Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02794/17.5BEPRT 0792/18
Data do Acordão:01/10/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Sumário:É a Polícia de Segurança Pública e não o Diretor da CGA a entidade competente para a reabertura de um processo de sanidade em decorrência de alegado agravamento de lesão emergente do acidente em serviço, que se visa combater com o recurso a uma cirurgia, que se requer, deduzida no prazo de 10 anos contado da alta, por não estar em causa a revisão da incapacidade permanente do sinistrado e decorrente perda da capacidade de ganho face aos arts. 4º, 5º,20º,21º e 24º todos do DL n.º 503/99.
Nº Convencional:JSTA000P24045
Nº do Documento:SA12019011002794/17
Data de Entrada:08/28/2018
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

RELATÓRIO

1. A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (CGA) vem interpor recurso de revista para este STA do Acórdão do TCAN, de 15 de junho de 2018, que negou provimento ao recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto [que deferira parcialmente o pedido do A……, , agente da PSP, condenando a CGA a emitir decisão expressa, no prazo de 30 dias, sobre o ato de autorização da cirurgia para colocação de prótese na anca esquerda nos termos e limites do disposto no DL 503/99, de 20 de novembro.

2. Para tanto conclui as suas alegações da seguinte forma:

“1. A matéria da aplicação do regime jurídico dos acidentes em serviços e doenças profissionais previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, no que respeita à responsabilidade pelo pagamento de despesas decorrentes de um acidente em serviço - designadamente em matéria de prestações em espécie -, tem gerado entre a CGA e diversos serviços da administração pública controvérsia quanto à sua aplicação.

2. Esta é uma matéria nova que não foi apreciada pelo STA por um lado e por outro tem um enorme impacto financeiro na CGA, aumentando o seu desequilíbrio e (in)sustentabilidade pelo que se impõe a admissão do presente recurso de revista.

3. Decorre do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 6º Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de novembro, que os encargos decorrentes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, com exceção dos relativos à indemnização pelas incapacidades permanentes, são da responsabilidade da entidade empregadora ao serviço da qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença, estabelecendo o n° 6 do artº 6º do mesmo diploma que as despesas que tenham sido eventualmente suportadas pelo próprio ou por outras entidades são objeto de reembolso pelas entidades legalmente responsáveis pelo seu pagamento.

4. A responsabilidade pelo pagamento das despesas está a cargo das entidades empregadoras que, independentemente do seu grau de autonomia, têm de inscrever nos respetivos orçamentos anuais as verbas destinadas ao pagamento das despesas decorrentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

5. Não havendo qualquer norma no Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de novembro, que preveja a transmissão da responsabilidade pelos encargos com a reparação dos danos emergentes de acidente em serviço em caso de cessação da relação jurídica de emprego, ter-se-á de concluir que a responsabilidade pelo pagamento de tais despesas compete - sempre e independentemente de o trabalhador se manter ou não em funções- ao "serviço ou organismo da Administração Pública".

6. Deste modo, no caso em apreço, o reembolso das despesas resultantes da realização de cirurgia para colocação de prótese na anca esquerda, ainda que resultante de acidente que determinou o reconhecimento de uma incapacidade permanente, competem à Polícia de Segurança Pública, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

7. Ao decidir de modo diferente, violou o douto acórdão recorrido o disposto nos artigos 6.º, n.º 1 do 34.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.”

3. O Recorrido, A………... conclui as suas contra-alegações nos termos seguintes:

1. Com referência ao presente recurso de revista, interposto pela Recorrente, considera o Recorrido que o mesmo não tem qualquer viabilidade, porquanto o recurso interposto das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo é excecional, devendo verificar-se no caso concreto os requisitos de admissibilidade que a lei coloca.

2. Na verdade o recurso de revista é apenas admissível "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito", tal como dita o n.º1 do artigo 150.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

3. A este propósito, como explica o próprio Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão datado de 27-11-2013, proc. n.º 01355/13 ( disponível em www.dgsi.pt )"a intervenção do STA no âmbito de um recurso excecional de revista só pode considerar-se justificada em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador com esse recurso." (sublinhado nosso).

4. Ora, in casu nenhum dos pressupostos se encontram preenchidos por forma a justificar a intervenção do órgão máximo da justiça administrativa e tributária - o Supremo Tribunal Administrativo.

5. Desde logo, inexiste qualquer questão com relevância jurídica fundamental, porquanto a questão em apreço não reveste uma complexidade jurídica superior ao comum, considerando que não se verificam dificuldades ao nível da interpretação da letra da lei, nem o corpo normativo aplicável revela especial obscuridade, assim como, não se verifica qualquer necessidade de articulação de vários regimes legais, tal como, a questão ora em juízo, não suscita quaisquer dúvidas ao nível da jurisprudência e da doutrina.

6. Ao invés, a jurisprudência tem-se mostrado uniforme nas suas decisões que contendam com a questão aqui em apreço, sendo inúmeros os acórdãos em que a decisão dos tribunais vai no sentido das decisões sucessivamente recorridas pela Recorrente, veja-se para o efeito o acórdão do TCAS proc. n.º 08362/11 de 02-02-2012, bem como os seguintes acórdãos do TCAN proc n.º 00431/13.6BECBR, de 06-03-2015, proc. n.º 02714/14.9BEBRG, de 24-03-2017, proc. n.º 03453/15.9BEBRG de 28-04-2017 (disponíveis em www.dgsi.pt).

7. Outrossim, não se verifica in casu qualquer questão de relevância social fundamental.

8. Tal como, inexiste qualquer necessidade de admissão do presente recurso para melhor aplicação do direito, considerando que a questão em apreço não reporta qualquer necessidade de garantir a uniformização do direito, uma vez que, nos termos supra alegados, a matéria em juízo é tratada de forma consistente e consonante pelos tribunais, assim como, em momento algum foi tratada de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.

9. Aliás, já anteriormente o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou sobre a admissibilidade de um recurso semelhante ao presente, tendo decidido no sentido da sua inadmissibilidade, veja-se para o efeito o acórdão de 29-06-2017, proc. n.º 0741/17 (disponível em www.dgsi.pt ).onde doutamente teceu as seguintes considerações “A nosso ver a questão em causa não justifica a intervenção do STA. Em primeiro lugar, o acórdão analisa a questão com detalhada análise dos preceitos aplicáveis, com fundamentação jurídica exaustiva, plausível e com claro apoio na letra de lei, que o art. 34°, 1 e 4 do Dec. Lei 503/99, de 20 de novembro impõem à CGA o pagamento das "pensões e outras prestações" sempre que do acidente ou doença profissional resultar para o paciente "incapacidade permanente ou morte". De notar ainda que a sentença da primeira instância decidiu no mesmo sentido, como no mesmo sentido decidiram os vários acórdãos citados na decisão recorrida".

10. Com efeito, é falso o alegado pela recorrida de que tal matéria não foi apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

11. A Recorrente, em todos os acórdãos supra citados, em que também ela foi parte das referidas demandas, manifesta constantemente uma enorme reticência em aceitar o teor das decisões jurisprudenciais que se demonstram desfavoráveis à tese por si defendida.

12. Com tal conduta apenas se pode concluir que esta é uma estratégia de que a Recorrente sistematicamente se serve, com vista a protelar a execução das decisões judiciais, numa tentativa de se desresponsabilizar e se apartar das suas obrigações, em prejuízo de uma boa administração da justiça, e

13. em manifesta indiferença pelo estado de saúde, muitas vezes bastante penoso e de grande sofrimento, em que alguns dos seus utentes (desde logo o Recorrido) se encontram.

14. Pelo exposto, não se justifica admitir o presente recurso de revista, quer por não se encontrarem preenchidos os requisitos de que depende a sua admissibilidade, nos termos do n.º1 do artigo 150.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, quer pelo facto de, tanto o Tribunal Administrativo de Círculo, como o Tribunal Central Administrativo se terem pronunciado no mesmo sentido, cujas decisões estão em perfeita sintonia, em nada divergindo, como ainda, pelo facto de a decisão recorrida se mostrar bem fundamentada e juridicamente plausível.

15. No que concerne ao conteúdo da decisão recorrida não se verificam quaisquer reparos a apontar.

16. Contrariamente ao defendido pela Recorrente, entende o Recorrido que a competência para a prática do ato de autorização da cirurgia para colocação de prótese na anca esquerda, bem como, os respetivos encargos decorrentes da realização do referido ato médico, não são da competência da Polícia de Segurança Pública, mas sim da Caixa Geral de Aposentações, aqui Recorrente, conforme decidido anteriormente.

17. Do alegado entende a Recorrente que a Caixa Geral de Aposentações, em caso de incapacidade permanente ou morte, apenas é responsável pela reparação em dinheiro.

18. Sem embargo, tal entendimento é totalmente desconforme com o consagrado no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, diploma este aplicável considerando que a situação sub judice se enquadra no seu âmbito de aplicação.

19. Nos termos do n.º1 do artigo 4° do Decreto-Lei n.º 503/99 os trabalhadores têm direito, designadamente, à reparação em espécie dos acidentes em serviço.

20. Sendo que, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º3 do referido artigo, o direito à reparação em espécie compreende "Prestações de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa e quaisquer outras, incluindo tratamentos termais, fisioterapia e o fornecimento de próteses e ortóteses, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao diagnóstico ou ao restabelecimento do estado de saúde físico ou mental e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa".

21. Com efeito, é de concluir que o fornecimento de próteses se encontra abrangido pela reparação em espécie a que um trabalhador, ao serviço de entidade empregadora pública, que tenha sofrido um acidente de trabalho, tem direito.

22. Face ao exposto, para determinar em concreto sobre que entidade recai a responsabilidade pela aludida reparação, vem o diploma regular esta questão no seu artigo 5°, sob a epígrafe" Responsabilidade pela Reparação".

23. Nos termos do n.º 3 do aludido preceito vem a lei estabelecer uma exceção em relação à regra geral prevista no n.º1 do referido artigo (segundo o qual o serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional é responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles emergentes), nos termos do qual a responsabilidade pelos encargos com a reparação deixa de competir ao serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço da qual ocorreu o acidente, transferindo-se a referida responsabilidade pelos encargos com a reparação para a Caixa Geral de Aposentações, sendo que, tal situação ocorre sempre que se verifique, designadamente, a incapacidade permanente do trabalhador, o que se verifica no caso.

24. Convergindo também neste sentido o disposto no preâmbulo do referido diploma legal, nos termos da alínea g) do seu ponto 4, segundo o qual, um dos princípios norteadores deste diploma é a " atribuição à Caixa Geral de Aposentações da responsabilidade pela reparação em todos os casos de incapacidade permanente".

25. É de concluir, por conseguinte que, não tendo o legislador distinguido que a responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações se reporta apenas à reparação em dinheiro, e já não à reparação em espécie, não deve o intérprete aplicador distinguir.

26. Ademais, o Decreto-Lei n.º 503/99 no seu Capítulo IV, intitulado "Responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações", reitera a responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações pela reparação nos casos em que, em virtude de acidente em serviço, resulte a incapacidade permanente do trabalhador.

27. Concretamente, dispõe o n.º1 do artigo 34° que "Se do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral".

28. Ou seja, designadamente nos casos de acidente de serviço do qual resulte incapacidade permanente, a Caixa Geral de Aposentações fica obrigada, não apenas à prestação de pensões, mas também à garantia das demais prestações previstas no regime geral, sendo que

29. por "outras prestações previstas no regime geral” remete o diploma para a Lei n.º 100/97 de 13 de setembro, entretanto revogada pela Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro, segundo o disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 3° do Decreto-Lei n.º 503/99, nos termos do qual

30. prevê o seu artigo 23° que o direito à reparação compreende as prestações em espécie, onde se integram as "prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa".

31. Concretizando o artigo 25.° do mesmo diploma que as prestações em espécie compreendem, designadamente a "a assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo todos os elementos de diagnóstico e de tratamento que forem necessários, bem como as visitas domiciliárias" e " o fornecimento de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, bem como a sua renovação e reparação", pelo que, também aqui se incluí o fornecimento de próteses.

32. Com efeito, é de concluir que o regime geral e o regime especialmente previsto para as situações de acidentes em serviço e doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas, adotam o mesmo conceito de reparações em espécie que, por seu turno, integram o direito à reparação em geral.

33. Ademais, dispõe o n.º 4 do artigo 34.° do DL n.º 503/99 que as prestações previstas no n.º1 - no qual se inclui, nos termos vistos, a reparação em espécie - são atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações, aqui Recorrente.

34. Em suma, da conjugação dos artigos 5° e 34° do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, com o artigo 23° e 25° da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, torna-se evidente que, caso tenha sido atribuída uma incapacidade permanente (seja ela parcial ou absoluta), compete à Caixa Geral de Aposentações a responsabilidade pela reparação, que compreende, designadamente o direito a prestações em espécie.

35. Este é, de resto, o entendimento sufragado pela jurisprudência maioritária, neste sentido vide os seguintes acórdãos do TCANorte de 06-03-2015, proc. n.º 00431/13.6BECBR, acórdão de 28-04-2017, proc. n.º 03453/15.9BEBRG e acórdão de 24-03-2017, proc. n.º 02714/14.9BEBRG (disponíveis em www.dgsi.pt).este último onde concluiu, doutamente, o tribunal pelo seguinte "Ora, o regime geral para o qual remete o artigo 34.°, n. ° s 1 e 2, do DL 503/99, e tal como resulta do disposto no artigo 3.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 503/99 quando se refere à Lei n.º 100/97, de 13 de setembro e legislação complementar, é o que consta desta Lei (…) Portanto, será aquele regime geral que auxiliará o intérprete e aplicador da lei, na descoberta das prestações em espécie, que sejam da responsabilidade da CGA, no contexto já referido de acidentes ou doenças profissionais advenientes de incapacidade permanente ou morte (artigo 34. ° n. ° 1 do DL 503/99)".

36. A Recorrente chama à colação o disposto no artigo 6° do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, e daí retira a conclusão de que os encargos decorrentes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, com exceção dos relativos à indemnização pelas incapacidades permanentes, são da responsabilidade da entidade empregadora ao serviço da qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença.

37. Discorda o Recorrido de tal entendimento, porquanto considera que tal preceito tem em vista regular a questão relativa ao modo como se processa o pagamento de despesas, sempre que a responsabilidade seja do serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional.

38. Assim, de acordo com o artigo 6.° sempre que a responsabilidade seja dos serviços e organismos da Administração Pública que tenham receitas próprias que possam ser afetadas a esse fim, devem inscrever nos seus orçamentos verbas destinadas ao pagamento de despesas decorrentes de acidentes e doenças profissionais, já quando a responsabilidade recaía sobre outros serviços que não os mencionados, e a responsabilidade pelos acidentes e doenças profissionais corram por sua conta, então neste caso as despesas relacionadas com acidentes em serviço e doenças profissionais são suportadas por verba a inscrever no orçamento do Ministério das Finanças, que deve transferir para os serviços responsáveis as verbas correspondentes às despesas documentadas.

39. Ademais, o que dispõe o n.º3 do mesmo artigo, e contrariamente ao que afirma a Recorrente, é meramente que sempre que a responsabilidade seja de determinado serviço então relativamente a despesas com a prestação de primeiros socorros e outras despesas, designadamente de caráter urgente, são suportadas pelo orçamento desse serviço.

40. Já o n.º6 do referido artigo 6° do Decreto-Lei n.º503/99 simplesmente determina que as despesas com acidentes em serviço e doenças profissionais, que tenham sido eventualmente suportadas pelo próprio ou por outras entidades, são objeto de reembolso pelas entidades legalmente responsáveis pelo seu pagamento.

41. Em suma, o preceituado artigo 6.° apenas pretende regular de que forma é que os serviços e organismos da Administração Pública, e outros considerados pelo artigo, vão obter meios financeiros para proceder ao pagamento das despesas decorrentes de acidentes em serviço e doenças profissionais, sempre que a responsabilidade corra por sua conta nos termos do n.º2 do artigo 5° do diploma.

42. Não sendo possível daí extrair que a responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações, em casos de incapacidade permanente, apenas se reporte à reparação em dinheiro.

43. Assim, este artigo 6° do Decreto-Lei n.º 503/99 não é uma exceção ao previsto no artigo 5° e 34° do aludido diploma, nem ao previsto nos artigos 23° e 25° da Lei n.º 98/2009, aplicável ex vi do artigo 34.° do DL n.º 503/99.

44. Quanto ao alegado pela Recorrente, segundo o qual existiria uma diferenciação de regime "injustificado", considerando que no regime geral compete sempre ao empregador a reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, entende o Recorrido que importa considerar que os trabalhadores da função pública efetuam os seus descontos para a Caixa Geral de Aposentações, motivo pelo qual, se justifica que seja a mesma responsável nestas situações, desde logo, na medida em que oferece uma proteção reforçada aos trabalhadores, sobretudo em casos mais graves como incapacidades permanentes.

45. Este é de resto o entendimento sufragado pela jurisprudência, atente-se para o efeito no acórdão do TRP, de 17-11-2009, proc. N.º 2271/06.0TBGDM.P1, (disponível em www.dgsi.pt)"I- Enquanto no regime geral o princípio é o da transferência obrigatória da responsabilidade pelos acidentes de trabalho para as entidades seguradoras, no regime dos trabalhadores da administração pública o princípio, nesta matéria, é o da não transferência da responsabilidade para as seguradoras. II- No âmbito do regime em questão, a lei atribui à entidade empregadora a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes dos acidentes e doenças profissionais, com exceção das pensões por incapacidade permanente ou morte, as quais são atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações."

46. De igual modo decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em 21-04-2009, proc. n.º 09A0629 ( disponível em www.dgsi.pt) que "tratando-se o autor de um trabalhador camarário, subscritor da Caixa Geral de Aposentações, é manifesto que a modalidade do contrato de seguro que se lhe aplica é aquela que contende com o contrato de seguro dos "Subscritores da Caixa Geral de Aposentações" e não com o contrato de seguro dos "Trabalhadores por Conta de Outrem" (…) Como assim, não compete à Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros a reparação, por incapacidade permanente parcial sofrida pelo autor, por esse encargo impender, legalmente, sobre a Caixa Geral de Aposentações, e, logo, também, não é da responsabilidade da ré a reparação pedida pelo autor, a esse título, pelo que não assiste a este o direito a haver da ré qualquer pensão/indemnização, a título de incapacidade parcial permanente".

47. Outrossim, de acordo com o parecer do Ministério Público, no processo aqui em juízo, é facilmente compreensível que nestes casos a responsabilidade recaia sobre a Caixa Geral de Aposentações, isto porque “A razão de ser da atribuição desta responsabilidade à CGA prende-se com a definitividade das consequências do acidente de trabalho ou da doença profissional. Com efeito, quer a incapacidade permanente, quer a morte são situações que se repercutem de modo definitivo na vida do trabalhador e que podem ter efeitos para além da data da cessação do vínculo laboral. No caso em apreço, como a incapacidade permanente acompanhará o Autor ao longo de toda a vida, não faria sentido manter essa responsabilidade a cargo da entidade patronal, mesmo quando já tivesse cessado o vínculo laboral entre ambos".

48. No que concerne ao alegado pela Recorrente, segundo o qual a assunção por esta dos encargos relacionados com a reparação em espécie em casos de incapacidade permanente leva a que a Caixa Geral de Aposentações se veja confrontada com encargos financeiros acrescidos, afirmando que os trabalhadores que exercem funções públicas não descontam para assegurar este tipo de proteção, cumpre salientar que

49. os trabalhadores que exercem funções públicas descontam para assegurar a proteção que o DL n.º 503/99 lhes confere, designadamente em casos de acidente de serviço, do qual resulte uma incapacidade permanente, gozam do direito à reparação, seja em espécie, seja em dinheiro, o que obriga a Caixa Geral de Aposentações.

50. Portanto, de acordo com o preceituado no DL n.º 503/99, a Caixa Geral de Aposentações tem de facto que suportar tais despesas, já se tal solução se revelar insustentável terá que ser o próprio legislador a alterar o disposto na lei, e não a Recorrente, que para isso não tem qualquer legitimidade.

51. Pelo que, compete à Recorrente a reparação em espécie nos termos do n.º3 do artigo 5.° e n.º1 do artigo 34.° do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.

52. Assim, face ao exposto, entende o Recorrido que deve o presente recurso improceder e, com efeito, manter-se a decisão proferida pelo tribunal a quo.

Termos em que e por tudo mais que Vª. Exa. doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.”

4. Por Acórdão da Formação, proferido neste STA, em 21.09.2018, foi o recurso de revista admitido.

5. Notificado o EMMP, ao abrigo do art. 146º, nº1 e 147º, nº2 do CPTA, foi emitido parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.

Para tanto refere que resulta do DL 503/99 de 20/11 ponto 4, al. g) do respetivo preâmbulo que um dos princípios em que assenta o diploma é o de atribuir à Caixa Geral de Aposentações a responsabilidade pela reparação em todos os casos de incapacidade permanente.

Princípio esse expresso no n.° 3 do seu art. 5.° o qual, excecionando do disposto nos números anteriores, estabelece que nos casos de incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e reparação a que os trabalhadores têm direito pelos danos resultantes de acidentes em serviço e doenças profissionais onde se engloba a reparação em dinheiro e a reparação em espécie (art. 4.º, n.° 1 do DL n.° 503/99).

Conclui que o DL 503/99 atribui à CGA a responsabilidade pela reparação das incapacidades permanentes e fá-lo sem distinguir entre as prestações a realizar, se em dinheiro se em espécie, necessárias e adequadas à situação do acidentado, assegurando, contudo, à CGA, o direito ao reembolso das despesas e prestações que tenha suportado, caso o serviço ou organismos da Administração Pública possua autonomia administrativa e financeira (art. 43.° do DL 503/99).

6. Cumpre decidir sem vistos.

*

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

“A) O Autor exerce funções de agente da Polícia de Segurança Pública na Unidade Especial de Polícia, desde o ano de 1995 [cf. admissão por acordo];

B) Em 31 de maio de 2011, o Autor participou à Polícia de Segurança Pública, o seguinte: “(...) No dia 31.05.2011, às 10h00, durante a instrução física, nas instalações na Unidades Especial de polícia - Força Destacada/Corpo de Intervenção (...) durante o treino em circuito previsto por esta subunidade, quando ministrava a sessão, ao executar o exercício de squat (agachamento com peso) senti uma forte dor na anca esquerda que me impossibilitou a continuidade da instrução. Atendendo ao facto de ter sentido dores durante todo o dia e noite, hoje dirigi-me ao posto clínico n.º 16 e fui atendido pelo médico desta polícia que me mandou fazer uma radiografia à anca esquerda para melhor análise (...)" [cf. participação a fls. 3 e 4 e informação a fls. 5 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido; admissão por acordo];

C) A participação referida na alínea antecedente deu origem à instauração do processo de sanidade n.º 2011 PRT00145SAN [cf. termo de autuação de fls. 6 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

D) Em 29 de dezembro de 2011, o Subcomissário do Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando Metropolitano do Porto da Polícia de Segurança Pública elaborou relatório no âmbito do processo n.º 2011PRT00145SAN, propondo, entre o mais, o seguinte: "( ... ) com a presente informação pretende-se dar cumprimento às disposições legais aplicáveis aos acidentes em trabalho, bem como às determinações internas relativas à qualificação destes acidentes, nomeadamente, o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro ( ... ) aplica-se os termos do n.º 1 do artigo 7.° do DL n.º 503/99, com as alterações da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro ( ... ) dos documentos apensos ( ... ) pode-se concluir que está estabelecido o nexo causal entre o acidente e o serviço, bem como entre o acidente e a lesão. Neste contexto, proponho que: O acidente em apreciação seja considerado como "acidente de trabalho" (...)" [cf. informação de fls. 12 a 13 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

E) Por despacho de 29 de dezembro de 2011, exarado sobre a informação identificada na alínea antecedente, o Comandante Metropolitano do Porto da Polícia de Segurança Pública, determinou, entre o mais, o seguinte: "(...) 1. Concordo 2. Qualifico como acidente de trabalho 3. Acione-se (...)" [cf. despacho de fls. 12 do processo administrativo];

F) Em 3 de janeiro de 2012, o Autor declarou ter tomado conhecimento do conteúdo do despacho melhor identificado na alínea antecedente [cf. declaração constante do ofício de fls. 13 do processo administrativo];

G) Por despacho de 11 de janeiro de 2012, o Comandante Metropolitano da PSP do Porto autorizou o pagamento das despesas apresentadas pelo Autor, no valor global de EUR 541,44 [cf. despacho e relação anexa de fls. 30 a 31 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

H) Em 20 de janeiro de 2012, o Autor declarou ter tomado conhecimento do conteúdo do despacho melhor identificado na alínea antecedente [cf. declaração constante do ofício de fls. 36 do processo administrativo];

I) Com data de 4 de setembro de 2013, o Serviço de Saúde do Comando Metropolitano do Porto elaborou ao Autor um exame de sanidade final, do qual consta, entre o mais, o seguinte: “( ... ) tendo observado hoje pelas 9h00 no posto clínico n.º 14 o agente principal n.ºs 821/143499 ( ... ) verificou-se que o mesmo apresentava patologia coxa-femural esquerda pelo que se encontra curado da lesão sofrida tendo do mesmo resultado um IPP de 15,44 % ( ... )" [cf. documento de fls. 49 do processo administrativo];

J) Em 17 de setembro de 2013, o Subcomissário do Comando Metropolitano do Porto da Polícia de Segurança Pública declarou encerrado o processo de sanidade n.º 2011 PRT00145SAN [cf. termo de encerramento de fls. 50 do processo administrativo];

K) Com data de 12 de setembro de 2014, o Hospital da Arrábida emitiu um documento designado de "Nota de Alta", da qual consta, entre o mais, o seguinte: “(...) Motivo de admissão: Coxalgia esquerda; Descrição: Coxalgia esquerda Coxartrose esquerda; (...) Tratamento: infiltração radio-guiada da anca esquerda. Visco-suplementação com Durolane Orientação marcar consulta Dr……… 3 semanas ( ... )" [cf. documento de fls. 12 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

L) Em 26 de janeiro de 2016, a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações reuniu e deliberou, entre o mais, o seguinte: “( ... ) Das lesões apresentadas resulta uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções: não; Das lesões apresentadas resulta uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho: não; qual a capacidade residual para o exercício de outra opção compatível? 100 %; das lesões apresentadas resulta uma incapacidade permanente parcial? Sim. A Junta Médica confirma a capacidade parcial atribuída? Não. Qual o grau de incapacidade atribuído? 6 % (seis por cento) (...) a doença tem caráter evolutivo: sim (...)" [cf. auto de fls. 83 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

M) Por despacho de 03 de fevereiro de 2016, a Direção da Ré homologou, ao abrigo do artigo 38.° do DL n.º 503/99, de 20 de novembro, o parecer da Junta da Médica identificado na alínea antecedente [cf. despacho de fls. 83 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

N) Por ofício de 04 de fevereiro de 2016, a Ré comunicou ao Autor o teor do despacho identificado na alínea antecedente [cf. ofício de fls. 86 do processo administrativo; admissão por acordo];

O) Por ofício de 03 de março de 2016, a Ré comunicou ao Autor, entre o mais, o seguinte: “(...) por decisão de 03 de março de 2016, da Direção da Caixa Geral de Aposentações, lhe foi fixada, uma pensa anual vitalícia de € 941,90, a que corresponde uma pensão mensal de € 67,28 (941,90/14), em consequência do acidente em serviço de que foi vítima. Do referido acidente resultou uma incapacidade permanente parcial, com a desvalorização de 6 %, conforme parecer da Junta Médica desta Caixa, homologado por despacho da Direção da Caixa Geral de Aposentações de 2016-02-03 (...) assim deverá ser pago, a título de reparação total do acidente, o capital de remição de € 14.158,64 (941,90 x 15,032) (...)” [cf. ofício de fls. 173 do processo administrativo; admissão por acordo];

P) Com data de 07 de maio de 2016, o Hospital da Arrábida emitiu um documento designado de Rx bacia - 1 incidência Rx Anca bilateral, duas incidências", do qual consta, entre o mais, o seguinte: “( ... ) estudo radiográfico da bacia e ancas revela deformidade tipo CAM à direita e alterações degenerativas moderadas se atendermos ao grupo etário. Antecedentes cirúrgicos à esquerda com coxartrose severa associada a perda de amplitude do espaço articular súpero-externo, com aparente colapso da vertente periférica da cabeça femoral que apresenta esclerose. ( ... ) face ao exame de 2012, regista-se um agravamento importante das alterações degenerativas esquerdas parecendo-nos, no entanto, o agravamento da esclerose e colapso subcondral pode levantar-se a hipótese concomitante de necrose avascular da cabeça femoral ( ... )” [cf. documento de fls. 14 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

Q) Em 20 de julho de 2017, o Autor apresentou um requerimento dirigido ao Diretor da Ré, Caixa Geral de Aposentações, no qual peticionava, entre o mais, o seguinte: “( ... ) em 26 de janeiro de 2016, a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações atribuiu um IPP de 6 % em virtude do mencionado acidente ( ... ) tal como verificado, e comprovado por relatório médico, já anteriormente remetido a Vossa Excelência, o utente em questão ressentiu-se da lesão sofrida, carecendo de cuidados médicos urgentes (...) nesse sentido a não realização da necessária operação cirúrgica não é, infelizmente, uma opção ( ... )” [cf. cópia do recibo de expedição e do requerimento de fls. 22 e 23 e 53 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

R) Com data de 16 de agosto de 2017, o Hospital da Arrábida emitiu um documento designado de "Relatório Clínico", do qual consta, entre o mais, o seguinte: "(...) Descrição O Sr. A…….., 45 anos de idade, foi vítima de acidente em serviço, do qual resultou traumatismo da anca esquerda. Foi avaliado na nossa consulta em 2011 (…) Andou melhor durante 3 anos, após o que sentiu agravamento progressivo da dor e rigidez. No estudo atual apresenta coxartrose severa da anca esquerda. Tem indicação para prótese total da anca esquerda (...)" [cf. documento de fls. 15 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

S) Com data de 06 de novembro de 2017, o Hospital da Arrábida emitiu um documento designado de "Relatório Médico", do qual consta, entre o mais, o seguinte: "( ... ) Dado impasse processual foi remarcado para janeiro de 2017. Dado manutenção do impasse processual a cirurgia não foi realizada. Cada vez pior. Muita dor. Este paciente tem clara indicação para cirurgia. Quadro de evolução progressiva e com sintomatologia cada vez mais incapacitante (...)" [cf. documento de fls. 15 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido].

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O DIREITO

Vem a aqui recorrente sindicar a decisão recorrida por entender que face ao DL 503/99, de 20/11, é da competência da Polícia de Segurança Pública a prática do ato de autorização de cirurgia para colocação de prótese na anca esquerda, bem como, os respetivos encargos decorrentes da realização do referido ato médico, e não sua, já que a responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações, em caso de incapacidade permanente ou morte, está limitada à reparação em dinheiro.

Por acórdão do TCAN de 15 de junho de 2018 a CGA foi condenada a deferir o requerimento que lhe foi apresentado pelo autor, A…….., em 20 de julho de 2017, de autorização de cirurgia para colocação de prótese na anca esquerda, com o fundamento de que a Caixa Geral de Aposentações é a entidade competente e responsável pela reparação em dinheiro ou espécie dos danos decorrentes da incapacidade permanente dos trabalhadores vítimas de acidentes em serviço.

Não obstante ambas as instâncias entenderem que incumbe à CGA assegurar o tratamento médico-cirúrgico de que o autor necessita por causa do agravamento das lesões por ele sofridas num acidente em serviço e que motivaram o reconhecimento de uma incapacidade permanente parcial de 6%, esta entende que não é isso que resulta das disposições legais.

A questão que cumpre apreciar é, pois, a de saber quem é responsável pela «reparação em espécie» aos acidentados com incapacidade permanente parcial que se encontrem ao serviço, se o serviço a que eles pertençam, se a CGA, face aos arts 5º nº3 e 34º e seguintes do DL n.º 503/99, de 20/11.

Então vejamos.

Está aqui em causa essencialmente a interpretação do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que estabelecia, à data a que se reportam os factos aqui em causa, o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública.

Nos termos do art.º 4.º desse diploma prevê-se que:

“1-Os trabalhadores têm direito, independentemente do respetivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, nos termos previstos neste diploma. (...)

3- O direito à reparação em espécie compreende, nomeadamente:

a) Prestações de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa e quaisquer outras, incluindo tratamentos termais, fisioterapia e o fornecimento de próteses e ortóteses, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao diagnóstico ou ao restabelecimento do estado de saúde físico ou mental e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa;

b) O transporte e estada, designadamente para observação, tratamento, comparência a juntas médicas ou a atos judiciais;

c) A readaptação, reclassificação e reconversão profissional.”

Por sua vez o artigo 5° do Decreto-lei n° 503/99, de 20 de novembro, determina que:

“1 - O empregador ou entidade empregadora é responsável pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais previsto neste diploma.

2 - O serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional é responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles emergentes, nos termos previstos no presente diploma.

3 - Nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma.”

Ou seja, não obstante nos nºs 1 e 2 deste preceito o legislador atribua a responsabilidade pelos encargos com a reparação dos danos emergentes ao empregador e ao serviço ou organismo da Administração Pública, o nº 3 expressamente exceciona os casos de incapacidade permanente, ou morte, atribuindo, nessas situações, competência para a avaliação e a reparação, à CGA.

Por outro lado, e relativamente à “alta” resulta do art. 20º deste diploma que:

“1-Quando o trabalhador for considerado clinicamente curado ou as lesões ou a doença se apresentarem insuscetíveis de modificação com terapêutica adequada, o médico assistente ou a junta médica prevista no artigo 21º conforme os casos, dar-lhe-á́ alta, formalizada no boletim de acompanhamento médico, devendo o trabalhador apresentar-se ao serviço no 1º dia útil seguinte, exceto se lhe tiver sido reconhecida uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou para todo e qualquer trabalho, caso em que se consideram justificadas as faltas dadas até à realização da junta médica da Caixa Geral de Aposentações.(...)

5- Após a alta se for reconhecido ao acidentado uma incapacidade permanente ou se a incapacidade temporária tiver durado mais de 36 meses, seguidos ou interpolados, a entidade empregadora deve comunicar o facto à Caixa Geral de Aposentações, que o submeterá a exame da respetiva junta médica para efeitos de confirmação ou de verificação de eventual incapacidade permanente resultante do acidente e de avaliação do respetivo grau de desvalorização.

6- No caso de não ter sido reconhecida ao acidentado uma incapacidade permanente e este não se conformar com tal decisão, pode requerer à Caixa Geral de Aposentações, no prazo de 90 dias consecutivos após a alta, a realização de junta médica, para os fins previstos no número anterior.”

E, continua o art. 21.º

“Junta médica

1 ­ A verificação e confirmação da incapacidade temporária, a atribuição da alta ou a sua revisão, previstas nos artigos 19.º e 20.º, e a emissão do parecer referido no artigo 23.º competem a uma junta médica composta por dois médicos da ADSE, um dos quais preside, e um médico da escolha do sinistrado.

2 ­ Caso se demonstre necessário, a ADSE poderá́ fazer substituir um dos seus representantes na junta médica por um perito médico-legal.

3 ­ A constituição e o funcionamento da junta prevista no número anterior são da responsabilidade da ADSE, que deverá promover a sua realização na secção que corresponda à área de residência do sinistrado.

4 ­ Compete à entidade empregadora ao serviço da qual ocorreu o acidente requerer à ADSE a realização do exame da junta médica e suportar os respetivos encargos, incluindo os relativos à eventual participação do médico indicado pelo sinistrado.

5 ­ Se o sinistrado não indicar à ADSE o médico da sua escolha, no prazo de 10 dias úteis contado da notificação da data da realização da junta médica, este será́ substituído por um médico designado pela ADSE.

6 ­ Os hospitais, estabelecimentos de saúde ou quaisquer outras entidades devem prestar à junta médica a informação que lhes seja solicitada e fornecer-lhes os elementos de natureza clínica relativos aos trabalhadores sinistrados.

7 ­ As decisões da junta médica são notificadas ao sinistrado e à respetiva entidade empregadora.”

Por sua vez, o artigo 24º do mesmo diploma dispõe:

“ Recidiva, agravamento e recaída

1 ­ No caso de o trabalhador se considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contado da alta, deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica referida no artigo 21.º fundamentado em parecer médico.

2 ­ O reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída pela junta médica determina a reabertura do processo, que seguirá, com as necessárias adaptações, os trâmites previstos para o acidente e confere ao trabalhador o direito à reparação prevista no artigo 4º.”

E o art. 34º do DL 503/99, de 20/11, e a propósito da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações, dispõe:

“Incapacidade permanente ou morte

1 - Se do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral. (...)

4 - As pensões e outras prestações previstas no n.º 1 são atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações, regulando-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição. (...)”.

E, essas "outras prestações previstas no regime geral' são as aludidas na Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, entretanto revogada pela Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro, em cujo artigo 23° se refere que o direito à reparação compreende as prestações em espécie, onde se integram as "prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa".

O que também resulta do artigo 25° do mesmo diploma.

Contudo, da interpretação de todos estes preceitos parece dever distinguir-se entre as situações em que apenas está em causa uma situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contado da alta, em que o funcionário deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica referida no artigo 21.º fundamentado em parecer médico o qual determinará a reabertura do processo de sanidade, da situação de revisão de incapacidade permanente em que seguirá, com as necessárias adaptações, os trâmites previstos para o acidente e confere ao trabalhador o direito à reparação prevista no artigo 4º.

Neste caso, e quando ainda não está reaberto o processo de revisão de incapacidade e se está apenas perante um pedido em espécie, no caso cirurgia, relativo a situação de agravamento, tal cairia na responsabilidade da entidade empregadora como resulta do referido artigo 24º, nomeadamente do seu nº2.

É certo que a Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, que aprovou o novo “Regime Jurídico de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, face ao seu art.º 187.º/1, apenas se aplica a acidentes e doenças profissionais que ocorram após 01/01/2010, o que é o caso.

E que o próprio preâmbulo do D.L. n.º 503/99, de 20/11, a propósito dos princípios gerais nele consagrados, dispõe no ponto 4 “(…) d) Atribuição à entidade empregadora da responsabilidade pela reparação dos danos emergentes dos acidentes e doenças profissionais, bem como da competência exclusiva para a qualificação do acidente” e “g) Atribuição à Caixa Geral de Aposentações da responsabilidade pela reparação em todos os casos de incapacidade permanente”.

Mas, esta referência no preâmbulo do referido não põe em causa o supra referido não podendo dizer-se que foi vontade do legislador que sempre que tenha sido fixada uma incapacidade permanente, absoluta ou parcial, a Caixa Geral de Aposentações seja sempre a responsável pela reparação - em espécie e dinheiro – independentemente de se estar perante a situação do art. 21º e 24º do referido diploma DL 503/99, de 20/11.

A este propósito e relativamente a questão idêntica decidiu-se no Ac. deste STA - Proc. n.º 01682/17.0BESNT, de 22-11-2018, que aqui se reproduz, que uma reparação em espécie [submissão a cirurgia] que não contende ou diz respeito à revisão da incapacidade permanente do sinistrado e decorrente perda da capacidade de ganho, o requerimento do sinistrado de reabertura do processo de sanidade, deverá ser dirigido e deduzido junto da respetiva entidade empregadora.

E, extrai-se do mesmo, por relevante:

“(...) 21. Já́ perante situações de agravamento, recidiva ou recaída que não envolvam, logo à partida, uma modificação da capacidade de ganho, porquanto, alegada a ocorrência de uma dessas situações sem uma tal consequência, o trabalhador sinistrado, que já tinha tido alta, terá́, então, de apresentar na entidade empregadora um requerimento dirigido à mesma, respeitado o prazo de 10 anos, peticionando a sua submissão de novo a junta médica da ADSE [cfr. arts. 21.º e 24.º] para que esta se pronuncie sobre a alegada situação e evolução desfavorável havida e da decisão se retirem as devidas consequências, nomeadamente, em termos reparatórios [cfr. arts. 04.º e 24.º, n.º 2].

22. É que esse requerimento, estando-se em presença de situação de agravamento, recidiva, recaída que reclame como resposta, no imediato, de uma reparação em espécie ou em dinheiro que não contenda ou diga respeito à incapacidade permanente do sinistrado e decorrente perda da capacidade de ganho, deverá ser dirigido e deduzido junto da respetiva entidade empregadora [cfr. arts. 21.º e 24.º], sobre quem impende e a quem incumbe essa responsabilidade prestacional de harmonia com o supra exposto uma vez tomada decisão pela junta médica da ADSE.

23. Caso na decisão da junta médica da ADSE se venha a concluir, ainda, pela existência de uma modificação da capacidade de ganho do trabalhador sinistrado daí derivarão implicações e decorrências a serem objeto de juízo de revisão pela junta médica da CGA [cfr. arts. 21.º, 38.º e 40.º, n.ºs 1, 2, e 5].

24. Mas se este juízo de revisão da competência da CGA pode ter lugar oficiosamente, nomeadamente no contexto de informação que lhe seja transmitida no decurso do procedimento como o aludido nos pontos antecedentes, temos que o mesmo poderá́ ainda ter lugar na sequência de requerimento do interessado, requerimento esse fundamentado em parecer médico.

25. E, neste contexto, quando esteja em causa um pedido do interessado para a revisão da incapacidade que se mostra anteriormente fixada pela CGA [cfr. arts. 34.º e 38.º] e, em decorrência, da respetiva pensão/indemnização, pedido esse estribado em alegado agravamento, recidiva ou recaída que envolva uma modificação da sua capacidade de ganho, temos que o mesmo, fundamentado em parecer médico, deverá ser dirigido e deduzido diretamente junto da CGA, cabendo, então, à respetiva junta médica a sua análise e verificação [cfr. arts. 05º, nº 3, 38º e 40º, n.ºs1, 2, e 5], como única entidade legalmente dotada de competência para a emissão de um tal juízo revisivo.”

Na situação dos presentes autos está precisamente em causa um pedido de reabertura de processo de sanidade formulado pelo aqui recorrido em 20 de julho de 2017 ao Diretor da Ré, Caixa Geral de Aposentações, com autorização para realização de uma operação cirúrgica por ter havido agravamento da lesão sofrida, o que exige cuidados médicos urgentes e, nomeadamente, a necessidade da realização da referida operação cirúrgica.

Ou seja, o que autor pretende mesmo é no fundo a reabertura do seu processo de sanidade em decorrência de alegado agravamento de lesão emergente do acidente em serviço visando combater o mesmo com uma cirurgia.

Sendo esta a sua finalidade o requerimento deveria ter sido dirigido perante a Polícia de Segurança Pública e não perante o Diretor da CGA.

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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em:

a) Conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida;

b)Julgar improcedente o pedido do A……….., agente da PSP, de condenação da CGA a emitir decisão expressa, no prazo de 30 dias, sobre o ato de autorização da cirurgia.

Custas pelo recorrido neste STA e nas instâncias.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2019.- Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.