Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0905/11
Data do Acordão:01/21/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PRINCÍPIO PRO ACTIONE
INCONSTITUCIONALIDADE ABSTRACTA
Sumário:I - Nos processos em que seja aplicável o CPPT, no caso de o tribunal ad quem decidir no sentido da sua incompetência em razão da hierarquia, a remessa dos autos ao tribunal que essa decisão considere o competente só se fará mediante requerimento do interessado, que para o efeito dispõe do prazo de 14 dias a contar da notificação da decisão (art. 18.º, n.º 2, do CPPT).
II - Nada obsta, no entanto, a que esse pedido seja formulado anteriormente à declaração de incompetência.
III - Não tendo sido observadas as normas que regulam a remessa dos articulados a juízo por via electrónica e que asseguram meio de prova dessa remessa, a prova pode ser efectuada por outros meios, mas, subsistindo dúvida quanto à remessa, ela deve ser decidida desfavoravelmente ao interessado.
IV - O princípio pro actione aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, mas não se destina a subverter as regras do processo, postergando outros princípios processuais, designadamente, a ultrapassar as normas que imponham ónus processuais específicos às partes.
V - Na apreciação pela conferência de despacho proferido pelo relator, não pode o tribunal conhecer da constitucionalidade de norma que não foi aplicada naquele despacho e não releva para a decisão proferida no mesmo, pois a competência para conhecer da inconstitucionalidade abstracta é exclusiva do Tribunal Constitucional.
Nº Convencional:JSTA000P18494
Nº do Documento:SA2201501210905
Data de Entrada:10/11/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Reclamação para a conferência do despacho do relator que indeferiu requerimento apresentado pela Recorrente no recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 2873/06.4BELSB

1. RELATÓRIO

1.1 Por despacho de 30 de Novembro de 2011 do Conselheiro relator, foi declarada a incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do recurso interposto pela Fazenda Pública (adiante Recorrente ou Reclamante) da sentença proferida pelo Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida pela sociedade denominada “A…………………., Lda.” (adiante Recorrida ou Reclamada) à execução fiscal que contra ela foi instaurada para cobrança de uma dívida proveniente de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do ano de 2000; mais foi declarado que a competência para o efeito estava cometida ao Tribunal Central Administrativo Sul.

1.2 Atendendo ao disposto no art. 18.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e na consideração de que a Recorrente não requerera a remessa dos autos ao Tribunal declarado competente, o processo foi devolvido à 1.ª instância (cfr. fls. 265).

1.3 Em 30 de Novembro de 2012 deu entrada neste Supremo Tribunal Administrativo uma exposição remetida pela Fazenda Pública, alegando, em síntese, que teve conhecimento «só agora e por mero acaso, que os presentes autos foram remetidos ao Tribunal Tributário de Lisboa, a título definitivo» e que «em 28 de Outubro de 2011, foi remetida pelo Representante da Fazenda Pública, a esse STA, peça processual, pronúncia sobre o parecer do MP no qual suscitava a excepção da incompetência desse STA e na qual, nessa sequência, à cautela, se requereu a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul», veio invocar a «incorrecta remessa» dos autos à 1.ª instância e requerer que «sejam os autos remetidos àquele Tribunal – 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul, para efeitos de conhecimento do recurso jurisdicional já interposto pela Fazenda Pública», uma vez que «cumpriu o disposto no n.º 2 do art. 18.º do CPPT».
Alegou ainda que a aludida peça processual foi remetida a juízo por “e-mail” para o endereço electrónico correio@sta.taf.mj.pt e requerendo que se solicite ao Ministério da Justiça que proceda à pesquisa naquela caixa de correio, para confirmar o envio daquela peça processual na data referida, ou seja, 28 de Outubro de 2011.

1.4 Após se ter solicitado ao Tribunal Tributário de Lisboa a remessa dos autos a título devolutivo e de lhes ter sido junto o requerimento, foi solicitada a informação requerida pela Requerente, em relação à peça processual em causa, bem como, oficiosamente, foi solicitada idêntica informação ao administrador do sistema informático deste Supremo Tribunal Administrativo.

1.5 Foram prestadas informações do seguinte teor:

1.5.1 pela Escrivã de Direito da Secção Central deste Supremo Tribunal Administrativo, «Em 2013.02.11 informo V. Ex.ª que depois de efectuadas as buscas necessárias nesta secção central, o referido mail não consta como entrado naquela data»;

1.5.2 pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça, «Relativamente ao solicitado, informa-se que este instituto detém um registo das ocorrências de entrada e saída de mensagens no servidor da Rede de Comunicações da Justiça (RCJ). Neste registo, que é uma base de dados, apenas são guardados os dados de tráfego, tais como o endereço electrónico do destinatário, data e hora de recepção ou envio da mensagem no servidor da RCJ para o servidor local. Esta base de dados só conserva os dados acima referidos pelo período de 365 dias, conforme os termos notificados e autorizados pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, pelo que, nesta data, já não é possível verificar se o e-mail em questão, que data de 28 de Outubro de 2011, foi recebido no servidor da RCJ».

1.6 As informações foram notificadas às partes, sendo-o a Requerida também do requerimento inicial, e ambas se vieram pronunciar.

1.6.1 A Requerente, sustentando que «uma vez que, ao que parece, os serviços informáticos do Ministério da Justiça não podem confirmar se a mensagem foi recebida, apenas pelo facto de a base de dados só conservar dados pelo período de 365 dias, o que se lamenta, deve considerar-se como boa a informação dada pelo sistema informático da AT, a fls. 322 a 328, e que constitui um registo fidedigno do tráfego relativo a mensagens enviadas no referido período de 10/01/11 a 29/02/12 do endereço electrónico, B..…..@dgci.min-finanças.pt para o endereço electrónico correio@sta.taf.mj.pt», pelo que, «uma vez que terá sido solicitada, em tempo, a remessa dos autos os Tribunal competente» e, assim, «cumpriu o disposto no n.º 2 do art. 18.º do CPPT», insiste pela remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, a fim de aí ser apreciado o recurso jurisdicional.

1.6.2 A Requerida veio opor-se à pretensão da Requerente, alegando, em síntese, que aquela não cumpriu as regras de remessa de peças processuais a juízo por correio electrónico

1.7 Apreciando o requerimento apresentado pela Recorrente, o Conselheiro relator indeferiu a pretensão aí deduzida, nos termos do despacho de fls. 391 a 396.

1.8 Notificadas as partes desse despacho, veio a Recorrente requerer que sobre a mesma recaia acórdão.

1.9 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir em conferência.

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 A Recorrente veio requerer que seja levado à apreciação da conferência o despacho do Relator, proferido de fls. 391 a 396 e, no qual, após se descrever a tramitação processual até àquele momento, se deixou escrito:

«2.1 A questão suscitada é a de saber se foi ou pode considerar-se como tendo sido apresentado neste Supremo Tribunal Administrativo pedido de remessa do processo ao tribunal competente ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 18.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário («Nos restantes casos de incompetência [o n.º 1 do mesmo artigo refere-se à incompetência em razão do território] pode o interessado, no prazo de 14 dias a contar da notificação da decisão que a declare, requerer a remessa do processo ao tribunal competente».) (CPPT).
Na verdade, este Supremo Tribunal Administrativo, mediante arguição do Ministério Público, declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública e declarou como competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Sul, declaração que, na falta de oportuno pedido pela Recorrente de remessa dos autos ao tribunal competente, determinou a absolvição da instância da Recorrida, tudo como ficou dito no acórdão de fls. 226 a 236 dos presentes autos.
Já depois de os autos terem sido remetidos à 1.ª instância, veio a Fazenda Pública apresentar um requerimento em que sustenta que, na sequência da notificação do parecer do Ministério Público em que foi suscitada a questão da incompetência em razão da hierarquia, e à cautela (i.e., para a eventualidade de vir a ser declarada a incompetência), logo requereu a remessa dos autos ao tribunal competente, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 18.º do CPPT.
Mais alega que esse requerimento não se encontra junto ao processo, apesar de ter sido remetido por “e-mail” a este Supremo Tribunal Administrativo em 28 de Outubro de 2011, facto que requer seja confirmado por informação a solicitar ao Ministério da Justiça.
Em ordem a demonstrar a remessa desse requerimento, juntou um documento, que denominou «extracto de registo de entradas e saídas da DS de Consultadoria Jurídica e Contencioso e Relatório extraído do sistema informático da AT».
Cumpre, pois, averiguar se é possível considerar que a Fazenda Pública requereu oportunamente a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul.

2.2 Antes do mais, cumpre ter presente que, apesar de a Fazenda Pública, como ela mesma reconhece, após a decisão que declarou a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia e declarou competente para conhecer o recurso o Tribunal Central Administrativo Sul, não ter requerido a remessa dos autos a este último tribunal, alega que o tinha já feito – à cautela – anteriormente, quando foi notificada do parecer do Ministério Público em que a questão foi suscitada.
Ora, nada obsta a que esse requerimento seja apresentado antes da decisão, uma vez que apenas o excesso do prazo, mas já não a sua antecipação, faz precludir o direito de requerer essa remessa.
Depois, é inequívoco que o requerimento por que a Fazenda Pública afirma ter requerido a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, não foi recebido neste Supremo Tribunal Administrativo. Já quanto à sua remessa, pese embora as diligências efectuadas no sentido de apurar da sua realidade, permanece a dúvida.
Ora, tal dúvida não pode deixar de ser valorada contra a Requerente pela simples razão de que esta não cumpriu com os requisitos que a lei estabelece relativamente à apresentação de peças processuais por via electrónica.
Na verdade, o art. 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição».) (CPC), que estabeleceu como método preferencial para o envio de peças processuais a juízo o correio electrónico, impõe que este obedeça a determinados requisitos, a definir por portaria.
Esses requisitos constam da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, cujos arts. 2.º, n.ºs 5 e 6, e 3.º, n.º 3, impõem no caso de utilização de correio electrónico, que a mensagem contenha necessariamente a aposição da assinatura electrónica do respectivo signatário, a qual deve ter associada um certificado digital que garanta de forma permanente a qualidade profissional do respectivo signatário, bem como a sua validação cronológica.
Por outro lado, nos termos do art. 3.º, n.º 2, alínea c), da mesma Portaria, a comunicação deve assegurar, «[a] entrega ao remetente de uma mensagem assinada electronicamente pela terceira entidade idónea, nos casos em que não seja possível a recepção, informando da impossibilidade de entrega da mensagem original no endereço do correio electrónico do destinatário, no prazo máximo de cinco dias após a validação cronológica da respectiva expedição».
É certo que no art. 10.º À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia».) da mesma Portaria se admite a possibilidade de uso de remessa a juízo de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica, mas, nesse caso, porque a lei determina a aplicação da remessa por telecópia, a parte não fica dispensada do envio dos respectivos originais (cfr. art. 150.º, n.º 3, do CPC, a contrario), no prazo de 10 dias, como dispõe o n.º 3 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro), nem das respectivas cópias (cfr. art. 152.º, n.º 2, do CPC).
Seja como for, sempre a Fazenda Pública ficaria documentalmente habilitada a comprovar o envio do referido requerimento a juízo.
Ou seja, é porque a Fazenda Pública não cumpriu o formalismo legal para a remessa das peças processuais a juízo por via electrónica, que não dispõe de documento comprovativo desse facto.
Ora, se é certo que, em regra, são admissíveis todos os tipos de prova, já assim não é quando existir lei especial que exija determinada tipo de prova (A menos que se concluísse que a prova documental não era bastante para permitir à Fazenda Pública a remessa do referido requerimento a juízo por correio electrónico, caso em que essa restrição constituiria uma violação do direito constitucionalmente reconhecido à tutela judicial efectiva (cfr. arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República)., como parece acontecer no caso.
Na ausência dessa prova documental, subsiste a dúvida quanto à expedição do requerimento em causa a este Supremo Tribunal Administrativo, dúvida que, nos termos referidos, terá que ser valorada contra ela.
A pretensão da Requerente não pode, pois proceder.

2.3 Mas, ainda que se admitisse que a comprovação da remessa do requerimento em causa a este Supremo Tribunal Administrativo pode ser efectuada por outros meios, a verdade é que o documento apresentado pela Fazenda Pública, a nosso ver, não permite dar como provada a remessa de requerimento algum dirigido ao presente processo e, muito menos, permite qualquer conclusão quanto ao respectivo teor.
Desde logo, um documento particular produzido pela própria parte interessada na demonstração do facto que o documento visa comprovar dificilmente poderá servir esse desígnio.
Seja como for, o próprio documento apresentado não é inequívoco e não permitiria estabelecer a data em que a Fazenda Pública afirma ter remetido o requerimento a juízo: 28 de Outubro de 2011. Na verdade, no documento por ela junto aos autos, a fls. 320 e 321 refere-se como data da remessa o dia 2 de Novembro de 2011, enquanto a fls. 325 se refere como data do envio 28 de Outubro de 2011.
Depois, já quanto ao objecto desse requerimento, o referido documento deixa em aberto algumas dúvidas, pois a fls. 320, refere-se a “resposta da FP ao parecer do MºPº” e a fls. 325 reitera que se trata de “Requerimento resposta a Parecer do MºPº”, enquanto do mesmo documento encontramos diversas referências, reportadas a outros processos, de “requerimento de remessa dos autos ao TCAN”, de “Requerimento resposta a Parecer do MºPº e de remessa dos autos ao TCAS” e de “Pronúncia sobre Parecer do EMPP e requerimento de remessa”.
Finalmente, não podemos deixar de registar que a Fazenda Pública não apresentou o requerimento que diz ter remetido a este Supremo Tribunal Administrativo.

2.4 Acresce que poderíamos ainda questionar que a Fazenda Pública só em 30 de Novembro de 2012 se tenha podido aperceber de que o requerimento alegadamente remetido a este Supremo Tribunal Administrativo em 28 de Outubro de 2011 não tinha aqui dado entrada.
Sem prejuízo de tudo quanto ficou dito, afigura-se-me que a mera leitura da decisão proferida em 30 de Novembro de 2011 permitia, a um destinatário minimamente atento e diligente, perceber que esse requerimento não tinha dado entrada no Supremo Tribunal Administrativo.
Desde logo, no relatório dessa decisão, após se referir que «dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que se declare a incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia porque considerou que o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito» (ponto 1.6, a fls. 231), afirmou-se textualmente que «Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a questão, ao abrigo do disposto no art. 704.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, apenas a Recorrida o veio fazer» (ponto 1.7, a fls. 231).
Por outro lado, na mesma decisão deixou-se expresso o seguinte:

«Assim, a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso pertence, não a este Supremo Tribunal Administrativo, mas ao Tribunal Central Administrativo Sul, como se decidirá a final.
Verifica-se, pois, excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal, que obsta ao conhecimento do mérito e dá lugar à absolvição da instância do recorrido (arts. 101.º, 494.º, alínea a) e 493.º, n.º 2 do CPC), salvo se for requerida a remessa do processo ao Tribunal competente, nos termos do n.º 2 do art. 18.º do CPPT».

Finalmente, a final, na parte decisória, nada se determinou quanto à remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, que foi o tribunal expressamente declarado competente em razão da hierarquia.

Por tudo isso, a Fazenda Pública não podia deixar de perceber, com a notificação da decisão que declarou a incompetência em razão da hierarquia, que o Supremo Tribunal Administrativo não estava a considerar qualquer requerimento por ela formulado no sentido da remessa dos autos ao tribunal declarado competente.

3.

Atento o exposto, considerando que não pode considerar-se que a ora Requerente tenha requerido a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul neste processo com o n.º 905/11, não pode atender-se o pedido de que o mesmo seja apreciado».

2.2 A Recorrente não se conformou com este despacho e, se bem interpretamos o seu requerimento de que sobre o mesmo recaia acórdão, a sua discordância assenta nas seguintes razões: (i) que a dúvida quanto à remessa do requerimento a juízo deva ser valorada contra ela; (ii) que o documento por ela apresentado não seja suficiente enquanto meio de prova da remessa a juízo do requerimento em causa; (iii) que tenha sido considerado inoportuna a verificação de que o requerimento não tinha dado entrada em juízo; e ainda (iv) a inconstitucionalidade do n.º 2 do art. 18.º do CPPT.

2.3 Pese embora a extensa alegação da Recorrente, entendemos que não lhe assiste razão. Consideremos, um por um, os seus argumentos:

2.3.1 Questiona a Fazenda Pública que a dúvida quanto à remessa do requerimento a juízo deva ser valorada contra ela (cfr. itens 4 a 9 do requerimento por que reclamou para a conferência).
Sustenta, em síntese, que o princípio pro actione, que invoca, «leva a concluir no sentido de que a dúvida [no efectivo envio do pedido de remessa dos autos ao tribunal competente], no caso, não pode ser valorada contra a Fazenda Pública, por esta, simplesmente, não ter cumprido com os requisitos que a lei estabelece relativamente à apresentação de peças processuais por via electrónica»; que, na impossibilidade do Instituto de Gestão Financeira e dos Equipamentos da Justiça comprovar que a mensagem que incluía o requerimento foi recebida, deve ser concedido relevo probatório ao documento de registo informático extraído do sistema informático da AT, o qual comprova o envio do requerimento e a respectiva data. Mais invoca que este Supremo Tribunal Administrativo decidiu já em sentido contrário ao do despacho reclamado no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário de 30 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 1150/11.
Vejamos:
A Recorrente, ora Reclamante, não põe em causa que não cumpriu as formalidades legalmente impostas para a remessa de articulados a juízo por via electrónica.
Ora, uma vez que o articulado em causa não deu entrada neste Supremo Tribunal Administrativo, foi esse incumprimento, e só ele, que gerou a dúvida quanto ao envio do articulado no qual, segunda afirma, não só se pronunciou sobre a excepção da incompetência do Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia suscitada pelo Ministério Público, como, à cautela, pediu a remessa dos autos ao tribunal declarado competente.
Tivesse a Fazenda Pública cumprido, como se lhe impunha, com as regras legais e não estaríamos agora a debater-nos com aquela dúvida, pois, como ficou dito no despacho reclamado, ficaria então documentalmente habilitada a comprovar o envio do referido requerimento a juízo.
Porque esse requerimento não foi recebido neste Supremo Tribunal Administrativo, a dúvida quanto a esse envio resulta exclusivamente do facto de a Fazenda Pública não ter cumprido com o formalismo legal para a remessa das peças processuais a juízo por via electrónica e não – convém ter bem presente – do facto de o Instituto de Gestão Financeira e dos Equipamentos da Justiça não poder confirmar esse envio. Apenas tentamos obter informação daquele Instituto na esperança de conseguir dirimir a dúvida em causa, em face do incumprimento pela Fazenda Pública das regras legais a que estava obrigada.
Sendo assim, afigura-se-nos inquestionável que, não conseguindo afastar-se a dúvida quanto ao facto – envio do requerimento a juízo –, a mesma sempre terá de ser valorada contra a Fazenda Pública. Seguramente, não o poderá ser contra a Recorrida, a quem não pode imputar-se, a título algum, as consequências do comportamento irregular da Recorrente.
Salvo o devido respeito, não procede a invocação do princípio pro actione (que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, por excessivo formalismo), como modo de tentar obviar às consequências do incumprimento das regras processuais, designadamente das que regulam a remessa dos articulados a juízo por via electrónica.
O princípio não se destina a subverter as regras do processo, postergando outros princípios processuais; não se destina, designadamente, a ultrapassar as normas que imponham ónus processuais específicos às partes. Parafraseando jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Vide, por mais recentes e com indicação de doutrina e jurisprudência, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 29 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 1233/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 3 de Outubro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32110.pdf), págs. 242 a 247, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/91015951db35b60280257c780041ef43?OpenDocument;
- de 20 Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 739/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 3 de Outubro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32110.pdf), págs. 520 a 521, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a2d56ddd996ce10b80257c91004b8316?OpenDocument.), o princípio pro actione só reclamará que, em nome da tutela judicial efectiva, se pondere a possibilidade de afastamento das normas legais relativas ao envio de peças processuais a juízo por via electrónica quando houver circunstâncias particulares, e extraordinárias, não imputáveis ao interessado, que, em razão da sua monta e relevância, determinem que deixe de ser exigível a um cidadão medianamente diligente, a observância dessas regras. Ora, até ao momento, a Fazenda Pública não avançou explicação alguma para o incumprimento das mesmas.
Finalmente, quanto à alegação de que este Supremo Tribunal Administrativo decidiu já em sentido contrário ao do despacho reclamado, permitimo-nos salientar que a situação fáctica que foi tratada no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 1150/11 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014, (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 490 a 495, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e1c659ee7449167080257b1d00545f35?OpenDocument.), é bem diversa da que ora se nos apresenta e que essa diferença justifica que as respostas num e noutro caso não possam ser no mesmo sentido. Na verdade, na situação a que se refere aquele acórdão, pese embora o incumprimento das regras legais relativas à remessa a juízo de articulados por via electrónica, não subsistiu dúvida quanto à remessa de uma mensagem electrónica ao Supremo Tribunal Administrativo, sendo que aí se deu como provado que, não obstante não estar nos autos o requerimento da recorrente, o mesmo não chegou por motivos técnicos, prova efectuada com base na oportuna recepção neste Supremo Tribunal Administrativo do «cabeçalho técnico de mensagem em que se identificava o processo e se requeria a referida remessa no prazo legal». Como ficou referido naquele acórdão «[a]pós realizadas por este STA várias diligências no sentido de se apurar da recepção do requerimento em que a recorrente pedia a remessa dos autos ao TCA Sul (v. fls. 665, 670 e 720), verificou-se que deram entrada os cabeçalhos técnicos de mensagem enviada a partir do endereço ........... e que, devido a erro técnico de má formatação, invalidou-se a aceitação da mensagem na rede do Ministério da Justiça». Ou seja, nesse caso ficou demonstrado que foi remetida uma mensagem ao Supremo Tribunal Administrativo a partir do endereço electrónico do Representante da Fazenda Pública, cujo cabeçalho foi recebido, sendo que o corpo da mensagem não entrou devido a um erro técnico; no caso sub judice, perante a prova produzida, considerou-se não demonstrada a remessa ao Supremo Tribunal Administrativo do requerimento em causa.

2.3.2 Que o documento extraído no sistema informático da AT, contrariamente ao que entendeu o despacho reclamado, comprova a remessa do requerimento ao Supremo Tribunal Administrativo (cfr. item 10 do requerimento por que reclamou para a conferência).
Pouco temos a acrescentar ao despacho reclamado.
Como aí ficou dito, um documento particular produzido pela própria parte interessada na demonstração do facto que o documento visa comprovar dificilmente poderá servir esse desígnio.
Por outro lado, o documento apresentado não é inequívoco e não permitiria estabelecer a data em que a Fazenda Pública afirma ter remetido o requerimento a juízo: 28 de Outubro de 2011. Na verdade, no documento por ela junto aos autos, a fls. 320 e 321 refere-se como data da remessa o dia 2 de Novembro de 2011, enquanto a fls. 325 se refere como data do envio 28 de Outubro de 2011. As explicações avançadas pela Recorrente para essa divergência só confirmam a fragilidade dos documentos particulares emitidos pelo interessado como meio da prova dos factos que lhe são favoráveis.
Depois, como ficou salientado no despacho sob reclamação e a Recorrente deixa sem resposta, o referido documento deixa em aberto algumas dúvidas quanto ao objecto do requerimento a que alude, pois a fls. 320, refere-se a “resposta da FP ao parecer do MºPº” e a fls. 325 reitera que se trata de “Requerimento resposta a Parecer do MºPº”, sem qualquer menção ao pedido de remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, enquanto do mesmo documento encontramos diversas referências, reportadas a outros processos, de “requerimento de remessa dos autos ao TCAN”, de “Requerimento resposta a Parecer do MºPº e de remessa dos autos ao TCAS” e de “Pronúncia sobre Parecer do EMPP e requerimento de remessa”.
Finalmente, a Recorrente também deixa sem resposta o facto que ficou registado no despacho ora sujeito à conferência, de que a Fazenda Pública nunca apresentou o requerimento que diz ter remetido a este Supremo Tribunal Administrativo, sendo que essa apresentação também não foi efectuada ulteriormente.

2.3.3 Relativamente à estranheza manifestada no despacho reclamado quanto ao facto de só em 23 de Novembro de 2012 o Representante da Fazenda Pública se ter dado conta de que o requerimento remetido ao Supremo Tribunal Administrativo em 28 de Outubro de 2011 aí não tinha dado entrada (cfr. itens 11 a 14 do requerimento por que reclamou para a conferência).
Segundo a Reclamante, «isso explica-se pela mudança física dos Representantes da Fazenda Pública» junto do Supremo Tribunal Administrativo, sendo que «[a]té 01/03/12, o Dr. B…………. era o Representante da Fazenda Pública no STA e só a partir desta data, e por motivo de aposentação do mesmo, a signatária, conjuntamente com os Drs. C………… e D………… passaram a assegurar tal representação». Por outro lado, quanto à não percepção de que o requerimento em causa não tinha dado entrada no Supremo Tribunal Administrativo através da leitura do despacho pelo qual o Relator declarou o Tribunal incompetente em razão da hierarquia, vem afirmar que «não só tal decisão não foi a última proferida nos autos, dado que de tal decisão foi pedida reforma pela recorrida tendo, em 31/01/12, sido essa mesma decisão reformada quanto a custas, como também que, se foi pedida, anteriormente, a remessa dos autos ao TCA Sul, sempre havia a legítima confiança de que o processo para aí viria a ser remetida, após aquela decisão de 31/01/12».
Salvo o devido respeito, não vemos em que medida as alterações na Representação da Fazenda Pública junto deste Supremo Tribunal Administrativo possam ter influído na capacidade de percepção, através da leitura do despacho de 30 de Novembro de 2011, e no pressuposto de um destinatário minimamente atento e diligente (Note-se que, nos termos do disposto no art. 54.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a representação da Fazenda Pública nas secções de contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo e dos tribunais centrais administrativos do Supremo Tribunal Administrativo compete «ao director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que pode ser representado pelos respectivos subdirectores-gerais ou por trabalhadores em funções públicas daquela Autoridade licenciados em Direito».), de que o requerimento em causa não tinha dado entrada ou, pelo menos, não tinha sido considerado naquele despacho. Na verdade, no relatório dessa decisão, após se referir que «dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que se declare a incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia porque considerou que o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito» (ponto 1.6, a fls. 231), afirmou-se textualmente que «Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a questão, ao abrigo do disposto no art. 704.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, apenas a Recorrida o veio fazer» (ponto 1.7, a fls. 231, sendo o sublinhado nosso).
Por outro lado, na mesma decisão deixou-se expresso o seguinte:
«Assim, a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso pertence, não a este Supremo Tribunal Administrativo, mas ao Tribunal Central Administrativo Sul, como se decidirá a final.
Verifica-se, pois, excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal, que obsta ao conhecimento do mérito e dá lugar à absolvição da instância do recorrido (arts. 101.º, 494.º, alínea a) e 493.º, n.º 2 do CPC), salvo se for requerida a remessa do processo ao Tribunal competente, nos termos do n.º 2 do art. 18.º do CPPT» (sublinhado nosso).
Finalmente, a final, na parte decisória, nada se determinou quanto à remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, que foi o tribunal expressamente declarado competente em razão da hierarquia.
Por tudo isso, a Fazenda Pública não podia deixar de perceber, com a notificação da decisão que declarou a incompetência em razão da hierarquia, que o Relator, não só não estava a considerar qualquer requerimento por ela formulado no sentido da remessa dos autos ao tribunal declarado competente, como também afirmava textualmente que a Fazenda Pública não se pronunciara sobre o parecer em que o Procurador-Geral Adjunto suscitou a questão da incompetência em razão da hierarquia.
Não tinha, pois, motivo algum para confiar que os autos iriam ser remetidos ao Tribunal Central Administrativo Sul, bem pelo contrário.
Aliás, se a Recorrente, como afirma, tivesse pedido ao Supremo Tribunal Administrativo a remessa do processo ao Tribunal Central Administrativo Sul, mal se compreende que, face à decisão por que o Relator declarou este Supremo Tribunal incompetente e indicou aquele Tribunal Central Administrativo como competente, a Recorrente não tenha oportunamente invocado a nulidade daquela decisão por omissão de pronúncia.

2.3.4 Quanto à inconstitucionalidade do n.º 2 do art. 18.º do CPPT, ao fazer impender sobre o recorrente o ónus de requerer a remessa dos autos ao tribunal julgado competente, em caso de declaração de incompetência em razão da hierarquia (cfr. itens 15 a 26 do requerimento por que reclamou para a conferência).
Antes do mais, cumpre ter presente que o despacho reclamado não aplicou o art. 18.º, n.º 2, do CPPT. A poder considerar-se que esse preceito foi aplicado nos autos, tê-lo-á sido pelo despacho que declarou a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia. Mas não é a declaração de incompetência que ora está em causa; o despacho ora trazido à apreciação da conferência, o despacho reclamado, é o que foi proferido de fls. 391 a 396, pelo qual o Relator indeferiu a pretensão da Recorrente, de que se considerasse que tinha oportunamente feito dar entrada neste Supremo Tribunal Administrativo um requerimento de remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul.
O despacho reclamado limitou-se a aferir se tinha sido, ou podia considerar-se como tendo sido apresentado o requerimento de remessa dos autos ao tribunal declarado competente, motivo por que o referido preceito legal foi irrelevante para a decisão proferida naquele despacho. Dessa irrelevância resulta que a questão apenas se pode configurar como de apreciação da constitucionalidade abstracta da norma (Neste sentido o acórdão da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Janeiro de 2002, proferido no recurso n.º 45.972, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Novembro de 2003 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2002/32111.pdf), págs. 417 a 443, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6c74e9055f9bfe1d80256b73004f3171?OpenDocument.), sobre a qual não compete a este Supremo Tribunal Administrativo pronunciar-se (Note-se que a competência para apreciar questões de inconstitucionalidade abstracta de normas é exclusiva do Tribunal Constitucional (art. 281.º da CRP).).
Seja como for, sustenta a Recorrente, ora Reclamante, em síntese, que o preceito em causa, na medida em que impõe tal ónus, «padece de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, do direito de defesa e da tutela jurisdicional efectiva (arts. 13.º, 18.º n.º 2, 20.º n.ºs 1 e 4, 266.º n.º 2 e 268.º n.º 4 da CRP), uma vez que a recorrente fica, efectivamente, impedida de ver apreciado o recurso a que tem direito».
Se bem interpretamos a argumentação da Reclamante, a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade resultará da diversidade de soluções entre o n.º 2 do art. 18.º do CPPT e o n.º 1 do art. 14.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Isto porque este último «estabelece a regra de que o processo é oficiosamente remetido ao tribunal administrativo competente, em caso de incompetência do tribunal, inexistindo qualquer norma como a do n.º 2 do art. 18.º do CPPT, que faça impender sobre o interessado o ónus de requerer a remessa ao tribunal competente, em caso de incompetência em razão da hierarquia», o que leva a que, em situação de incompetência em razão da hierarquia, seja dado tratamento diverso a uma impugnação judicial e a uma acção administrativa especial.
Na verdade, para os casos de declaração judicial de incompetência, o CPPT apenas prevê a remessa oficiosa ao tribunal competente nas situações de incompetência em razão do território (art. 18.º, n.º 1); nos termos do n.º 2 do art. 18.º, «[n]os restantes casos de incompetência pode o interessado, no prazo de 14 dias a contar da notificação da decisão que a declare, requerer a remessa do processo ao tribunal competente». Ou seja, para as situações de incompetência absoluta (em razão da hierarquia e da matéria, como resulta do n.º 1 do art. 16.º do CPPT), dando-lhes tratamento diferente das situações de incompetência relativa, prevê que a remessa ao tribunal competente – que deve ser indicado na decisão judicial que declare a incompetência (n.º 3 do art. 18.º) – seja efectuada apenas a requerimento do interessado, para o que dispõe de prazo até ao 14.º dia seguinte ao da notificação daquela decisão.
Já o art. 14.º do CPTA não distingue as situações de incompetência absoluta e relativa, prevendo no seu n.º 1: «Quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, o processo deve ser oficiosamente remetido ao tribunal administrativo competente».
Manifestamente, não pode considerar-se que a diferente solução a que chegam as normas legais em confronto seja violadora do princípio da igualdade. Vejamos:
O princípio constitucional da igualdade perante a lei e através da lei, consagrado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda ao legislador ordinário a realização de distinções, proibindo-lhe apenas a adopção de medidas ou soluções que estabeleçam distinções discriminatórias, nomeadamente de diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do art. 13.º da CRP, baseadas na ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
Ou seja, o que a lei constitucional proíbe são as desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional.
Constitui jurisprudência assente e reiterada do Tribunal Constitucional, a caracterização do princípio da igualdade como proibição do arbítrio (Cfr. o acórdão com o n.º 232/2003, proferido no processo com o n.º 306/03, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 138, de 17 de Junho de 2003 (https://dre.pt/application/file/684292), págs. 3514 a 3531, também disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030232.html.). Nas palavras do TC, «[o] princípio [da igualdade] não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, “razoável, racional e objectivamente fundadas”, sob pena de, assim não sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes” […]. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada […]» (Cfr. o acórdão com o n.º 319/2000, proferido no processo com o n.º 521/99, publicado no Diário da República, II Série, n.º 241, de 18 de Outubro de 2000 (https://dre.pt/application/file/893798), págs. 16785 a 16786, também disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000319.html.).
Tendo presente o entendimento do princípio da igualdade que tem vindo a ser seguido pelo Tribunal Constitucional, logo se conclui que qualquer das soluções jurídicas em confronto – a do art. 18.º, n.º 2, do CPPT e a do n.º 1, do CPTA – se imporá a todos os destinatários da norma, sem distinção alguma.
Quanto à violação do princípio da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva, vamos limitar-nos a convocar parte da fundamentação expendida pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 46/2005, de 26 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 260/03 (Publicado no Diário da República, II Série, n.º 118, de 22 de Junho de 2005
(https://dre.pt/application/file/3531588), págs. 9186 a 9191, também disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050046.html.), onde, após diversos considerandos em dos princípios constitucionais em jogo, ficou dito:

«Tendo assim em consideração tais linhas de força, direccionadas à composição e delimitação da esfera tutelar que a Constituição assinala ao direito de acção junto dos tribunais, deve reter-se que a exigência constante do artigo 18.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário – impondo que nos casos de incompetência (não territorial) do tribunal, seja o interessado a requerer a remessa do processo ao tribunal competente no prazo de 14 dias – não se afigura arbitrária, desrazoável ou manifestamente gravosa em termos de precludir o direito de acção e o acesso a uma tutela jurisdicional efectiva.
Tal regime – que já constava da anterior regulamentação processual fiscal (artigo 47.º do Código de Processo Tributário), seguindo de perto o disposto na Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (artigo 4.º da LPTA) – encontra um claro fundamento e justificação porquanto transfere para os interessados uma ponderação quanto ao prosseguimento da acção quando estão em causa conteúdos que contendem com a competência dos tribunais em razão da matéria e da hierarquia – e que determinam a incompetência absoluta do tribunal –, assim se permitindo que seja a parte interessada a decidir, em função da avaliação das condições objectivas e subjectivas determinantes da interposição de recurso, se pretende levar o litígio ao conhecimento do tribunal competente, ou se, deixando transitar em julgado o despacho que declare a incompetência do tribunal, se conforma com tal decisão, sem que com isto tenha de requerer a não remessa ao tribunal superior.
Não se afigura, pois, desrazoável e sem fundamento o ónus que impõe ao interessado que, uma vez notificado da decisão que declare a incompetência do tribunal, requeira a remessa dos autos ao tribunal competente, para que o julgamento da causa aí se realize, nem, do mesmo passo, se pode considerar tal ónus processual como desproporcionado – mesmo considerando aqui o prazo estabelecido para a apresentação do requerimento (que, aliás, permite claramente a prática do acto em tempo útil) –, no sentido de fazer recair sobre a parte a satisfação de um encargo desmesurado, limitador ou impeditivo do acesso ao recurso, cabendo assim na esfera de liberdade do legislador quanto à modelação do sistema de recursos que a Constituição acaba por autorizar».
Afigura-se-nos, pois, que o n.º 2 do art. 18.º do CPPT, ao fazer impender sobre o recorrente o ónus de requerer a remessa dos autos ao tribunal julgado competente, em caso de declaração de incompetência em razão da hierarquia, não viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva.

2.4 Por tudo o que deixámos dito, entendemos, com o despacho reclamado, que não pode considerar-se que a Recorrente tenha requerido tempestivamente a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, motivo por que aquele despacho não merece censura, antes devendo ser confirmado, como decidiremos a final.

2.5 Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Nos processos em que seja aplicável o CPPT, no caso de o tribunal ad quem decidir no sentido da sua incompetência em razão da hierarquia, a remessa dos autos ao tribunal que essa decisão considere o competente só se fará mediante requerimento do interessado, que para o efeito dispõe do prazo de 14 dias a contar da notificação da decisão (art. 18.º, n.º 2, do CPPT).

II - Nada obsta, no entanto, a que esse pedido seja formulado anteriormente à declaração de incompetência.

III - Não tendo sido observadas as normas que regulam a remessa dos articulados a juízo por via electrónica e que asseguram meio de prova dessa remessa, a prova pode ser efectuada por outros meios, mas, subsistindo dúvida quanto à remessa, ela deve ser decidida desfavoravelmente ao interessado.

IV - O princípio pro actione aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, mas não se destina a subverter as regras do processo, postergando outros princípios processuais, designadamente, a ultrapassar as normas que imponham ónus processuais específicos às partes.

V - Na apreciação pela conferência de despacho proferido pelo relator, não pode o tribunal conhecer da constitucionalidade de norma que não foi aplicada naquele despacho e não releva para a decisão proferida no mesmo, pois a competência para conhecer da inconstitucionalidade abstracta é exclusiva do Tribunal Constitucional.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os Juízes desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em indeferir a reclamação, confirmando o despacho (de fls. 391 s 396) que considerou não estar comprovado o pedido tempestivo de remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 21 de Janeiro de 2015. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Ascensão Lopes.