Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0641/12
Data do Acordão:12/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
LIQUIDAÇÃO
IRS
MAIS VALIAS
VALOR DE AQUISIÇÃO
VALOR DE REALIZAÇÃO
BENS DA HERANÇA
LOTEAMENTO
ACTIVIDADE COMERCIAL
Sumário:I – O alcance do nº 2 do art. 78º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era de reforço das garantias dos contribuintes.
II – Aquele art. 78º, nº 2, seria organicamente inconstitucional, por ser incompatível com aquele sentido da autorização legislativa, se fosse interpretado por forma que se reconduza a que a revisão oficiosa, em casos de autoliquidação, só fosse possível quando o contribuinte tivesse apresentado reclamação graciosa e impugnação judicial da autoliquidação.
III – De acordo com o art. 43º, nº 1, do CIRS, em vigor à data dos factos, “Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto sobre sucessões e doações”, preceito que não viola o principio da igualdade, nem ofende a repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
IV – Os ganhos provenientes do loteamento de um terreno, que veio ao património do impugnante por herança, antes da concretização desse loteamento, são rendimentos comerciais (rendimentos da categoria B do CIRS) e não mais valias (rendimentos da categoria G do CIRS), mesmo que esse loteamento tenha resultado de uma actividade ocasional do loteador.
Nº Convencional:JSTA00067988
Nº do Documento:SA2201212050641
Data de Entrada:06/08/2012
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS88 ART43 N1 ART10 N1 A N4 A ART41 N1 ART4 N1 E ART44 N1 C ART50.
LGT98 ART9 ART78 N1 N2.
CONST76 ART13 ART103 N1 ART112 N2.
CPPTRIB99 ART131.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0532/07 DE 2007/11/28; AC STA PROC0259/12 DE 2012/06/14; AC STA PROC0624/03 DE 2003/06/18
Referência a Doutrina:RUI MORAIS - SOBRE IRS 2ED PAG136-138.
FREITAS PEREIRA - TRATAMENTO FISCAL DA TRANSFERENCIA DE BENS IMOVEIS ENTRE O PATRIMONIO PRIVADO E O PATRIMONIO EMPRESARIAL DE UMA PESSOA SINGULAR CIENCIA E TECNICA FISCAL 367 PAG15.
LOPES FAUSTINO - AS ALTERAÇÕES AO CODIGO DO IRS EM 1992 FISCO 1993 PAG5.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

1. A……… e B……….., identificados nos autos, deduziram impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, tendo por objecto a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios com o nº. 153 2003 0532, relativa ao ano de 1999, no montante total de € 26.300,18.
1.1. Naquele Tribunal decidiu-se julgar a impugnação totalmente improcedente.

2. Inconformados, os recorrentes interpuseram recurso para o TCA Norte, concluindo da seguinte forma:
“1. A presente impugnação não visava a impugnação directa do acto de liquidação adicional.
2. Com efeito, a impugnação em apreço foi apresentada por força do indeferimento do pedido de revisão do acto tributário, deduzido pelos ora Recorrentes.
3. Pelo que não se compreende que os argumentos aduzidos pelos Recorrentes não tivessem sido devidamente apreciados pelo Tribunal a quo.
4. Na verdade, o prédio rústico adquirido pelos Recorrentes por via sucessória, constituía uma realidade económica distinta e até oposta, dos prédios urbanos posteriormente vendidos e objecto de tributação em sede de mais valias.
5. Como facilmente se alcança, no caso vertente estamos perante um facto tributário de formação sucessiva com dois momentos distintos: o momento de aquisição e o de transmissão.
6. Aliás é a própria Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio da capacidade contributiva e, em consequência, impõe que a tributação sobre o património tenha em consideração o seu valor real.
7. De outro modo, a mesma realidade económica poderia ser tratada de modo desigual, pondo em causa a justiça, igualdade e equidade.
8. A este propósito, não é despiciendo dizer-se que a Administração Tributária teve em consideração valores distintos em sede de tributação de CA.
9. Finalmente, diga-se que a interpretação literal que se faz na douta sentença ora impugnada, do disposto no n°1, do artigo 43°, do CIRS, é manifestamente ilegal e até inconstitucional, violando-se, assim, os artigos, 9°, da LGT, 13º e 103°, n°1, da CRP.
Nestes termos, dando-se provimento ao presente recurso, V. Exas. farão, Justiça.

3. Não houve contra-alegações.

4. Por Acórdão de fls. 79 e segs. o TCAN declarou-se incompetente em razão da hierarquia, para o conhecimento do presente recurso, dado a competência pertencer ao STA, pelo que os recorrentes requereram a remessa dos autos a este Tribunal.

5. Remetidos os autos ao STA, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso ser de improceder.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos

1. DE FACTO
A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A. Em 17.09.1999, foi lavrado na Repartição de Finanças Porto — Bairro 3.° “Termo de declaração” com o seguinte teor cfr. fls. 34 do PA apenso: “(...) compareceu nesta Repartição de Finanças o Sr. C……….., (…), na qualidade de gestor de negócios da D………., Lda. (...), e declarou que pretende pagar a sisa que for devida com referência a compra que, pelo preço global de 149.910.000$00 (...) vai fazer a (…), A………., (…), dos seguintes imóveis: (...) prédio destinado a habitação sito no lugar de ………, freguesia de ………., concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8779 (...); terreno destinado a construção (…) sito no lugar de ………, freguesia de ……….., concelho do Porto, ainda omisso na matriz, mas tendo sido apresentada participação para sua inscrição em 22 de Abril de 1999 (...)”
B. Em 18.09.1999, os impugnantes outorgaram escritura pública de compra e venda no Segundo Cartório Notarial de Vila do Conde, na qualidade de comproprietários dos prédios identificados no “termo de declaração” para efeitos de sisa, nos termos da qual declararam vender os referidos prédios à sociedade por quotas D……….., Lda., e esta declarou comprá-los — cfr. fls. 39 a 45 do PA apenso.
C. Em 01.08.2000, foi emitida liquidação de IRS, por referência aos impugnantes com o seguinte teor — cfr. fls. 13 do PA apenso:
“N.DECL.: 5514228
ANO FISCAL: 1999
N LIQ.: 5602520670
RENDIMENTO GLOBAL 44.720,67 EUROS”
D. Com data de 25.11.2002, foi dirigida ao impugnante “carta registada com aviso de recepção” sob o “Assunto: Notificação (Artigos 60º da LGT e 60° do RCPIT)”, subscrita pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, para efeitos de exercício do direito de audição sobre o “Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção”— cfr. fls. 25 e 26 do PA apenso.
E. Com data de 17.12.2002, foi elaborado “Relatório/Conclusões”, no âmbito de “Procedimento Interno de Inspecção”, por referência aos impugnantes, com o seguinte teor — cfr. fls. 27 A 3º do PA apenso:
VALORES DECLARADOS/CORRIGIDOS
CORRECÇÃO AO RENDIMENTO GLOBAL IRS
ANO/EXERCÍCIO DE 1999
VALOR DECLARADO 44.720,67
CORRECÇÃO (VALOR) 58.911,02
VALOR APÓS CORRECÇÃO 703.631,69
(…)
Assunto: IRS/G-Ano: 1999 — (OS: 23440/93) — mais-valias de alienação de bens imóveis — omissão de rendimentos
Conclusão das correcções (elaborada nos termos e para os efeitos do disposto no ART° 60° LGT e ART° 62° do RCPIT)
1. RENDIMENTOS DA CATEGORIA G - MAIS VALIAS: Da análise interna à situação tributária dos sujeitos passivos em epígrafe e em face do teor das Relações do Notário a que se refere o art° 116° do CIRS, verificou-se que o sujeito passivo (A) — A……….., (...) e outros herdeiros procederam à alienação, cf escritura de 18/09/1999, Livro 141D, Fls. 66/99 no 2° CNP ………, de dois bens imóveis, que adiante se descrevem, correspondente a herança indivisa (Família ……….), pelo preço global de 747.748 euros (…).





1. Valor de realização na escritura de 18/09/1999 — Alienação de dois imóveis (...):
- art° Urb. 12773/108R pelo preço de (...) 646.821 Furos (……….)
- art° Urb. 8779 pelo preço de (...) 100.927 Euros (Casa de habitação da ………)
Total (...) 747.748 Euros
a) Terreno para construção, pelo preço de (…) 646. 821 Euros, (...) com registo de transmissão a favor dos vendedores em comum e sem determinação de parte ou direito pela inscrição G-1990 ap2, de 02/Abril, Omisso na matriz e pedida inscrição em 22/Abril/99 (...) pelos vendedores (já inscrito em 1999 sob art° urbano n° 12.773 em nome dos compradores). Este prédio correspondia ao antigo art° 108° Rústico da freguesia de …………/Porto. Este terreno, segundo os Serviços de Urbanismo e Loteamentos Urbanos da Câmara Municipal do Porto, faz parte da área urbana que, pelo projecto urbanístico 304/57, de 16 de Julho de 1957, lhe atribui “capacidade construtiva” (...). O valor, em processo de Avaliação, foi de (…) 364.977 Euros, sendo, assim, inferior ao valor de realização.
b) Casa de habitação, pelo preço de (...) 100.927 Euros, (...) com registo de transmissão a favor dos vendedores, em comum e sem determinação de parte ou direito pela inscrição G-1990 ap2, de 02/Abril, inscrito na matriz urbana sob art° 8.779.
c) Quinhão do SP no valor de realização — (...) o quinhão deste sujeito passivo na transmissão destes imóveis, sendo de 20,833%, a sua quota-parte é de 155.780,20 euros (…).
2. Valor e data de aquisição dos bens alienados — (...) Estes bens vieram à sua posse em tempos distintos e a título gratuito. Assim, adquiriu por herança 12,5%, em 20-04-1993, por óbito de sua mãe, E……….., e, posteriormente, 8,33%, por óbito de sua tia, em 19/10/1996, F……….. Os valores de aquisição são os que serviram de base à liquidação do respectivo Imposto Sucessório na transmissão gratuita (...).
3. Enquadramento da categoria G - mais valias
A alienação destes dois imóveis (...) está sujeita a IRS — categoria G, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 10. ° do Código do IRS (...).
4. Pedido de regularização de situação tributária
Não obstante a obtenção daqueles rendimentos e não tendo apresentado ao tempo o anexo G (mais-valias) da Declaração de Rendimentos, a que se refere o n°1 do art° 57º do Código do IRS, para o ano de 1999, foi o sujeito passivo em epígrafe notificado (...) para regularizar a situação tributária em falta. (…).
5. Regularização parcial - não aceitação do apuramento declarado
O sujeito passivo dá conhecimento, em 27/07/2002, da entrega de “Anexo G e Declaração de substituição mod. 3 no “3387 — SF Porto 7 — em 02/Julho de 2002”, (...). O SP declara neste Anexo G os valores de realização cf escritura e os valores de aquisição que serviram de base à liquidação do Imposto Sucessões e Doações (aquisição a título gratuito), na proporção da sua quota nos termos do art° 41º a 44° do CIRS. Porém, declarou excesso de “Despesas e encargos”, cf quadro adiante, que ultrapassam o valor documentado e a proporção da sua quota parte cf demonstramos no ponto seguinte. Desta Decl. Rend. De Substituição de 02/07/2002 não resultou liquidação de Imposto (Decl. Fora de prazo, cf Sist. Inf Trib.)




6. Valores propostos para determinação do cálculo da mais valia (anexo G)
a) Em face dos documentos constantes do processo — escritura de venda de 18/09/1999, escritura de habilitação de herdeiros por óbito de E………., em 20/04/93, e de F……….., em 19/10/96, e Proc. Liquidação IMSS, confirmamos os valores e datas de realização (155.780,82) e de aquisição (484,66).
b) Contudo, não confirmamos o valor declarado de “Despesas e Encargos” de 70.343,47 Euros por apenas se encontrar documentado, na proporção do quinhão da herança (20,833 %) deste sujeito passivo o valor de 37.409,19 Euros. Assim, cf “acordo extrajudicial de 07/07/98, reconhecido notarialmente em 07/08/98”, constante do processo, os cabeça de casal na herança, “G……….. /A………”, como 1ºs outorgantes, e como 2ºs outorgantes “H…………— NIF ……….” na qualidade de arrendatário, desde 1963, da casa de habitação art° 8779 e Quinta ……… art° 12773U/108R, celebraram acordo de denúncia daquele arrendamento contra pagamento, a título de indemnização, da quantia de 36.000.000$00 Esc. (179.567 euros) com a entrega daqueles bens imóveis livres de pessoas e bens até 3/10/1998.
c) Nestes termos, as datas e valores de aquisição, realização e “Despesas e Encargos “, cf documentos constantes do processo, são os constantes do quadro adiante.




(…)
111. Proposta de liquidação adicional: IRS ano de 1999
Em face do que antecede, propõe-se a liquidação adicional do IRS em falta, como se segue no quadro seguinte, pelo que acresce ao rendimento global declarado (Decl. Mod/3 — 55142/28, de 20/06/2000), no montante de 44.720,67 Euros o valor tributável desta categoria G, no valor de Euros 58.911,02 (...), cf Cálculos adiante, pelo que o rendimento global passa para 103.631,69 Euros:
Mv = [Vr - (Va x Coef. + Dal] x 50%
(Mv = Mais valia; Vr = Valor de realização; Va Valor de aquisição; Dal= Despesas de alienação; Coef Monetário)


* (C. Monet.: Coeficiente de desvalorização monetária previsto na portaria 393/99, de 29/05)
F. Com data de 23.12.2002, foi dirigida ao impugnante “carta registada com aviso de recepção” sob o “Assunto: Notificação do Resultado de Inspecção Tributária (Artigos 77° da LGT e 610 do RCPIT)”, subscrita pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, dando-lhe conta das correcções meramente aritméticas efectuadas, com indicação da junção de “relatório e anexos” — cfr. fls. 21 a 23 do PA apenso.
G. Em 12.03.2003, foi emitida liquidação de IRS, por referência aos impugnantes com o seguinte teor — cfr. fls. 14 do PA apenso:
“N. DECL.: 96771 04
ANO FISCAL: 1999
N. LIQ.: 5320030532
RENDIMENTO GLOBAL 103.631,68 EUROS”
H. Em 19.03.2003, foi emitida “Demonstração de compensação” por referência aos impugnantes, com o seguinte teor — fls. 10 do PA apenso:




(…) (…)




2. Das questões a apreciar e decidir

Os ora recorrentes apresentaram, em 23/1/2007, junto do 7.° Serviço de Finanças do Porto, pedido de revisão do acto de liquidação objecto dos presentes autos com fundamento da errada aplicação do disposto no nº 1 do artigo 43.° do CIRS, no que concerne à determinação do valor de aquisição, que foi indeferido.
Inconformado deduziram impugnação judicial, que deu entrada no Tribunal em 11/3/2008, argumentando, em síntese, que a liquidação impugnada padece de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito, na medida em que o apuramento das mais-valias aí contempladas - pela alienação de dois prédios - tem por base um valor de aquisição de prédios rústicos quando, na verdade, os prédios alienados eram já classificados como urbanos à data da alienação (casa de habitação e terreno para construção), resultando tal apuramento de uma errada aplicação do disposto no n.° 1 do artigo 43° do CIRS.
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 30 de Abril de 2011, foi julgada a impugnação totalmente improcedente.
Para tanto ponderou o Mmº Juiz “a quo”, entre o mais, que:
“(…) O valor de aquisição em causa foi o declarado pelos próprios impugnantes, em sede de apresentação de declaração de substituição - resultando, assim, da autoliquidação por si efectuada, com a apresentação de declaração de substituição -, não tendo sido objecto de correcção em sede de liquidação adicional. E, se os impugnantes pretendiam pôr em causa o valor de aquisição que eles próprios haviam declarado - por acharem que o mesmo não estava correcto -, deveriam ter impugnado o acto de liquidação que se seguiu à apresentação de tal declaração, nos termos do artigo 131.° do CPPT, dispositivo que permite a impugnação dos actos de autoliquidação, verificados os pressupostos aí contemplados. Não o tendo feito, o mesmo consolidou-se, não podendo, agora, ser contestado em sede de impugnação do acto de liquidação adicional.
(…) conclui-se pela improcedência da impugnação atendendo a que (i) o objecto da presente impugnação é a liquidação adicional, que teve lugar na sequência de inspecção tributária e que resultou de correcções meramente aritméticas aos valores declarados a título de despesas e encargos com a alienação, sem que tivessem sido alterados os valores de aquisição e realização anteriormente declarados pelos impugnantes; (ii) os impugnantes apenas contestam o apuramento das mais-valias na parte respeitante ao valor de aquisição, não tendo tal fundamento cabimento nesta sede; e, finalmente, (iii) não são postas em causa as correcções efectuadas ao valor declarado a título de despesas e encargos.
Sem embargo, sempre se dirá que, ainda que pudesse ser objecto de conhecimento nesta sede o apuramento do valor de aquisição, sempre a impugnação improcederia pois que o valor de aquisição fixado é o correcto. Na verdade, o valor de aquisição declarado pelos impugnantes - e mantido na liquidação adicional - corresponde à quota parte dos impugnantes (20,833 %) dos prédios alienados, considerando o valor dos mesmos que serviu de base à liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações, uma vez que os mesmos foram adquiridos a título gratuito, por herança da mãe e tia do impugnante. Tal valor está, assim, em conformidade com o disposto no n.° 1 do artigo 43° do CIRS, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro, aplicável à data.

Inconformados com esta decisão, os recorrentes dela interpuseram recurso, argumentando, em síntese, que:
· A impugnação judicial não visa a impugnação directa do acto de liquidação adicional, mas sim o indeferimento do pedido de revisão do acto tributário.
· O prédio rústico adquirido por via sucessória, constituía uma realidade económica distinta e até oposta, dos prédios urbanos posteriormente vendidos e objecto de tributação em sede de mais valias.
· A interpretação literal que se faz na douta sentença ora impugnada, do disposto no n°1, do artigo 43°, do CIRS, é manifestamente ilegal e até inconstitucional, violando-se, assim, os artigos, 9°, da LGT, 13º e 103°, n°1, da CRP.

Em face das conclusões, que delimitam o âmbito e o objecto do recurso, nos termos das disposições constantes dos arts. 684º, nº 3, e 685º, nº1, do CPC, as questões a apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao concluir pela improcedência da impugnação judicial, o que pressupõe a dilucidação das seguintes questões:
a) Se não tendo os recorrentes impugnado a auto-liquidação estão impedidos de pedir a revisão e posteriormente impugnar o indeferimento do pedido a revisão oficiosa;
b) Qual o valor de aquisição a considerar no caso dos autos para efeito de tributação de mais valias;
c) Da eventual inconstitucionalidade do art. 43º do CIRS, por violação dos arts. 13º e 103º, nº 1, da CRP.

2. Sentido e alcance do art. 78º, nºs 1 e 2, da LGT

Conforme resulta da matéria assente e se pode ler na sentença recorrida, os impugnantes, na qualidade de comproprietários de dois prédios inscritos na matriz predial urbana, adquiridos a título gratuito, por óbito da mãe e da tia do impugnante, parte em 20.04.1993 e parte em 19.10.1996, respectivamente, sendo o seu quinhão hereditário de 20,833 % do valor total dos prédios, procederam, em Julho de 2002, à entrega de declaração de substituição relativamente ao IRS de 1999, incluindo o anexo G, no qual inscreveram como valor de realização o correspondente ao preço da alienação titulada pela referida escritura e como valor de aquisição aquele que serviu de base à liquidação do Imposto sobre Sucessões e Doações, na proporção da sua quota.
Para o Mmº Juiz “a quo”, tendo “o valor de aquisição em causa sido o declarado pelos próprios impugnantes, em sede de apresentação de declaração de substituição - resultando, assim, da autoliquidação por si efectuada, com a apresentação de declaração de substituição -, não tendo sido objecto de correcção em sede de liquidação adicional” (…)., se os impugnantes pretendiam pôr em causa o valor de aquisição que eles próprios haviam declarado - por acharem que o mesmo não estava correcto -, deveriam ter impugnado o acto de liquidação que se seguiu à apresentação de tal declaração, nos termos do artigo 131.° do CPPT, dispositivo que permite a impugnação dos actos de autoliquidação, verificados os pressupostos aí contemplados. Não o tendo feito, o mesmo consolidou-se, não podendo, agora, ser contestado em sede de impugnação do acto de liquidação adicional”.
Ora, acontece que o Mmº Juiz “a quo” incorre desde logo em erro porquanto como sublinham os recorrentes a impugnação judicial não versa sobre a liquidação adicional, antes tem por objecto o indeferimento do pedido de revisão do acto tributário.
É certo que os recorrentes referem logo no início da petição de impugnação judicial que impugnam “a liquidação de IRS do ano de 1999”, mas acrescentam logo a seguir “uma vez que não se conformam com o indeferimento dos pedidos de revisão do acto tributário apresentados no 7º Serviço de Finanças do Porto”. E também no art. 41º da petição de impugnação se referem aos pedidos de revisão.
O que nos remete para a questão da admissibilidade do pedido de revisão nas situações de autoliquidação, nos quatro anos posteriores à respectiva emissão, com possibilidade de impugnação judicial o despacho de indeferimento desse pedido, tudo à margem do regime estatuído do art. 131º do CPPT.
Assim recortada a questão, que tem que ver com o sentido e alcance do art. 78º, nºs 1 e 2 da LGT, verificamos que a mesma tem sido objecto de numerosos arestos deste Supremo Tribunal, sendo já uniforme a jurisprudência vertida, entre outros, nos Acórdãos de 28/11/2007, proc nº 0532/07; e, recentemente, no de 14/6/2012, proc nº 259/12, em que fui também relatora. Assim, não vendo razão para alterar a jurisprudência aí firmada, seguiremos de perto o que ficou consignado no último Acórdão mencionado.
Com relevo importa reter que aí se concluiu que “o nº 2 do referido artº 78º, ao estabelecer que «sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação», poderia sugerir uma interpretação no sentido de, nos casos de autoliquidação, sem reclamação ou impugnação prévia não poder haver revisão. (…) “Porém, pelo que se disse sobre o sentido da autorização legislativa em que se baseou a aprovação da LGT pelo Governo, assente que à face do CPT era possível a revisão oficiosa nos casos de autoliquidação quando não tivesse sido apresentada reclamação graciosa e estivesse expirado o prazo para a apresentar, se aquele nº 2 pudesse ser interpretado com o sentido de impedir a revisão oficiosa quando não tivesse havido nem pudesse haver já reclamação graciosa, estar-se-ia perante uma situação em que a LGT diminuiria as garantias dos contribuintes, o que implicaria a inconstitucionalidade orgânica daquela norma, por ser uma iniciativa legislativa contrária à lei de autorização (artº 112º, nº 2, da CRP).
“No entanto, a interpretação referida não é forçosa, pois, embora a redacção do nº 2 do artº 78º seja infeliz, pela falta de clareza, o seu perceptível alcance, ao ficcionar que todos os erros na autoliquidação, para efeitos do nº 1, se consideram imputáveis aos serviços, é o de admitir a possibilidade de revisão oficiosa em todos os casos.
“Na verdade, a imputação de todos os erros da autoliquidação à administração tributária é uma ficção que está em manifesta dissonância com a realidade, pois, sendo o contribuinte quem faz a autoliquidação, o que é normal é que os erros lhe sejam imputáveis a ele próprio, que a fez, e não à administração tributária, que não a fez. “Apenas se entrevê a possibilidade de erros na autoliquidação serem imputáveis à administração tributária nos casos em que esta procedeu a correcções ou em que o contribuinte incorreu em erros seguindo instruções que aquela lhe forneceu.
“Por outro lado, esta ficção de que todos os erros da autoliquidação são imputáveis à administração tributária vale apenas «para efeitos do número anterior», que estabelece as condições de admissibilidade da revisão oficiosa, fazendo depender a revisão por iniciativa da administração tributária da existência de erro imputável aos serviços. Isto é, esta ficção não vale para outros efeitos, designadamente para determinar direito a juros indemnizatórios.
“Por isso, é de concluir que o objectivo que se teve em vista com o nº 2, foi alargar as situações em que é admissível a revisão em casos de autoliquidação, permitindo-a sempre (e não apenas nos casos em que tivesse havido correcção dos elementos evidenciados pela declaração, como sucedia no regime do artº 94º, nº 2, do CPT), inclusivamente quando o erro é imputável ao contribuinte, que passou a ficcionar-se como imputável à administração tributária.
“É, aliás, uma solução legal que se compreende, pois a restrição das possibilidades de revisão aos casos em que se comprovasse que o erro era imputável à administração tributária reconduzia-se a que as possibilidades de revisão oficiosa nos casos de autoliquidação fossem muito menores do que as que existam em relação à generalidade dos actos de liquidação.
“Assim, sendo a intenção legislativa subjacente ao nº 2 do artº 78º da LGT alargar as possibilidades de revisão em relação às existentes anteriormente, tem de se rejeitar a interpretação defendida pela administração tributária, segundo a qual a revisão só podia ser efectuada se tivesse sido apresentada previamente reclamação graciosa, pois ela consubstanciaria uma diminuição das possibilidades de revisão em relação às existentes no domínio do CPT, em que ela era admissível sem dependência dessa condição.”
Para finalizar importa sublinhar que esta interpretação do art. 78º da LGT é a que melhor corresponde, como ficou consignado no Acórdão de 28/11/2007, ao objectivo referido expressamente na lei de autorização legislativa em que se baseou a aprovação da LGT e que era no sentido do «reforço das garantias dos contribuintes».
Aplicando a jurisprudência mencionada ao caso em apreço, não haveria, desta forma, qualquer obstáculo à admissibilidade da impugnação judicial.


2.3. Qual o valor de aquisição a ter em conta para o efeito da tributação em mais-valias

1. Resulta do probatório que os recorrentes eram comproprietários de dois prédios rústicos, sitos na freguesia de …….. /Porto, que adquiriram através de herança, em em 20/4/93 e em 19/10/96.
Em 18/9/1999 os recorrentes venderam, por escritura pública, os dois imóveis, pelo preço global de €747.748, assim discriminados:
a) “Terreno para Construção”, já inscrito na matriz predial urbana, em 1999, sob o nº 12773 e que correspondia ao art. 108º rústico da freguesia de ………/Porto, pelo preço global de €646821;
b) “Casa de Habitação”, também inscrito na matriz predial urbana, em 1990, sob o art. 8779, pelo preço de €155780, 2.
Como vimos, foram os próprios recorrentes que declararam para efeitos de liquidação de imposto (IRS) que os prédios urbanos em causa haviam sido adquiridos pelos impugnantes, a título de herança, tendo sido entregue, em Julho de 2002, declaração de substituição relativamente ao IRS de 1999, incluindo o anexo G, no qual inscreveram como valor de realização o correspondente ao preço da alienação titulada pela referida escritura e como valor de aquisição aquele que serviu de base à liquidação do Imposto sobre Sucessões e Doações, na proporção da sua quota.
Temos, desta forma, que a auto-liquidação, que não foi neste aspecto alterada pela Fazenda Pública, obedece ao critério legalmente fixado no art. 43º, nº 1, do CIRS (com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro).
Alegam agora os recorrentes que a liquidação deve ter por base o valor real dos imóveis e não o critério referido no mencionado preceito, sob pena de violação dos arts. 9º da LGT, 13º e 103º, nº 1, da CRP, isto é, contestam o apuramento das mais-valias na parte respeitante ao valor de aquisição.

Vejamos.

2. Segundo o art. 10º, nº 1, alínea a), do CIRS (na redacção aplicável ao caso dos autos -Redacção da Lei n.° 10-B/96, de 20 de Março), Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais, agrícolas ou de capitais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...).”
Tais ganhos são dados pela “diferença entre o valor da realização e o valor de aquisição” - cfr. alínea a) do n.° 4 do mesmo artigo, com a redacção do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro.
Nos termos do n.° 1 do artigo 41° do CIRS, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 206/90, de 26 de Junho, “O valor dos rendimentos da categoria G é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.”, dizendo o respectivo n.° 2 que, nomeadamente no caso de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, aquele saldo “é apenas considerado em 50% do seu valor”.
Como se pode ler na sentença recorrida, “Para a determinação do rendimento colectável qualificado como mais-valias concorrem o valor de realização e o valor de aquisição” e, tratando-se da compra e venda de bem imóvel, o valor de realização corresponde ao valor da contraprestação, ou seja, o valor de venda [alínea f) do n.° 1 do artigo 41.° do CIRS].
Por sua vez, na determinação dos ganhos sujeitos a IRS, “considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações” (n.°1 do artigo 43.° do CIRS, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro).
Aplicando o exposto a caso em análise, verifica-se que, em relação ao imóvel “Casa de Habitação, assiste razão ao Mmº Juiz “a quo” quando pondera que “Na verdade, o valor de aquisição declarado pelos impugnantes - e mantido na liquidação adicional - corresponde à quota parte dos impugnantes (20,833 %) dos prédios alienados, considerando o valor dos mesmos que serviu de base à liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações, uma vez que os mesmos foram adquiridos a título gratuito, por herança da mãe e tia do impugnante. Tal valor está, assim, em conformidade com o disposto no n.° 1 do artigo 43° do CIRS, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro, aplicável à data.
E não se diga que este normativo é susceptível de qualquer outra interpretação que conduza a um resultado diferente.
(…) a letra da lei não deixa margem para uma interpretação que permita que o valor de aquisição corresponda a outro que não aquele que serviu de base à liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações, sendo certo que, embora a interpretação não deva cingir-se à letra da lei - cfr. n° 1 do artigo 9° do Código Civil -, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa - cfr. n.° 2 do mesmo artigo 9°”.
Já em relação ao outro imóvel não acompanhamos a sentença recorrida, pelas razões que passamos a expor.
No que se refere ao imóvel classificado como “terreno para construção”, destaca-se que o mesmo foi adquirido por transmissão gratuita em 1993 e correspondia ao artigo 108º rústico, da freguesia de ………. / Porto, mas foi inscrito na matriz predial urbana em 22 de Abril de 1999, tendo sido fixado em processo de avaliação o valor de €364.977.
Este imóvel foi objecto de uma operação de loteamento que lhe conferiu “capacidade construtiva”, tendo sido vendido como terreno para construção por escritura de 22/4/1999, pelo preço de €646.821.
Assim sendo, o referido imóvel gerou rendimentos susceptíveis de serem tributados na categoria G e na categoria B.
É que a operação urbanística altera a natureza da afectação do imóvel e implica uma requalificação em termos fiscais dos ganhos futuros, uma vez que a partir da data da afectação a uma actividade comercial ou industrial, passa a gerar rendimentos susceptíveis de serem tributados em IRS na Categoria B.
Com efeito, segundo o disposto no art. 4º, nº 1, alínea e), do CIRS (Nos termos deste preceito, consideram-se actividades comerciais e industriais, entre outras, as actividades “urbanísticas e de exploração de loteamentos”.), o loteamento de um prédio pelo seu proprietário determina, por si só, o início de uma actividade comercial ou industrial.
Neste sentido, este Supremo Tribunal já decidiu, no Acórdão de 18/6/2003, proc nº 624/03, que “Os ganhos provenientes do loteamento de um terreno, que veio ao património do impugnante por herança, antes da concretização desse loteamento, são rendimentos comerciais (…) e não mais valias (rendimentos da categoria G do CIRS)”, isto ainda que “o loteamento tenha resultado de uma actividade ocasional do loteador (impugnante) que exerce profissão diversa”.
No entendimento deste Supremo Tribunal, nestas situações não estamos perante ganhos fortuitos, sujeitos a mais valias, mas sim perante a prática de actos objectivamente comerciais, ainda que isolados (Cfr. RUI MORAIS, Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2ª ed., 2010, p. 138, nota (271).), devendo igualmente subsumir-se ao disposto no art. 4º, alínea g), do CIRS.
Assim sendo, para efeitos de tributação temos de distinguir os proveitos ou ganhos obtidos antes da afectação do imóvel à actividade comercial ou industrial e os que vieram ao património dos recorrentes depois dessa afectação (Cfr. M.H. DE FREITAS PEREIRA, “Tratamento Fiscal da Transferência de bens imóveis entre o Património Privado e o Património Empresarial de uma Pessoa Singular”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 367, pp. 15 ss., e MANUEL LOPES FAUSTINO, “As Alterações ao Código do IRS em 1992”, Fisco, 1993, pp. 5 ss.,).
Em primeiro lugar, como apenas se tributam, as mais valias realizadas, na data da venda do imóvel, nos termos do disposto na alínea b) do nº 3 do art. 10º do CIRS, estão sujeitos a tributação de mais-valias os ganhos obtidos pela diferença entre o valor da aquisição e o valor da realização, nos termos gerais, sendo que para esse efeito, o valor de aquisição a ter em conta é o que corresponde ao declarado para efeitos de imposto sobre sucessões e doações, por força de estatuído no art. 43º do CIRS, e o valor de realização é o que corresponde ao valor de mercado à data da afectação, conforme o disposto na alínea c) do nº 1 do art. 44º do CIRS, admitindo-se que tal valor corresponda ao da avaliação oficial ocorrida em 18/9/1999. Esta tributação ocorre no âmbito da categoria G e segundo as suas regras.
Em segundo lugar, para determinação do lucro sujeito a tributação na categoria B e segundo as suas regras, aquele consistirá na diferença entre o valor de realização o correspondente à venda (€ 646.821) e o valor de aquisição, aquele pelo qual foi afecto ao activo empresarial, ou seja, o valor atribuído pela avaliação ocorrida em 18/9/1999 (€ 364.977).
Em face do exposto, reportando-nos à questão central colocada pelos recorrentes, valor de aquisição a ter em conta para efeitos do cálculo das mais-valias, não assiste razão ao recorrente, devendo improceder, nessa parte o recurso, no que se refere à parcela denominada “Casa de Habitação”. Na parte referente à parcela denominada “Terreno para Construção”, deve ser revogada a sentença recorrida com a consequente procedência parcial do recurso.

3. Os recorrentes imputam à interpretação feita na sentença do art. 43º, nº 1, do CIRS que a mesma incorre nos alegados vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade puramente em abstracto sem avançarem com um único argumento que possa sustentar a sua tese.
Sobre o sentido e alcance do art. 43º, nº 1, do CIRS existe jurisprudência deste Supremo Tribunal que sem qualquer dúvida defende-se, por exemplo, no Acórdão de 14/3/2012, proc nº 107/2012, que “o valor de aquisição (…) é, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, o valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto sobre sucessões e doações”.
E não se vislumbra, nem os recorrentes, como ficou dito, indicam razões que possam conduzir a um juízo de inconstitucionalidade do referido preceito, na parte em que é aplicável ao caso em apreço.
As mais-valias são acréscimos patrimoniais que “correspondem essencialmente a ganhos resultantes de um valorização de bens devida a circunstâncias exteriores, portanto, independentemente de uma actividade produtiva do seu titular. São ganhos trazidos pelo vento (…) o que só por si parece justificar a sua tributação” (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, 2ª ed., Almedina, Coimbra, p. 136.).
RUI DUARTE MORAIS (Ob. cit., pp. 137-8.) reconhece que a solução tradicional de tributação das mais valias apenas quando são realizadas pode ter efeitos perversos, desde logo, resultantes do efeito de concentração. Num “imposto progressivo, a taxa, no ano em que a realização acontece, tende a disparar (a ser normalmente, mais elevada); ou seja, o sujeito passivo pagará mais imposto que aquele que pagaria se a tributação acontecesse anualmente, à medida em que a mais valia foi gerada”.
No entanto, o mesmo autor, não deixa de reconhecer que razões pragmáticas parecem excluir liminarmente a tributação das mais-valias latentes:” tal implicaria uma avaliação periódica dos bens dos contribuintes, havendo lugar a imposto logo que tivesse ocorrido uma sua valorização (e, logicamente, reembolso do imposto pago caso, subsequentemente, tais bens se desvalorizassem).” Em suma, os contribuintes poderiam ver-se na contingência de ter de pagar imposto por um rendimento que efectivamente não teriam auferido.
Para além destas dificuldades, não podemos deixar de ter em conta a realidade do nosso país e as dificuldades face à grande disparidade existente entre os valores matriciais.
Neste contexto, se o imóvel tiver sido adquirido a título oneroso, o valor de aquisição será o que serviu à liquidação de Sisa (IMT), mas se o imóvel foi adquirido a título gratuito, o valor de aquisição será o que serviu à liquidação de Imposto sobre Sucessões e Doações (Imposto de Selo).
Para que fosse obtida ainda uma solução justa, o legislador impôs que se procedesse a uma redução a 50% do valor que desse modo se apurasse, a que fez ainda acrescer os factores de correcção monetária, conforme decorre do previsto no art. 43º n.° 2 e 50.° n.° 1 do C.I.R.S..
Em face do exposto, como refere o Ministério Público, no seu douto parecer, “(…) parece resultar que a solução adoptada não é violadora do principio da igualdade, nem que o sistema fiscal com a solução consagrada no art. 43.° n.° 1 do C.I.R.S, na redacção existente à data dos factos e tal como foi aplicada na sentença recorrida ofenda uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (…)”.
Termos em que improcede a argumentação dos recorrentes.
Assim sendo, deve ser negado provimento ao recurso na parte que se refere à parcela denominada “Casa de Habitação”.
No que respeita ao sentido da sentença recorrida quanto à parcela denominada “Terreno para Construção”, deve a mesma ser revogada, julgando-se parcialmente procedente a impugnação judicial, com a consequente procedência parcial do presente recurso.


III- DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, revogar parcialmente a sentença recorrida, julgando-se parcialmente procedente a impugnação judicial e consequente provimento parcial do presente recurso.


Custas pelos recorrentes, na proporção do decaimento, no STA e na 1ª instância.


Lisboa, 5 de Dezembro de 2012. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Lino Ribeiro.