Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01101/17
Data do Acordão:05/09/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IRS
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
INÍCIO DO PRAZO
Sumário:A obrigação tributária – IRS - não nasce com a prestação do trabalho ou com a consolidação da situação de reforma, nasce a partir do momento em que o credor de tais remunerações recebe, de facto, a sua contraprestação pelo trabalho prestado ou recebe a sua pensão de reforma.
Nº Convencional:JSTA000P23244
Nº do Documento:SA22018050301101
Data de Entrada:10/12/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, inconformado, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria) datada de 29 de Maio de 2017, que julgou improcedente a Impugnação judicial deduzida, contra o acto de liquidação de IRS relativa ao ano de 2006, no montante de € 13.649,75.
Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
1ª Porque a sentença ora recorrida sufragou o entendimento segundo o qual o momento em que ocorre o facto tributário e, consequentemente, o direito à tributação, por força do disposto no artigo 98° do CIRS, é o do efetivo pagamento ou da colocação à disposição.
2ª Porque na norma do artigo 98° do CIRS resulta claro que o facto tributário ocorre num de 3 momentos, vencimento, ainda que presumido, pagamento ou colocação à disposição.
3ª Teremos de concluir que qualquer um destes momentos é relevante para determinar a ocorrência do facto tributário.
4ª Porque o primeiro momento a acontecer pode ser o do vencimento do direito à remuneração.
5ª Porque os restantes momentos que a lei considera relevantes para a tributação podem ser projetados para o futuro.
6ª Porque essa projeção para o futuro não significar uma desvalorização do momento do vencimento do direito à remuneração,
7ª Teremos de concluir que não poderá deixar de se relevar o momento verificado ou ocorrido, sob pena de deturpar a própria lei.
8ª Porque, resulta do artigo 98° do CIRS que a partir do momento em que ocorre o vencimento do direito a uma remuneração, surge capacidade tributária para o sujeito passivo seu beneficiário,
9ª Teremos de concluir que o mesmo está sujeito a tributação desde esse momento.
10ª Tal como teremos de concluir que não releva o argumento de que só com o pagamento efetivo ou a colocação à disposição das remunerações é que surge a capacidade tributária, porque ela existe desde o momento do vencimento do direito às remunerações.
11ª Porque essa é a correta leitura do artigo 98° do CIRS,
12ª Teremos de concluir que os prazos de caducidade previstos no artigo 45° da LGT relativamente às remunerações relativas aos anos de 1979 a 2003, já tinham ocorrido quando foi notificado da nota de liquidação do IRS ao ora Recorrente (30/07/2007).
13ª Tal como também tinha acontecido com a contagem dos prazos para prescrição, relativamente às remunerações dos anos de 1989 a 1998, conforme o disposto no artigo 48° da LGT.
14ª Ficou, por isso, a liquidação então efetuada nessas condições ferida de ilegalidade.
15ª Assistindo, por isso ao ora Impugnante o direito a ver expurgada tal ilegalidade.
16ª Porque assim, não procedeu a Administração Fiscal, ficou o seu ato ferido de ilegalidade.
17ª Porque a sentença proferida nos autos em primeira instância assim não julgou e manteve a decisão em vigor;
18ª Teremos de concluir que ficou a mesma ferida de invalidade.
Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e com o sempre mui douto suprimento de Vs. Ex.ªs, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência determinar-se a anulação da sentença proferida nos autos, determinando-se, ainda a anulação da Nota de Liquidação de IRS n° 2006 4002631114, de 09/07/2006, com as inerentes consequências legais nomeadamente no que à restituição do imposto indevidamente liquidado respeita e ao pagamento de juros indemnizatórios, só assim se fazendo a costumada justiça

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Em 27 de julho de 1979, o Impugnante foi integrado no Ministério da Agricultura, na categoria de engenheiro técnico agrário de 2ª classe.
2. Por despacho datado de 16 de julho de 2004, exarado pelo Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, foi determinada a retificação da carreira do Impugnante, desde 1 de julho de 1979.
3. Por ofício nº 006241, datado de 2 de maio de 2007, o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, remeteu ao Impugnante, declaração de rendimentos pagos no ano de 2006, na qual consta, para além do mais, o valor de € 105.116,57, a título de rendimentos de trabalho dependente, decorrente da retificação da carreira profissional, bem como rendimentos provenientes de pensões, os quais foram sujeitos a retenção na fonte.
4. No ano de 2007, o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, pagou ao Impugnante o valor de € 89.305,88, a título de juros, o qual foi sujeito a retenção na fonte em sede de IRS.
5. Em 09.07.2007, foi emitida a liquidação nº 2007 4002631114, relativa a IRS do ano de 2006, no montante de € 13.649,75, com data limite de pagamento voluntário de 29.08.2007.
6. Em 14 de abril de 2008, a Impugnante remeteu ao Diretor de Finanças de Santarém reclamação graciosa, da liquidação referida no ponto anterior.
7. Em 1 de setembro de 2008, foi elaborado parecer pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, concluindo no sentido que se transcreve em parte:
Assim sendo, parece-me que o pedido não pode ser atendido, senão parcialmente tendo em conta o acima exposto e nos montantes constantes da declaração emitida pela entidade patronal, nos termos da alínea b) o nº 1 do art.º 119º do CIRS, constante dos autos a fls. (...). Ou seja, apenas não será devido imposto pelos rendimentos auferidos em data anterior à entrada em vigor do CIRS ou seja, anteriormente a 1 de janeiro de 1989”.
8. Em 10 de setembro de 2008, o Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, por delegação de competências do Diretor das Finanças, exarou despacho de indeferimento parcial do pedido.
9. Por ofício nº 535, datado de 6 de março de 2003, o Impugnante foi notificado da decisão de indeferimento parcial, da reclamação graciosa.
10. Dos prints constantes do procedimento de reclamação graciosa, retira-se que em 7 de abril de 2009 a Administração Tributária procedeu à regularização da liquidação mencionada no ponto 5., supra, mediante a anulação parcial da liquidação, correspondente ao montante de € 2.378,79, restando imposto a pagar no valor de € 11.270,96.
11. Em 9 de abril de 2009, o Impugnante apresentou junto da Direção de Finanças de Santarém, Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, requerendo a final a anulação do imposto que incidiu sobre as remunerações pagas relativas aos anos de 1989 a 2004.
12. Por ofício nº 1384, de 5 de julho de 2010, o Impugnante foi notificado do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, exarado em 21.06.2010 pela Diretora de Serviços do IRS, por subdelegação.
13. A presente Impugnação deu entrada no Serviço de Finanças do Cartaxo em 6 de outubro de 2010.
Nada mais se deu como provado.

Há que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
A questão que se coloca no presente recurso passa por saber se os prazos de caducidade e de prescrição do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares – IRS - devem ser contados tomando como termo inicial o ano em que os mesmos foram efectivamente pagos (no caso em 2006) ou o ano em que os mesmos deveriam ter sido pagos, porque respeitantes a anos anteriores daquele em que foram efectivamente pagos.

Na sentença recorrida decidiu-se que tais prazos deveriam ser contados por referência ao ano em que os rendimentos foram postos à disposição do contribuinte nos seguintes termos:
Resulta da matéria de facto assente que, no ano de 2006 o Impugnante recebeu do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas o montante de 105.116,57€, a título de remuneração pela retificação da categoria profissional, bem como rendimento de pensões, resultante da mesma retificação, operada por despacho datado de 16.07.2004, do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas. Os montantes recebidos no ano de 2006, visam anular as diferenças salariais, em virtude de, desde 1979, o Impugnante ter auferido remunerações correspondentes a categoria inferior da devida.
Tais montantes auferidos, quer a título de rendimentos de categoria A, quer a título de rendimentos da categoria H, foram sujeitos a retenção na fonte pelo Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, tendo posteriormente sido considerado estar também sujeito a imposto, na liquidação de IRS do ano de 2.006, emitida em 09.07.2.007.
Ora, tal como começou por se analisar, os rendimentos em causa correspondem à categoria A e H, estando sujeitos a tributação em sede de IRS no exercício do respetivo pagamento ou colocação à disposição. Deste modo, e convocando todos os argumentos antes explicitados, os rendimentos em causa foram pagos ao Impugnante no ano de 2006, estando sujeitos a tributação nesse mesmo exercício e não nos exercícios a que correspondem os acertos salariais, como pretende o Impugnante.
Por conseguinte, a sujeição a tributação em sede de IRS dos rendimentos em causa, no ano de 2006, não bole com o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no art. 45º da LGT, ou sequer com o prazo de prescrição, estipulado no art. 48º do mesmo diploma legal.
Tendo ocorrido o facto tributário gerador de imposto em 31.12.2006, o prazo de caducidade iniciou-se em 01.01.2007. E conforme consta da matéria de facto assente (ponto 5.), a liquidação foi emitida em 09.07.2007, e apesar de não ter sido possível apurar a data em que o Impugnante foi notificado da mesma, dúvidas não existem que foi dentro do prazo de caducidade, uma vez que apresentou reclamação graciosa da mesma em 14.08.2008, ou seja, ainda não tinha decorrido o prazo de 4 anos, previsto no art. 45º da LGT.
Por outro lado, e no que respeita ao prazo de prescrição, contrariamente ao que defende o Impugnante, o normativo aplicável é o previsto no art.º 48º da LGT, na medida em que o facto tributário verificou-se no ano de 2006, como já sobejamente repetido, e não em 1989, ou nos anos em que se reporta a retificação da categoria profissional. Deste modo, não há sequer que considerar a prescrição dos referidos anos, uma vez que, o facto tributário apenas se reporta ao ano de 2006.
Deste modo, o facto das diferenças salariais se reportarem aos anos de 1979 em diante, não releva nesta sede, na medida em que o facto tributário apenas se consumou com o pagamento dos rendimentos ao Impugnante, o que apenas ocorreu em 2006.

Da leitura atenta que se faz das normas legais enunciadas na sentença recorrida (de cuja reprodução agora nos dispensamos por a mesma já resultar de tal sentença) facilmente podemos concluir que não assiste razão ao recorrente na argumentação que dirigiu a este Supremo Tribunal no sentido de obter a revogação da mesma sentença.
Resulta claramente do disposto nos artigos 1º e 2º do CIRS que o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias, entre outras, A - Rendimentos do trabalho dependente e H – Pensões, sendo que se consideram rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de exercício de função, serviço ou cargo públicos.
Quis o legislador que a tributação dos rendimentos destas categorias só ocorresse após o efectivo ingresso do respectivo montante na esfera jurídica do devedor do imposto (cfr. artigo 11º, n.º 3 do CIRS que reafirma expressamente, relativamente aos rendimentos da categoria H, e a exemplo dos rendimentos da categoria A, que os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde que pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares), uma vez que só a partir desse momento é que o mesmo adquire capacidade contributiva, cfr. artigo 4º, n.º 1 da LGT, isto é, só a partir desse momento é que o mesmo está em condições, adquire os meios, de poder pagar o respectivo imposto.
Portanto, a obrigação tributária não nasce com a prestação do trabalho ou com a consolidação da situação de reforma, nasce a partir do momento em que o credor de tais remunerações recebe, de facto, a sua contraprestação pelo trabalho prestado ou recebe a sua pensão de reforma.
E, assim, o momento do pagamento é determinante, tanto para o obrigado tributário, o credor de tais prestações, como para o credor tributário, a AT, só a partir desse momento, cfr. artigos 18º e 36º, n.º 1 da LGT, é que se consuma o facto tributário, legalmente identificado como o do pagamento ou colocação à disposição do titular dos rendimentos das referidas categorias A e H, que justifica o início dos prazos da caducidade e da prescrição, uma vez que só a partir desse momento a AT está em condições de exigir a prestação tributária do contribuinte.
Improcede, portanto, o recurso que nos vinha dirigido.

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
D.n.
Lisboa, 9 de Maio de 2018. – Aragão Seia (relator) – Dulce Neto – Pedro Delgado.