Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01071/16
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
REFORMA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23155
Nº do Documento:SA12018041201071
Data de Entrada:11/14/2016
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A..., LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

A Recorrida A…………………, Lda, notificada do acórdão deste Supremo Tribunal proferido nos autos em 1 de Fevereiro de 2018, a fls. 477 a 494, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Estado Português, revogando o acórdão recorrido e mantendo a sentença do TAF de Coimbra, “vem ao abrigo do disposto nos artigos 615º e 616º e 684º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, arguir a nulidade e reforma do predito acórdão …”.
Pede, a final, que se julgue nulo o acórdão proferido, “substituindo-o por outro que mantenha a decisão de 2ª instância, e quando assim se não entenda, seja o mesmo reformado nos termos preconizados e sempre com nova decisão a manter a decisão de 2ª instância, com todas as consequências legais”.

O Recorrente respondeu a fls. 555 a 558, concluindo que deve ser indeferido o requerimento.

Cumpre apreciar e decidir, vindo o processo à conferência com dispensa de novos vistos dos Conselheiros adjuntos.

A Recorrida no seu requerimento de fls. 526 a 545 imputa ao acórdão reclamado nulidade por omissão de pronúncia, ao concluir que “não tendo a formação subscritora do presente acórdão analisado e decidido tais arguições, é o acórdão nulo e de nenhum efeito, por omissão de pronúncia, o que expressamente se invoca para todos os legais e devidos efeitos”.

A nulidade por omissão de pronúncia expressamente prevista no art. 615º, nº 1, alínea d) do CPC, está directamente relacionado com o preceito do art. 608º, nº 2 do mesmo diploma, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada em face da solução dada a outras;”.
Ora, sobre a matéria das inconstitucionalidades que a Recorrida afirma não terem sido conhecidas, o acórdão sub judice expendeu o seguinte:
«Quanto às inconstitucionalidades invocadas, a autora no recurso que interpôs da decisão de primeira instância para o TCA Norte alegou e concluiu (cfr. conclusões 4) a 7) do recurso – fls. 291) que o tribunal não decidira a questão expressamente suscitada, pelo que a sentença seria nula por omissão de pronúncia. Não imputou à sentença qualquer erro de julgamento sobre essa matéria ao haver considerado que “esta não é a sede própria para apreciar a pretensa inconstitucionalidade ou ilegalidade daqueles diplomas legais e respetivas normas – cfr. artigo 221º, nº 1 do artigo 223º, e artigo 277º e seguintes da Lei Fundamental, bem como Lei nº 28/82 de 15 de Novembro.”.
O acórdão recorrido conheceu da nulidade invocada referindo, nomeadamente, o seguinte:
“Ora, a inconstitucionalidade desses diplomas legais não foi invocada como questão autónoma a decidir pelo TAF, mas sim como um fundamento, entre outros, de inaplicabilidade desses mesmos diplomas legais à relação jurídica litigiosa, pois foi com base neles que o MEC procedeu à controversa alteração unilateral do contrato de associação com a Autora, cuja legalidade se discute na presente acção.
Quanto muito poderia existir erro de julgamento por imponderação desse argumento, mas nunca nulidade de sentença por omissão de pronúncia.
Mas nem sequer existe omissão de pronúncia sobre esta parte da argumentação da Autora, posto que na sentença se afirma (…).
Ou seja, o Tribunal concluiu de forma deliberada, expressa e legalmente fundamentada pela inadmissibilidade de apreciação nesta sede das inconstitucionalidades suscitadas pela Autora e, deste modo, o que existe não é omissão de pronúncia, causa de nulidade da sentença que radica numa ideia de inércia ou negligência do Tribunal, mas sim outra coisa completamente diversa, que não configura qualquer uma das causas de nulidade legalmente tipificadas.”.
Face a esta pronúncia do acórdão recorrido, e apenas tendo a autora imputado nulidade por omissão de pronúncia à sentença de primeira instância, quanto à matéria das inconstitucionalidades dos diplomas, ao improceder tal nulidade, a sentença transitou em julgado, nessa parte, não podendo essa matéria ser reapreciada em sede de revista, quando também o não foi (face à alegação da recorrente) no recurso de apelação, nem na presente revista, imputando eventual erro de julgamento ao acórdão recorrido ao ter considerado que não havia nulidade da sentença proferida no TAF de Coimbra (cfr. arts. 628º e 636º do CPC).
Termos em que não se conhece das inconstitucionalidades invocadas.»

Do que acabou de transcrever-se resulta evidente que o acórdão emitiu uma pronúncia sobre a matéria em discussão, em face do que havia sido decidido pelas instâncias, face ao que fora alegado pela recorrida tanto no seu recurso para o TCAN (nada acrescentando a então conclusão 16 em relação às 4 a 7, e daí o decidido sobre tal questão na 2ª instância), como em sede da presente revista.
Assim, considerou e concluiu sobre tal matéria que, face às regras processuais civis aplicáveis e que indica, a sentença de primeira instância havia transitado em julgado quanto à pronúncia que emitira sobre a questão das inconstitucionalidades invocadas, o que impedia nova pronúncia sobre essa matéria.
Aliás, a própria recorrida no seu requerimento acaba por admitir que este Supremo Tribunal se pronunciou sobre a matéria em questão, ao afirmar que o acórdão reclamado “(…) recusou julgar as inconstitucionalidades arguidas por alegado trânsito da sentença de 1ª instância, nessa parte”. É claro que a recorrida discorda do decidido, mas a questão foi conhecida nos termos supra indicados.
É, assim, manifesto que o acórdão proferido por este Supremo Tribunal não incorreu na nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC e que lhe vem imputada, a qual improcede.

Invoca ainda a Recorrida que mesmo que se não entenda ter o acórdão incorrido na nulidade por omissão de pronúncia, “(…) vislumbra-se então à saciedade um erro manifesto do julgador…”.
Lapso que justifica a reforma do acórdão” e que resulta de ser “…óbvio que a adenda mais não era que uma proposta de alteração contratual, que jamais pode ser considerada uma alteração unilateral do contrato em execução, seja por força do DL nº 138-C/2010, de 28/12 (que a proibiu impondo a renegociação), seja por força da própria atuação do ME, ao omitir os pagamentos à recorrente entre 03/01/2011 e 24/3/2011 (até à assinatura da adenda embora sob protesto).”.
Pretende, pois, a Recorrida a reforma do acórdão por ter incorrido, segundo alega, em lapso manifesto.
O art. 616º, nº 2 do CPC (cfr. igualmente o art. 666º) preceitua sobre a reforma da decisão o seguinte:
2 – Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:
a)Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou outros meios de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
Não diz a Recorrida qual das alíneas do nº 2 do art. 616º do CPC estaria em causa, mas, manifestamente não estaremos perante a previsão da alínea b), já que a prova dos factos pertinentes ficou estabilizada nas instâncias, não constando do processo documento ou qualquer outro meio de prova plena (cfr. art. 371º do CC), que por si só implicasse necessariamente decisão diversa da que foi proferida.
Igualmente também não ocorreu qualquer manifesto lapso dos julgadores, conducente a um erro na determinação das normas aplicáveis ao caso concreto ou na qualificação jurídica dos factos.
Conforme se escreveu no acórdão do Pleno deste STA da secção do CT de 25.01.2017, Proc. 0139/16: «Como vem afirmando a jurisprudência o pedido de reforma apenas se destina a obter suprimento dos «erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-la levado ao desacerto», designadamente quando haja «lapso manifesto de determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica», que tenham levado a uma decisão judicial «proferida com violação de lei expressa». O pedido de reforma não tem como escopo a obtenção de uma nova decisão em face da reapreciação da questão à luz de uma outra (ainda que porventura mais correcta) interpretação das normas jurídicas aplicáveis» (cfr. ainda a abundante jurisprudência deste STA indicada no aresto referido).
Ora, o acórdão reclamado identificou claramente a legislação aplicável ao caso, especificando quer os fundamentos por que julgou imediatamente aplicáveis o DL nº 138-C/2010 e a Portaria nº 1324-A/2010, quer por que se julgou não ter essa aplicação, posto em causa as “legítimas expectativas” da recorrida e os princípios da confiança e dos princípios que regem a interpretação dos negócios jurídicos e dos contratos em especial, tendo em conta o “princípio da livre revisibilidade das leis”.
Nomeadamente quanto à caracterização da adenda o acórdão expressa a seguinte posição “(…), a “adenda” mais não faz do que proceder à aplicação da legislação que passou a vigorar, não consubstanciando sequer qualquer modificação unilateral do contrato, (…), mas antes dando cabal cumprimento ao estabelecido nos referidos diplomas. Ou seja, trata-se de um acto vinculado que, enquanto tal é insusceptível de violar os princípios da confiança e segurança jurídica, por obedecer vinculadamente à lei”.
Nestes termos, não pode, através deste incidente processual, alterar-se as posições jurídicas assumidas no acórdão com base nos elementos existentes no processo, seja quanto à interpretação dos factos disponíveis, seja quanto à interpretação e aplicação das pertinentes normas jurídicas. Ou seja, não poderão corrigir-se através da reforma, eventuais erros de julgamento que claramente não derivam do lapso manifesto pressuposto do art. 616º, nº 2 do CPC, derivado de violação de lei expressa.
No fundo, o que a recorrida vem fazer pelo presente requerimento, é manifestar a sua discordância com o decidido no acórdão cuja nulidade argui, pedindo igualmente a sua reforma, vendo-se claramente da formulação de tal requerimento que este constitui um “novo recurso” (legalmente inadmissível), visando verdadeiramente a substituição do acórdão proferido, por outro que decida em sentido oposto, acolhendo a pretensão daquela, o que, aliás, peticiona (cfr. fls. 545).
A pretensão da recorrida terá, pois, que sucumbir, sendo de indeferir o requerido.

Pelo exposto, acordam em indeferir a requerida arguição de nulidade e o pedido de reforma do acórdão formulados.
Custas pela recorrida, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.

Lisboa, 12 de Abril de 2018. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.