Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0686/12
Data do Acordão:09/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IVA
AUTOLIQUIDAÇÃO
RECLAMAÇÃO NECESSÁRIA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE
NULIDADE
CONTEÚDO ESSENCIAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL
Sumário:I – Nos casos de autoliquidação de IVA, se for apresentada imediatamente impugnação judicial e o seu fundamento não for exclusivamente matéria de direito ou se ela não tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, a petição de impugnação deverá ser liminarmente indeferida, por ser manifesto que a auto-liquidação não é imediata e directamente impugnável, antes carece de reclamação prévia necessária;
II – Se os fundamentos invocados pela impugnante no sentido da inexistência do acto tributário se reconduzem a erro nos pressupostos de facto, tal vício não consubstancia uma ilegalidade grave que tenha como consequência a nulidade.
III – Só será legítimo considerar-se ofendido o conteúdo essencial do direito fundamental dos cidadãos a não pagarem impostos ilegais, consagrado no art. 103º, nº3, da CRP, se, por exemplo, um particular for obrigado a pagar um imposto criado por um órgão absolutamente incompetente para o fazer, com violação da reserva de lei parlamentar.
IV – No caso em apreço, se o IVA em causa foi criado de acordo com as normas constitucionais e a sua liquidação e cobrança seguiu os trâmites prescritos na lei, estando quando muito em causa um eventual erro sobres os pressupostos de facto, não é minimamente posto em causa o direito consagrado no o art. 103º, nº 3, da CRP.
Nº Convencional:JSTA00067781
Nº do Documento:SA2201209190686
Data de Entrada:06/19/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IVA
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Área Temática 2:DIR CONST - DIR FUND
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART2 E ART102 N3 ART131 N1 N2
CPC96 ART684 N3 ART685-A N1
CPTA02 ART89 N1
CPA91 ART133 N1 ART135
CONST76 ART103 N3
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PAG407.
ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS - CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 2ED PAG642.
VIEIRA DE ANDRADE - LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO 2ED PAG177 PAG180.
VIEIRA DE ANDRADE - NULIDADE E ANULABILIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO IN CJA N43 PAG48.
GOMES CANOTILHO E OUTRO - CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA ANOTADA 4ED PAG1092.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A……, Lda., identificada nos autos, deduziu, no Tribunal Tributário de Lisboa, impugnação judicial, tendo por objecto o acto de liquidação de IVA nº. 103920257763, no valor de € 222.433.55, relativo ao 4º trimestre de 2008, que foi indeferida liminarmente, com fundamento na caducidade do direito de impugnação.

2. Inconformada com a sentença, a recorrente veio interpor recurso para este Tribunal, formulando alegações, das quais concluiu nos termos que se seguem:
“1. O presente recurso visa a declaração de nulidade do acto que deu origem à liquidação relativa ao 4T/2008, registada sob o n.° 103920257763.
2. Tal acto de liquidação evidencia factos tributários que não ocorreram, por um lado;
3. e não revela nem evidencia factos tributários que dela deviam constar.
4. Tudo com as necessárias consequências ao nível da determinação da matéria colectável.
5. Por outro lado, houve imposto pago cuja dedução não foi aceite pela Fazenda Pública (declaração de substituição n.° 103920430643).
6. Estamos então perante a ausência de um facto tributário.
7. O facto tributário é elemento essencial da relação jurídica tributária, pelo que a sua inexistência implica a falta de um elemento essencial ao acto tributário, para o qual a lei comina como nulidade.
8. Por outro lado, a inexistência de facto tributário afecta o núcleo essencial de um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, previsto no n.3 do artigo 103 da CRP.
9. Pelo que também por esta razão deve o acto tributário em crise nos presentes autos ser considerado nulo, por se encontrar preenchida a al. d) do n.° 2 do artigo 133.° do Cód. do Processo Administrativo.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, se a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que contemple a pretensão da aqui Recorrente.
Assim se fazendo Justiça!”

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
Não obstante tratar-se de despacho de indeferimento liminar, foi fixada, com relevância para a decisão, a seguinte matéria de facto:
“a) Em 15 de Maio de 2009, a impugnante apresentou, em sede de IVA, “declaração periódica de substituição” relativa ao período 2008/12T, onde apurou um imposto total a favor do Estado no valor de €298.287.04 [documento de fls. 18 dos autos].
b) À declaração referida em a) foi atribuído o n°103920257763 [documento de fls. 18 dos autos].
c) A impugnante não deduziu reclamação graciosa do acto de autoliquidação referido em a) [informação de fls. 2 dos autos].
d) A presente impugnação deu entrada no dia 29 de Julho de 2011 [carimbo aposto na petição inicial a fls. 3 dos autos]”.

2- DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

A……, Lda., deduziu, no Tribunal Tributário de Lisboa, impugnação judicial, tendo por objecto o acto de liquidação de IVA nº. 103920257763, no valor de € 222.433.55, relativo ao 4º trimestre de 2008, alegando que tal acto é nulo, em virtude de inexistir o facto tributário, o que implica a inexistência da relação jurídica tributária, pelo que a sua impugnação judicial não se encontra dependente de qualquer prazo.
Naquele Tribunal foi decidido indeferir liminarmente a impugnação, porquanto, entre o mais:
· “(…) nos presentes autos, verifica-se que a impugnante não deduziu reclamação graciosa do acto de autoliquidação [alínea c) dos factos assentes], sendo certo que a alegada inexistência do facto tributário se reconduz ao erro sobre os pressupostos de facto, o qual não cabe na excepção à regra da reclamação graciosa necessária constante do artigo 131°, n°3 do CPPT;
· “Assim, impõe-se concluir que o acto de autoliquidação é inimpugnável, na medida em que o contribuinte deveria ter apresentado reclamação graciosa do mesmo no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração, o que determina o indeferimento liminar da presente impugnação.
· “(…) a inexistência do facto tributário não constitui vício que determine a nulidade do acto de liquidação, uma vez que se reconduz ao erro sobre os pressupostos de facto, o qual determina a mera anulabilidade do acto [artigo 135º do CPA];
· “Com efeito, como pode ler-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 4/05/2010, Processo n°3916/10, “Não ocorre qualquer nulidade por falta de qualquer elemento essencial do acto de liquidação, consubstanciando a inexistência do facto tributário o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto cuja consequência só é a anulabilidade do acto impugnado e não a sua nulidade”.
· “Concluímos, assim, que a inexistência do facto tributário não determina a nulidade do acto de liquidação, pelo que o prazo de impugnação aplicável é o que resulta do disposto no artigo 102°, n°1 do CPPT.
· “Ora, nos termos do artigo 102°, n°1, alínea a) do CPPT, a impugnação judicial será deduzida no prazo de 90 dias contado do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
· “Assim, tendo presente o disposto nos artigos 26º, n°1 e 41°, n°1, alínea b) do CIVA, impõe-se concluir que foi ultrapassado o prazo de impugnação, na medida em que a declaração de autoliquidação foi apresentada no dia 15 de Maio de 2009 [alínea a) dos factos assentes] e a presente impugnação deu entrada no dia 29 de Julho de 2011 [alínea d) dos factos assentes].
· Pelo exposto, cumpre indeferir liminarmente a presente impugnação judicial.”

Contra este entendimento se insurge a recorrente, argumentando, em síntese, que o acto de liquidação enferma de nulidade porque, entre o mais:
· No caso sub judice não existe facto tributário, sendo que “O facto tributário é elemento essencial da relação jurídica tributária, pelo que a sua inexistência implica a falta de um elemento essencial ao acto tributário, para o qual a lei comina como nulidade;
· “(…), a inexistência de facto tributário afecta o núcleo essencial de um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, previsto no n.3 do artigo 103 da CRP;
· “(…) Pelo que também por esta razão deve o acto tributário em crise nos presentes autos ser considerado nulo, por se encontrar preenchida a al. d) do n.° 2 do artigo 133.° do Cód. do Processo Administrativo”.

Em face das conclusões, que são as relevantes para aferir do objecto e âmbito do presente recurso [cfr. os arts. 684º, nº3, e 685º-A/1, do CPC, e o art. 2º, alínea e), do CPPT], a questão central a decidir prende-se com o problema de saber se a Mmª Juíza “a quo” incorreu em erro de julgamento ao indeferir liminarmente a impugnação judicial, com fundamento em caducidade, por na óptica da recorrente o acto de liquidação enfermar de um vício gerador de nulidade.

2.2. Quanto à invocada nulidade do acto de liquidação

1. Nos termos do artigo 131°, nº1, do CPPT, “Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração”.
Por sua vez, segundo o nº 2 “Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efectuou, contados, respectivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito”.
Atento o disposto na norma legal citada conclui-se que, em regra, a impugnação judicial dos actos de autoliquidação depende de reclamação graciosa, o que encontra fundamento no facto “a administração tributária não ter tido previamente possibilidade de tomar posição sobre a autoliquidação, efectuada pelo contribuinte por sua própria iniciativa”, mostrando-se, nesta medida, necessária a emissão de uma pronúncia da Administração, por não ter tido previamente possibilidade de tomar posição sobre a autoliquidação efectuada pelo contribuinte (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, Anotação ao art. 131º do CPPT, p. 407.).
No caso em apreço, a recorrente não deduziu reclamação graciosa necessária, sendo certo que quando reclamou judicialmente já haviam passado mais de dois anos contados da declaração.
Com efeito, tendo a declaração de autoliquidação sido apresentada no dia 15 de Maio de 2009 e a impugnação em 29 de Julho de 2011, considerou-se tal prazo ultrapassado.
Em face do exposto, como conclui o Ministério Público, no seu douto Parecer, a “PI de impugnação não poderia deixar de ser liminarmente indeferida, por ser manifesto que a autoliquidação não é imediata e directamente impugnável (artigo 89.°/1/ c) do CPTA)” (Nas palavras de JORGE LOPES DE SOUSA, “nos casos de autoliquidação, se for apresentada imediatamente impugnação judicial e o seu fundamento não for exclusivamente matéria de direito ou se ela não tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, a petição de impugnação deverá ser liminarmente indeferida, por ser manifesto que a auto-liquidaçao não é imediata e directamente impugnável [art. 89º, nº1, alínea c) do CPTA]”, ibidem.).
Mas mesmo que não fosse de exigir a reclamação prévia, ainda assim a impugnação teria de se considerar intempestiva.
Como refere o Ministério Público, “[a] regra constante do artigo 131°, n°1 do CPPT é afastada quando o fundamento da impugnação for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, de acordo com o disposto no n° 3 da referida norma legal.
Com efeito, quando a autoliquidação for efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, esta já se pronunciou previamente sobre a questão suscitada, pelo que se mostra desnecessário suscitar a sua intervenção em sede de reclamação graciosa, a qual seria necessariamente indeferida”.
Não é, manifestamente, o caso em análise, uma vez a recorrente alega erro sobre os pressupostos de facto nem a autoliquidação foi efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária.
De qualquer modo, mesmo que assim não se entendesse, sempre a PI de impugnação judicial tinha de ser liminarmente indeferida por manifesta caducidade do direito de impugnar.(…)”.
Na verdade, “(…) como deflui do probatório, a declaração foi apresentada em 15 de Maio de 2009 e a Impugnação judicial foi apresentada em 29 de Julho de 2011, portanto, para além dos mencionados dois anos”.

2. Contra a caducidade da impugnação judicial, alega a recorrente a inexistência de facto tributário que acarreta a nulidade da autoliquidação e, como tal, nos termos do disposto no artigo 102.°, 3, do CPPT, a impugnação judicial poderia ser deduzida a todo o tempo.
Adiante-se desde já que não assiste razão à recorrente.
Vejamos.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 133º do CPA, “São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”.
Os vícios do acto constituem, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (cfr. arts. 133º, nº 1, e 135º do CPA). Optou-se, assim, por um regime misto na previsão dos vícios que conduzem à nulidade do acto administrativo, combinando-se o critério da nulidade por natureza (princípio da cláusula geral), com o da enumeração exemplificativa (nulidade por determinação da lei).
A densificação do conceito da cláusula geral “elementos essenciais” tem dado origem a várias teses entre as quais se destaca os que defendem que “Elementos essenciais, no sentido do nº 1 do art. 133º do Código – cuja falta determina a nulidade do acto administrativo - seriam, pois, todos aqueles que se ligam a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos, além daqueles a que se refere já o seu nº 2” (Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J.PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 642.), devendo apurar-se por paralelismo (entre a qualidade e a quantidade de interesses públicos ou privados envolvidos em cada hipótese) outros casos de nulidade derivada da falta de elementos essenciais.
Qualquer que seja a tese adoptada, a doutrina converge no sentido de que a nulidade só deve ser assacada àqueles vícios especialmente graves e, em princípio, evidentes, em resultado de uma avaliação em concreto em função das características essenciais de cada tipo de acto. Nesta perspectiva, para alguma doutrina o critério adequado seria o da gravidade do vício complementado com uma ideia de evidência.
Nesta perspectiva, nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE (Cfr. Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Coimbra, 2011, p. 177.), “(…) os elementos essenciais no artigo 133º/1 do CPA são os indispensáveis para que se constitua qualquer acto administrativo, incluindo os que caracterizam cada espécie concreta. Não pode valer, pois, como acto administrativo, uma decisão sem autor, sem destinatário, sem fim público, sem conteúdo, sem forma, ou com vícios graves equiparáveis a tais carências absolutas, em função do tipo de acto administrativo”.
E, mais adiante, o mesmo Autor pondera que “a nulidade haverá sempre de reportar-se a um desvalor da actividade administrativa com o qual o princípio da legalidade não pode conviver, mesmo em nome da segurança e da estabilidade, como acontece no regime-regra da anulabilidade.
Assim, por exemplo, será nulo um acto que contenha uma ilegalidade tão grave que ponha em causa os fundamentos do sistema jurídico, não sendo, em princípio, aceitável que produz efeitos jurídicos, muito menos feitos jurídico estabilizados.”
Aplicando o exposto ao caso em análise, verifica-se que a recorrente alega que o acto de liquidação “evidencia factos tributários que não ocorreram”, por um lado, e, por outro lado, “não revela nem evidencia factos tributários que dela deviam constar”, com consequências “ao nível da determinação da matéria colectável”.
Assim sendo, no fundo do que se tratar é de eventual erro no apuramento do imposto liquidado, alegando a recorrente inclusivamente que terá havido “imposto pago cuja dedução não foi aceite pela Fazenda Pública.”
Por conseguinte, os fundamentos invocados pela impugnante no sentido da ausência ou inexistência de facto tributário reconduzem-se ao erro nos pressupostos de facto, erro este que consubstancia uma ilegalidade, que não é considerada grave em termos de poder ter como consequência a nulidade do acto de liquidação.
Pelo contrário, como bem salienta a Mmª Juíza “a quo” o vício de violação de lei por erro nos pressupostos é gerador de mera anulabilidade - art°133°e 135°, do CPA, conclusão corroborada no douto Parecer do Ministério Público.
No mesmo sentido, VIEIRA DE ANDRADE (Cfr. ob. cit., p. 180. Para o Autor, a falta de base legal não pode ser mera causa de anulabilidade, “pois que não ofende apenas o princípio geral da legalidade, mas o princípio reforçado da legalidade tributária, associado ao direito de propriedade”, cfr. “Nulidade e anulabilidade do acto administrativo”, Anotação ao Acórdão do STA de 30/5/2001, p, 22 251, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 43, 2004, p. 48.) considera que normalmente os vícios relativos aos pressupostos, no caso, ao pressuposto de facto (a situação concreta invocada não existe – “erro de facto”, conduzem à anulabilidade. Para o Autor, os vícios relativos aos pressupostos só provocariam a nulidade em casos especialmente graves, como sejam quando “a falta de base legal se equipara à falta de atribuições”, o que não é manifestamente o caso.
Alega ainda a recorrente que “a inexistência do facto tributário, afecta o núcleo essencial de um direito fundamental”, que no entender da recorrente será o direito previsto no artigo 103.°/3 da CRP, pelo que também por aqui deve o acto tributário ser considerado nulo com fundamento na alínea d) do nº 2 do art. 133º do CPA.
Em anotação ao art. 103º, nº 3, da CRP, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (Cfr. Constituição da República Portuguesa, Anotada, 4ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anotação ao art. 103º da CRP, p. 1092.) ponderam que este preceito “estabelece uma espécie de direito de resistência à imposição de exacções fiscais inconstitucionais ou ilegais”, mas acrescentam que é “problemática a articulação deste direito dos cidadãos com as regras da administração fiscal (nomeadamente com o privilégio da execução prévia, inerente ao sistema de administração executiva).
Por sua vez, para VIEIRA DE ANDRADE (Cfr. “Nulidade e anulabilidade”, cit. p. 47.), “resulta da disposição constitucional citada um direito fundamental dos cidadãos a não pagarem impostos ilegais, um direito “fora do catálogo”, mas que a generalidade da doutrina reconhece e considera análogo aos direitos, liberdades e garantias”.
Ainda segundo o mesmo autor, será legítimo entender-se que é ofendido o conteúdo essencial desse direito numa situação, por exemplo, em que se pretenda obrigar o particular a pagar um imposto criado por um órgão absolutamente incompetente para o fazer, com violação da reserva parlamentar, entidade constitucionalmente competente para criar a obrigação e determinar o pagamento.
Na situação em apreço, considerando que o IVA em causa foi criado de acordo com as normas constitucionais e a sua liquidação e cobrança seguiu os trâmites prescritos na lei, estando quando muito em causa um eventual erro sobres os pressupostos de facto, não é minimamente posto o direito consagrado no o art. 103º, nº 3, da CRP.
Improcede, pois, a argumentação da recorrente no sentido da nulidade do acto de liquidação, devendo ser confirmado o indeferimento liminar.

III- DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho de indeferimento liminar.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de Setembro de 2012. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.