Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0449/10.0BESNT 0236/18
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:TAXA DE UTILIZAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário:I - O prazo prescrição da dívida decorrente de taxa de utilização do espectro radioeléctrico, que tem natureza tributária, é de 8 anos nos termos do disposto no artigo 48.°/1 da LGT e não o prazo geral de 20 anos estatuído no artigo 309.°/1 do CC aplicável às dívidas de natureza não tributária.
II - Existindo normas específicas que regulam, in totum, os prazos de prescrição e respetivos factos interruptivos e suspensivos, não tem fundamento legal a aplicação supletiva dos normativos gerais dos artigos 311.°/1 e 321.°/1 do Código Civil, que regulam o prazo de prescrição dos direitos reconhecidos em sentença ou título executivo e a suspensão da prescrição por motivo de força maior ou dolo do obrigado.
Nº Convencional:JSTA000P24314
Nº do Documento:SA2201903130449/10
Data de Entrada:03/07/2018
Recorrente:ICP - AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES (ICP - ANACOM)
Recorrido 1:A..........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a ANACOM-AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES, recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra exarada a fls. 513/517, a qual julgou procedente oposição judicial deduzida contra execução fiscal em que se visa a cobrança coerciva de dívida relativa a TAXA DE UTILIZAÇÃO DO ESPETRO RADIOELÉTRICO, no entendimento de que a dívida exequenda se mostra extinta por prescrição.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.ª Segundo a sentença recorrida, «[ ... ] não há que buscar no direito civil causas de suspensão ou interrupção da prescrição não especialmente previstas nas leis tributárias. É que, se o legislador tributário entendeu prever factos especiais a que atribui efeito suspensivo (ou interruptivo), é a esses, apenas, que haverá que reconhecer tal efeito (... )»:

2.ª Mas, se se aplicassem aos créditos da Exequente os prazos de prescrição estabelecidos no artigo 48.º, n.º 1, da LGT, desconsiderando outras regras e princípios gerais de direito, a medida de recuperação da Recorrida, homologada judicialmente, seria inexequível, uma vez que os créditos da Recorrida estariam prescritos antes mesmo do termo da moratória que foi concedida à Recorrida;

3.ª É ilógico, insustentável e injusto que um credor, qualquer que seja, possa ver extintos os seus créditos quando esteja legalmente impedido de os exigir;

4.ª A sentença recorrida consagra uma solução que discrimina negativamente e de forma infundada o credor tributário face aos demais, impedido aquele de invocar princípios gerais de direito de que estes podem beneficiar;

5.ª O entendimento vertido na sentença recorrida não é aceitável nem defensável face aos princípios da justiça e da boa-fé, os quais, pese embora aflorem no direito civil, são transversais a todo o sistema legal e enformam os diversos ramos do direito, incluindo o direito tributário;

6.ª Conforme lavrou o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 05/15/2012, proferido no processo n.º 01225/12, «[d]eriva de um princípio geral, acolhido no art. 321º, nº 1, do Código Civil, que "A prescrição suspende-se durante o período de tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito". E este princípio, que é um corolário do princípio geral da boa-fé, princípio basilar da ordem jurídica, igualmente válido no direito tributário, encontra a sua razão de ser na natureza do instituto da prescrição. [...] Assim sendo, se em situações como a dos autos, em que um credor, em homenagem aos interesses da insolvência, é colocado numa situação em que é obrigado a abrir mão dos processos de execução fiscal, ainda assim corresse contra ele o prazo de prescrição, teríamos uma solução contrária aos mais elementares princípios da justiça e da boa-fé»;

7.ª As causas de suspensão da prescrição protegem o credor tributário da impossibilidade de execução da dívida nos casos de suspensão legal da execução fiscal;

8.ª Estando a Administração Tributária impedida ou impossibilitada de proceder a cobrança do tributo em determinados períodos, os mesmos não devem relevar para efeitos de contagem do prazo de prescrição, sob pena de conceder um benefício injustificado ao sujeito passivo, já que o prazo útil, em que a ANACOM poderia efetivamente cobrar a dívida, seria substancialmente reduzido em relação ao que a lei prevê;

9.ª Os princípios gerais de direito, conforme afloram no direito civil, são aplicáveis em sede de processo tributário à prescrição das dívidas tributárias, de tal modo que, quando um credor, em homenagem aos interesses da insolvência, é colocado numa situação em que é obrigado a abrir mão dos processos de execução fiscal, não pode correr contra ele o prazo de prescrição, sob pena violação dos mais elementares princípios da justiça e da boa-fé;

10º É aplicável à prescrição das dívidas tributárias o princípio geral de direito que aflora no n.º 1 do artigo 321.º do CC, segundo o qual «[a] prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito»;

11º É aplicável à prescrição das dívidas tributárias o princípio geral de direito que aflora no n.º 1 do artigo 311.º do CC, segundo qual «[o] direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo»;

12º A Recorrida não pode invocar a prescrição da dívida exequenda, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, incorrendo em abuso de direito (venire contra factum proprium), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do CC.

13º Nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, conjugado com o artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 303/2007, e na procedência do presente recurso, deverá o Tribunal ad quem conhecer as demais questões suscitadas pelas partes e substituir-se ao Tribunal recorrido na decisão da causa.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. que se pede e espera, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que
(i) declare que os princípios gerais de direito, conforme afloram no direito civil, são aplicáveis em sede de processo tributário à prescrição das dívidas tributárias, de tal modo que, quando um credor, em homenagem aos interesses da insolvência, é colocado numa situação em que é obrigado a abrir mão dos processos de execução fiscal, não pode correr contra ele o prazo de prescrição, sob pena violação dos mais elementares princípios da justiça e da boa-fé e
(ii) reconheça que a dívida exequenda não se encontra prescrita, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

2 A recorrida A……… independente apresentou contra-alegações, em que pediu a ampliação do âmbito do recurso e rematou com as seguintes conclusões:
«I. Através de sentença proferida em 13 de novembro de 2017, o douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou totalmente procedente a Oposição Judicial deduzida pela ora Recorrida contra o processo de execução fiscal n.º 3654200901059173, instaurado para cobrança coerciva da fatura nº 970121459, relativa a taxas de utilização de emissores de radiodifusão televisiva relativas ao 1º semestre de 1997, emitida pela ANACOM, ora Recorrente, no valor de € 169.456,36, com fundamento em prescrição da dívida exequenda;

II. Inconformada com aquela douta Sentença, a Recorrente interpôs recurso, per saltum, para o Supremo Tribunal Administrativo, invocando, para sustentar o seu entendimento, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 5 de fevereiro de 2012, no âmbito do processo nº 1225/12;

III. Acontece, porém, que, ao proceder-se à análise do acórdão fundamento, proferido no processo nº 1225/12, em 5 de dezembro de 2012, verifica-se, desde logo, que em causa está: i) uma situação de reversão de dívidas e, bem assim, que, ii) a questão central do Acórdão fundamento prende-se com a aplicação do artigo 100.° do CIRE, o que, desde logo, demonstra a fragilidade das suas alegações de recurso;

IV. Acresce que, analisadas as alegações de recurso da Recorrente verifica-se que esta sustenta, em síntese, que embora a dívida proveniente de taxas de utilização de emissores de radiodifusão televisiva tenha a natureza de uma dívida tributária - questão não controvertida nos presentes autos -, o facto de a ora Recorrida ter ficado abrangida por um processo de recuperação de empresas deve ter efeitos mais abrangentes no prazo de prescrição que não somente aquele consagrado na conjugação dos artigos 29.°, n.º 2, e artigo 103.°, n.º 2, ambos da CPEREF;

V. Com efeito, sustenta a Recorrente nas suas alegações de recurso que a pendência daquele processo de recuperação legitima a derrogação do regime das causas interruptivas e suspensivas do prazo de prescrição taxativamente previstas no artigo 49.° da LGT para as dívidas tributárias, permitindo o recurso ao disposto nos artigos 311.° e 321.° do CC, ou seja, às causas suspensivas e interruptivas da prescrição previstas no CC;

VI. A ora Recorrente vai ainda mais longe ao sustentar que a pendência daquele processo de recuperação legitima a derrogação do disposto no artigo 48.°, n.º 1, da LGT, que consagra o prazo de prescrição das dívidas tributárias de 8 anos a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos, prazo geral de prescrição previsto no artigo 309.° do CC;

VII. Desde logo, importa relembrar que em causa nos autos está a fatura n.º 970121459, emitida pelo então designado Instituto das Comunicações de Portugal, com data de 3 de fevereiro de 1997, referente ao 1º semestre do ano de 1997, o que significa que à data da citação da ora Recorrida para o processo de execução fiscal, em 2009, já estavam decorridos 13 anos desde o período tributário relevante;

VIII. Ora, uma vez que a dívida exequenda respeita ao 1.° semestre de 1997, o prazo prescricional de 10 anos que à data estava previsto no CPT começava a correr em 1 de janeiro de 1997 e terminava, hipoteticamente, em 1 de janeiro de 2007 (cfr. artigo 34.°, n.º 2 do CPT);

IX. Já o novo prazo prescricional introduzido pela LGT só podia começar a correr em 1 de janeiro de 1999, data de entrada em vigor do diploma, e terminaria em 1 de janeiro de 2007. Logo, por força do regime transitório o prazo da prescrição a aplicar in casu é o da LGT;

X. Ora, uma vez que entre o 1.° semestre de 1997 e agosto de 2009, quando ocorreu a citação, a ora Recorrida não praticou qualquer ato tendente à cobrança coerciva da dívida exequenda, não restam quaisquer dúvidas de que à data da citação a dívida estava prescrita, sendo que não existe fundamento para recurso a causas interruptivas e suspensivas não previstas na LGT, nem para extensão do prazo de prescrição para 20 anos;

XI. Com efeito, a dívida exequenda é constituída por taxas que revestem a natureza de tributos públicos (cfr. artigos 3.º, n.º 2 e 4.°, n.º 2 da LGT), sendo que as relações jurídico-tributárias, como aquelas que se estabelecem entre os sujeitos ativo e passivo de uma taxa, eram reguladas pelo CPT e, desde a sua revogação, pela LGT, nomeadamente, pelo artigo 48.° nº 1, da LGT que fixa o prazo de prescrição de dívidas de natureza tributária em 8 anos e pelo artigo 49º que consagra, taxativamente, as causas interruptivas e suspensivas do prazo de prescrição;

XII. Uma vez que o instituto da prescrição se destina a conferir um maior grau de estabilidade e certeza nas relações jurídico-tributárias pela penalização da inércia do credor, está entre as garantias dos contribuintes a que se refere o nº 2 do artigo 103.° da CRP e, nessa medida, obedece aos princípios da legalidade tributária, nas suas aceções de reserva de lei formal da Assembleia da República e tipicidade (cfr. artigo 8º, n.ºs 1 e 2, al. a) da LGT) - (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 23 de novembro de 2016, no processo nº 01121/16);

XIII. O que significa que a douta Sentença recorrida limitou-se a aplicar a lei, concluindo, e bem, que as dívidas de natureza tributária prescrevem no prazo de oito anos (cf. artigo 48.°, n.º 1, da LGT) e que as causas suspensivas e interruptivas daquele prazo são, apenas, aquelas que se encontram, expressamente, consagradas no artigo 48.° LGT, não podendo, pois, recorrer-se as outras causas interruptivas e suspensivas do prazo de prescrição previstas no CC.

XIV. Não pode também aceitar-se que a Recorrente possa beneficiar das regras próprias do processo de recuperação, que são dirigidas em exclusivo aos credores colocados numa situação especial e que intervêm no mesmo, para ocultar a sua total ausência de participação naquele processo e tentar justificar a circunstância de não ter cobrado a dívida por qualquer meio durante aproximadamente de 13 anos;

XV. Ou seja, não pode a Recorrente beneficiar do regime do processo de recuperação, quando não teve qualquer intervenção naquele processo, o que significa que também este argumento não contende com a conclusão de que o prazo prescricional não ficou suspenso por força dos autos de recuperação de empresa;

XVI. Relativamente ao segundo aspeto alegado pela ora Recorrente, que se prende com a aplicação do prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no CC em detrimento do prazo estipulado na LGT para as dívidas fiscais não pode ser aceite porque quer o anterior CPT, quer atualmente a LGT, constituem legislação especial face ao CC;

XVII. Ora, se a LGT é uma lei especial, que regula as relações jurídico-tributárias é evidente que o legislador ao fazer apelo a "lei especial" certamente não se reportava ao prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309.° do CC;

XVIII. É, pois, evidente que o entendimento da Recorrente não pode ser aceite porque estaríamos a desconsiderar o prazo especial de prescrição de dívidas tributárias, fixado em 8 anos, o qual, como reconhece o Supremo Tribunal Administrativo prevalece sobre o prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.° do CC (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 15 de fevereiro de 2006, no processo nº 01049/05);

XIX. Ora, na situação em apreço não é questionável - mesmo pela Recorrente - que as taxas de utilização de emissores de radiodifusão televisiva relativas ao 2.° semestre de 1993 têm natureza tributária, pelo que estão sujeitas ao prazo de prescrição de 8 anos previsto no artigo 48.°, n.º 1, da LGT e não ao prazo geral de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.°, n.º 1, do CC. (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 23 de novembro de 2016, no processo n.º 01121/16);

XX. Como bem sublinha o douto Supremo Tribunal Administrativo não se pode comparar a posição de credor que, no âmbito das relações jurídico-privadas recorre aos tribunais para obtenção de um título executivo e depois poderá ter que recorrer a uma ação executiva com a situação em apreço em que o credor extrai uma certidão de dívida, podendo cobrar coercivamente a sua dívida;

XXI. O legislador entendeu que as dívidas tributárias deveriam ficar sujeitas a um prazo de prescrição especial, de oitos anos, o qual encontra plena justificação no princípio da segurança jurídica

XXII. Sendo que este prazo assume natureza especial relativamente ao prazo geral de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.° do CC;

XXIII. Do mesmo modo, também não restam quaisquer dúvidas de que o nº 1 do artigo 311.° do CC não ter qualquer aplicabilidade no âmbito do direito tributário, nem conduz a um prolongamento automático do prazo prescricional em virtude da mera existência de um processo de recuperação de empresa;

XXV. Com efeito, não existe norma no ordenamento jurídico-tributário que confira a uma sentença ou a um título executivo o efeito de dilatar o prazo de prescrição de 8 para 20 anos;

XXV. O que aquele dispositivo legal possibilita é que um determinado direito, excecionalmente sujeito a um prazo de prescrição mais curto que o ordinário, beneficie do prazo de prescrição ordinário de 20 anos depois de ser reconhecido por sentença transitada em julgado ou por título executivo;

XXVI. No caso concreto, para além de o referido dispositivo legal não se aplicar no âmbito das relações jurídico-tributárias, a situação sub judice não tem qualquer similitude com aquela que está subjacente àquele preceito, o que fica evidenciado pelo facto de ser a própria Recorrente a assumir, na sua douta contestação, que não teve qualquer intervenção no processo de recuperação (não figura nas listas de credores - provisória e definitiva - nem o seu nome consta das atas das assembleias de credores);

XXVII. Deverá, pois, concluir-se que a partir de fevereiro de 1997, quando a fatura foi emitida, a ora Recorrente não encetou qualquer diligência tendente à cobrança coerciva da dívida, o que só fez em meados de 2009, decorridos mais de 16 anos do nascimento da obrigação, ou seja, (muito) depois de completado o prazo de prescrição de 8 anos consagrado no artigo 48.°, nº 1 da LGT, pelo que não merece qualquer reparo a douta Sentença recorrida ao considerar que foi demonstrada nos autos a prescrição da dívida exequenda, fundamento de Oposição Judicial à Execução Fiscal previsto no artigo 204.°, n.º 1, alínea d), do CPPT;

XXVIII. Não obstante a douta Sentença ter julgado totalmente procedente a Oposição Judicial à Execução Fiscal com fundamento em prescrição não conheceu os demais fundamentos em que assentou a Oposição Judicial, pelo que prevenindo a necessidade da sua apreciação, a ora Recorrida requer, a coberto do disposto no 665.°, n.º 2, do CPC, aplicado ex vi artigos 2.°, alínea e) e 281.°, ambos do CPPT e 2.°, alínea d), da LOT, e prevenindo a necessidade da sua apreciação, e se tal se mostrar necessário, a apreciação dos fundamentos relativos i) à ilegalidade abstrata e ii) errada quantificação da quantia exequenda, os quais não foram apreciados em primeira instância;

XXIX. Conforme também referido na petição inicial de Oposição Judicial à Execução Fiscal, à data dos factos em causa nos autos, vigorava a Lei n.º 88/89, de 11 de Setembro (Lei de Bases do Estabelecimento, Gestão e Exploração das Infraestruturas e Serviços de Telecomunicações), que, consoante a natureza dos utilizadores, classificava as telecomunicações em públicas e privativas, incluindo-se nas primeiras as telecomunicações de uso público e de teledifusão (cfr. artigo 2.º, nº 1 );

XXX. Em linha com a Lei n.º 88/89, o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 147/87 estipulava que estavam sob a tutela do Governo todas as atividades em matéria de administração, de gestão e de fiscalização das radiocomunicações, nomeadamente, a atribuição e consignação do espectro radioelétrico para fins de radiocomunicações, bem como a fixação e a fiscalização das condições de utilização (al, a) e a fixação das taxas de licenciamento e de utilização de meios de comunicação radioelétrica civis (al. c);

XXXI, No período que ora releva, o 1.º semestre de 1997, as taxas em apreço constavam da Portaria n.º 772-A/96, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 1997, emitida ao abrigo dos citados n.1 do artigo 9.° do Decreto-Lei n.º 207/92 e nº 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei nº 338/88;

XXXII. Ora, conforme demonstrado nos autos, a ora Recorrida é um operador televisivo licenciado para a exploração do 4.° canal, encontrando-se a sua atividade inserida nas telecomunicações públicas de difusão (ou simplesmente teledifusão) (cfr. artigos 2.°, nº 3 e 3º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 401/90, de 20 de Dezembro);

XXXIII. Nos termos autorizados pelo artigo 3.°, n.º 2 do citado Decreto-Lei nº 401/90, a Recorrida optou pela titularidade de meios próprios para o transporte e difusão do seu sinal de televisão para todo o território nacional;

XXXIV. O facto de tais meios próprios - leia-se: a rede - transportar unicamente, e por imposição legal, o sinal televisivo da ora Recorrida, ao contrário do que sucedia com a rede da TDP, levou a Exequente ora Recorrente a considerar - indevidamente e à margem da lei - que tal atividade revestia a natureza de radiocomunicação privativa;

XXXV. No entanto, na perspetiva técnica ou tecnológica e também na ética dos encargos de fiscalização da Recorrente, esta sim relevante nos termos legais, a rede da Recorrida não apresentava, por comparação à rede da TDP, qualquer diferença adicional que justificasse uma tributação mais elevada;

XXXVI. Como decorre da prova testemunhal produzida nos autos, "tecnologicamente" as redes da Recorrida e da TDP eram "idênticas", sendo a "única diferença" que a rede da TDP tinha maior capacidade por ser mais larga, já que transportava os sinais da ...... e da ….;

XXXVII. Ficou, pois, evidenciado que as características físicas e técnicas das infraestruturas em questão não apresentavam diferenças que pudessem fundamentar o agravamento da tributação incidente sobre uma delas, tributação que, como impunha o nº 2 do artigo 27.° do Decreto-Lei n.º 147/87, tinha de ter como referencial os "encargos da fiscalização radioelétrica correspondente" e não outro qualquer critério;

XXXVIII. Não foi minimamente demonstrado, pelo contrário, que a natureza própria dos meios utilizados pela ora Recorrida para transportar e difundir o seu sinal televisivo gerava encargos de fiscalização adicionais por comparação com os encargos de fiscalização gerados pela rede da TOP;

XXXIX. No entanto, a tributação incidente sobre a TOP em matéria de ocupação do domínio público radioelétrico era inferior, pelo que não restam quaisquer dúvidas de que a Portaria que serve de base à cobrança da dívida exequenda está ferida de ilegalidade;

XL. No entanto, ainda que se admita que a cobrança coerciva é legal - no que não se concede -, nunca poderia abranger a totalidade da dívida, mas uma parte dela, uma vez que correu, junto do Tribunal de Círculo e da Comarca de Oeiras, um processo de recuperação de empresa requerido pela ora Recorrida, em virtude das dificuldades financeiras que enfrentou em meados da década de 90, no âmbito do qual foi apresentada, por alguns dos seus credores, uma proposta de recuperação que, relativamente aos créditos comuns desta previa o pagamento de 30% do capital e dos juros vencidos até 30 de junho de 1997 uma única prestação ao fim de 10 anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão de homologação da deliberação que aprovar esta proposta, incluindo perdão dos juros vencidos posteriormente a 30 de junho e dos juros vincendos, bem como a sujeição da redução de créditos e da moratória à cláusula «salvo regresso de melhor fortuna»;

XLI. Uma vez que a Recorrente, nas relações como a A…., ora Recorrida, sempre reconheceu a plena aplicabilidade daquele plano de recuperação aos créditos que detinha sobre esta última, pelo que mesmo que se admita que a cobrança do seu crédito é legal - o que não se concede - deverá o montante ser reduzido a 30% do capital e dos juros vencidos até à data limite de 30/06/1997.

TERMOS EM QUE NÃO DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA DEVE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER MANTIDA. DEVENDO SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE JULGUE TOTALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO.

MAIS SE REQUER A V.s EXCELÊNCIAS, A COBERTO DO DISPOSTO NO 665º, N.º 2, DO CPC, APLICADO EX VI ARTIGO 2.º, ALÍNEA E) E ARTIGO 281º, AMBOS DO CPPT E 2.º, ALÍNEA D), DA LGT, E PREVENINDO A NECESSIDADE DA SUA APRECIAÇÃO, E SE TAL SE MOSTRAR NECESSÁRIO, A APRECIAÇÃO DA ILEGALIDADE ABSTRATA E DA ERRADA QUANTIFICAÇÃO DA QUANTIA EXEQUENDA, FUNDAMENTOS NÃO APRECIADOS EM PRIMEIRA INSTÂNCIA.»

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer no sentido do não provimento do recurso, pronunciando-se no sentido de que o regime dos arts. 311º, nº 1 e 321º do Código Civil não se aplica ao regime da prescrição das dívidas tributárias e que a dívida em causa nos autos se encontra extinta por prescrição desde 22.06.2007.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – A decisão sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:

«A. A 03.02.1997 foi pelo Instituto das Comunicações de Portugal emitida a factura n.º 970121459, em nome da Oponente, para pagamento da quantia de 33.972.950$00, referente a taxas de utilização do espectro radioeléctrico (feixes hertzianos bidireccionais e emissores de radiodifusão televisiva) relativas ao 1º semestre de 1997 [cf. fls. 23 a 27 dos autos].

B. A 17.02.1997 foi a factura identificada no ponto anterior recebida pela Oponente [cf fls. 23 a 27 dos autos].

C. Por carta datada de 03.03.1997, da autoria da Oponente dirigida à Entidade Exequente, foi remetido o cheque n.º 1450604471 sobre o B………., no valor de 667.060$00$00, para pagamento parcial do valor identificado em A) supra [cf, fls. 217 e 218 dos autos].

D. Por carta datada de 21.04.1997, da autoria da Entidade Exequente dirigida à Oponente, foi devolvido o cheque n.º 1450604471 sobre o B………, por não corresponder ao montante em dívida na factura identificada em A) supra [cf. fls. 219 dos autos].

E. A 22.07.1997 foi pela Oponente apresentada Impugnação Judicial contra as liquidações identificadas em A) supra [cf. fls. 28 a 65 dos autos, e carimbo a fls. 1 dos autos do processo de impugnação n.º 6/98 em apenso].

F. A 16.01.1998 foram os autos de impugnação identificados no ponto anterior remetidos pelo ICP-Anacom para o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa [cf. fls. 89 autos do processo de impugnação n.º 6/98 em apenso].

G. A 19.01.1998 foram os autos de impugnação identificados no ponto anterior recebidos no Tribunal Tributário de 1-ª Instância de Lisboa, sob o n.º 6/98, e em 30.01.1998 foi proferido despacho de admissão liminar e notificação da Fazenda Pública para responder [cf. fIs. 90 autos do processo de impugnação 11.° 6/98 em apenso].
H. A 04.02.1998, no processo n.º 6/98 foi notificado o Representante da Fazenda Pública e a 02.03.1998 foi notificado o Mandatário da A….. da admissão liminar da petição identificada em C) supra [cf. fls. 90 vv. e 91 dos autos do processo de impugnação n.º 6/98 em apenso].

I. O processo judicial identificado no ponto anterior foi concluso ao juiz em 20.03.1998, e cobrado em 03.04.2000, para junção de documentos apresentados pela A…… [cf. fls. 93 dos autos do processo de impugnação n.º 6/98 em apenso].

J. A 03.07.1997 foi pela Oponente apresentado junto do Tribunal de Círculo e da Comarca de Oeiras, petição para despoletar processo de recuperação de empresa que correu termos com o n.º 892/97, pelo 2.° Juízo Cível do Tribunal de Círculo e da Comarca de Lisboa [cf. certidão do processo n.º 892/97, a fls. 318 a 425 dos autos].

K. A 27.10.1997 determinado, em sede do processo identificado no ponto anterior, o
prosseguimento da acção como processo de recuperação de empresa [cf. certidão do processo n.º 892/97, a fls. 280 a 285 dos autos].

L. Por sentença de 04.06.1998, transitada em julgado em 22.06.1998 foi homologada a proposta de gestão controlada aprovada pelos credores, por um ano, em sede do processo de recuperação de empresa identificado em G) supra [cf. certidão do processo n.º 892/97, a fls. 211,315 a 317, e 318 dos autos]

M. Por sentença de 25.06.1999, transitada em julgado em 19.07.1999, foi declarada extinta a instância por ter decorrido um ano de gestão controlada aprovada pelos credores, em sede do processo de recuperação de empresa identificado em J) supra [cf. certidão do processo n.º 892/97, a fls. 280 e 315 dos autos]

N. Por carta datada de 23.02.1999, da Oponente foi remetido à Entidade Exequente comunicação, da qual consta nomeadamente o seguinte:

"( ... ) Desse Plano faz parte uma medida de recuperação com incidência sobre o passivo, de acordo com a qual os créditos comuns anteriores a 30/06/97 não convertidos em capital, aí se incluindo o crédito de que é titular V. empresa, serão pagos numa única prestação no prazo de 10 anos a contar da data do trânsito em julgado da homologação da citada medida (04/06/08) pelo montante de 30% no caso - que já se verificou, de os accionistas, no exercício do seu direito de preferência, não subscreverem um mínimo de 12 milhões de acções no aumento de capital que também foi deliberado no âmbito do Plano de Gestão Controlada. ( .. .)" [cf. fls. 211 a 213 dos autos].

O. A 30.07.2009 foi instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras 2, o processo de execução fiscal n.º 3654200901059173, com base em certidão de dívida n.º 0012M/2009, no valor de €169.456,36, emitida pela ANACOM - Autoridade Nacional de Comunicações, por falta de pagamento da factura n.º Fl021459, de 03.02.1997, identificada em A) supra [cf. fls. 111 a 113 dos autos].

P. A 11.08.2009 foi a Oponente citada em sede do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior [cf. fls. 114 dos autos].

Q. A 08.09.2009 foi pela Oponente apresentada a petição inicial que deu origem aos presentes autos [cf. informação oficial a fls. 108 dos autos).

R. A 07.10.2009 foi entregue no Serviço de Finanças de Oeiras 2 a garantia bancária n.º 125-02-1596612, de 01.10.2009, emitida pelo ……….. [cf. fls. 118 dos autos). »

6. Do objecto do recurso

As questões a decidir reconduzem-se a saber:
1) Da admissibilidade do pedido de ampliação do objecto do recurso;
2) Da prescrição da dívida exequenda.

6.1 Da admissibilidade do pedido de ampliação do objecto do recurso
A possibilidade de ampliação do objecto do recurso, prevista no art.º 636º, n.º 1, do CPC, visa permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos (fundamentos) que foram por si invocados na acção (e julgados improcedentes) - (cf. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1ª secção de 12.04.2007, recurso 1207/06, e de 23.9.99, recurso 41187, e acórdão STJ de 17.6.99 no recurso 98B1051, entre muitos outros).
Assim, tendo sido julgado procedente o recurso, o pedido de ampliação do objecto do recurso deve restringir-se à apreciação dos demais fundamentos que foram invocados pela recorrida na oposição e que foram julgados improcedentes.
No caso vertente a recorrida apresentou oposição à execução fiscal invocando uma série de fundamentos, a saber, a prescrição da dívida exequenda, a ilegalidade abstracta, por violação dos princípios de legais da tipicidade e da imparcialidade e inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e a errada quantificação da quantia exequenda, em virtude de ser aplicável a decisão proferida em sede de processo de recuperação de empresa, devendo o montante ser reduzido a 30% do capital e dos juros vencidos até à data limite de 30.06.1997.
A decisão recorrida, porém, julgou procedente a oposição apenas com fundamento na prescrição e considerou prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados, deles não tomando conhecimento.
Como assim, caso o recurso seja julgado procedente, e atento o disposto no art.º 679º do Código de Processo Civil, não pode este tribunal de recurso conhecer dos fundamentos não apreciados pelo tribunal recorrido, sob pena de proceder ao conhecimento em primeira instância, privando as partes do seu direito ao recurso das decisões judiciais que afectem os seus interesses.
Ademais o artigo 679.° do Código de Processo Civil, exclui a aplicação remissiva de todo o preceituado no artº 665.° do mesmo diploma legal, incluindo o seu nº 2 (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, ed-Almedina, pag. 341).
Não se admite, pois, pelos indicados fundamentos a requerida ampliação do objecto do recurso.

6.2 Da prescrição da dívida exequenda

Nos presentes autos está em causa uma oposição deduzida pela ora Recorrida contra o processo de execução fiscal n.º 3654200901059173, instaurado para cobrança coerciva da factura nº 970121459, relativa a taxas de utilização de emissores de radiodifusão televisiva relativas ao 1º semestre de 1997, emitida pela ANACOM, ora Recorrente, no valor de € 169.456,36.
A sentença recorrida julgou procedente a invocada prescrição da dívida exequenda, procedendo a uma correcta identificação da lei aplicável que interpretou também adequadamente, com base na seguinte fundamentação:
«Constitui quantia exequenda do processo de execução fiscal em apreço dívidas referentes a taxas de utilização do espectro radioeléctrico (feixes hertzianos bidireccionais e emissores de radiodifusão televisiva), ao qual se aplica o prazo de prescrição constante no artigo 34.º do Código de Processo Tributário (CPT), de 10 anos (n.º 1), com início a 1 de Janeiro de 1998 (n.º 2).
Nos termos do artigo 34.°, n.º 3 do CPT constitui facto interruptivo da prescrição a instauração do processo de impugnação judicial, razão pela qual em 22.07.1997, resultaria a interrupção do prazo de prescrição [cf. al. E) dos factos assentes].

A 1 de Janeiro de 1999, entrou em vigor do regime previsto da Lei Geral Tributária (LGT), pelo que o prazo de prescrição aplicável seria o de 8 anos, constante no artigo 48.°, n.º 1, daquele diploma, atento o disposto no artigo 297.°, n.º 1, do Código Civil (CC), aplicável ex vi do artigo 5.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, que aprovou a LGT, uma vez que à data da entrada em vigor desta Lei - 1 de Janeiro de 1999 - à luz do CPT faltava mais de oito anos para se completar a prescrição.

Dispõe o n.º 1 do artigo 297.° do Código Civil que "[a] lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar".

Estabelecia o artigo 48.° da LGT, na redacção original, no que concerne à prescrição, que: "1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.° ano posterior ao da liquidação."

Já no artigo 49.° da LGT, na redacção originária, que estabelecia os factos interruptivos e suspensivos da prescrição, pode ler-se:
"1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.

3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso."
E, porque vem provado que a impugnação judicial esteve parada por mais de um ano, a partir de 20.03.1998 com conclusão ao juiz titular do processo [cf. aI. I) dos factos assentes], o prazo interruptivo degenerou em suspensivo com efeitos a partir de 20.03.1999 – cf. artigo 49.°, n.º 2 da LGT -, fazendo com que, inexistindo prazo a computar desde o facto tributário até à data da autuação da impugnação, porque anterior àquele, será apenas de iniciar a contagem do prazo de prescrição após 20.03.1999.

Importa igualmente registar que resulta provado o decurso de processo de recuperação de empresa, pelo que se pode ler no artigo 29.° do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, que: "1 - Proferido o despacho de prosseguimento da acção, ficam imediatamente suspensas todas as execuções instauradas contra o devedor e todas as diligências de acções executivas que atinjam o seu património, incluindo as que tenham por fim a cobrança de créditos com privilégio ou com preferência; a suspensão abrange todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor. 2 - A suspensão mantém-se até ao termo do prazo máximo estabelecido para a deliberação da assembleia de credores, fixado no n.º 1 do artigo 53.º, ou, antes disso, até ao trânsito em julgado da decisão que homologue ou rejeite a providência de recuperação aprovada, declare findos os efeitos do despacho de prosseguimento ou determine a extinção da instância, não podendo, porém, a cessação da suspensão prejudicar o disposto nos artigos 95.°, n.º 2, e 103.°, n.º 4. "

Desta forma face à prolação de despacho de prosseguimento da acção de recuperação da Oponente, ocorrido em 27.10.1997 [cf. aI. K) dos factos assentes], foi suspenso o prazo de prescrição.

Atento o disposto no artigo 103.°, n.º 2 do CPEREF, a aprovação de um plano de gestão controlada determina a manutenção da suspensão do prazo de prescrição durante esse período. Assim sendo, o prazo de prescrição esteve suspenso desde a data da prolação de despacho de prosseguimento da acção de recuperação da Oponente, ocorrido em 27.10.1997, até à data de trânsito em julgado da decisão que homologue a providência de recuperação aprovada, mantendo-se por todo o período em que durou a gestão controlada, ou seja, até 22.06.1999 [cf. aI. L) dos factos assentes].

Assim, ao período de suspensão do prazo de prescrição ocorrido por força a interposição de impugnação judicial (interrupção convertida em suspensão face à paragem do processo de impugnação por período superior a um ano), verificamos que sucedeu a suspensão do prazo de prescrição até 22.06.1999, por força do disposto nos autos 29.°, n.º 2 e 103.°, n.º 2 do CPEREF.
E, de acordo com o novo regime de prescrição previsto no artigo 49.°, n.º 1 da LGT constitui causa de interrupção do prazo de prescrição a citação do executado - no caso em concreto verificamos que em 11.08.2009 foi o oponente citado [cf. al. P) dos factos assentes].
Contudo, nesta data já havia sido ultrapassado o prazo de oito anos a contar desde 22.06.1999, que terminou em 22.06.2007. »

Em suma a exequente instaurou uma execução quando estava já prescrita a dívida exequenda, à luz da lei tributária e, tendo em conta os diversos factos interruptivos e suspensivos aplicáveis ao caso concreto, nomeadamente a consideração do processo de recuperação de empresas, com a suspensão do prazo de prescrição previsto nos artigos 29.º, n.º 2.º, e 103.º, n.º 2, ambos do CPEREF - Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.
Como resulta do probatório o prazo de prescrição apenas esteve suspenso entre 22/07/1997, data da apresentação de impugnação judicial até 20/03/1999, data em que perfez um ano de paragem do processo por facto não imputável ao contribuinte e depois até 22/06/1999, por força do disposto nos artigos 29.°/2 e 103.°/2 do CPEREF, pelo que a prescrição ocorreu em 22/06/2007.
A execução fiscal, apenas foi instaurada em 30/07/2009 e a citação ocorreu 11/08/2009, datas em que a obrigação tributária exequenda já se mostrava extinta por prescrição.
Assim, face aos elementos carreados para os autos resta concluir que a dívida exequenda nascida em 1997 se mostrava prescrita à data de instauração da execução fiscal.

Alega a Recorrente que a pendência daquele processo de recuperação legitima a derrogação do regime das causas interruptivas e suspensivas do prazo de prescrição taxativamente previstas no artigo 49.° da LGT para as dívidas tributárias, permitindo o recurso ao disposto nos artigos 311.° e 321.° do CC, ou seja, às causas suspensivas e interruptivas da prescrição previstas no Código Civil.
Mais argumenta que a Recorrida não pode invocar a prescrição da dívida exequenda, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, incorrendo em abuso de direito.

Cremos, contudo, que não lhe assiste razão.
Como bem nota o Ministério Público no seu bem fundado parecer, os prazos de prescrição das dívidas tributárias e, bem assim, os factos interruptivos e suspensivos da mesma prescrição estão previstos nos artigos 48.° e 49.° da LGT , embora seja certo que existem outras causas de suspensão estatuídas no DL 225/94, de 05/09; DL 124/96, de 10/08; PERE, aprovado pelo DL 177/86, de 02/07; CPEREF, aprovado pelo DL 132/93, de 23/04; ClRE, aprovado pelo DL 53/2004, de 18/03.

Ora, existindo normas específicas que regulam, in totum, os prazos de prescrição e respetivos factos interruptivos e suspensivos não tem fundamento legal a aplicação supletiva dos normativos gerais dos artigos 311.°/1 e 321.°/1 do Código Civil, que regulam o prazo de prescrição dos direitos reconhecidos em sentença ou título executivo e a suspensão da prescrição por motivo de força maior ou dolo do obrigado.

Sendo certo que a taxa de utilização do espectro radioelétrico tem natureza tributária, o prazo prescrição da dívida é de 8 anos nos termos do disposto no artigo 48.°/1 da LGT e não o prazo geral de 20 anos estatuído no artigo 309.°/1 do CC aplicável às dívidas de natureza não tributária.
Neste sentido decidiu, aliás, este Supremo Tribunal Administrativo em acórdãos de 18.04.2018, 03.05.2018 e 30.01.2019, proferidos, respectivamente, nos recursos 235/18, 232/18 e 0451/10.2BESNT, interpostos pela mesma recorrente e em que se suscitava questão idêntica.

Acresce dizer que a sentença recorrida se limitou a aplicar o regime da prescrição das obrigações tributárias à factualidade apurada nos autos pelo que, salvo melhor juízo, não se antolha como podem ter sido violados os princípios da justiça e da boa- fé.
Tal como não se vislumbra que a recorrida tenha actuado em situação de abuso de direito ao invocar a prescrição da dívida exequenda, já que a prescrição é de conhecimento oficioso, nos termos do estatuído no artigo 175.° do CPPT, pelo que, mesmo que a prescrição da dívida não tivesse sido suscitada pela recorrida, o tribunal tinha o dever legal de dela conhecer oficiosamente.

Pelo que fica dito improcedem todos os fundamentos do recurso.

7. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 13 de Março de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascenção Lopes.