Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0518/09
Data do Acordão:10/21/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IRC
RETENÇÃO NA FONTE
NÃO RESIDENTE
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
RESPONSABILIDADE FISCAL
Sumário:I - De harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 90.º e n.º 5 do artigo 90.º-A do CIRC (redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12), quando não seja efectuada até ao termo do prazo estabelecido para o pagamento do imposto a prova da verificação dos pressupostos legais da aplicação da Convenção destinada a evitar a dupla tributação, designadamente a apresentação do certificado de residência fiscal da entidade beneficiária do rendimento, fica o substituto obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido.
II - Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, o afastamento daquela responsabilidade acontece em caso de verificação tardia dos pressupostos para a dispensa total ou parcial da retenção, sendo aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da nova redacção dos aludidos preceitos, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação (artigo 48.º, n.º 4 da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.
Nº Convencional:JSTA00066035
Nº do Documento:SA2200910210518
Data de Entrada:05/08/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC88 NA REDACÇÃO DA L 67-A/2007 DE 2007/12/31 ART75 N7 N8 ART90 N6 ART90-A N5 N6.
CONST97 ART8 N4.
L 67-A/2007 DE 2007/12/31 ART48.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 90/435/CE DE 1990/07/23.
T CEE ART234.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC810/08 DE 2009/01/21.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1- A... SA, com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1997, no valor total de € 170.755,10, dela vem interpor o presente recurso formulando as seguintes conclusões:
A) O objecto do presente recurso consiste na apreciação da legalidade da liquidação relativa a IRC do exercício de 1997, face ao disposto na Directiva nº 90/435/CEE e face aos princípios da livre circulação de capitais e da proporcionalidade;
B) Na sentença recorrida, o Tribunal a quo entendeu que o artigo 75° do CIRC - norma ao abrigo da qual foi emitido o acto tributário controvertido - é compatível com as disposições da Directiva, não se verificando qualquer situação de violação do direito comunitário ou do princípio da proporcionalidade;
C) A questão controvertida nos presentes autos resulta em saber se a legislação interna portuguesa, mormente os números 7 e 8 do artigo 75º do CIRC (na redacção em vigor à data dos factos tributários), ao fazer depender em exclusivo, a aplicação da Directiva mães-filhas da prévia apresentação do certificado de residência fiscal do titular dos rendimentos, negando a limitação de imposto caso a obtenção do impresso de limitação de imposto for posterior ao pagamento dos rendimentos, se mostra conforme com o direito comunitário;
D) O legislador nacional consagrou através da Lei do OE/2008 uma norma de exclusão da responsabilidade do substituto tributário pela entrega do imposto não retido na fonte, sempre que se mostrem cumpridos, ainda que tardiamente, os requisitos da Directiva;
E) Atento o disposto no artigo 46° da Lei de OE/2008, o nº 5 do artigo 90°-A do CIRC mostra-se aplicável aos processos pendentes, o que determinará a procedência do presente recurso e consequente anulação do acto tributário sindicado;
F) O artigo 75º do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos tributários, é claramente incompatível com o Direito Comunitário primário, com as disposições da Directiva e com o princípio da proporcionalidade;
G) A legislação interna portuguesa ao fazer depender a aplicação da Directiva de um requisito de natureza formal, sem qualquer possibilidade de prova posterior ou mesmo qualquer mecanismo de reembolso (pelo menos à data dos factos tributários), verificados que estejam os demais pressupostos da Directiva mães-filhas, viola esta disposição comunitária, quer na sua letra, quer no seu espírito;
H) Tratando-se de uma norma excepcional e que derroga o regime da Directiva, a mesma deve ser interpretada restritivamente, salvo se objectivamente justificada por motivos de levitação de comportamentos fraudulentos ou abusivos;
I) A Directiva 90/435/CEE visou eliminar restrições aos pagamentos de dividendos efectuados entre sociedades residentes em diferentes Estados Membros, pelo que, quaisquer restrições ao seu conteúdo devem ser proporcionais e limitadas aos objectivos que visam proteger;
J) O artigo 75º do CIRC, na redacção à data dos factos em análise, consagrava um procedimento cego e automático, sem possibilidade de obtenção de prova a posteriori, impedindo a aplicação da Directiva a situações em que os requisitos materiais se encontravam plenamente verificados, como sucede no caso em apreço;
K) O artigo 75º do CIRC viola o denominado efeito útil das Directivas, inviabilizando a livre circulação de capitais entre grupos societários constituídos na União Europeia, violando, consequentemente, o disposto no artigo 8º da CRP, o qual consagra o primado do Direito Comunitário face ao direito interno;
L) O artigo 75º do CIRC introduziu um mecanismo claramente desproporcionado aos fins que visava proteger, uma vez que condicionava em definitivo a aplicação da Directiva à prévia apresentação de certificado de residência fiscal, sem qualquer possibilidade de prova ulterior ou mesmo de reembolso do imposto cobrado de acordo com a legislação interna;
M) Em sede dos presentes autos, ficou provado que se mostravam preenchidos os requisitos materiais para a aplicação das disposições da Directiva, inexistindo qualquer invocação ou indício de utilização abusiva ou fraudulenta da Directiva;
N) O legislador nacional já consagrou a possibilidade de apresentação a posteriori do certificado de residência, sem que o cumprimento intempestivo do requisito formal afaste a possibilidade dos sujeitos passivos se socorrerem dos benefícios constantes na Directiva;
O) A obrigação de apresentação de certificado com data anterior à da distribuição dos rendimentos não permite prevenir de forma adequada e proporcional qualquer comportamento abusivo ou fraudulento, não se encontrando, assim, justificada à luz do disposto no nº 2 do artigo 1º da Directiva;
P) Quaisquer medidas anti-abuso, bem como restrições conferidas a direitos tutelados pelo Direito Internacional têm de ser aplicadas e interpretadas segundo o princípio da adequação e da proporcionalidade, não podendo ser mais restritivas do que o necessário para prevenir o abuso, o risco de abuso deve ser real e, por fim, as empresas envolvidas devem ter a oportunidade de refutar qualquer presunção legal de abuso;
Q) Assim, ainda que os Estados Membros gozem de alguma discricionariedade no estabelecimento de normas internas anti-abuso, como se encontra estabelecido expressamente na Directiva, as mesmas deverão ser passíveis de passar o crivo jurisdicional da adequação e proporcionalidade;
R) A norma prevista no antigo artigo 75º do CIRC estabelecia um mecanismo “cego” e de cariz automático, insusceptível de introduzir no procedimento tributário qualquer critério de avaliação ou ponderação dos riscos de elisão fiscal que precisamente se pretende combater, riscos esses que estiveram na base da consagração da norma prevista no número 2 do artigo 1º da Directiva;
S) O Estado Português tem ao seu dispor diversos mecanismos de cooperação administrativa que lhe permitem averiguar da legitimidade da invocação por parte dos sujeitos passivos das normas do Direito Comunitário;
T) O legislador nacional acabou por consagrar a possibilidade de apresentação em momento posterior da declaração emitida pelas autoridades fiscais do Estado de residência do beneficiário dos rendimentos (Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro), conforme melhor referido no capítulo acima, bem como a possibilidade de apresentação de pedido de reembolso do imposto retido na fonte em excesso em caso de cumprimento tardio dos requisitos da Directiva (artigo 90º-A, número 5, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 211/2005, de 7 de Dezembro;
U) O Direito Comunitário não pode ser derrogado por via da legislação interna, sob pena de violação do artigo 8°, nº 4 da CRP e do próprio Tratado da Comunidade Europeia (“o Tratado”), o qual consagra no seu texto as apelidadas quatro liberdades fundamentais;
V) O artigo 75º do CIRC não pode funcionar como elemento limitativo dos movimentos de capitais entre sociedades residentes em diferentes Estados da União Europeia;
W) Face à prova produzida em sede do procedimento de inspecção e atentas as regras sobre a repartição do ónus de prova previstas no artigo 74º da LGT, parece inequívoco que a Recorrente fez prova do direito que se arroga, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
X) O entendimento propugnado pela Recorrente encontra pleno suporte legal no artigo 58º da LGT, o qual consagra o denominado princípio do inquisitório, nos termos do qual a Administração Tributária se encontra adstrita à realização de todas as diligências probatórias de modo a dar satisfação ao interesse público e à descoberta da verdade material;
Y) Nos termos do artigo 234º do Tratado, o Tribunal de Justiça é competente para apreciar, a título prejudicial, qualquer questão sobre a validade e interpretação dos actos das instituições da Comunidade e sobre o Tratado, sendo que sempre que uma questão sobre essa matéria for colocada perante um órgão jurisdicional de um Estado Membro, pode pedir ao TJCE que se pronuncie sobre essa questão.
2- Não foram apresentadas contra-alegações.
3- O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
«Alega a recorrente que o legislador nacional consagrou através da Lei do OE/2008 uma norma de exclusão da responsabilidade do substituto tributário pela entrega do imposto não retido na fonte, sempre que se mostrem cumpridos, ainda que tardiamente, os requisitos da Directiva 90/435/CEE.
E que atento o disposto no artigo 46° da Lei de OE/2008, o n° 5 do artigo 90°-A do CIRC será aplicável aos processos pendentes, o que determinará a procedência do presente recurso e consequente anulação do acto tributário sindicado.
Mais alega que a Directiva 90/435/CEE visou eliminar restrições aos pagamentos de dividendos efectuados entre sociedades residentes em diferentes Estados Membros, pelo que, quaisquer restrições ao seu conteúdo devem ser proporcionais e limitadas aos objectivos que visam proteger.
E que o artigo 75° do CIRC, na redacção à data dos factos em análise, consagrava um procedimento cego e automático, sem possibilidade de obtenção de prova a posteriori, impedindo a aplicação da Directiva a situações em que os requisitos materiais se encontravam plenamente verificados, como sucede no caso em apreço;
Conclui que o artigo 75° do CIRC viola o denominado efeito útil das Directivas, inviabilizando a livre circulação de capitais entre grupos societários constituídos na União Europeia, violando, consequentemente, o disposto no artigo 8° da CRP, o qual consagra o primado do Direito Comunitário face ao direito interno.
Por fim, a recorrente requer a submissão da questão da conformidade do art° 75° do CIRC com a supracitada Directiva CEE ao Tribunal de Justiça, por entender que a interpretação das normas do Tratado é fundamental para a boa decisão da causa.
1. Passemos à análise da primeira questão suscitada que consiste em saber se a sentença recorrida violou o disposto no n° 4 do artigo 48° da Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro.
Afigura-se-nos que, nesta parte, o recurso merece provimento.
Na verdade resulta do artº 90°-A n° 5 do CIRC que «sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, e, bem assim, nos casos previstos nos nºs 3 e seguintes do artigo 14°, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei». (Redacção da Lei nº 67-A/2007, de 31/12)
E dispõe o n° 6 do mesmo normativo que «sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o nº 2 do presente artigo e os nºs 3 e seguintes do artigo 14º, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção». (Redacção da Lei nº 67-A/2007, de 31/12)
Sucede que o referido artº 48° da Lei n° 67-A/2007, de 31 de Dezembro veio estender às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, o afastamento da responsabilidade prevista no nº 4 do artigo 90º e no nº 6 do artigo 90º-A do Código do IRC
Só exceptuando aquele regime de afastamento de responsabilidade às situações em que tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação.
Ora no caso subjudice resulta provado que o imposto foi pago em 02.09.2002, que o acto foi objecto de impugnação e que impugnante juntou aos autos certificados de residência fiscal emitidos e Outubro de 1997 e em Fevereiro de 2002 pelas autoridades fiscais holandesas (cf. probatório a fls. 96)
Tanto basta para que se possa concluir que se verificam os pressupostos necessários para aplicação do referido normativo, do qual resulta o afastamento da responsabilidade jurídico-tributária em que assentava a legalidade da liquidação sindicada.
Procederá, pois, nesta parte, a argumentação da recorrente, o que implicará a anulação do acto tributário impugnado.
Sem que haja lugar a pagamento de juros indemnizatórios pois que a liquidação não foi determinada por errada aplicação da lei ou erro imputável aos serviços, sendo a sua ilegalidade decorrente de alteração legislativa superveniente.
Ficando assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, nomeadamente a questão do reenvio.
Com efeito o artº 234 do Tratado CE impõe aos tribunais supremos dos Estados-membros que recorram ao TJCE sempre que se ponha uma questão de interpretação ou de apreciação de validade de actos emanados das instituições comunitárias, cuja resolução seja necessária ao julgamento da causa.
Ora como é manifesto, em face da aplicação do artº 43º da Lei nº 67-A/2007, a questão da interpretação das normas do tratado da EU deixa de ser pertinente.
Mais, não é sequer necessária para o julgamento da causa.
Nestes termos em que somos de parecer que o recurso deve ser julgado procedente, anulando-se a liquidação sindicada.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A) A impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção, na sequência da Ordem de Serviço nº 11286, relativa ao exercício de 1997, destinada à verificação de uma relação dos rendimentos pagos a não residentes e na qual foram detectadas irregularidades, tendo no seguimento da mesma sido elaborado o relatório contendo as conclusões finais da inspecção à impugnante - cfr. relatório de fls. 4 a 48 do PAT.
B) Nos termos do citado relatório final, foi apurado, relativamente ao exercício em causa, imposto em falta (IRC não retido) no montante total de € 112.215,50, o qual respeita à retenção na fonte incidente sobre dividendos distribuídos pela impugnante à sociedade holandesa B... - cfr. relatório de fls. 4 a 48 do PAT.
C) De acordo com o citado relatório (cfr. ponto III), o apuramento das retenções na fonte em falta, respeitantes aos dividendos, foi efectuado com os fundamentos que seguidamente se transcrevem:
“(...) No exercício de 1997, foram pagos Dividendos à empresa B..., Não Residente, no valor de 149.981.250$00.
Esta empresa, sediada na Holanda, é a detentora de mais de 99% do capital da entidade devedora dos rendimentos, desde o ano de 1974 (…).
Foi também verificada a retenção na fonte de IRC à taxa de 10% no total de 14.998.125$00, bem como a sua entrega nos Cofres do Estado através da guia de pagamento 42604037777, de 20/8/1997.
O contribuinte optou pelo benefício que lhe é concedido pela alínea c) do n° 2 do artigo 69° do Código do IRC, que se traduz numa redução da taxa de retenção de IRC de 25% para 10%.
Para usufruir deste benefício, a entidade pagadora do rendimento deve provar que a entidade beneficiária do mesmo cumpre os seguintes pressupostos:
- Que seja residente noutro Estado membro da Comunidade Europeia;
- Que detenha directamente uma participação no seu capital superior ou igual a 25%, durante dois anos consecutivos ou desde a sua constituição, contanto que neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período.
Nos termos do n° 7 do artigo 75° do CIRC quando seja aplicável o disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 69°, do mesmo Código, deve ser feita prova perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação à disposição do respectivo titular, de que este se encontra nas condições estabelecidas e das quais depende a aplicação da taxa de retenção de IRC de 10 %.
A prova, nos termos do n° 8 do mesmo artigo é feita através de apresentação de declaração em duplicado, confirmada e autenticada pelas Autoridades Fiscais competentes, do Estado Membro da Comunidade Europeia do qual é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, devendo o duplicado, acompanhado da relação modelo 130 (…) ser remetido à Direcção-Geral dos Impostos.
Em relação à empresa B... constatou-se que não foi entregue o Certificado de Residência, juntamente com a relação modelo 130 e ainda que conforme fotocópia que nos foi facultada pelo contribuinte, o mesmo tem data de 29 de Outubro de 1997 (...) tendo os dividendos a que se refere sido colocados à disposição dos seus titulares a partir de 12 de Julho de 1997, e o valor correspondente à retenção na fonte de IRC à taxa de 10% sido entregue nos cofres do Estado em 20/08/1997.
Da análise efectuada conclui-se que não se encontram simultaneamente preenchidos todos os pressupostos subjacentes à aplicabilidade da alínea c) do n° 2 do artigo 69° do CIRC pelo que a taxa a aplicar aos rendimentos seria de 25%, nos termos do n° 2 do mesmo artigo.
(…)”
D) Com base no entendimento supra exposto a AF corrigiu adicionalmente o valor de imposto de € 112.215,50 (ou 22.497.188$00), o qual resulta da diferença entre o montante inicialmente retido (14.998.125$00) à taxa de 10% e o resultante da aplicação aos dividendos da taxa interna de 15% (37.495.313$00) - cfr. relatório junto;
F) Em consequência da correcção efectuada, foi emitida em 19/06/02, a liquidação adicional n° 6420001456, no montante total de € 170.755,10, o que inclui o valor de € 58.539,60 de juros compensatórios - cfr. fls. 67 dos autos;
G) Como decorre do relatório e anexos, a impugnante é detida em cerca de 99%, desde 1974, pela sociedade de direito holandês B...;
H) Em 1997, no mês de Julho, a impugnante pagou dividendos à referida B..., no montante de 149.981.250$00, sobre os quais reteve imposto à taxa de 10%, no montante 14.998.125$00 (cfr. fls. 25 do PAT);
I) Em 20/08/97, a impugnante apresentou a guia de pagamento Mod. 42, da qual consta a retenção de 14.998.125$00, tendo entregue o modelo 130 respeitante aos mesmos rendimentos e retenção (cfr. fls. 34 e 35 do PAT);
J) A fls. 33 do PAT encontra-se uma cópia de um documento, emitido em Outubro de 1997, pelas autoridades fiscais holandesas, segundo o qual a sociedade B... é residente na Holanda (note-se que tal documento, em cópia em condições algo deficientes, não possui cabeçalho que identifique detalhadamente a sua origem mas foi aceite como tal pela AT em sede de inspecção, não tendo sido posto em causa);
L) A fls. 38 do PAT encontra-se uma cópia de um documento, emitido em Fevereiro de 2002, pelas autoridades fiscais holandesas, segundo o qual a sociedade B... é residente para efeitos fiscais na Holanda desde 1983 (note-se que tal documento, em cópia em condições algo deficientes, não possui cabeçalho que identifique detalhadamente a sua origem mas não foi posto em causa pela AT em sede de inspecção);
M) A liquidação adicional impugnada foi paga em 2/09/02 (cfr. fls. 68 dos autos).
5- A sentença sob recurso julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC n.º 6420001456, relativa ao exercício de 1997 no montante de € 58.539,60 (aí se englobando juros compensatórios), mantendo na ordem jurídica o acto tributário aí consubstanciado.
Para tanto, em síntese, ponderou-se na decisão que a recorrente em Agosto de 1997 usara indevidamente a taxa de retenção de 10% relativamente aos dividendos pagos à B... em 1997, no montante de 149.981.250$00, sem que no momento em que colocara os rendimento à disposição do titular tivesse demonstrado, nos termos legalmente exigidos, que estivessem reunidas as condições para a aplicação da aludida taxa de 10%, prevista no artigo 69.º, n.º 2, alínea c) do CIRC, concretamente feito a prova da observância do requisito formal traduzido na prévia obtenção dos certificados de residência fiscal noutro Estado membro da União Europeia (artigo 75.º n.º 7 e 8 do CIRC)
Na sua alegação de recurso, a recorrente vem defender, no fundamental, que o artigo 75.º do CIRC é claramente incompatível com a Directiva n.º 90/435/CEE, violando os princípios da livre circulação de capitais, da proporcionalidade e o disposto no artigo 8.º da CRP que consagra o primado do Direito Comunitário face ao direito interno, pugnando ainda pela aplicação retroactiva do disposto no artigo 90.º, n.º 6 do CIRC (redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro).
Por último, requer que, nos termos do artigo 234.º do Tratado, a questão da conformidade do aludido artigo 75.º com o Direito Comunitário seja submetido ao Tribunal de Justiça.
A questão relativa à aplicação retroactiva do disposto no n.º 6 do artigo 90 do CIRC (redacção da Lei n.º 67-A/2007) será objecto de conhecimento em primeiro lugar, uma vez que uma resposta afirmativa a essa questão prejudica o conhecimento das restantes que também são suscitadas no recurso.
Vejamos, então.
Defende a recorrente a aplicação ao presente caso do regime de afastamento da responsabilidade do substituto tributário previsto na actual redacção do artigo 90.º n.º 6 do CIRC (introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro), alegando para tanto que, ainda tardiamente, apresentara o certificado de residência fiscal da entidade beneficiária do rendimento cuja correspondente liquidação adicional de imposto pretende ver anulada,
Dispõem os n.°s 5 e 6 do artigo 90.°-A do CIRC (redacção da Lei n.° 67 - A/2007, de 31 de Dezembro) o seguinte:
Artigo 90.°-A
……………………………………………………………………………………………………………………………………………………
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto e, bem assim, nos casos previstos nos n° 3 e seguintes do artigo 14°, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
6 - Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.° 2 do presente artigo e os n.°s 3 e seguintes do artigo 14.°, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.
………………………………………………………………………....
Prevê, por outra parte, o n.° 4 do artigo 48.° da Lei n.° 67-A/2007, de 31 de Dezembro:
Artigo 48.°
4 - O afastamento da responsabilidade prevista no n.° 4 do artigo 90.° e no n.° 6 do artigo 90°-A do Código do IRC, na redacção que lhes foi dada pela presente lei, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação.
Ora, acontece que no caso “sub judicio” nas alíneas J) e L) do probatório deu-se como provado que a impugnante juntou aos autos certificados de residência fiscal emitidos em Outubro de 1997 e Fevereiro de 2002 pelas autoridades fiscais holandesas relativo às sociedades beneficiária dos rendimentos e que, muito embora o imposto tenha sido pago em 02/09/02 (M9 do probatório), se encontra pendente a presente impugnação judicial relativa à liquidação adicional efectuada (cfr. fls. 91)
Isto significa que a recorrente, como defende, reúne os requisitos previstos nos citados incisos normativos para afastar a sua responsabilidade, enquanto substituto tributário, pela entrega da totalidade do imposto que deveria ter deduzido nos termos legais.
Como assim, em razão de estatuição normativa superveniente, desaparece da ordem jurídica o pressuposto de responsabilidade jurídico-tributária que conferiu legalidade à liquidação adicional impugnada, pelo que se impõe a respectiva anulação (cfr. acórdão de 21/01/09, no rec. n.º 810/08).
Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso e, neste contexto, sem justificação válida a submissão ao Tribunal de Justiça da relativa à conformidade do artigo 75.º do CIRC ao direito comunitário.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e assim se julgando procedente a impugnação, anula-se, em consequência a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1997.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Outubro de 2009. – Miranda de Pacheco (relator) – Brandão de Pinho – Jorge Lino.