Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0952/15
Data do Acordão:11/04/2015
Tribunal:PLENÁRIO
Relator:DULCE NETO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Sumário:A providência cautelar de suspensão da eficácia de actos cuja legalidade esteja a ser discutida em acção administrativa que se encontre a correr termos no tribunal administrativo deve ser apensada a essa acção (artigo 113º do CPTA), sendo esse, por conexão e extensão, o tribunal materialmente competente para conhecer dessa providência.
Nº Convencional:JSTA00069409
Nº do Documento:SAP201511040952
Data de Entrada:07/16/2015
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO (CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO - TAC BRAGA/TAF BRAGA)
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:DESP TACBRAGA DE 2015/03/29.
DESP TTBRAGA DE 2015/05/15.
Decisão:DECL COMPETENTE TAC BRAGA.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONFLITO DE COMPETÊNCIA.
Legislação Nacional:CPTA ART113.
Referência a Doutrina:ABRANTES GERALDES - TEMAS DA REFORMA DE PROCESSO CIVIL TOMOIII 3ED PAG350.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, no Plenário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Casa do Povo de Serzedo e 123 habitantes de freguesias dos concelhos de Guimarães e de Vizela instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga acção administrativa (acção popular) contra a sociedade A……………..., a qual passou a correr termos no respectivo tribunal administrativo sob o nº 1029/12.1BEBRG.

Tal acção tem por objecto as facturas que esta concessionária emitiu e enviou aos habitantes/consumidores das aludidas freguesias, com referência à construção de infraestruturas de abastecimento e ramais de ligação a rede pública de água e ligação ao saneamento, e visa sindicar o acto de imposição que a Ré lhes comunicou no sentido de, «em consonância com o disposto nos artigos 30º, alínea e), e 37º do Regulamento dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais, nos concelhos de Guimarães e Vizela, proceder no prazo de 15 dias, a contar da data do aviso de recepção, à liquidação da importância supra aludida e aí devidamente justificada, bem como, à apresentação da caderneta predial ou documento equivalente, referente ao prédio em questão, para efeitos de determinação e cobrança da respectiva tarifa de ligação de saneamento”, bem como sindicar o acto de imposição para que procedessem à instalação dos sistemas de abastecimento e saneamento de águas residuais nos seus prédios e formalizassem contrato com a Ré para abastecimento e recolha de águas residuais sob pena de incorrerem em contraordenação.
A acção encontra-se rematada com o seguinte pedido: «Deve presente acção popular ser julgada procedente por provada e, em consequência, deve a Ré ser condenada a:
- Interromper, de imediato, o pedido/aceitação de pagamento parcelar, ora em curso, relativamente aos consumidores/utentes das freguesias de Serzedo, São Miguel, Santa Eulália, Santo Adrião, que se encontrem na situação referida, dado que os mesmos foram compelidos a pagar de forma faseada, os valores que lhe foram exigidos por escrito e sob pena de cobrança coerciva.
- Abster-se de cobrar as quantias exigidas a cada um dos consumidores visados, sob pena de sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829º-A do Código Civil.
- Restituir a cada um dos consumidores/utentes das freguesias de Serzedo, São Miguel, Santa Eulália, Santo Adrião, individualmente considerados, todos os montantes cobrados ou a cobrar.
- Indemnizar cada um dos consumidores/utentes lesados, a título de danos não patrimoniais, nos termos do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho em valor nunca inferior a 1.500,00 €.
- Ser condenada a pagar, a partir da citação da presente acção, os juros de mora devidos, vencidos e vincendos, até integral pagamento de todas as quantias cobradas indevidamente.
- Ser condenada a pagar as custas processuais e demais encargos legais.
- Deve ainda, ser declarada a ilegalidade, da alínea c) do nº 1 do artigo 30º do Regulamento dos Sistemas Públicos de Distribuição de Agua e de Drenagem de Aguas Residuais dos concelhos de Guimarães e Vizela, publicado no Diário da Republica 2ª Série, nº 170, de 4 de Setembro de 2007, por falta de adequado suporte legal, violando a disposto nos artigos 282º e ss do Decreto Regulamentar nº 2/95, de 23 de Agosto».

Posteriormente, os mesmos Autores intentaram, na dependência da referida acção, «providência cautelar de suspensão da eficácia de acto administrativo, requerendo o decretamento provisório da mesma», a qual foi apensada, a pedido dos Autores, àquela acção, sendo, por isso, registada com o nº 1029/12.1BEBRG-A, e onde formulam o seguinte pedido: «(...) deverá a presente providência cautelar ser julgada procedente por provada, e por via dela, ser notificada a Ré para se abster de cobrar as quantias exigidas a cada um dos consumidores visados aqui Requerentes a título de taxas e tarifas de ramais de água, saneamento e ligação, suspendendo-se o despacho que haja determinado tais cobranças, bem como as execuções pendentes, e suspendendo-se o disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 300º do Regulamento dos Sistemas Públicos de Distribuição de água e de Drenagem de águas Residuais dos concelhos de Guimarães e Vizela, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 170, de 4 de Setembro de 2007, por falta de adequado suporte legal, violando o disposto nos artigos 282º e ss do Decreto Regulamentar nº 2/95, de 23 de Agosto, dupla tributação, requerendo-se o DECRETAMENTO PROVISÓRIO DA REQUERIDA SUSPENSÃO».

Em 29 de Março de 2015 foi proferida decisão na providência cautelar, que transitou em julgado, onde se declarou a incompetência, em razão da matéria, do tribunal administrativo para o conhecimento da providência, e se declarou que ela residia no tribunal tributário.

Nessa sequência, a providência cautelar foi desapensada da acção administrativa e distribuída a um juiz afecto à jurisdição tributária do mesmo TAF, o qual veio a proferir decisão, em 15 de Maio de 2015, que transitou em julgado, no sentido da incompetência, em razão da matéria, do tribunal tributário para conhecimento da providência, atribuindo tal competência ao tribunal administrativo onde corre a acção administrativa principal.

O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo veio, então, requerer a este Plenário a resolução do conflito.

Cumpre decidir, tendo em conta que ocorre, efectivamente, um conflito negativo de jurisdição, na medida em que, por decisões já insusceptíveis de recurso, o tribunal administrativo e o tribunal tributário se atribuem mutuamente a competência, negando a própria, para conhecer de uma providência cautelar, competindo ao plenário do Supremo Tribunal Administrativo solucionar o conflito assim gerado (artigo 29º do ETAF).

A questão que se coloca é, unicamente, a de saber qual o tribunal materialmente competente para apreciar e decidir a providência cautelar de suspensão da eficácia de actos cuja legalidade está a ser discutida na acção popular administrativa que corre termos no TAF de Braga: se o tribunal tributário se o tribunal administrativo.

Segundo a decisão prolatada pela Meritíssima Juíza afecta à jurisdição administrativa, visando os Autores da providência a suspensão da cobrança de créditos cuja fase coerciva se realiza através de execução fiscal da competência dos tribunais tributários, já que «o processo de execução fiscal continua a ser o meio próprio para cobrança coerciva de dívidas por abastecimento de água e saneamento, quando o serviço for prestado pelo Município ou por Empresa Municipal», seria o tribunal tributário o competente para apreciar e decidir a referida providência cautelar.

Já segundo a decisão prolatada pelo Meritíssimo Juiz afecto à jurisdição tributária, «o presente procedimento cautelar deve correr necessariamente por apenso ao processo principal, o qual foi instaurado e se encontra a ser tramitado na área administrativa deste Tribunal, motivo pelo qual este tribunal tributário não é competente para decidir o presente processo, por tal competência caber ao tribunal onde corre a acção principal».

Afigura-se-nos que a questão deve ser, efectivamente, equacionada nos termos em que o foi nesta última decisão, porquanto a sua resolução exige que se tenha em atenção a norma que rege a relação entre a providência cautelar e a acção principal.

Com efeito, segundo o disposto no nº 1 do artigo 113º do CPTA, a providência cautelar depende da causa que tenha por objecto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentada como preliminar ou como incidente desse processo, e deve ser-lhe apensada nos termos previstos nos nsº 2 e 3. Donde resulta, claramente, que o procedimento cautelar é sempre dependência de uma acção, instaurada ou a instaurar, que tenha por fundamento o direito acautelado, devendo correr por apenso a essa acção.

E o elemento definidor da conexão entre a providência cautelar e a acção principal é, naturalmente, a identidade do direito que se persegue numa e noutra; ou seja, o direito que se pretende ver reconhecido pela acção haverá de ser o mesmo que se pretende ver acautelado pela providência requerida, assim se afirmando o carácter de instrumentalidade que esta assume relativamente àquela.

Daí que, em princípio, a competência em razão da matéria para as providências cautelares, como para a generalidade das questões processuais que lhes digam respeito, não tenha autonomia relativamente à acção principal, atenta a regra geral da inexistência de providências cautelares desligadas de instrumentalidade formal, salvo pontuais excepções que a lei prevê para determinados casos.

Razão por que subscrevemos o discurso argumentativo que o Meritíssimo Juiz afecto à jurisdição tributária deixou enunciado nos seguintes moldes:

«Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30.05.2013, proferido no processo nº 1100/12.0TBSCR-A.L1-2 disponível em www.dgsi.pt, “a competência em razão da matéria para as providências cautelares, como a generalidade das questões processuais que lhes digam respeito, não tem autonomia - estará sempre na dependência da acção principal. O que é válido, quer para as que se apresentem como preliminares à propositura da acção de que dependam, quer para as que se configurem como incidente desta, sendo aqui, porventura, ainda mais nítida essa dependência.”
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 113º nº 3 do CPTA, o procedimento antecipado é apensado «logo que aquela [causa principal] seja instaurada», e nos casos em que a providência é interposta na pendência da causa - como sucedeu nos presentes autos, o processo cautelar é apensado ao processo principal, nos termos do nº 2 do artigo 113º do CPTA.
(…)
Comenta ABRANTES GERALDES «Nestes casos, a competência por conexão sobrepõe-se aos restantes critérios» (in Temas da Reforma de Processo Civil», III, 3ª ed p 350).
A tramitação do procedimento cautelar deve, assim, ser efectuada por apenso ao processo principal, «o que não só significa que os respectivos autos devem estar ligados por linha, como o tribunal competente para este último processo define também o tribunal competente para o procedimento cautelar, logo que aquele seja instaurado», salientando CURA MARIANO a este respeito que, porque «a vida da providência está dependente da vida do processo principal», «o cordão que une os dois processos é umbilical» (in A Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória», p. 24).
Como é salientado no Acórdão supra identificado, «o princípio da coincidência a que se tem vindo a fazer referência – ser competente para o julgamento da providência cautelar o tribunal que é competente para o julgamento da acção - não é senão um dos meios de melhor concretizar a instrumentalidade e dependência da providência cautelar em relação à acção, dependência de que as soluções constantes das várias alíneas do art. 389º constituem consequência.
Na verdade, «a providência não tem vida própria. Está sujeita às vicissitudes da acção principal, o que se justifica pelo facto de a respectiva decisão só assumir a força e a segurança susceptíveis de serem transmitidas pela actividade desenvolvida no âmbito do processo principal» (Abrantes Geraldes, 3ª ed., III, 300).
E, extraídas as devidas consequências do que aí consta e do que se vem de dizer, é forçoso que se conclua que não é nos autos de providência cautelar que se haverá de decidir a competência material, mas na acção principal, sendo a decisão que a esse respeito se tome nessa acção que, uma vez transitada, determinará inelutavelmente a solução da competência na providência cautelar.».

Posto isto, e tendo em atenção que a conexão entre a acção e o procedimento cautelar não exige uma identidade de pedidos, bastando-se com a coincidência relativa às causa de pedir e às partes – até porque o que se visa com a providência não é a definição ou reconhecimento antecipado do direito que se pretende obter através da acção, mas sim acautelar a eficácia e possível concretização de uma decisão favorável que nela venha a ser proferida – e que, no caso sub judice, essa conexão é acentuada, já que, como se viu, com a providência se visa acautelar a efectivação do direito que se pretende ver reconhecido com a acção popular, ocorrendo as citadas características de dependência e instrumentalidade, não podemos deixar de concluir que o tribunal materialmente competente para conhecer do procedimento cautelar é o que for competente para a acção principal, ocorrendo, por conseguinte, uma situação de extensão da competência deste.

O que significa, em última instância, que a competência para o conhecimento da providência cautelar decorrerá do que a esse respeito vier a ser decidido na acção principal.

Deste modo, e em suma, tendo a presente providência cautelar de ser apensada à acção que se encontra a correr termos no tribunal administrativo do TAF de Braga, é esse, por conexão e extensão, o tribunal materialmente competente para dela conhecer.

Pelo exposto, acorda-se em anular a decisão que declarou a incompetência material do tribunal administrativo de círculo do TAF de Braga, e em resolver o presente conflito por forma a atribuir a esse tribunal a competência para conhecer da providência cautelar que a lei impõe que seja apensada à acção que corre termos nesse tribunal.

Sem custas.

Lisboa, 4 de Novembro de 2015. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes.