Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0155/15.0BECBR
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
PRODUÇÃO DE PROVA
NULIDADE DO LICENCIAMENTO
MURO
RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL
Sumário:I - Não é de admitir revista se os fundamentos aduzidos pelo acórdão recorrido para confirmar a desnecessidade de produção de prova, face à prova documental – por documento autêntico com força probatória plena – sobre a integração do prédio em questão na área de RAN é inelutável.
II - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o direito, sendo que o (eventual) erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, não pode ser objecto de revista, conforme prescrevem os nºs 2, 3 e 4 do art. 150º do CPTA.
III – E, igualmente, a revista não é de admitir se o acórdão recorrido se mostra bem fundamentado no seu todo quanto à questão da nulidade do licenciamento e, nomeadamente, quando refere que os actos nulos, independentemente de qualquer declaração de nulidade, não produzem quaisquer efeitos, sendo o alvará de licenciamento nº 35/2012 nulo, face ao disposto nos arts. 23º e 38º do DL nº 73/2009 e art. 68º, alínea c) do RJUE.
Nº Convencional:JSTA000P28715
Nº do Documento:SA1202112160155/15
Data de Entrada:09/21/2021
Recorrente:A........
Recorrido 1:DIRECÇÃO REGIONAL DE AGRICULTURA E PESCAS DO CENTRO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A………… vem interpor recurso de revista do acórdão proferido pelo TCA Norte, em 09.04.2021, que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAF de Coimbra que julgou improcedente a acção administrativa especial que intentou contra a Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro e o Ministério da Agricultura e do Mar, a fim de impugnar o Despacho do Director Regional Adjunto da 1ª Ré, de 06.01.2015, que determinou a que o A. procedesse à reposição do solo na situação anterior à da construção do muro a nascente no seu prédio.
Alega que a revista deve ser admitida por as questões que coloca serem repetíveis em outros processos, tendo relevância jurídica e social e por ser necessária uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações a Recorrida defende que a revista não deve ser admitida ou deve improceder.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

O acto objecto da presente impugnação, determinou a demolição de um muro de vedação a nascente do prédio rústico de que o A. é proprietário, por se situar em solo da RAN.
O Autor peticionou a declaração de nulidade ou, pelo menos, a anulação desse acto que entende padecer, além do mais, de vício de violação de lei por erro nos pressupostos porquanto a demolição apenas poderia ser ordenada mediante uma utilização não agrícola dos solos integrados em RAN, e sem parecer prévio da entidade regional, sendo que o terreno em causa não integra a mancha de Reserva Agrícola Nacional, violando igualmente o direito fundamental de propriedade privada.

O TAF de Coimbra em 27.05.2015 proferiu despacho saneador no qual, nomeadamente, entendeu não haver matéria de facto controvertida, sendo arguida nulidade processual, nos termos do art. 195º, nº 1 do CPC, contra essa decisão, a qual foi indeferida.
Em 31.10.2020 o TAF proferiu sentença na qual julgou a acção improcedente.

O acórdão recorrido confirmou a sentença do TAF de Coimbra, negando provimento ao recurso da Autora.

Na presente revista o Recorrente suscita três questões, justificativas da admissão da revista, a saber:
“1.ª É compatível com o direito à tutela judicial efectiva (v. artº 268º/4 da Constituição e com o princípio da igualdade das partes (v- artº 6º do CPTA) que o Tribunal não permita a uma das partes provar os factos que alegara para fundamentar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos – que o terreno não estava integrado na RAN – e depois julgue improcedente tal vício com o argumento de que não havia factos controvertidos por a Administração alegar que de acordo com uma planta à escala 1:25000 o terreno estava enquadrado na RAN ?
2.ª A palavra de uma das partes – a Administração – e a leitura que faz de uma planta à escala de 1:25000 tem um valor superior à palavra e à leitura que a outra parte faz dessa mesma carta ou, pelo contrário, perante as alegações de factos contrários e absolutamente essenciais para a boa decisão da causa por ambas as partes o Tribunal tem de abrir um período de prova destinado a comprovar tais factos à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito?
3.ª Pode ser ordenada a demolição de uma obra licenciada sem que a entidade administrativa competente e sem que o Tribunal alguma vez tenha declarado a nulidade do acto licenciado?”

Estas questões foram abordadas pelo acórdão recorrido. Quanto às duas primeiras, o acórdão recorrido realça que foi dado como provado, no julgamento sobre a matéria de facto que o terreno do Autor estava enquadrado na área de RAN na planta de condicionantes do PDM de Tábua. E que apesar de o Recorrente questionar essa matéria dada como provada (por não se ter o Tribunal deslocado ao local, nem ter sido ouvido qualquer especialista em cartografia, não sendo possível considerar provado apenas com base numa planta à escala 1:25.000), não lhe assistia razão ao imputar erro de julgamento quanto a esse facto.
Isto porque: “Na alínea G) do elenco dos factos provados, o Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria: “G) O prédio do autor identificado em A) encontra-se enquadrado em área de RAN na Planta de Condicionantes do PDM de Tábua (Cfr. fls. 62, 63 65 e 67 do processo físico e Planta de condicionantes constantes do PDM de Tábua, publicado no Diário da República, 1ª Série, B, n.º 20, de 28/10/1994)”.
E da prova documental que consta nos autos, não oferece dúvida que o prédio rústico do Apelante onde foi edificado o muro dos autos está inserido em mancha de RAN, de acordo com o PDM do concelho de Tábua, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/94, de 28 de outubro.
Isso mesmo resulta dos documentos de fls. 62, 63 65 e 67 do processo físico, sendo que, nos termos do artigo 6.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março, que aprovou o regime jurídico da RAN, a escala de 1:25000 na delimitação da RAN é a que permanece em uso, permitindo a referida escala, diversamente do invocado pelo Apelante, identificar, em concreto, o seu prédio rústico, não se podendo confundir, como bem alega o apelado, a representação gráfica para efeitos de publicação. Com a respetiva representação digital, relativamente à qual não existem dúvidas algumas. E nos termos do artigo 11.º do citado diploma legal, sob a epígrafe “identificação das áreas da RAN”, dispõe-se que “As áreas da RAN são obrigatoriamente identificadas a nível municipal nas plantas de condicionantes dos planos especiais e dos planos municipais de ordenamento do território”.
Observe-se que a planta de condicionantes do PDM de Tábua é um documento autêntico e tem força probatória plena, tal como decorrer do disposto nos artigos 363.º, n.º 2 e 371.º, n.º 1, 1ª parte do CC.
Por outro lado, não é despiciendo atentar no facto de ter sido o próprio Apelante quem, em 08/02/2012, apresentou junto da Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional do Centro (ERRANC) o requerimento junto a fls. 9 do PA, a solicitar a legalização do muro em causa nesta ação (cfr. alínea B) dos factos assentes), o que apenas se compreende, por se tratar de muro edificado em prédio rústico integrado em área de RAN. E que conforme provado na alínea D) dos factos assentes, a própria ERRANC, no parecer que emitiu em 22/02/2012, de fls. 12 a 14 do PA, sobre o pedido apresentado pelo autor, afirma que o prédio dos autos está integrado na carta da RAN do PDM do concelho de Tábua, podendo ler-se no mesmo, o seguinte: “(…) O pedido integra-se na carta da RAN do PDM de Tábua. (…)”
Note-se que, previamente à emissão deste parecer, concretamente, a 14/02/2012, a ERRANC fez deslocar ao local do prédio do Apelante, em missão de fiscalização, o seu Técnico Superior … que detetou no prédio em causa muros de vedação construídos em alvenaria nos lados nascente e poente em fase final de construção e muro sul por construir (cfr. alínea K) dos factos assentes, podendo ler-se na informação que elaborou designadamente que: “Após visita de campo e consulta da carta em vigor, na escala 1:25000, do PDM de Tábua, verifica-se que o requerido – construção de muros – se insere em mancha de Reserva Agrícola Nacional (RAN)…”.
Em face do exposto, perante todos os elementos de prova documentais insertos nos autos e a própria atuação do Apelante, nenhuma outra prova era necessária em ordem a demonstrar que o muro em causa cuja legalização foi requerida pela Apelante encontrava-se edificado em solo integrado na RAN.
Quanto à terceira questão – tratada no acórdão como vício de violação de lei – disse-se no mesmo, após apreciação do regime jurídico da RAN, contemplado no DL nº 73/2009, de 31/3 e enquadramento jurisprudencial sobre a matéria aqui em causa, o seguinte: “Voltando ao caso em apreço, não podemos senão deixar de concluir, em face dos factos provados e do enquadramento legal delineado, que o licenciamento do muro construído em alvenaria, localizado a nascente do prédio do Apelante, é nulo. Essa consequência decorre inelutavelmente do disposto no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31/03, uma vez que, a concessão do invocado alvará de obras de construção de muro de vedação n.º 35/2012 viola o disposto no artigo 23.º do referido Decreto-Lei n.º 73/2009, conquanto foi emitido sem o prévio e obrigatório parecer vinculativo da ERRANC.
Nulidade que resulta, conforme se diz no acórdão, quer do regime jurídico da RAN, quer da aplicação do RJUE (art. 68º, alínea c)), pelo que o alvará de licença de construção nº 35/2012 emitido pela Câmara Municipal de Tábua, e invocado pelo Recorrente para legitimar a construção do muro em alvenaria a nascente do seu prédio e em zona de RAN, que foi emitido sem o necessário e obrigatório prévio parecer da ERRANC, é nulo.
E os atos nulos, independentemente de qualquer declaração de nulidade, não produzem efeitos jurídicos. Nos termos do n.º 2 do artigo 162.º do Novo Código de Procedimento Administrativo (NCPA), a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação. (…). Resulta do disposto nestes preceitos, que sobre o Diretor Regional de Agricultura e Pescas do Centro impendia, no caso, o poder-dever de ordenar a reposição da dita utilização não agrícola do prédio do apelante por a mesma ter merecido parecer desfavorável definitivo da ERRANC, a tal não obstando o facto de eventualmente existir um licenciamento concedido ao particular por parte da competente Câmara Municipal, o qual, na falta de parecer prévio favorável, é nulo.
Note-se que o referenciado parecer emitido pela ERRANC foi notificado ao Apelante para efeitos de audiência prévia, em 05/03/2012, não tendo o mesmo dito o que quer que fosse, mantendo-se totalmente silente (vide alíneas E) e F) dos factos provados), não obstante no mesmo se alertar que «na falta de resposta, a presente deliberação torna-se efetiva e eficaz no 1.º dia útil subsequente ao termo do prazo para se pronunciar em sede de audiência prévia” (vide alínea D) dos factos provados.

Como se vê as instâncias coincidiram na apreciação da desnecessidade de produção de prova face aos elementos documentais já existentes nos autos. E, igualmente quanto ao alegado vício de violação de lei.
Ora, os fundamentos aduzidos pelo acórdão recorrido para confirmar a desnecessidade de produção de prova, mormente, face à prova documental – por documento autêntico com força probatória plena – sobre a integração do prédio em questão na área de RAN é inelutável (e verdadeiramente nem o Recorrente a refuta). Assim, pese embora a veste que no recurso se dá às questões 1ª e 2ª, o que está em causa é a matéria de facto dada como assente. E, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o direito, sendo que o (eventual) erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, não pode ser objecto de revista, conforme prescrevem os nºs 2, 3 e 4 do art. 150º do CPTA, pelo que não é admissível revista quanto a estas questões.
Quanto à questão da nulidade do licenciamento da construção, o acórdão recorrido mostra-se bem fundamentado no seu todo e, nomeadamente, quando refere que os actos nulos, independentemente de qualquer declaração de nulidade, não produzem quaisquer efeitos, sendo que já antes dissera de forma consistente e bem fundada que o alvará de licenciamento nº 35/2012 é nulo, face ao disposto nos arts. 23º e 38º do DL nº 73/2009 e art. 68º, alínea c) do RJUE.
Assim, face ao aparente acerto do acórdão recorrido não é necessária a revista para uma melhor aplicação do direito, também não se vendo que as questões em que o Recorrente a funda, tenham especial relevância ou complexidade jurídica superior ao normal para este tipo de problemática, pelo que não se justifica a admissão da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2021. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.