Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0981/10
Data do Acordão:04/06/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
CRÉDITOS VENCIDOS APÓS DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
BENS PENHORADOS
BENS PENHORÁVEIS
Sumário:A instauração da execução fiscal por créditos vencidos posteriormente à declaração de falência, como são os créditos exequendos, encontra expresso apoio legal no disposto no n.º 6 do artigo 180.º do CPPT, preceito que há-de ser, contudo, interpretado razoavelmente, atenta a unidade do sistema jurídico, no sentido de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência se forem penhorados bens não apreendidos naquele processo.
Nº Convencional:JSTA00066915
Nº do Documento:SA2201104060981
Data de Entrada:12/09/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA DE 2010/10/12 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR COM - SOC COM.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART180 N6.
CIRE04 ART28 ART36 ART47 N1 ART128.
LGT98 ART45.
DL 53/2004 DE 2004/03/18 ART11 N1.
DL 200/2004 DE 2004/08/18 ART3.
CCIV66 ART9 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC51/10 DE 2010/04/14.; AC STA PROC102/09 DE 2009/11/12.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VII PAG232-233.
RUI DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL 2005 PAG208.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, LDA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 12 de Outubro de 2010, que julgou improcedente a oposição por si deduzida à execução n.º 2283200901003135, instaurada para cobrança coerciva de dívidas relativas a IRC do exercício de 2005 e juros, no valor de 18.503,25 €, para o que apresentou as conclusões seguintes:
I. O objectivo precípuo do CIRE é a liquidação das dívidas aos credores da devedora, mediante a sua liquidação ou a sua recuperação, através de apresentação de plano de insolvência, sendo que os credores que tenham créditos sobre a insolvente devem fazer uso do disposto no artigo 128.º, n.º 1 que determina: “Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham …”
II. Acrescenta o n.º 3, do referido artigo 128.º, que “…e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.”.
III. Face ao determinado no artigo supra referido, forçosa é a conclusão que se a Fazenda Nacional pretendia que o seu crédito fosse liquidado tinha de o ter reclamado no processo de insolvência, facto que não sucedeu.
IV. Apenas em 2009, a Fazenda Nacional vem exigir à Recorrente o seu pagamento, sendo certo que está em causa uma dívida, sem sombra de dúvidas, referente à insolvente, já que a Fazenda Nacional está a tentar cobrar um crédito respeitante ao ano de 2005, ou seja referente a data anterior à declaração de insolvência.
V. De acordo com o artigo 47.º, do CIRE estamos perante uma dívida da insolvência quando se esteja perante um crédito “… cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração (de insolvência)…”.
VI. Sendo o crédito que a Fazenda Nacional está a tentar cobrar referente ao ano de 2005, dúvidas não podem restar que estamos perante uma dívida da insolvência, uma vez que o seu fundamento é anterior à data da declaração de insolvência.
VII. A dívida deveria ter sido reclamada no processo de insolvência, para aí, e apenas no âmbito desse processo, poder ser liquidada, à semelhança do que aconteceu com os demais credores da Recorrente, uma vez que o CIRE se rege pela igualdade de credores, não tendo o Estado merecido tratamento diferente por parte do legislador, já que este não só consagrou a “intocabilidade” dos créditos do Estado, como foi mais longe, consagrou a extinção, em caso de insolvência do devedor, dos privilégios desses créditos.
VIII. Foi o próprio Estado que pretendeu essa equiparação entre todos os credores da insolvente, terminando o legislador com os privilégios que existiam sobre os créditos do Estado caso estes estivessem constituídos há mais de um ano.
IX. A favor da interpretação defendida pela Recorrente atente-se o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 0822193, de 1.07.2008, in www.dgsi.pt, que estatui que “Não tendo o legislador excluído da auto-regulação no plano de insolvência os créditos fiscais, que, ademais, também consentiu na eliminação dos privilégios creditórios de que estes créditos beneficiavam (cfr. arts. 50.º da LGT e 97.º do CIRE), só pode entender-se que o plano de insolvência pode afectar estes créditos do estado e que essa afectação é vinculativa para todos os credores, sejam públicos ou provados (cfr. os acs. desta Relação de 13-07-2006 e 31-01-2008, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ procs. N.º 0631637 e 0736250).”
X. Por outro lado, acrescenta ainda que “De modo que, como concluiu o acórdão desta Relação de 31-01-2008, já anteriormente citado, não faz sentido, sem a constatação de motivos objectivos que o justifiquem, conceder tratamento diferenciado na regularização dos créditos do estado no confronto com os demais créditos da mesma espécie, (…), o que decorre da sujeição deste plano ao princípio da igualdade dos credores, a que alude o art. 194.º do CIRE.” (sublinhado nosso).
XI. Em corroboração do exposto veja-se, ainda, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 4 de Junho de 2009, com o n.º de processo 464/07.1TBSJM-L.S1, in www.dgsi.pt, que determinou que “não se verifica impedimento na homologação judicial do plano de insolvência, apresentado pelo administrador da Insolvência e aprovado pela assembleia de credores da empresa insolvente, se no mesmo plano estiver prevista redução ou perdão de dívidas do insolvente ao Estado, de natureza fiscal (capital e juros) e, muito menos, que a sentença homologatória de tal plano padeça dos vícios de violação do princípio da legalidade, de igualdade e de inconstitucionalidade por derrogação de normas imperativas por vontade das partes.”.
XII. Adiantando ainda este último acórdão que “Tal não significa que os créditos fiscais deixem de ser privilegiados ou que percam as suas garantias, pois o artº 47º do CIRE prevê justamente a existência de créditos privilegiados e garantidos e, em vários outros preceitos do mesmo Código, se faz referência a créditos desta natureza, em contraposição com os créditos comuns, como se colhe, v.g., dos artºs 174º e 175º do aludido diploma legal.”.
XIII. Tendo já por assente a igualdade entre credores prescrita no CIRE, é inequívoco que a Fazenda Nacional deveria ter reclamado todos os créditos que detinha sobre a Recorrente, à semelhança do que sucedeu com os demais credores, não podendo, como reiteradamente faz, apresentar liquidações à Recorrente referentes a dívidas respeitantes a datas anteriores à sua declaração de insolvência.
XIV. Ao processo de insolvência não se aplicam preceitos contidos no CPPT, ao contrário do determinado na sentença de que se recorre.
XV. Neste sentido já se pronunciou variada jurisprudência, sendo que destacamos Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 4 de Junho de 2009, com o n.º de processo 464/07.1TBSJM-L.S1, in www.dgsi.pt, que estatui “Não ocorre, nesta situação, qualquer derrogação de normas legais imperativas (fiscais ou outras) por vontade dos credores ou partes, como vem afirmado (até porque os particulares não têm poder para «derrogar» normas emanadas do poder legislativo) sendo que a derrogação é operada pela própria lei da insolvência que estabelece um regime especial e, nessa medida, afasta, do seu âmbito de aplicação, o regime normativo geral (“lex specialis derogat legi general”), fruto da opção político-legislativa que, tendo em conta a relevância do tecido empresarial na estrutura económica da sociedade e, do mesmo passo, a necessidade de obviar, na medida do possível, ao prejuízo da insatisfação dos créditos concedidos à insolvente, cujo ressarcimento se frustra frequentemente nestas situações, gizou um esquema legal que contribuísse para atenuar a tensão dialéctica, reconhecidamente existente, entre estas duas realidades contrapostas.”
XVI. Acrescentando, ainda, que “…a própria lei afirma, no artº 192º do dito compêndio normativo, que o pagamento dos réditos sobre a insolvência …«pode ser regulado num plano de insolvência em derrogação das normas do presente código» e nem o disposto no n.º 2 do citado preceito legal, obsta a que proceda ao perdão ou redução do valor dos créditos, por isso que estas são, justamente, duas das amplas providências legais com incidência no passivo que estão expressamente previstas, como se viu, na alínea a) do n.º 1 do art. 196.º do CIRE, não se criando qualquer regime de excepção para os créditos privilegiados ou garantidos ou cujos titulares sejam pessoas colectivas de direito público, designadamente o próprio Estado, salvo o que se encontra previsto no n.º 2 do mesmo preceito legal.”.
XVII. A origem do crédito não deve ser aferida pelo seu vencimento, mas sim pela sua constituição, ou seja, para saber se estamos perante um crédito da insolvência ou não devemos aferir se o fundamento do crédito se reporta a data anterior à data da declaração de insolvência.
XVIII. Em caso afirmativo, tal crédito apenas pode ser liquidado no âmbito do processo de insolvência e não em data posterior, sob pena de se desvirtuar, por completo, o escopo do processo de insolvência, e ver-se aqui a Fazenda Nacional com uma vantagem sobre os demais credores, por apenas em data posterior – no caso em 2009 – se ter apercebido que detém sobre a insolvente um crédito que se reporta a 2005!
XIX. O crédito cuja liquidação a Fazenda Nacional pretende ver liquidado é, sem margens para dúvidas, um crédito da insolvência e que apenas poderia ser pago no âmbito desse processo.
XX. Não se está, ao contrário do que decorre da sentença recorrida, perante um crédito vencido após a declaração de insolvência.
XXI. Andou mal o Meritíssimo Juiz “a quo” ao julgar improcedente e não provada a oposição apresentada pela Recorrente, com base no disposto no n.º 6, artigo 180.º, do CPPT, tendo feito uma errada interpretação e aplicação do mencionado preceito legal, bem como dos artigos 148.º e 47.º, ambos do CIRE.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue provada e procedente a Oposição apresentada pela Recorrente, em conformidade com as presentes alegações.
Assim, será feita, como sempre, inteira JUSTIÇA!
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, tendo tido vista dos autos, não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, após declaração de insolvência, pode ser instaurada e prosseguir execução fiscal para cobrança de dívida respeitante a facto tributário anterior àquela declaração (IRC de 2005), embora liquidada e vencida após a declaração de insolvência.
5 – Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 7 de Dezembro de 2005, foi declarada a insolvência de A…, Lda., no processo n.º 327/05.5TBMLG do Tribunal Judicial da Comarca de Melgaço – cfr. decisão a fls. 12 a 15 dos autos;
2. No dia 15 de Janeiro de 2007 foi ordenado, no mesmo processo, o encerramento do processo de insolvência, com plano de insolvência previamente aprovado – cfr. despacho a fls. 17 dos autos.
3. No dia 6 de Julho de 2009, na sequência de uma acção inspectiva, foi praticado o acto de liquidação adicional n.º 2009.8310015181, relativo a IRC do exercício de 2005, no valor de € 18.503,25 – cfr. informação de fls. 22 e a demonstração de liquidação de fls. 26.
4. Em 8 de Setembro de 2009, foi emitida a certidão de dívida n.º 2009/807390 e autuado o processo executivo n.º 2283200901003135 b- cfr. fls. 1 e 2 do processo executivo apenso aos autos.
5. A Oponente foi citada em 19.09.2009.
6 – Apreciando.
6.1 Da possibilidade de, após declaração de insolvência, ser instaurada e prosseguir execução fiscal para cobrança de dívida respeitante a facto tributário anterior àquela declaração (IRC de 2005), embora liquidada e vencida após a declaração de insolvência
A sentença recorrida, a fls. 73 a 79 dos autos, julgou não provada e improcedente a oposição deduzida, por considerar aplicável ao caso dos autos o disposto no n.º 6 do artigo 180.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pois que embora o facto gerador da dívida exequenda respeite ao ano de 2005 (IRC de 2005), resulta das matérias assente que (…) no dia 6 de Julho de 2009, na sequência de uma acção inspectiva, foi praticado acto de liquidação adicional, relativo a IRC do exercício de 2005, no valor de 18.503,25 €, sendo que a obrigação de pagamento do imposto venceu-se após o termo do prazo para pagamento voluntário, donde resulta estar-se no âmbito do n.º 6 do artigo 180.º do CPPT que (…) afasta o regime da suspensão e da avocação do processo executivo aos processo de insolvência quanto aos créditos vencidos após a declaração de insolvência, razão pela qual a Administração Fiscal não só podia, quanto ao imposto devido na sequência da liquidação adicional, praticado em 6 de Julho de 2009, instaurar a execução fiscal, como seguir os seus trâmites normais (cfr. sentença recorrida a fls. 77 e 78 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, alegando que, em face do artigo 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), se a Fazenda Nacional pretendia que o seu crédito fosse liquidado tinha de o ter reclamado no processo de insolvência, o que não sucedeu, pois que o crédito em causa constitui, nos termos do artigo 47.º do CIRE, uma dívida da insolvência uma vez que o seu fundamento é anterior à data da declaração de insolvência, pelo que deveria ter sido reclamada no processo de insolvência, para aí, e apenas no âmbito desse processo, poder ser liquidada, à semelhança do que aconteceu com os demais credores da Recorrente, não podendo a Fazenda, como reiteradamente faz, apresentar liquidações à Recorrente referentes a dívidas respeitantes a datas anteriores à sua declaração de insolvência.
Mais alega que, ao contrário do determinado na sentença de que se recorre, ao processo de insolvência não se aplicam preceitos contidos no CPPT (cfr. as conclusões das alegações de recurso supra transcritas).
Vejamos.
A alegada inaplicabilidade do disposto no artigo 180.º do CPPT ao processo de insolvência apenas poderia resultar do facto de este preceito legal se haver de ter como tacitamente revogado (pois que o não foi expressamente) aquando da entrada em vigor do CIRE (em 15 de Setembro de 2004, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto), por incompatibilidade do disposto neste Código com o prescrito no n.º 6 do artigo 180.º do CPPT.
Não o entendemos assim, contudo, antes se entende, com JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, II volume, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, pp. 232/233, nota 7 ao art. 180.º do CPPT), estar-se perante um regime especial para os processos de execução fiscal, pois que só pode entender-se que uma lei geral revoga uma lei especial quando for detectável uma intenção inequívoca do legislador nesse sentido, como impõe o n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, o que não sucede neste caso.
Ora, estando o n.º 6 do artigo 180.º do CPPT em vigor e tendo ele por objecto específico os créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação (ou, no âmbito do CIRE, da declaração de insolvência a que se referem os artigos 28.º e 36.º do CIRE, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março), é este preceito legal aplicável, e, ao abrigo do que nele se dispõe, há-de reconhecer-se que a instauração da execução fiscal por créditos vencidos posteriormente à declaração de falência, como são os créditos exequendos em causa nos presentes autos (cfr. os números 1 a 4 do probatório fixado na sentença recorrida e supra transcrito), encontra expresso apoio legal no disposto no n.º 6 do artigo 180.º do CPPT, que estabelece, em derrogação ao disposto nos números anteriores do mesmo artigo, que: «O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução».
Observe-se contudo que, embora a lei diga expressamente, relativamente às situações contempladas no n.º 6 do artigo 180.º do CPPT, que (os processos) seguirão os termos normais até à extinção da execução, propõe JORGE LOPES DE SOUSA (op. cit. p. 233), no que tem sido acompanhado pela jurisprudência deste Tribunal (cfr. Acórdãos de 24/10/2001, rec. n.º 26.344, de 15/11/2006, rec. n.º 625/06 e de 12 de Novembro de 2009, rec. n.º 102/09, Ac. de 14/4/2010, rec. n.º 51/10) que «(…) deverá entender-se este seguimento em consonância com as normas do CPEREF e do CIRE, sob pena de se abrir a porta à possibilidade de se inutilizar todo o esforço de recuperação da empresa e de satisfação equilibrada dos direitos dos credores que se visa com estes processos especiais, o que seria uma solução manifestamente desacertada, atentos os fins de interesse público e social estão subjacentes àqueles», pelo que «(…) a interpretação razoável daquele n.º 6, que se compagina com a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil), é a de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência ou insolvência ou do despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação ou insolvência».
E é este o entendimento que também aqui adoptamos, em conformidade com a jurisprudência citada, pelo que há-de concluir-se que falece razão ao recorrente quando considera no caso dos autos não poder ser instaurada e prosseguir a execução fiscal. Esta pôde ser instaurada e prosseguir em conformidade com a lei, embora sofra restrições no que toca à penhora de bens, só podendo ser apreendidos bens não apreendidos no processo de falência.
É certo que, como alega o recorrente, o n.º 1 do artigo 47.º do CIRE considera credores da insolvência, uma vez decretada esta, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração (…). Não obstante, porque a reclamação de créditos implica a prova documental da existência dos mesmos, não seria possível reclamar na insolvência um crédito - como o dos autos - relativo a imposto ainda não liquidado nessa data (neste sentido RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, Coimbra, Almedina, 2005, p. 208) e que apenas o foi alguns anos depois.
Não tem, pois, razão a recorrente, quando alega relativamente ao crédito exequendo que se a Fazenda Nacional pretendia que o seu crédito fosse liquidado tinha de o ter reclamado no processo de insolvência. É que o crédito em causa, referindo-se embora a IRC de 2005, apenas foi liquidado em 2009, não sendo por isso, na prática, possível reclamá-lo antes e sendo lícito à Administração fiscal liquidá-lo nessa data, pois que ainda não se esgotara o prazo legal de que dispunha para o liquidar (cfr. o artigo 45.º da Lei Geral Tributária).
E não estando o crédito liquidado, não teria como ser reclamado no processo de insolvência, nem poderia vencer-se em momento anterior a essa liquidação.
O recurso não merece, pois, provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 6 de Abril de 2011. - Isabel Marques da Silva – (relatora) - António Calhau - Dulce Neto.