Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0243/12
Data do Acordão:05/09/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
RECURSO PARA MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO
REQUISITOS DE ADMISSÃO
Sumário:I - Não obstante o disposto no artº 83º, nº 1 do RGIT segundo o qual o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1ª instância, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e não for aplicada sanção acessória, este Supremo Tribunal vem entendendo, de forma pacífica e reiterada, que é aplicável subsidiariamente às contra-ordenações de natureza tributária o disposto no artº 73º, nº 2 do RGCO (artº 3º, alínea b) do RGIT).
II - Deste modo, ainda que o valor da coima aplicada não ultrapasse um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância, será admissível recurso da decisão do tribunal tributário quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
III - Este recurso só será, por isso, admissível quando na decisão recorrida o erro avultar de forma categórica e, pela dignidade da questão, pelos importantes reflexos materiais que a solução desta comporte para os por ela visados e generalidade que importe na aplicação do direito, seja inexoravelmente preciso corrigir aquele, e não quando e apenas, outra solução jurídica, fosse possível seguir.
Nº Convencional:JSTA00067580
Nº do Documento:SA2201205090243
Data de Entrada:03/05/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO PER SALTUM
Decisão:NÃO ADMITIR RECURSO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO
Legislação Nacional:RGIT01 ART27 ART73 N2 ART83 N1 ART3 B ART63 ART79
RGCO ART73
CIRC01 ART98
L 3/99 DE 1999/01/13 ART24 N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC106/09 DE 2009/03/25; AC STA PROC411/07 DE 2007/06/20; AC STA PROC1037/09 DE 2010/01/20
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. “A……, Ldª”, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Aveiro que manteve a condenação em coima no montante de 205,60 euros que lhe fora aplicada pelo Chefe do Serviço de Finanças de Aveiro 1, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

1ª). O presente recurso é admissível nos termos do disposto no artigo 73.°, nº 2, do RGCO.

2ª) O recorrente pretende contestar a interpretação dada pelo Tribunal a quo aos artigos 79.° e 27.° do RGIT, no sentido de aceitar que a fundamentação da decisão de aplicação de coima não contenha os fundamentos da medida da coima concretamente aplicada, ainda que esta se situe acima do limiar mínimo da moldura abstracta prevista para a infracção, tratando-se de uma solução comprovadamente duvidosa face à jurisprudência desse Supremo Tribunal e que requer a necessidade do recurso para a melhoria da aplicação do direito e uniformidade da jurisprudência.

3ª) Por outro lado, o recurso tem como objecto a inconstitucionalidade da norma do artigo 98.° do CIRC, convocando argumentos não anteriormente reflectidos na jurisprudência, constituindo esta questão um problema controverso - pelo menos jurisprudencialmente, existindo exemplos de decisões que anularam a aplicação de coimas com aquele fundamento (cf. Acórdão de 18/02/2009) - sendo manifestamente necessário à melhoria do direito que se decida sobre tal questão de constitucionalidade nos termos que inovadoramente serão expostos como forma de evitar que a administração continue a aplicar coimas em circunstâncias semelhantes, cujas decisões possam ser anuladas judicialmente, sem que haja apreciação da questão de constitucionalidade por um tribunal superior, em face do valor das coimas aplicadas e do critério da alçada estabelecido pelo RGIT.

4ª) No recurso da decisão, a arguida invocou que a decisão recorrida é omissa quanto às razões e/ou circunstâncias que devem contribuir para a fixação da coima em concreto, em violação ao que na lei se dispõe, que exige a indicação dos elementos concretos a ter em conta e do sentido, positivo ou negativo, em que tenha sido feita a respectiva valoração (Ac. STA de 16.4.1997).

5ª) O Tribunal a quo errou ao ter entendido não ser necessário referir, descriminando, quais os fundamentos da medida da coima aplicada - e, além disso, quais as averiguações feitas e as provas produzidas - por considerar que tal não importa da fundamentação da decisão, outrossim da convicção sobre a matéria de facto, partindo do principio que "se a lei permite que a indicação dos factos imputados à arguida seja feita de forma sumária, muito mais se deve admitir tal situação no âmbito da fundamentação".

6ª) Na verdade, se tal argumentação pode aceitar nos casos em que a coima é fixada pelo mínimo, o mesmo não poderá aceitar-se quando aquela fixação ultrapasse, como in casu, aquele valor, sendo necessário, nessas circunstâncias, que se cumpra a determinação legal de indicação dos fundamentos da medida da coima de modo a que os arguidos possam sindicar a valoração efectuada e se conformem com a mesma ou, então, a impugnem.

7ª) Por outro lado, apesar de se reconhecer que a decisão administrativa não é uma sentença, mas um acto administrativo, daí não decorre a legitimidade da preterição dos requisitos de fundamentação legalmente estabelecidos para esse tipo de actos em geral e, em particular, para os casos de decisões administrativas condenatórias para as quais o legislador tipificou um acrescido dever de fundamentação nos artigos 79.° e 27.° do RGIT, contrariamente ao assumido pela douta decisão recorrida, que, assim, violou as exigências aí contidas.

8ª) A norma do artigo 98.° do CIRC padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios da capacidade contributiva, da adequação e da proporcionalidade, ínsitos princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.° da Constituição.

9ª). A exigência de prestações patrimoniais a título de pagamento antecipado de imposto devido a final, não pode ser feita com base num critério que tenha por referência o "valor de negócios", nos termos do disposto no artigo 98.° do CIRC, abstendo-se de ponderar os elementos negativos que concorrem para a determinação do lucro tributável.

10ª) De facto, incidindo o tipo de imposto em causa sobre o lucro tributável (artigos 1.° e 3.° do CIRC) de determinado período e sendo este forçosamente uma resultante da concorrência do "valor das vendas e dos serviços prestados" com o valor dos custos, fica irremediavelmente comprometida a idoneidade desse critério como modo de antecipação do imposto, em face de uma inaptidão estrutural para antecipar presumivelmente a obrigação tributária por conta da qual se impõe o pagamento, já que o mesmo, pelo total desprezo da outra variável do lucro tributável, acaba por se mostrar totalmente indiferente à probabilística realização e quantificação do facto tributário complexo, tal como ele se mostra assumido no respectivo tipo de imposto.

11ª) Na verdade, a mera ponderação do volume de negócios não pode, em absoluto, considerar-se sintomática da existência, e muito menos da respectiva extensão, de uma futura dívida tributária, dado que, por maior que seja o valor das vendas e dos serviços prestados, as variações introduzidas pela relevância decisiva dos custos na definição da obrigação tributária são susceptíveis de alterar radicalmente a determinação do imposto devido, e, nessa base, o pressuposto assumido na lei pode determinar o cumprimento de uma prestação totalmente à revelia da obrigação por conta da qual é imposto.

12ª) Impõe-se, por isso, reter que a total irrelevância conferida nesta sede ao rendimento, na estrita medida em que este possa assumir-se como tributável, redunda na imposição de um critério manifestamente desadequado e desproporcionado em face da composição da obrigação fiscal por conta da qual se exige a prestação em causa, sem que o mesmo possa justificar-se sob a óptica da sua necessidade.

13ª) De facto, ao determinar um pagamento antecipado do imposto com base no rendimento ilíquido, a norma em crise acaba por revelar-se manifestamente alheia ao critério substancial de conformação do lucro tributável como defínens da obrigação de imposto, abstraindo do an e do quantum que esta pode expressar.

14ª) Por isso, o parâmetro que serve de base ao cálculo do pagamento especial por conta não é só qualitativamente desajustado ao pressuposto do imposto, como também se afigura quantitativamente indiferente à sua presumível extensão, o que determina, semel pro semper, a existência de uma abstracta desproporcionalidade em relação à capacidade contributiva que pode ser imputada ao sujeito passivo e, a final, à efectiva composição da obrigação tributária emergente, violando-se desse modo os princípios da capacidade contributiva, da adequação e da proporcionalidade, ínsitos princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.° da Constituição.

15ª) Por outro lado, o regime legal constante do artigo 98.° do CIRC conjugado com o disposto no artigo 87.° do mesmo diploma, também é inconstitucional ao impedir o reembolso imediato dos créditos do sujeito passivo sobre o Estado quando o pagamento antecipado a esse título seja superior ao montante devido a final, fazendo depender esse "reembolso" de futuras vicissitudes. O que traduz um manifesto "enriquecimento sem causa" por parte do Estado (cfr. Sentencia do Tribunal Supremo de Espanha, de 12 de Novembro de 1993), ou um "empréstimo forçado" de índole manifestamente confiscatória, em violação do princípio da capacidade contributiva e do princípio da proporcionalidade.

16ª) Perante a inconstitucionalidade da norma que prevê o pagamento especial por conta, só por si e também quando conjugada com o disposto no artigo 87.° do CIRC, atendendo à sua previsão abstracta, e levando em atenção o direito de resistência dos contribuintes previsto no artigo 103.°, n.° 3, da CRP, não pode ter-se por verificada a prática de qualquer infracção, devendo o Tribunal revogar a decisão recorrida.

Termos em que e nos mais de direito se requer a V.ªs Exas que na procedência do presente recurso seja revogada a sentença recorrida e consequentemente, proferido douto acórdão que julgue o recurso de contra-ordenação provido, com todas as legais consequências.

2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 155/157 no qual defende o não recebimento do recurso por inverificação dos pressupostos previstos no artº 73º, nº 2 do RGCO.

3. Colhidos os autos cumpre agora decidir.

4. Com interesse para a decisão foram dados como provados os seguintes factos:

1º) A recorrente, "A……, Ldª.", Contribuinte Fiscal n° ……, não procedeu, ao pagamento especial por conta, no período 2003/09, no valor de 205,60;

2º) Por via dessa conduta referida foi levantado auto de notícia em 08/10/2007.

3º) Foi remetida notificação à arguida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70° do RGIT.

4º) A decisão recorrida foi proferida em 28/04/2008.

5. Antes de mais cabe apreciar se ocorrem ou não os pressupostos legais para admissão do recurso.

5.1. O artº 83º, nº 1 do RGIT dispõe o seguinte:

“1. O arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1ª instância para o Tribunal Central Administrativo, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e não for aplicada sanção acessória”.

Ora, o valor da coima aplicada - 205,60 euros – é inferior a um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância (5.000 euros – artº. 24º, nº 1 da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro), sendo certo que também não foi aplicada qualquer sanção acessória. Sendo assim, o recurso seria legalmente inadmissível.

Porém, este Supremo Tribunal tem vindo a admitir de forma reiterada a aplicação subsidiária, em matéria de contra-ordenações de natureza tributária, “ex vi” artº 3º, alínea b) do RGIT, do disposto no artº 73º do RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que dispõe o seguinte:

1. Pode recorrer-se para a relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64º quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 249,40 €;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a 249,40€ ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
2. Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência”.
(No sentido de tal admissibilidade, entre muitos outros, v. os acórdãos de 30.06.10 – Processo nº 0164/10; 28.04.10- Processo nº 0777/09; 03.02.10 -Processo 01102/09; 25.03.09 -Processo nº 0106/09; 20.06.07 – Processo nº 0411/07; 01.06.11 – Processo nº 0312/11; 08.06.2011 – Processo nº 0420/11 e 29.06.11 – Processo nº 0313/11).

5.2. De acordo com o nº 2 do citado artº 73º, são dois os requisitos para a admissão do recurso:
a) manifesta necessidade para melhoria da aplicação do direito;
b)manifesta necessidade para a promoção da uniformidade da jurisprudência.

Relativamente ao primeiro requisito - o que a recorrente invoca como fundamento da admissão do recurso -, o acórdão de 25.03.09 - Processo nº 0106/09, resume o entendimento deste STA, nos seguintes termos:
“A expressão «melhoria da aplicação do direito» usada naquele artº. 73.º, n.º 2, do RGCO deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que há «erros claros na decisão judicial» (Neste sentido, pode ver-se o citado acórdão do STA de 20-6-2007, recurso n.º 411/07), situações essas em que, à face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito”. 0106/09

E, no acórdão de 20.06.07 - Processo nº 0411/07, havia também já ficado escrito o seguinte:
E, dado o escopo referido - válvula de segurança do sistema - ele não deve restringir-se, ao contrário do que parece resultar da sua letra, aos casos em que apenas estejam em causa questões de interpretação ou aplicação da regra jurídica, propriamente ditas.
Antes deve admitir-se em termos de "permitir o controle jurisdicional dos casos em que haja erros claros na decisão judicial ou seja comprovadamente duvidosa a solução jurídica" ou em que "se esteja perante uma manifesta violação do direito".

Repetindo esta doutrina, escreveu-se também no acórdão de 08.06.2011:
Ora, tem a jurisprudência deste Supremo Tribunal entendido que a aceitação do recurso visando a melhoria da aplicação do direito em processo de contra-ordenação fiscal «não deve restringir-se, ao contrário do que parece resultar da sua letra, aos casos em que apenas estejam em causa questões de interpretação ou aplicação da regra jurídica, propriamente dita”. Antes deve admitir-se em termos de “permitir o controle jurisdicional dos casos em que haja erros claros na decisão judicial ou seja comprovadamente duvidosa a solução jurídica” ou em que “se esteja perante uma manifesta violação do direito”.» (Neste sentido, entre outros, v. os Acórdãos de 30/9/09, Processo. nº 0529/09, de 15.04.2009 – Processo nº 0105/09 e 29.04.2009 – Processo nº 0331/09).
Porém, como também se salienta no Acórdão da Relação de Guimarães de 08.11.2004 – Processo nº 1073/04-1 este recurso não visa a superação da ilegalidade resultante de uma errada aplicação do direito, nem a correcção desta através da decisão do tribunal superior que legislador se refere em tal disposição legal, pois que se tal quisesse, bastava-lhe conferir o direito ao recurso em termos mais amplos.
Fazendo apelo ao argumento literal vemos que o legislador aplicou a expressão “melhoria da aplicação”, em vez de, por exemplo “uma melhor aplicação”, o que introduz um significado de estabilidade da melhora, uma “mudança para melhor”, não se tratando, pois, apenas de melhorar, mas de conseguir que a melhora passe a ser a norma.
Por outro lado, em articulação, foi usada a expressão “manifestamente necessário”, o que inculca a ideia de que não se trata apenas de conseguir uma “melhoria” na aplicação do direito, mas de limitá-lo aos casos de isso ser manifestamente necessário, acrescentando-se assim, a um critério de necessidade, uma circunstância de premência, de avultamento do desacerto.
Se assim é, podemos concluir que é de aceitar o recurso quando na decisão recorrida o erro avultar de forma categórica e, pela dignidade da questão, pelos importantes reflexos materiais que a solução desta comporte para os por ela visados e generalidade que importe na aplicação do direito, seja inexoravelmente preciso corrigir aquele.
Também este Supremo Tribunal vem entendendo que não se verifica uma situação de manifesta necessidade de admissão do recurso para melhoria da aplicação do direito quando a decisão recorrida, adoptou uma corrente jurisprudencial mais exigente sobre a densidade da «descrição sumária dos factos» que deve constar da decisão de aplicação de coima. (Neste sentido, entre outros, v. os Acórdãos de 29.04.2009, de 15.04.2009 e 15.04.2009 – Processos nºs 0331/09, 0105/09 e 103/09, respectivamente).
No caso dos autos, sendo sabido, como, aliás, faz notar o recorrente, que existe divergência jurisprudencial sobre a questão da descrição sumária dos factos na decisão de aplicação de coima, existindo arestos que se satisfazem com meras referências sintéticas aos factos e outros exigem maior discriminação e precisão dos factos, o Mmº Juiz recorrido seguiu a corrente jurisprudencial mais exigente. Sendo assim, e seguindo-se aqui a jurisprudência desde Supremo Tribunal, entende-se que, no caso concreto, não se justifica legalmente o recurso”.

5.3. Regressando agora ao caso dos autos, temos que a recorrente, nas alegações de recurso de aplicação da coima, invocou a nulidade daquela decisão com fundamento na violação dos artºs 63º e 79º do RGIT. Isto porque, em seu entender, a decisão de aplicação da coima não descreveu sumariamente quais os factos dentre os constantes do auto de notícia que reproduziu no relatório da decisão, que considerou provados.
Por outro lado, não foram fixados os elementos e as circunstâncias concretas que se consideraram para a fixação do montante da coima.

A decisão agora recorrida considerou que “da análise do conteúdo da decisão que aplicou a coima, que consta dos factos considerados provados, resulta que ali são enumerados todos os elementos exigidos pelo artº 79º do RGIT”.

Por outro lado, quanto aos elementos que contribuíram para a fixação da coima, a sentença pronunciou-se nos seguintes termos:
Essencial é que se refiram quais os factos que se consideram provados e quais as provas em que se fundou tal convicção e tais elementos vêm expressamente referidos na decisão em crise: pode aceitar-se que a fundamentação é muito sumária mas tal não invalida pois se a lei permite que a indicação dos factos imputados à arguida seja de forma sumária, muito mais se deve admitir tal situação no âmbito da fundamentação.
Assim tem vindo a decidir a nossa jurisprudência: “A decisão administrativa que aplica uma coima não é uma sentença nem se lhe pode equiparar, não lhe sendo, por isso, aplicável o disposto no artº 379º do Código de Processo Penal”; ”A exigência de fundamentação basta-se, no que toca a esta decisão, com a descrição do facto delituoso e a indicação da norma sancionatória. A exigência da indicação das provas obtidas é satisfeita quando na “proposta de decisão” que precede a decisão se faz a elas alusão”. “O artº 58º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, não exclui que a indicação das provas se possa fazer por remissão”.
No mesmo sentido, a nível doutrinal, conferir Simas Santos e Lopes de Sousa, “Contra-Ordenações, anotações ao Regime Geral”

5.4. No recurso agora interposto para este Supremo Tribunal a recorrente veio afirmar expressamente que no presente recurso pretende contestar a interpretação dada pela decisão recorrida aos artºs 79º e 27º do RGIT, bem como discutir a inconstitucionalidade da norma do artº 98º do CIRC convocando argumentos não anteriormente reflectidos na jurisprudência.

Porém, tal como acima ficou referido, o recurso previsto no citado artº 73º, nº 2, só é legalmente admissível nos casos em que estejam em causa questões de interpretação ou aplicação de regra jurídica ou naqueles em que for necessário o controle jurisdicional em virtude de erros claros na decisão judicial ou em que seja comprovadamente duvidosa a solução jurídica ou em que se esteja perante uma manifesta violação do direito.

Ora, a decisão recorrida apreciou os factos e aplicou-lhes o direito pertinente louvando-se em doutrina e jurisprudência. Ainda que, porventura de possa ter entendimento jurídico sobre a matéria, a verdade é que não estamos perante clamorosa violação do direito ou erro crasso de interpretação justificadora da admissibilidade do recurso excepcional do citado artº 73º, nº 2.

Aliás, no caso de aplicação de sanção de valor mínimo ou próximo dele se pronunciou já este STA, entre outros, no acórdão de 20.01.2010, proferido no Processo nº 01037/09, em sentido que foi seguido na decisão recorrida.

5.5. Não sendo, portanto, admissível o recurso, a questão de inconstitucionalidade, que até nem foi anteriormente invocada nos autos, não pode ser apreciada, pois os tribunais não se debruçam sobre questões teóricas, antes sobre os casos concretos que são submetidos à sua apreciação.

6. Nestes termos e pelo exposto, decide-se não admitir o recurso.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 9 de Maio de 2012. - Valente Torrão (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs.