Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 094/11 |
Data do Acordão: | 05/11/2011 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANTÓNIO CALHAU |
Descritores: | IMPOSTO AUTOMÓVEL IMPUGNAÇÃO JUDICIAL PRAZO TERMO INICIAL CONHECIMENTO DO ACTO |
Sumário: | I – O prazo para deduzir impugnação judicial, de natureza substantiva, contínuo e contado de acordo com as regras do artigo 279.º do CC (artigo 20.º, n.º 1 do CPPT), é o previsto no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT. II – A possibilidade de contagem de prazos de impugnação a partir de termos iniciais diferentes da notificação, como é o caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, apenas será viável relativamente a actos que não devam ser notificados, como se prevê no artigo 59.º, n.º 3, do CPTA, o que só sucederá relativamente a impugnações deduzidas por quem não tenha, nem deva ter, intervenção no procedimento tributário. III – Não é o caso do impugnante que se sente efectivamente lesado, além do mais, por ter pago um imposto automóvel referente a um veículo que, por ter sido roubado, lhe foi apreendido e do qual não pode dispor. IV – O ressarcimento desses prejuízos não pode ser obtido através da impugnação judicial deduzida contra a liquidação do imposto em causa, cujos fundamentos são os previstos no artigo 99.º do CPPT, e nos quais se não enquadra tal situação, mas sim no respectivo processo crime, à ordem do qual o veículo foi apreendido, e onde os danos provocados devem ser devidamente apurados. |
Nº Convencional: | JSTA00066958 |
Nº do Documento: | SA220110511094 |
Data de Entrada: | 02/01/2011 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | DGA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL. |
Objecto: | SENT TAF PORTO PER SALTUM. |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO. |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL. |
Legislação Nacional: | CPPTRIB99 ART102 N1 F ART99 ART20. CCIV66 ART279. CPTA02 ART59 N3. |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLI PAG741. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – A…, com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF do Porto que, julgando procedente a excepção da caducidade do direito de deduzir impugnação judicial, absolveu a Fazenda Pública da instância, no processo de impugnação judicial por si deduzido contra o acto de liquidação de imposto automóvel, a que correspondeu DVL 99/0032698, no valor de € 14.128,83, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões: 1.ª- A douta sentença ao julgar procedente a excepção de caducidade faz uma interpretação errada da alínea f) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT. 2.ª- Na verdade, o impugnante só tem conhecimento do acto lesivo da Alfândega aquando da notificação judicial de 9/4/2002, conforme alegado e provado por documento na sua impugnação. 3.ª- Antes desta notificação não tinha o impugnante conhecimento que as autoridades policiais e alfandegárias tiveram conhecimento que se tratava de um veículo roubado desde 15 de Setembro de 1998. 4.ª- Ora, se a Alfândega podia e devia ter consultado essa lista de carros roubados procedeu com negligência grave ao exigir o pagamento do IA. 5.ª- Consequentemente, só a partir de 10 de Abril de 2002 é que deverá iniciar-se o prazo de 90 dias para a impugnação do IA relativamente à entidade que exigiu a liquidação do imposto ao Autor. Não foram apresentadas contra-alegações. O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal, tendo vista, não emitiu parecer. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Mostra-se assente a seguinte factualidade: 1- Em Outubro de 1998, o ora impugnante comprou um veículo marca Mercedes, modelo E 300 Turbo Diesel, com a matrícula estrangeira … e n.º de chassi …. 2- O preço da venda do veículo foi de 5.500.000$00 e foi pago pelo impugnante, cf. fls. 7 a 9 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas. 3- A DVL a que se refere o veículo identificado em 1- foi objecto de liquidação em 26.09.1999, cf. fls. 48 e 49 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas. 4- O impugnante procedeu ao pagamento do imposto automóvel a que se refere o veículo identificado em 1- em 17.03.1999, cf. fls. 49 destes autos. 5- Ao veículo identificado em 1- foi atribuída a matrícula portuguesa …-…-…, cf. fls. 48 destes autos. 6- Em 05 de Agosto de 1999, o veículo identificado em 1- foi apreendido pela Polícia Judiciária, com o fundamento de que se tratava de um veículo estrangeiro furtado, conforme auto de apreensão constante destes autos a fls. 13 e que aqui se dá por integralmente reproduzida. 7- Em 23.11.1999, a Polícia Judiciária entregou o veículo referido em 6- ao representante da B…, que nessa data era a legítima proprietária do automóvel, cf. fls. 14 destes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida. 8- Por carta datada de 09.04.2002, foi o ora impugnante notificado na qualidade de lesado da acusação constante destes autos a fls. 16 a 34 e que aqui se dão por reproduzidas. 9- Dá-se aqui por reproduzido o documento junto aos autos a fls. 273 a 290. 10- A petição inicial foi apresentada na Direcção de Alfândegas do Porto – Alfândega do Freixieiro em 02.07.2002, cf. fls. 2 destes autos e que aqui se dá por reproduzida. III – Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TAF do Porto que julgou intempestiva a impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente contra o acto de liquidação de imposto automóvel porque apresentada (em 2/7/2002) para além do prazo previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, ou seja, passados mais de 90 dias após ter conhecimento do acto lesivo (apreensão do veículo automóvel em 5/8/1999). Alega o impugnante, ora recorrente, que só tomou conhecimento que tinha adquirido um automóvel que fora roubado quando foi notificado, na qualidade de lesado, da acusação constante destes autos a fls. 16 a 34, por carta datada de 9/4/2002, data a partir da qual se deve contar, pois, o prazo de 90 dias para impugnar a liquidação do imposto automóvel efectuada pelas autoridades aduaneiras em 23/2/1999. Vejamos. O prazo para deduzir impugnação judicial, de natureza substantiva, contínuo e contado de acordo com as regras do artigo 279.º do CC (artigo 20.º, n.º 1 do CPPT), é o previsto no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT. Considerou a Mma. Juíza a quo que a impugnação judicial apresentada em 2/7/2002 e deduzida contra a liquidação de imposto automóvel efectuada em 23/2/1999 era intempestiva, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, por ter sido apresentada para além do prazo de 90 dias contados a partir da data em que o impugnante tivera conhecimento do acto lesivo, sendo que é quanto a este que diverge o recorrente. Com efeito, enquanto que na decisão recorrida se considera que o acto lesivo foi conhecido pelo impugnante através do acto de apreensão do veículo em causa, efectuada pela PJ em 5/8/1999, este defende que só com a notificação da acusação, efectuada por carta datada de 9/4/2002, teve conhecimento que havia adquirido um veículo que fora roubado. E, assim, consoante se considere quando ocorreu o conhecimento do acto lesivo, assim se concluirá, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, pela tempestividade ou não da impugnação apresentada só em 2/7/2002. Todavia, não nos parece que a norma invocada, quer pela Mma. Juíza a quo quer pelo impugnante, ora recorrente, tenha aqui aplicação. Dispõe a referida norma que o prazo de 90 dias para deduzir impugnação judicial se contará a partir do conhecimento do acto lesivo dos interesses legalmente protegidos e não abrangidos nas alíneas anteriores do citado preceito legal. Ora, na verdade, o que se contempla em tal norma, é o conhecimento do acto lesivo que se pretende impugnar e que, neste caso, se trata da liquidação de imposto automóvel efectuada pelas autoridades aduaneiras em 23/2/1999, imposto esse que foi pago pelo impugnante em 17/3/1999. Como refere Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, vol. I, pág. 741, a possibilidade de contagem de prazos de impugnação a partir de termos iniciais diferentes da notificação, como é o caso desta alínea f), apenas será viável relativamente a actos que não devam ser notificados, como se prevê no artigo 59.º, n.º 3, do CPTA, o que só sucederá relativamente a impugnações deduzidas por quem não tenha, nem deva ter, intervenção no procedimento tributário. O que não é manifestamente o caso. Daí que, se o recorrente teve conhecimento do acto que impugna desde logo quando procedeu ao seu pagamento, não pode agora vir invocar a aludida alínea f), alegando que só agora teve conhecimento do acto lesivo que pretende impugnar. É verdade que, posteriormente, pode o recorrente sentir-se efectivamente lesado, além do mais, por ter pago um imposto automóvel referente a um veículo que, por ter sido roubado, lhe foi apreendido e do qual não pode dispor. De resto, atente-se que ele foi, de facto, notificado da acusação constante dos autos, a fls. 16 a 34, na qualidade de lesado. Só que o ressarcimento dos prejuízos sofridos, designadamente os referentes ao pagamento do tributo aqui em causa, não pode ser obtido através da impugnação judicial deduzida contra a liquidação do imposto em causa, cujos fundamentos são os previstos no artigo 99.º do CPPT, e nos quais se não enquadra tal situação, mas sim no respectivo processo crime, à ordem do qual o veículo foi apreendido, e onde os danos provocados devem ser devidamente apurados. Razão por que, sempre a impugnação apresentada em 2/7/2002 contra a liquidação de um imposto a que o impugnante procedeu ao seu pagamento em 17/3/1999 e manifestamente intempestiva, nos termos do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, seria de rejeitar. IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, com a presente fundamentação. Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em metade. Lisboa, 11 de Maio de 2011. – António Calhau (relator) – Valente Torrão – Dulce Neto. |