:
i) o fundamento de direito seja o mesmo;
ii) não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;
iii) haja oposição na solução perfilhada nos dois arestos, o que pressupõe a identidade de situações de facto;
iv) a oposição decorra de decisões expressas, que não apenas implícitas (também não relevando a oposição de fundamentos).

Ora, tal como defendeu a Recorrida nas suas contra-alegações e o excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, não existe oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, na medida em que não há identidade de situações de facto. Vejamos.

A questão fundamental de direito que no entendimento da Recorrente mereceu soluções jurídicas distintas nas decisões em confronto, e relativamente à qual pretende que este Tribunal defina o direito, está identificada na conclusão “H” do seguinte modo:
A concluir-se pela existência de despesas não documentadas, não será aplicável o princípio da especialização dos exercícios devendo as mesmas ser imputadas ao exercício em que foi detectada a divergência entre o saldo e a realidade, como atesta a Decisão recorrida, e, por isso, não haveria lugar à caducidade da liquidação relativamente a esses anos, ou
…apenas poderão ser imputadas ao período em causa, as despesas que correspondem à diferença entre o saldo da conta do ano em que foi feita a conferência. Por isso, relativamente aos rendimentos anteriores ficariam sujeitos a tributação, nesses anos, sobrevindo a dita caducidade de liquidação, como se entende na Decisão/Fundamento.

Atentos os termos em que a Recorrente coloca a questão fundamental de direito a dirimir, as duas decisões, recorrida e fundamento, divergiram quanto ao critério temporal a atender para efeitos de liquidação no caso de existência de despesas não documentadas: a decisão recorrida terá entendido que não se aplica o princípio da especialização dos exercícios e que as mesmas devem ser imputadas ao exercício em que foi detetada a divergência entre o saldo e a realidade; já a decisão fundamento terá entendido que relativamente ao ano em que foi feita a conferência, apenas poderiam ser imputadas as despesas ocorridas nesse exercício.

Acontece que não é exata a forma como a Recorrente enquadra o que foi decidido numa e noutra decisão.

Na decisão arbitral recorrida, foram enunciadas as seguintes questões a decidir (além de outra, que não releva para o presente recurso):
a) A qualificação, a título de despesas não documentadas, ou como adiantamentos por conta de lucros, da divergência apurada, de € 314.396,73, entre o saldo de Caixa contabilístico da Requerente e a contagem presencial efetuada em 26 de abril de 2017, após dedução das regularizações supervenientes efetuadas pela Requerente e aceites pela Requerida;
b) A aferição do critério temporal definidor dessa tributação e a caducidade do direito à liquidação;”.
No que toca à primeira questão, o tribunal recorrido qualificou as verbas em causa como despesas não documentadas, por a Requerente não ter feito qualquer prova do que alegara, que as saídas de meios financeiros se realizaram, na íntegra a título de adiantamento por conta dos lucros [lê-se na decisão arbitral recorrida: No entanto, a Requerente não faz qualquer prova do que alega. Na verdade: (i) não relevou contabilisticamente as mencionadas distribuições (a título de adiantamento) de lucros; e (ii) também nunca exibiu à data da contagem física, ou posteriormente, quaisquer elementos que evidenciem os referidos adiantamentos de lucros e, em especial, as datas em que os mesmos se verificaram.”], e porque, no caso, não se tinha “apurado a que se ficou a dever a elevada divergência entre a conta Caixa e a caixa física”.
Na sequência desta primeira afirmação, sobre o objeto da tributação em causa, passou a responder à segunda questão, respeitante ao critério temporal, com interesse direto na caducidade do direito de liquidar, e, partindo do pressuposto fáctico de que a ora Recorrente não tinha logrado demonstrar que as saídas de caixa tinham ocorrido em anos anteriores ao da verificação da divergência (2017), concluiu o tribunal recorrido que se tinha de recorrer como indicador supletivo à data da contagem física de Caixa [lê-se na decisão arbitral recorrida: “Porém, como acima assinalado, a Requerente não logrou demonstrar a imputação temporal (anterior a 2014) que alega, nem a premissa, também carecida de prova, de que os saldos de caixa dos últimos exercícios, incluindo o de 2017, eram excessivos. // Desta forma, constatando-se em 2017 a mencionada divergência de saldo de Caixa e face à inexistência de quaisquer elementos de prova, nomeadamente documentais, que permitam inferir o destino específico dos dispêndios e distinto enquadramento temporal da sua ocorrência (elementos que, note-se, só a Requerente estava em posição de facultar, não o tendo feito) é ao momento em que a divergência foi identificada (2017) que tem de se reportar o facto tributário. Por outro lado, a requerente invoca como premissa que os saldos dos últimos exercícios são excessivos.”].
Na decisão arbitral recorrida foi ainda assinalada a natureza particular da tributação autónoma, por confronto com a tributação do rendimento, a justificar o afastamento do princípio da especialização dos exercícios (lê-se na decisão arbitral recorrida: “A tributação autónoma, apesar de inserida no Código do IRC, apresenta uma natureza particular, o seu facto gerador corresponde à realização da despesa, e não ao lucro, e é um facto tributário instantâneo, de obrigação única, e não de formação sucessiva como no IRC (…) Não revestindo a tributação autónoma a natureza de um imposto periódico afigura-se que não lhe é aplicável o princípio da anualidade e da especialização dos exercícios que pressupõe a abrangência de um período prolongado de formação do facto tributário [o exercício] …”].

Por seu turno, na decisão arbitral fundamento estava em causa saber quando é que os rendimentos de capitais (artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do Código do IRS) ficam sujeitos a tributação, se desde momento em que são colocados à disposição do seu titular, se quando a AT tenha ou devesse ter conhecimento de que ele ocorreu.
E com base no disposto no n.º 1 e na subalínea 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do mesmo Código, concluiu o tribunal arbitral que os rendimentos referidos ficam sujeitos a tributação desde que são colocados à disposição do seu titular. E que é neste momento que se considera verificado o facto tributário e não quando a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha ou devesse ter conhecimento de que ele ocorreu.
Mas o tribunal arbitral, depois de mais considerandos, afirmou que de qualquer modo, tinha ficado provado que as receitas geradas pela atividade da Requerente tinham sido afetas aos seus encargos e, na parte restante, colocadas à disposição dos sócios [lê-se na decisão arbitral fundamento: “De qualquer forma, no caso em apreço, resulta da prova produzida que as receitas geradas pela atividade da Requerente eram afetas aos seus encargos e, na parte restante, colocadas à disposição dos sócios, inclusivamente nos anos anteriores a 2008, como se vê pelos extratos bancários juntos com o pedido de pronúncia arbitral.], e que por isso, relativamente aos rendimentos que foram colocados à disposição dos sócios, era nos anos em que essa colocação ocorreu que os rendimentos ficaram sujeitos a tributação, tendo a Requerente obrigação de efetuar retenção na fonte, a título definitivo, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS.

Da síntese das duas decisões facilmente se percebe que, como refere a AT, num caso a questão temporal reporta-se a tributações autónomas resultantes de despesas não documentadas (na decisão recorrida), no outro, à obrigação de efetuar a retenção na fonte, no caso de adiantamentos por conta dos lucros (na decisão fundamento).
Para além de estarem em causa regimes diferentes de tributação, como refere o excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto as decisões em confronto têm por base pressupostos factuais completamente diferentes. Enquanto na decisão recorrida o tribunal arbitral constata a falta de prova da factualidade relativa ao destino e enquadramento temporal dos dispêndios, na decisão fundamento é expressamente referido que face à prova produzida, os lucros ou adiantamentos por conta dos lucros, eram colocados à disposição dos sócios nos anos em que eram gerados.

Assim, haverá que concluir, tal como pugnaram a Recorrida e o excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, que inexiste oposição juridicamente relevante que justifique o presente recurso, já que não pode afirmar-se ter a decisão arbitral recorrida adotado entendimento oposto à da decisão arbitral fundamento no quadro de uma situação de facto similar.
Tal implica que não se tome conhecimento do mérito do recurso.

*

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente.

Comunique-se ao CAAD.
Diligências necessárias.

Lisboa, 29 de junho de 2022. – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.