Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0546/10
Data do Acordão:04/13/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
ILEGALIDADE ABSTRACTA
Sumário:I - A ilegalidade do acto de liquidação que resulta do facto de a Administração Fiscal não ter considerado a exclusão de tributação do ganho proveniente da transmissão onerosa do imóvel, prevista no artigo 10º n.º 5 alínea a) do CIRS, reside no próprio acto tributário que fez aplicação da lei ao caso concreto, e não na lei cuja aplicação é feita. E daí que não se trate de uma questão de inexistência ou falta de suporte legal do tributo, mas de uma questão de ilegalidade concreta do respectivo acto de liquidação.
II - Por força do nº 3 do artigo 38.º do CPPT, na redacção dada pela Lei n° 55-B/2004, de 30.12, as notificações de liquidações de tributos que resultem de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição são efectuadas por carta registada simples, presumindo-se efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte quando aquele seja dia não útil (artigo 39.º n.º 1 do CPPT).
III - Se a carta registada enviada para o exercício do direito de audição tiver sido devolvida, não pode presumir-se efectuada a respectiva notificação, tornando-se, assim, necessário efectuar a notificação do acto de liquidação adicional de IRS por carta registada com aviso de recepção (artigo 38.º do CPPT e artigo 149.º do CIRS).
IV - Contudo, numa situação em que os sujeitos passivos do imposto regressaram ao seu país de origem e extinguiram a residência e domicílio fiscal em Portugal sem comunicarem essa situação à administração fiscal portuguesa e sem designarem pessoa com residência ou sede em Portugal para os representar perante a DGI e garantir o cumprimento dos seus deveres fiscais, não pode considerar-se a administração fiscal vinculada à obrigação legal de os notificar do acto de liquidação (artigos 130.º do CIRS e 19.º da LGT e) e, por isso, não pode proceder o argumento dos oponentes quanto à falta de notificação tempestiva (no prazo de caducidade) da liquidação do tributo que constitui a dívida exequenda.
Nº Convencional:JSTA00066923
Nº do Documento:SA2201104130546
Data de Entrada:06/23/2010
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART36 N1 ART38 N3 ART39 N1 ART97 ART102 ART204 N1 A E G.
LGT98 ART45 ART60 N4 ART95.
CONST97 ART268 N3 N4.
CIRS01 ART10 N5 A ART130 ART142 N2 ART149.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VI 5ED PAG353.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A… e B…, com os demais sinais dos autos, recorrem para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a oposição que deduziram à execução fiscal contra ambos instaurada para cobrança de dívida proveniente de acto de liquidação de IRS referente ao ano de 2003.
Terminaram a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
«Pelo exposto deverá ser dado provimento ao presente recurso e consequente:
1- Ser revogada a douta sentença recorrida uma vez que:
A- O imposto reclamado é inexistente e nessa medida viola o disposto no art.° 204.° al. a) do C.P.P.T.;
B- Pelo decurso do prazo de mais de quatro anos, verifica-se a Caducidade do Direito de Liquidação do Imposto reclamado, nos termos do art. 45.° da L.G.T. conjugado com o disposto no art. 204.° al. e) do C.P.P.T.
C- A sentença viola o Principio da Cooperação consignado no disposto nos art.° 266.°, 266.º-A e 519.º, todos do Código Processo Civil;
D- Esta sentença, por discriminar injustificadamente residentes em Portugal e residentes em outro Estado Membro da União Europeia, viola o disposto no art.° 8.° n.º 4 da Constituição da República Portuguesa;
E- Esta sentença também viola o disposto no art.° 56.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia, na medida em que são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados - Membros e entre Estados - Membros e Países Terceiros da Comunidade.
2. Ser proferido douto Acórdão que em conformidade com o ora alegado, julgue a presente acção improcede e não provada;
3. Serem os ora recorrentes absolvidos da presente Execução com todas as legais consequências fazendo-se assim Justiça,
1.2. A Fazenda Pública (Recorrida) não apresentou contra-alegações.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:
«1. Alegam os recorrentes que o imposto reclamado (IRS de 2003) é inexistente, pelo que a decisão recorrida viola o disposto no artº 204º, a), do Código de Procedimento e Processo Tributário.
A nosso ver não lhes assiste razão.
Com efeito, a questão suscitada não é uma questão de inexistência ou falta de suporte legal do tributo (no caso o IRS), mas sim uma questão de sujeição ou não sujeição à normal tributação em IRS das mais valias geradas pela alienação no ano de 2003 de um imóvel que constituía a habitação própria e permanente dos oponentes, tendo os mesmos investido o valor de realização obtido na aquisição de um outro imóvel com o mesmo fim sito na Alemanha.
Trata-se, claramente de uma questão que contende com a legalidade concreta da liquidação e que está fora do âmbito de compreensão e de discussão do processo de oposição à execução, nomeadamente da previsão do artº 204, al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributário, e que, como bem se sublinha na decisão recorrida, deveria ter sido suscitada no âmbito do processo de impugnação ou reclamação graciosa.
Deverá improceder, pois, nesta parte, a argumentação dos recorrentes.
2. Caducidade do direito à liquidação:
Também aqui não merece censura o julgado recorrido.
Resulta dos n.ºs 2 e 3 do art.º 19º da LGT que é obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicilio do sujeito passivo à administração tributária, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.
Esta norma está em consonância com o artº 43º, n° 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário, que estabelece que a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1, não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas.
Em face do teor destas normas, a mudança de domicílio, não comunicada à administração tributária, implica que a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos para o domicílio fiscal seja inoponível à administração tributária.
Mas nem sempre assim será.
Como informa Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT anotado, 5 edição, págs. 374-375 a norma do artº 43, n° 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário «tem de ser confrontada com a exigência constitucional de notificação aos administrados de todos os actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, feita no n.° 3 do art. 268.° da C.R.P e com o direito de impugnação contenciosa de tais actos, assegurado pelo n.º 4 do mesmo artigo, cuja concretização prática pode depender da existência de uma comunicação ao interessado da prática do acto.
Este preceito constitucional é compatível com presunções de notificação ilidíveis mediante prova em contrário, mas parece não o ser com presunções inilidíveis ou com dispensa de notificações, isto é, não permite que se considere feita uma notificação quando, comprovadamente, ela não foi efectuada e a não efectivação não é imputável ao notificando.
Sucede que no caso subjudice é manifesto que a não efectivação da notificação é imputável aos recorrentes, já que tendo alterado o domicílio fiscal não comunicaram, como era sua obrigação, o novo domicílio à Administração Fiscal.
Ou seja a não efectivação da notificação no novo domicílio dos recorrentes não resulta de qualquer violação dos deveres processuais por parte da Administração Fiscal, ou mesmo do uso reprovável dos instrumentos adjectivos ao seu dispor, mas sim do não cumprimento de uma obrigação legal por parte dos contribuintes, ora recorrentes.
Daí que se entenda que não procede também a invocada violação dos princípios da boa fé e do dever de cooperação.».
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
2. Na sentença recorrida constam como provados os seguintes factos:
1. Em 29-09-2000 o oponente marido, casado no regime de separação de bens com B…, naturais da Alemanha, adquiriu um prédio misto, sito no sítio da …, freguesia de Santa Barbara de Nexe, concelho de Faro, inscrito na matriz a parte rústica sob o artº 428, secção T e a parte urbana sob o artº 3935, tendo sido declarado na escritura pública que a parte urbana se destina a residência própria permanente (certidão de fls. 51 a 54, dos autos);
2. Em Outubro de 2003 o oponente alienou o prédio misto referido em 1. – (fls. 134 dos autos);
3. Os oponentes não apresentaram declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2003 (informação de fls. 58, dos autos);
4. Por oficio n° 0522, datado de 30-05-2007 foi enviada … B, sitio da …, Santa Bárbara de Nexe”, para, em 30 dias, proceder à entrega da declaração de rendimentos modelo 3, do ano de 2003, conforme notificação de fls. 134 dos autos, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais;
5. A notificação referida supra veio devolvida com a indicação "não reclamado" (fls. 136 dos autos);
6. Com data de 24-09-2007 foi enviada notificação aos oponentes, na morada "Vivenda … - Caixa Postal …, sitio da …, Santa Bárbara de Nexe", para exercer o direito de audição sobre o “projecto de Correcções do relatório de Inspecção” (fls. 137 dos autos);
7. A notificação a que se refere o ponto anterior foi enviada sob registo RM 2133 01968PT (fls. 138 e 139 dos autos);
8. Em 09-10-2007 foi elaborado o Relatório/Conclusões, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (fls. 140 a 149 dos autos):
«I- CONCLUSÕES DA ACÇÃO
1.2- Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção.
No ano de 2003, o contribuinte A… - NIF … - vendeu um imóvel e não declarou para efeitos fiscais a mais-valia apurada nessa venda, no montante de € 276.129,83.
II - OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACCÃO INSPECTIVA.
1. -No cumprimento da Ordem de Serviço interna n° 01200701387 de 2010912007 procedi a acção de inspecção interna do contribuinte supra identificado, abrangendo o IRS do ano de 2003.
2- A presente inspecção teve origem no cruzamento de informação constante nas relações enviadas pelos Cartórios com as mais-valias declaradas pelos sujeitos passivos.
III - DESCRICÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL.
De acordo com a escritura de venda, realizada no Cartório Notarial de S. Brás de Alportel, em 15/10/2003 (Livro 215-N109) e da Sisa paga no Serviço de Finanças de Faro em 28/1012000, verifica-se que no ano de 2003 o Sr. A… procedeu à alienação de um imóvel que havia adquirido em 2000.
No quadro abaixo consta a identificação do imóvel bem como compra e venda pelo sujeito passivo em análise. (ver anexo 1):
(...)
Conforme o disposto nos artigos 43°, 440°, 46° e 50° do Código do IRS (CIRS) e Portaria 553/2002 de 3 de Junho, resulta o apuramento da seguinte mais valia:
Mais-valia sujeita a IRS em 2003 = 860.000,00 - (99.759,57x 1.08) = € 552.269,56
Conforme disposto nos artigos 1.º, 9.º, 10° e 43° do mencionado Código, as mais-valias realizadas respeitantes à transmissão de imóveis estão sujeitas a IRS (categoria 3), contando em apenas 50% do seu valor.
Nestes termos e em relação ao caso em apreço teremos:
Mais - Valia sujeita a IRS em 2003 = 552.259,66 x 50% = € 276.129,83
Apesar da existência de rendimentos da categoria G sujeitos a IRS no ano de 2003, verificou-se que o contribuinte em análise não havia procedido à entrega da declaração modelo 3 de IRS.
Neste contexto e conforme dispõe o n° 3 do artigo 76° do CIRS, foi enviada uma notificação escrita para o contribuinte para que no prazo de 30 dias procedesse à entrega da referida declaração, tendo essa notificação sido devolvida ao remetente.
Até ao momento não há registo da entrega modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2003.
Assim, propõe-se a fixação do seguinte rendimento:
2003 Rendimento Categoria G --- € 276.129,83.
VIII - DIREITO DE AUDIÇÃO
Em 24/09/2007, foi o S.P., notificado nos temos do art.º 60° da L.G.T. e art.º 60° do R.C.P.I.T, para querendo, no prazo de dez dias, exercer o direito: de audição sobre o projecto de correcções, não o tenha feito até à presente data, pelo que as correcções enunciadas no Projecto de Conclusões mantêm-se no Relatório de Inspecção.».
9. Sobre o Relatório referido supra incidiu, em 09-10-2007, o seguinte parecer (fls. 140, dos autos):
“Concordo. Verificou-se que o sujeito passivo auferiu no ano de 2003 o valor de € 276.120,63, relativo a apuramento de mais valias resultante da alienação de imóveis, conforme se encontra descrito no capítulo III do relatório.
O s.p. não apresentou declaração de rendimentos, sendo notificado nos termos do n.° 3 do artº 76° do CIRS, para a sua apresentação, não vindo a fazê-lo.
O s.p. foi notificado para exercer o direito de audição nos termos do artº 60º da LGT, não exercendo esse direito.
A falta de entrega das declarações de rendimentos constitui infracção punível nos termos do artº 1160 do RCIT.
Proponho que seja levantado auto de notícia nos termos do artº 57° do RCIT. Proponho que seja levantado DC único, com correcções para o ano de 2003”.
10. Sobre o parecer referido no ponto anterior incidiu despacho de concordância (fls. 140 dos autos);
11. Por ofício datado de 16-10-2007 foi enviada notificação, com A/R (RM2 1331 2268PT), do relatório de inspecção tributária (fls. 145 a 147 dos autos);
12. Por ofício datado de 31-10-2007 foi enviada segunda notificação, com A/R (R.M213320216PT) do relatório de inspecção tributária (fls. 148 dos autos);
13. O ofício referido no ponto anterior foi devolvido com a indicação “não reclamado” (fls. 150 dos autos);
14. Em 21-11-2007 a AF liquidou o imposto de IRS relativo ao ano de 2003 (fls. 91 dos autos);
15. Em 2007-11-23 foi emitida a notificação da liquidação do imposto e dos juros (informação de fls. 58 e 95 dos autos);
16. Em 28-11-2007 foi enviada notificação do imposto com registo RY453309174PT (fls. 95 dos autos);
17. Em 27-11-2007 foi enviada notificação dos juros com registo RY453216557PT (fls. 95 dos autos);
18. Pelo Serviço de Finanças de Faro foi emitida a certidão de dívida de fls. 62 dos autos;
19. Em 26-01-2008 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1059200801009540 por divida de IRS de 2003, na quantia de 114.400,69 (fls. 60 e 61 dos autos);
20. Em 11-02-2008 foi emitida citação aos executados a qual veio devolvida (fls. 63 a 65 dos autos);
21. Em 27-02-2009 foi remetido ao Presidente da Comissão Interministerial para Assistência Mútua em Matéria de Cobrança um pedido solicitando informação sobre a morada e existência de bens penhoráveis e pedido de citação dos executados (fls. 66 a 70 dos autos);
22. A morada dos oponentes constante do cadastro da DGCI é “Vivenda … Caixa Postal …, sítio da …, Santa Barbara de Nexe” (fls. 96 a 105 dos autos);
23. Os oponentes comunicaram à administração fiscal a sua residência em Portugal em 19 de Dezembro de 2000 e 8 de Agosto de 2002 (fls. 96 a 105, dos autos);
24. Os oponentes deram entrada com a presente oposição em 11-11-2009 (fls. 4 dos autos).
2. As questões em apreciação no presente recurso são as de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito por ter julgado que a invocada “inexistência de imposto” não constitui fundamento de oposição à execução fiscal e por ter julgado improcedente o fundamento de oposição tipificado na alínea e) do artigo 204.º do CPPT – falta de notificação do acto de liquidação do imposto que constitui a dívida exequenda dentro do prazo de caducidade.
2.1. Quanto à primeira questão, importa esclarecer que os Oponentes haviam alegado na petição inicial de oposição, para fundamentar a pretensão de extinção da execução instaurada com vista à cobrança de dívida proveniente de acto de liquidação adicional de IRS/2003, que esse acto dizia respeito às mais-valias geradas pela alienação do imóvel que constituía a sua habitação própria e permanente em Portugal, e que tendo reinvestido o produto da realização na aquisição de outro imóvel na Alemanha, onde passaram a residir de forma permanente, não existiriam mais-valias tributáveis e, consequentemente, inexistiria obrigação de imposto. O que, na sua perspectiva, constituiria fundamento de oposição à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Segundo a decisão recorrida, «O fundamento da alínea a) do artº 204.° do CPPT reporta-se apenas à ilegalidade absoluta ou abstracta da dívida exequenda decorrente da inexistência de lei em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação que preveja a sua liquidação e é o corolário do artº. 106.° nºs 2 e 3, referido aos arts. 108.° nºs 1, 2 e 4, 167.°, alínea p), e 202.°, alínea b), todos da Constituição da República. Ora, não é o caso pois o imposto liquidado resulta da verificação das normas de incidência real previstas no artº 10.°, n° 1. al. a), do CIRS e de incidência objectiva do artº 13.°, n° 2, do CIRS. Assim, a alegação (...) não se reconduz, pois, à alegação da inexistência de imposto, como fundamento de oposição previsto na al. a) do artº 204° do CPPT. No caso concreto, com o fundamento alegado na causa de pedir, a anulação da liquidação só poderia ter lugar mediante decisão proferida em procedimento de reclamação graciosa ou de impugnação judicial.».
Apesar de, em sede de recurso, os Oponente continuarem a defender a tese de que a inexistência de mais-valias tributáveis gera a “inexistência” de imposto e que esta constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, não lhes assiste razão, porquanto a invocada ilegalidade do acto de liquidação resultará do facto de a Administração Tributária não ter considerado a exclusão de tributação do ganho proveniente da transmissão onerosa do imóvel, prevista no artigo 10º, n.º 5, alínea a), do CIRS, residindo, assim, a ilegalidade no próprio acto tributário que fez aplicação da lei ao caso concreto, e não na lei cuja aplicação é feita.
Dito de outro modo, a questão suscitada não é uma questão de inexistência ou falta de suporte legal do tributo em questão, mas sim uma questão de não sujeição à tributação por força da norma do Código de IRS que exclui a tributação no caso de reinvestimento efectuado na aquisição de outro imóvel para habitação permanente situado no território de outro Estado da União Europeia, norma que terá sido desconsiderada pela Administração Tributária.
Ora, o fundamento de oposição previsto na alínea a) do artigo 204.º reporta-se à ilegalidade absoluta ou abstracta da dívida exequenda, resultante da inexistência de lei que preveja a sua liquidação ou que autorize a sua cobrança. Pelo que a ilegalidade invocada não é abstracta, porque não deriva da própria lei, antes resultando do acto que fez a sua aplicação em concreto.
Assim sendo, a discussão sobre a legalidade concreta do acto de liquidação do imposto que constitui a dívida exequenda só podia ser válida e eficazmente efectuada em processo de oposição se a lei não assegurasse meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto da liquidação, isto é, se o ordenamento jurídico não facultasse ao executado meio de impugnar contenciosamente o acto tributário de liquidação - artigo 204.º, nº 1, alínea g), do CPPT – o que não é o caso, pois a lei assegura meio judicial de impugnação contra esse acto tributário de liquidação (cfr. artigo 95.º da LGT e artigos 97.º e 102.º do CPPT), assim se mostrando cumprida a garantia constitucional de acesso à Justiça consignada no artigo 268.º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso, ficando, assim prejudicado o conhecimento das questões colocadas nas conclusões 1.C), 1.D) e 1.E), porque pressupõem a possibilidade legal de se discutir nestes autos a legalidade do acto de liquidação do IRS que constitui a dívida exequenda.
2.2. Quanto à segunda questão, o tribunal “a quo” configurou, e bem, a situação explanada pelos Oponentes - de falta de notificação da liquidação do IRS no prazo de caducidade - como um fundamento de oposição enquadrável na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
Efectivamente, no processo de oposição apenas pode ser discutida a falta de notificação ou a falta de notificação tempestiva (no prazo de caducidade) da liquidação dos tributos que constituem a dívida exequenda, na medida em que essas situações são susceptíveis de retirar eficácia ao acto notificado e impedir, desse modo, a exigibilidade da dívida. Já a discussão da caducidade do direito à liquidação em si, na medida em que constitui matéria que contende com a (i)legalidade do concreto acto de liquidação, não é permitida em sede de oposição por força do disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT, uma vez que a lei concede, como vimos, a possibilidade de reacção contra a liquidação de impostos através de meios contenciosos próprios.
Os Oponentes alegaram ter tido conhecimento do acto de liquidação do imposto que constitui a dívida exequenda apenas no ano de 2009, altura em que já havia decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45.º da LGT.
Na sentença conclui-se que a notificação do acto de liquidação de IRS que constitui a dívida exequenda ocorrera em Novembro de 2007, ainda dentro do prazo de caducidade, uma vez que as notificações relativas às liquidações de tributos que resultem de correcções à matéria tributável que tenham sido já objecto de notificação para efeitos do direito de audição são efectuadas por mera carta registada (artigo 38º n.º 3, do CPPT), enviadas para a morada fiscal dos contribuintes, e se presumem feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte quando esse dia não seja útil (artigo 39º n.º 1 do CPPT).
Na verdade, segundo o teor da sentença, resulta da materialidade fáctica provada que os oponentes «foram notificados para o exercício do direito de audição e da liquidação. As notificações foram efectuadas para a morada fiscal dos oponentes constante do cadastro informático que os oponentes forneceram à administração fiscal em 19-12-2000 e 08-03-2002, não havendo posteriormente qualquer outra alteração que a ocorrer é ineficaz, como resulta dos arts. 43.º, n.º 2 do CPPT e 19.º n.º 3 da LGT(...)». Razão por que se julgou suficiente o envio de carta registada simples para o domicílio fiscal dos Oponentes para concretizar, de forma válida, a notificação do acto de liquidação, a qual se deve considerar feita no 3.º dia posterior ao registo (efectuado em 28/11/2007), tendo em conta que a mudança de domicílio fiscal, não comunicada à administração tributária, implica a inoponibilidade da falta do seu recebimento.
Vejamos.
Como se sabe, a liquidação, como acto de eficácia externa que é, tem de ser notificada aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, na forma prevista na lei, de acordo com a imposição do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição, e a sua falta tem como consequência legal a ineficácia do acto. Por isso, na concretização desse imperativo constitucional, o n.º 1 do artigo 36.º do CPPT estabelece que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.
Nessa consonância, o artigo 38.º do CPPT preceitua, no seu n.º 1, que «as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências». O que significa que estando em causa actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências, a lei impõe a notificação por carta registada com aviso de recepção.
Assim se compreende que, relativamente ao IRS, o artigo 149.º do CIRS (na redacção dada pelo Dec.Lei nº198/2001, de 3 de Julho) estipule que as notificações a que se refere o artigo 66.º (os actos de fixação ou alteração previstos no artigo 65.º, e que se traduzem, além do mais, nos actos de alteração dos elementos declarados por força de correcções efectuadas pela Administração decorrentes de erros evidenciados nas declarações ou de omissões nelas praticadas), quando por via postal, devam ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.
Todavia, a Lei n° 55-B/2004, de 30 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2005, introduziu uma alteração à redacção da norma contida no nº 3 do artigo 38.º do CPPT, no sentido de que «As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada».
Ou seja, basta a notificação por carta registada simples naquelas situações em que os contribuintes já tiveram anteriores participações no procedimento, por ser expectável que saibam, nessas situações, que lhe irão ser efectuadas notificações ulteriores, não se justificando a forma solene da carta registada com aviso de recepção para o acto final de liquidação.
O que significa que, relativamente a liquidações de IRS efectuadas depois de 1 de Janeiro de 2005 na sequência de correcções à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação ao sujeito passivo para efeitos do direito de audição, a forma legal de notificação do acto é a mera carta registada. E por força do nº 1 do artigo 39.º do CPPT, as notificações por carta registada presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte quando aquele seja dia não útil.
Todavia, como bem salienta JORGE LOPES DE SOUSA [Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume I, 5.ª ed., Áreas Editora, p. 353], tal presunção só pode valer nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no n.º 2, em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido.
Deste modo, se os Oponentes tiverem sido efectivamente notificados para efeitos de exercício do direito audição da correcção efectuada ao seu rendimento colectável, terá bastado o envio de carta registada simples para a perfeição da notificação do acto de liquidação.
Encontra-se provado, e não é objecto de controvérsia, que em 24/09/2007 a Administração Fiscal enviou aos sujeitos passivos, ora Recorrentes, carta registada para exercício do direito de audição, remetida para o domicílio fiscal declarado, isto é, para a única morada que consta do cadastro da Direcção Geral dos Impostos (Vivenda … - Caixa Postal …, Sitio da …, Santa Barbara de Nexe). Com efeito, segundo o disposto no n.º 4 do artigo 60° da LGT, o direito de audição «deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte».
Essa carta veio devolvida com a indicação “Destinatário ausente, empresa encerrada”, conforme consta do documento de fls. 139 referenciado no ponto 7.º do probatório. O que se compreende, na medida em que esse domicilio fiscal correspondia à casa de habitação alienada pelos Oponentes em 2003 e cujas mais-valias estão na origem da dívida exequenda.
Tendo vindo devolvida, e não tendo a Administração Tributária feito qualquer esforço adicional no sentido de os notificar, não pode presumir-se efectuada a notificação para o exercício do direito de audição. E, assim sendo, a notificação do acto final de liquidação do IRS não podia deixar de ser efectuada por carta registada com aviso de recepção.
Não o tendo sido, e dado que a carta registada enviada para o efeito também veio devolvida, não pode considerar-se validamente efectuada a notificação do acto de liquidação como se havia decidido na sentença recorrida.
Todavia, como os próprios Oponentes alegam, essa devolução ficou a dever-se ao facto de terem regressado definitivamente ao país de origem (Alemanha) logo após a venda da casa de habitação que constituía o seu único domicílio fiscal em Portugal. Isto é, a carta para notificação foi devolvida por força da ausência no estrangeiro e termo de domicílio em Portugal, e esta situação nunca foi comunicada à Administração Fiscal.
Ora, a Lei Geral Tributária estabelece, no artigo 19.º, que é obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração, e que os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.
Por sua vez, o artigo 130.º do Código do IRS dispõe que «Os não residentes que obtenham rendimentos sujeitos a IRS, bem como os que, embora residentes em território nacional, se ausentem deste por um período superior a seis meses devem, para efeitos tributários, designar uma pessoa singular ou colectiva com residência ou sede em Portugal para os representar perante a Direcção-Geral dos Impostos e garantir o cumprimento dos seus deveres fiscais» (n.º 1), que «A designação a que se refere o n.º 1 será feita na declaração de início de actividade, de alterações ou de registo de número de contribuinte, devendo nela constar expressamente a sua aceitação pelo representante» (n.º 2) e que «Na falta de cumprimento do disposto no n.º 1, e independentemente da sanção que ao caso couber, não há lugar às notificações previstas neste Código, sem prejuízo de os sujeitos passivos poderem tomar conhecimento das matérias a que as mesmas respeitariam junto do serviço que, para o efeito, seja competente» (n.º 3).
Isto é, a falta de cumprimento da obrigação de designar representante tem como consequência que não haverá lugar às notificações previstas na lei, sem prejuízo de os sujeitos passivos poderem tomar conhecimento das matérias a que as mesmas respeitam junto dos serviços centrais da Direcção Geral dos Impostos (artigos 130.º e 142.º, n.º 2 do Código do IRS).
No caso vertente, tendo os Oponentes obtido rendimentos sujeitos a IRS em Portugal, ficaram obrigados a designar, ao voltarem definitivamente para o seu país de origem, pessoa com residência ou sede em Portugal para os representar perante a DGI e garantir o cumprimento dos seus deveres fiscais. E, não o tendo feito, desvincularam a Administração Tributária da obrigação de os notificar do acto de liquidação de IRS pela tributação das mais valias geradas com a alienação da habitação que possuíram em Portugal, embora mantivessem o direito de tomar conhecimento da matéria junto dos serviços competentes da DGI.
Por conseguinte, não existindo a obrigação legal de a Administração notificar os sujeitos passivos, ora Recorrentes, do acto de liquidação de IRS, não pode proceder o argumento da falta de notificação tempestiva (no prazo de caducidade) da liquidação do tributo que constitui a dívida exequenda.
A decisão recorrida é, pois, de confirmar, conquanto com base em fundamentação distinta.
3. Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida com a fundamentação acima aduzida.
Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 13 de Abril de 2011. – Dulce Neto (relatora) - António Calhau - Valente Torrão.