Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0848/14
Data do Acordão:07/23/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:ANULAÇÃO DA VENDA
LEI APLICÁVEL
CONTAGEM DE PRAZO
ADMINISTRAÇÃO FISCAL
Sumário:I - A competência para o conhecimento dos pedidos de anulação de venda efectuados em processos de execução fiscal instaurados antes de 01/01/2012 é do órgão periférico da administração tributária.
II - O prazo de 45 dias previsto no nº 5 do artº 257º do CPPT na redacção introduzida pela LOE 2012 só se conta a partir da notificação dos interessados.
III - Uma vez decorrido o referido prazo de 45 dias presume-se indeferido o requerimento de anulação de venda, abrindo-se meio de reclamação ao contribuinte sem prejuízo de vir a ser proferida pronúncia expressa pela administração fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P17838
Nº do Documento:SA2201407230848
Data de Entrada:07/08/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO ....., CRL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. Relatório
Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ………., apresentou reclamação contra o despacho de 23/09/2013 proferido pela Directora de Finanças Adjunta do Porto, que se recusou a decidir o pedido de anulação de venda do prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de ………, sob o artigo 1479, no âmbito do P.E.F. n.º 3182201001088360 e apensos.

Por sentença de 27/05/ 2014 foi decidido julgar parcialmente procedente a Reclamação, anulando-se o despacho reclamado, mas não se conhecendo do pedido de anulação da venda.

Não se conformando, recorre a Fazenda Pública para este STA apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A. A Fazenda Pública entende que, tendo ocorrido indeferimento tácito do pedido de anulação de venda, em 19-09-2013, e tendo a douta petição de reclamação dado entrada via CTT, em 21-10-2013, a reclamação deste ato de indeferimento mostra-se intempestiva, por se encontrar ultrapassado o prazo de 10 (dez) dias previsto no n.º 1 do art. 277.º do CPPT.
B. Nos termos dos n°5 4 e 5 do art. 257.º do CPPT, o pedido de anulação de venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da AT que, no prazo máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos os interessados na venda, sendo que, decorrido o prazo de 45 dias sem qualquer decisão expressa, o pedido de anulação da venda é considerado indeferido.
C. O pedido de anulação de venda em causa considera-se tacitamente indeferido no dia 19-09-2013.
D. Estabelece o art. 257.º n.º 7, do CPPT, que “da decisão, expressa ou tácita, sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do artigo 276.º”.
E. Em suma, sendo o prazo para apresentação da reclamação peremptório e de caducidade, o seu decurso faz extinguir o direito que se pretendia exercer, nos termos dos artigos 576.º, n.º 3, e 579.º , ambos do novo CPC, devendo ser declarada a procedência da exceção e absolvendo-se a Fazenda Pública da instância.
F. Atendendo à unidade do sistema jurídico verifica-se que não foi utilizada uma presunção de indeferimento, mas sim uma ficção de indeferimento com efeito, prevê-se que, findo aquele prazo, sem decisão expressa, considera-se que o pedido foi indeferido
G. Não está em causa uma mera presunção legal mas sim uma ficção jurídica.
H. Ao estipular-se legalmente que se considera indeferido o pedido, mais não está do que a ficcionar-se um ato de indeferimento, ato esse que se sabe que não existiu mas que, para todos os efeitos, incluindo a abertura da via contenciosa, se “considera” que existe.
I. O que se prevê é que perante a decisão tácita ou expressa, se reclame no prazo de 10 dias e, exatamente, por isso é que o n.º 6 do art. 257.º do CPPT prevê expressamente que a decisão que for proferida tem que ser notificada ao interessado dentro do prazo de reclamação do indeferimento tácito.
J. Se atentarmos nas diversas normas relativas a prazos de decisão por parte de órgãos administrativos, sempre que se prevê a figura do indeferimento tácito, também se prevê que, para efeitos de impugnação, se presume esse indeferimento tácito.
K. Portanto, nesses casos, restringe-se o efeito da presunção de indeferimento à abertura da via contenciosa, de onde decorre a possibilidade de uma eventual decisão posterior do órgão administrativo em caso de não utilização dessa via judicial.
L. Se o contribuinte quiser, pode aproveitar a abertura da via contenciosa que lhe é conferida, decorrente da presunção de indeferimento mas, caso o não queira, poderá simplesmente aguardar a decisão administrativa e isto porque a presunção de indeferimento é instituída em beneficio do peticionante e não da Administração.
M. O que se prevê no art. 257.º do CPPT é que se considera o pedido indeferido, isto é, considera-se proferida uma decisão de indeferimento, com todos os efeitos legais daí decorrentes (incluindo o impedimento de “nova” decisão).
N. Cumpre salientar que são substancialmente diferentes os efeitos do decurso do prazo: (i) no caso das presunções em que se considera o pedido indeferido para efeitos de impugnação persiste o dever de decisão, mas (ii) no caso das ficções jurídicas estas são imediatamente eficazes e substituem-se à decisão que fosse de proferir para todos os efeitos legais.
O. Atenta a natureza tácita do ato reclamado, decorrente da ficção de indeferimento, considera a Recorrente que não é lícito imputar ao mesmo vícios relacionados com a não pronúncia quanto à tempestividade do pedido que o provocou ou quanto à exigência de cumprimento de formalidades.
P. À data em que foi proferido o despacho reclamado já não era possível ao órgão de execução fiscal proferir decisão expressa sobre o pedido de anulação de venda (fruto do indeferimento tácito), mas o órgão de execução fiscal pronunciou-se e fundamentou de forma clara e precisa, os motivos pelos quais, à data do despacho reclamado, já não podia emitir qualquer pronúncia expressa sobre o pedido de anulação de venda.
Q. À data do despacho reclamado, o órgão de execução fiscal somente se poderia pronunciar e fundamentar sobre a “não decisão expressa quanto ao pedido de anulação de venda”, sendo que esta “não decisão expressa” se prendia apenas com o indeferimento tácito entretanto verificado por força de lei (art. 257.º, n.ºs 4 e 5 do CPPT).
R. Com a denominada ficção de indeferimento, existe impedimento legal de apreciar o pedido de anulação de venda após os referidos 45 dias à luz dos fundamentos previstos para a anulação nos termos daquele art. 257.º do CPPT.
S. A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, violando o disposto no art. 257.º do CPPT, erro que ora se invoca para todos os legais efeitos.
T. Quanto ao pedido de anulação de venda, a competência para a sua apreciação passou a caber, desde 01-01-2012, em primeira mão, ao órgão periférico regional da AT, cabendo, da 1) decisão, expressa ou tácita, reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância, nos termos do art. 276.º do CPPT.
U. No regime atualmente vigente, o tribunal não pode decidir a anulação de venda em primeira mão, apenas lhe competindo apreciar, em sede de reclamação judicial, uma decisão expressa do órgão periférico regional da AT ou o indeferimento tácito que tenha ocorrido.
V. O Tribunal não pode pronunciar-se sobre a anulação de venda, uma vez que a sua apreciação encontra-se, em primeira mão, dependente da realização de valorações próprias do exercício da função administrativa e tributária.
W. A Reclamante, aqui Recorrida, só poderia colocar em causa, através da Reclamação do art. 276.º do CPPT, o indeferimento tácito, contudo, como já acima alegado, não o fez atempadamente.
X. Assim, por ter decidido de forma divergente, a douta sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento de direito, porquanto fez errónea interpretação do disposto nas normas legais aplicáveis ao caso, mais concretamente do disposto no art. 257.º do CPPT.

Foram apresentadas contra-alegações com as seguintes conclusões:

1 - A Recorrente alega, em síntese, que a reclamação intentada pela Recorrida nos termos do artigo 276° do CPPT, foi intempestiva entendendo ter existido indeferimento tácito, que aqui se tratará de uma ficção de um acto administrativo e que a administração tributária não está obrigada a decidir após a formação deste.
2 - As questões a decidir são as de saber se a administração tributária está ou não obrigada a decidir, mesmo tendo-se formado o indeferimento tácito, e se esse prazo conta após a audição dos interessados ou a partir da data de entrega da petição.
3 - O dever legal de decisão é o dever que implica uma conclusão dos procedimentos, com a consequente prática de um acto administrativo (arts. 57º, 58° e 106° a 109°, todos do CPA).
4 - Só há a formação da presunção de deferimento ou indeferimento tácito quando há dever legal de decisão. Caso haja apenas um dever de pronúncia, o interessado terá de se fazer valer do processo judicial de “intimação para um comportamento” para que a Administração Tributária seja obrigada a responder. No caso em concreto, não há dúvida de que se está perante o dever legal de decidir.
5 - A Recorrente entende que, caso se forme indeferimento tácito, já não há dever de decidir. Mas se o interessado preferir aguardar pela decisão expressa nada impede que o faça. Não seria de todo lógico que a não reacção à presunção de indeferimento pudesse impedir o recurso à via contenciosa da decisão expressa posterior.
6 - Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em Ac. de 22.01.2014 no proc.0510/13, sobre a idêntica situação: «Do que decorre que da falta de reação do interessado em face de um silêncio operante (indeferimento tácito) da Administração, não pode dizer-se que esta se encontre dispensada do dever de decidir a pretensão que lhe foi dirigida, nem concomitantemente que se encontre impedida ou impossibilitada de o fazer. Pelo contrário a Administração está ainda constituída no dever de decidir, não havendo lugar à extinção do procedimento (no caso, um procedimento que constitui um incidente no processo de execução fiscal, com vista à apreciação do pedido de anulação de venda nele efetuada) iniciado com requerimento do interessado.
7 - Tanto a ficção como a presunção, aplicadas no caso em concreto, servem apenas para garantir ao interessado o direito de acesso aos tribunais, e não desonerar a administração tributária de decidir. Estas duas figuras - ficção e presunção de indeferimento - produzem o mesmo efeito legal e ambas não desoneram a Administração Tributária de decidir.
8 – Entende a Recorrida que há confusão entre o dever de pronúncia e o dever de decisão. O dever aqui em causa é o dever de decisão e não o de pronúncia. A Administração Tributária inibiu-se de decidir, pronunciando-se expressamente no sentido de não existir o dever de decidir.
9 - Antes do Orçamento de Estado para 2012 os pedidos de nulidade da venda em processo executivo tributário eram dirigidos ao tribunal e por ele conduzidos até decisão. O tribunal ouvia todos os interessados e depois decidia. Com o Orçamento de estado para 2012 passou a ser competência do órgão periférico regional da administração tributária decidir estas questões e conduzir todo o procedimento. Esta alteração pretendeu desonerar os tribunais da decisão destas questões e assim evitar a longa pendência nos mesmos e consequente morosidade da decisão.
10 - Ora, seria pouco razoável que se pretendesse ouvir todos os interessados na venda de bens em processo executivo fiscal (que, caso haja muitos credores reclamantes podem atingir um número alto de interessados a ouvir) e decidir, tudo em 45 dias.
11 - Faz mais sentido que após audição de todos os interessados a Administração Tributária tenha então 45 dias para proferir a decisão.
12 - O legislador pretendeu retirar aos tribunais a decisão sobre a anulação das vendas em processo executivo tributário, não pode a Administração Tributária limitar-se a nada fazer para que a decisão seja remetida aos tribunais através da reclamação do artigo 276° do CPPT e face ao indeferimento tácito.
13 - Segundo a legislação em vigor, o tribunal nem sequer pode decidir sobre a legalidade ou ilegalidade da venda, uma vez que essa competência é do órgão periférico regional da Administração Tributária.

O Ministério Publico emitiu o seguinte parecer:
«Aderindo ao já decidido no acórdão n.º 0510/13, de 22-1-2014, do S.T.A., nomeadamente no ponto IV do seu sumário, no sentido de mesmo decorrido o prazo de 45 dias ora previstos no art. 257.º n.º 4 do C.P.P.T., existe ainda a obrigação de decidir por parte da A.T., de tal parece decorrer que o recurso interposto pela F.P. é de improceder sendo de confirmar o decidido.»

2- Fundamentação:
Na decisão de 1ª Instância foram dados como assentes os seguintes factos:

A) Foram instaurados, no Serviço de Finanças do Porto 2 o PEF n.º 3182201001088360 e apensos contra a sociedade “A…….., S.A.”.
(Fls. 1 e 2 e cfr decorre dos autos).
B) Sobre o prédio rústico sito no lugar da Amadora, inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de ………, sob o artigo 1479 e na Conservatória do Registo Predial de ....... sob o n.º 5019, foi constituída hipoteca, em 26/08/2010, e, em 11/01/2012, penhora a favor da Reclamante.
(Fls. 24 a 25 verso e fls. 31 a 37 do P.A.).
C) Em 27/07/2012, o prédio referido foi penhorado a favor da Fazenda Nacional, no P.E.F. n.º 3182201001088360 e foi efectuado o respectivo registo na Conservatória do Registo Predial de ...... em 10/08/2012.
(Fls. 25 e 26 verso).
D) Por despacho de 20/03/2013 do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2, foi designada a venda do prédio, por meio de leilão electrónico, para as 10 horas do dia 04/06/2013.
(Fls. 26).
E) Em 21/06/2013 foi passado o “título de transmissão” do imóvel a favor de “B………, Lda” pelo valor de Euro 9.900,00.
(Fls. 44 e 45).
F) Por carta registada em 1710612013, a Reclamante requereu ao Director de Finanças do Porto e ao Serviço de Finanças do Porto 2 a anulação da venda do prédio, com os fundamentos constantes do requerimento a fls. 46 a 61.
(FIs.46 a 61 e fls. 103).
G) Por ofício de 05/07/2013, o Serviço de Finanças do Porto 2 remeteu à Direcção de Finanças do Porto o pedido de anulação de venda.
(Fls. 63 a 65).
H) A Direcção de Finanças do Porto remeteu e-mail de 19/07/2013, ao Serviço de Finanças do Porto 2, no qual refere: “Constituindo a audição de todos os interessados na venda efectuada um dos requisitos do procedimento, requer-se a identificação dos eventuais interessados na venda, bem como junção das peças processuais pertinentes, relativas ao alegado na petição.”, tendo o Serviço de Finanças respondido por e-mail de 19/07/2013.
(Fls. 66 a 68).
I) Em 18/09/2013, foi elaborada “Informação” com “Proposta de decisão”, pela “Área da Justiça Tributária - Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças do Porto”, na qual são analisados os fundamentos do pedido de anulação de venda, propondo o “indeferimento da petição”.
(Fls. 70 a 82 verso).
J) Em 23/0912013, sobre a Informação/Proposta referida na alínea anterior, foi proferido o seguinte despacho pela Directora de Finanças Adjunta da “Área da Justiça Tributária - Divisão de Gestão da Divida Executiva da Direcção de Finanças do Porto”:
“Verificando-se que nesta data se mostra ultrapassado o prazo previsto no n.º 4 do art° 257° do CPPT, não existe dever de decisão, face ao estatuído nos n.ºs 5 e 7 do citado normativo.”
(Fls. 70).
K) Por carta com aviso de recepção, assinado em 15/10/2013, foi remetido à Reclamante o ofício n.º 8554/382-30, comunicando o despacho referido na alínea anterior.
(Fls. 120 e 120 verso).
L) Por carta registada em 21/1012013, a Reclamante apresentou a presente Reclamação.
(Fls. 126).

3- Do Direito:
Para se decidir pela procedência parcial da reclamação considerou a Mª juíza de 1ª Instância o seguinte: (destacam-se apenas os trechos mais relevantes da decisão com interesse para o presente recurso).
“Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ……..”, pessoa colectiva n.º ………, com sede na Rua ……….., n.º …….., Vila Nova de Gaia, veio apresentar, ao abrigo do artigo 276.º e seguintes do C.P.P.T.( Lista de abreviaturas
- Código de Procedimento e de Processo Tributário: «C.P.P.T.»;
- Lei Geral Tributária: «L.G.T.»;
- Código de Processo Civil: «C.P.C.», aplicável por remissão da alínea e) do artigo 2.° do C.P.P.T..
- Código Civil: «CC.»;
- Constituição da República Portuguesa: «C.R.P.»;
- Código do Procedimento Administrativo: «C.P.A.»;
- Regulamento das Custas Processuais: «R.C.P.».
), Reclamação contra o despacho de 23/09/2013 proferido pela Directora de Finanças Adjunta do Porto, que se recusou a decidir o pedido de anulação de venda do prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de …….., sob o artigo 1479, no âmbito do P.E.F. n.º 3182201001088360 e apensos.
Formulou, para o efeito, as seguintes conclusões:
(…)
Dada vista ao Ministério Público, em cumprimento do preceituado no n.º 2 do artigo 278.º do C.P.P.T., emitiu o parecer inserto a fls. 190 dos autos,(…).

2. Saneamento
(…)

Incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras (n.º 2 do artigo 608.º do C.P.C.).
In casu, mostra-se necessário analisar a excepção da caducidade do direito da acção (intempestividade), suscitada pela Fazenda Pública.

Vejamos.

Com base nos documentos juntos aos autos e constantes do P.A. apenso, que não foram impugnados, apurou-se a seguinte matéria de facto:
(…)
A Fazenda Pública, remetendo para as informações da A.T. constantes de fls. 154 a 161, suscitou a excepção da caducidade do direito de deduzir a presente Reclamação, argumentando que a mesma foi apresentada para além do prazo de 10 dias a contar da data em que ocorreu o indeferimento tácito do pedido de anulação da venda.
Considera, pois, que o prazo de 45 dias para a decisão do pedido de anulação de venda deve ser contado desde a data da apresentação do pedido, findo o qual se considera o pedido tacitamente indeferido, cabendo reclamação no prazo de 10 dias.
Nesta conformidade, conclui a A.T. que o indeferimento tácito do pedido ocorreu em 19/09/2013, pelo que dispunha a Reclamante do prazo de 10 dias a contar dessa data para apresentar a Reclamação, prazo que não cumpriu pois apenas a deduziu em 21/10/2013, ou seja, 32 dias após o indeferimento tácito.
Notificada da contestação, veio a Reclamante apresentar réplica, a fls. 179 a 183, na qual defende que não ocorre intempestividade pois o objecto da presente. Reclamação não é o indeferimento tácito do pedido de anulação de venda mas sim o despacho de 23/09/2013, proferido pela Directora de Finanças Adjunta, no sentido de não se pronunciar sobre o pedido, por entender que já não existia o dever de decidir.

Vejamos a quem assiste razão.

A Reclamação constitui o meio de reacção face às decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro (cfr. artigo 276.º do C.P.P.T.), tendo de ser apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão (n.º 1 do artigo 277.° do C.P.P.T.).
Do acervo de factos provados decorre que, no âmbito P.E.F. n°3190200901057316, instaurado pelo Serviço de Finanças do Porto 2, contra a executada “A………, S.A.”, foi efectuada penhora e posterior venda do prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de ………., sob o artigo 1479, tendo sido adjudicado à sociedade “B………, Lda” (cfr alíneas A), C), D) e E) dos factos provados).
Ademais, queda assente que a Reclamante, credora com garantia real (hipoteca e penhora) sobre esse imóvel (alínea B)), não se conformando com a venda, requereu, em 17/06/2013, ao Director de Finanças do Porto e ao Serviço de Finanças do Porto 2 a anulação da mesma (alínea 9).
Remetido aquele requerimento para decisão à Direcção de Finanças do Porto, sobre o mesmo veio a recair o despacho de 23/09/2013 da Directora de Finanças Adjunta que considerou que, estando ultrapassado o prazo previsto no n.º 4 do art.° 257.º do C.P.P.T., não existia o dever de decisão, não apreciando o pedido (cfr alíneas G) e J)).
Ora, perscrutada a petição inicial (a fls. 127 e ss), verifica-se que:
- a impetrante reclama do despacho de 23/09/2013, da Directora de Finanças Adjunta (artigo 6.° da P1), por entender que “...este despacho não faz uma correcta interpretação do disposto no n.º 4 do art. 257.º do CPPT.”, uma vez que o indeferimento tácito não significa que a “...decisão expressa não possa ser proferida.
- entende ter ocorrido omissão de formalidade decorrente da falta de audição dos interessados quanto ao pedido de anulação; e
- pretende que o Tribunal determine a anulação da venda, invocando ao longo do articulado vícios que constam do pedido de anulação de venda dirigido à A.T., alicerçados nos mesmos fundamentos, em concreto: falta de notificação do mandatário judicial, falta de notificação dos preferentes, erro por falta de conformidade com o anunciado, erro no valor base de venda, erro na aplicação da Lei n.º 254-B/2011 de 30/11 e inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 248.º do C.P.P.T.;
Peticionando, a final, a revogação do despacho de 23/09/2013 e a anulação da venda.
Ressalta, pois, à evidência que a impetrante pretende ver apreciado o seu pedido de anulação da venda, atacando o despacho de 23/09/2013, concernente à recusa de apreciação do pedido, entendendo que deveria ser proferida uma decisão, solicitando ao Tribunal que anule esse despacho e ainda que se pronuncie sobre a anulação da venda.
Nestes termos, em primeira linha, o objecto da presente acção corresponde ao despacho de 23/09/2013 e é por referência a tal despacho que deve ser aferida a tempestividade da presente Reclamação.
Assim, tendo a Reclamante sido notificada do despacho reclamado em 15/10/2013 e tendo apresentado a Reclamação em 21/10/2013 (cfr. alíneas K) e L)), impera concluir que respeitou o prazo de 10 dias legalmente consagrado no n.º 1 do artigo 277.º do C.P.P.T., improcedendo, assim, a excepção da caducidade do direito de acção.
Não existem outras nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa, o que se faz em seguida.

3. Factos provados e não provados
(…)
4. Fundamentação de Direito

Considerando os pedidos formulados pela impetrante e a causa de pedir, verifica-se que a presente acção reconduz-se à apreciação das seguintes questões:
i) Da (alegada) ilegalidade do despacho proferido em 23/09/2013; e
ii) Da anulação da venda.
Vejamos cada questão de per si.

4.1. Da ilegalidade do despacho reclamado
Considera a Reclamante que o despacho no qual é determinado não existir o dever de decisão por parte da A.T., padece de ilegalidade pois não faz uma correcta interpretação do disposto no n.º 4 do artigo 257.º do C.P.P.T. pois “O facto de nesse preceito se estabelecer um prazo para o órgão da administração tributária proferir uma decisão expressa de deferimento ou indeferimento não quer dizer que, ultrapassado esse prazo, essa decisão expressa não possa ser proferida.”.
Ademais, arguiu que a formalidade prevista nesse normativo - a audição, pela A.T., de todos os interessados quanto ao pedido de anulação de venda - não foi cumprida, motivo pelo qual “...deve o despacho ser anulado e substituído por outro em que tenha sido cumprido o disposto no n.º 4 do art. 257.º CPPT”
Cumpre analisar e decidir.
Está em causa a interpretação do disposto no artigo 257.º do C.P.P.T., que dispõe actualmente o seguinte (alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2012, com entrada em vigor em 01/01/2012):
1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:
a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caduca do ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;b) De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n° 1 do artigo 203°;
c) De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
2 - O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no n°3.
3 - Se o motivo da anulação da venda couber nos fundamentos da oposição à execução, a anulação depende do reconhecimento do respectivo direito nos termos do presente Código, suspendendo-se o prazo referido na alínea c) do n° 1 no período entre a acção e a decisão.
4 - O pedido de anulação da venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da administração tributária que, no prazo máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos os interessados na venda, no prazo previsto no artigo 60.º de lei geral tributária.
5 - Decorrido o prazo previsto no número anterior sem qualquer decisão expressa, o pedido de anulação da venda é considerado indeferido.
6 - Havendo decisão expressa, deve esta ser notificada a todos os interessados no prazo de 10 dias.
7 - Da decisão, expressa ou tácita, sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do artigo 276.°
8 - A anulação da venda não prejudica os direitos que possam assistir ao adquirente em virtude da aplicação das normas sobre enriquecimento sem causa.” [sublinhado nosso].
Ora, decorre do teor do despacho ora em crise que a Directora de Finanças Adjunta do Porto considerou que o prazo de 45 dias previsto no n.º 4 encontrava-se ultrapassado, ocorrendo indeferimento tácito, pelo que, no seu entender, não existia já o dever de decisão.
Ademais, resulta das informações oficiais prestadas nos presentes autos que a A.T. concluiu que o indeferimento tácito do pedido ocorreu em 19/09/2013, sendo, pois de inferir que:
i) por um lado, considerou que o cômputo dos 45 dias teve início na data de apresentação do pedido de anulação da venda (e ficou suspenso durante as férias judiciais);
ii) e, por outro lado, que, ocorrendo o indeferimento tácito, não tinha de decidir o pedido.
Ora, desde já se adianta que ambas as conclusões encontram-se erradas, pelas razões que se passam a expor
No que concerne à contagem do prazo de 45 dias (e à consequente formação do indeferimento tácito) resulta do teor literal do n.º 4 do normativo referido que esse prazo apenas se inicia após terem sido “...ouvidos todos os interessados na venda (audição esta que tem de ser efectuada pelo órgão periférico regional da A.T.) e não da data da apresentação do pedido de anulação (como, erradamente, considerou a A.T.).
De facto, como não pode ter acolhimento a interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do artigo 9.° do CC.), somos levados a concluir que, apresentado o pedido de anulação de venda ao órgão periférico regional, este deve proceder à audição de todos os interessados na venda, no prazo previsto no artigo 60.º da L.G.T., após o que, no prazo máximo de 45 dias, contados nos termos do C.P.C. (cfr. o n.º 2 do artigo 20.º do C.P.P.T.), pode deferir ou indeferir o pedido.
Por outro lado, não é, de forma alguma, razoável concluir que o legislador tenha pretendido que o tribunal tributário procedesse, em primeira mão, à audição dos interessados à realização de outras diligências instrutórias e à prolação de decisão, sob pena de se fazer “letra morta” do novo regime da anulação de venda, mantendo-se, então, o regime anterior (que vigorou até 31/12/2011) ( Anteriormente, era competente para a apreciação do pedido de anulação da venda o tribunal tributário de primeira instância, por aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 151.º do C.P.P.T. (porque se trata de um incidente no processo de execução fiscal) e, ainda, de acordo com a previsão legal expressa na alínea d) do n.º 1 do artigo 49.º do E.T.A.F. Eram, então, citados para responder, o representante da Fazenda Pública, o executado (se não fosse o requerente), os credores interessados e, ainda, os contra-interessados na manutenção do acto, assim se observando o princípio do contraditório, previsto no C.P.C., aplicável no processo de execução fiscal. Realizadas as diligências de produção de prova, e examinada a prova produzida, era proferida decisão depois de ouvido o Ministério Público.), com a única diferença de que o processo, por constituir uma reclamação nos termos do artigo 276.º e seguintes do C.P.P.T., passaria a ter, no Tribunal, tramitação urgente.
De facto, pese embora o relatório do Orçamento do Estado para 2012 seja omisso quanto às razões da alteração introduzida no artigo 257.º do C.P.P.T., cremos que não foram meras razões de celeridade processual que estiveram na sua origem (pois, se assim fosse, bastaria ao legislador atribuir natureza urgente ao incidente), mas sim razões de descongestionamento dos tribunais (ao proceder à transferência da competência dos tribunais tributários para o órgão da A.T.), tal como ocorreu, no passado, em termos similares, com a Verificação e graduação de créditos nos processos de execução.
Afigura-se-nos, pois, que, para além da letra da norma ir no sentido de que a audição dos interessados compete à A.T. e que só depois da sua efectivação é que começa a correr o prazo de 45 dias, também quis o legislador que a instrução do processo, incluindo a audição dos interessados na venda, passasse a ser efectuada pelo órgão periférico regional, e que, após essa audição, esse mesmo órgão tivesse a oportunidade de apreciar, em primeira mão, no prazo de 45 dias, a legalidade da venda, podendo confirmá-la ou anulá-la, evitando, assim, o recurso imediato aos tribunais tributários, que padecem de elevadas pendências.
Ademais, sempre se diga que a tese defendida pela A.T. e secundada pela Fazenda Pública, no sentido de que o prazo de 45 dias se conta da data de apresentação do pedido de anulação de venda, findo o qual ocorre indeferimento tácito que desonera a A.T. do dever de decidir, levaria a que se premiasse a inércia da AT., que nada teria de fazer (nem mesmo a audição dos interessados na venda) bastando que deixasse o prazo de 45 dias correr, relegando, assim, para a via judicial a apreciação da anulação.
Não nos parece, de todo, que tenha sido essa a intenção do legislador, ou seja, de compactuar com inércias e com violações frontais ao princípio da decisão preconizado no artigo 56.º da L.G.T..
Por todo o exposto, impera concluir que a audição dos interessados surge como um pressuposto necessário, quer da decisão expressa do órgão periférico regional, quer da ocorrência do indeferimento tácito, só se iniciando a contagem do prazo de 45 dias após a conclusão dessa diligência.
Retornando ao caso em apreço, e tendo o Serviço de Finanças remetido, em 19/07/2013, à Direcção de Finanças do Porto, a identificação dos interessados e as peças para a apreciação do pedido de anulação, competia a essa Direcção efectuar a audição dos interessados e a instrução do processo, sendo incompreensível que, na posse desses elementos, não tenha feito qualquer diligência, até que, (apenas) em 23/09/2013 tenha decidido proferir o despacho ora reclamado, auto isentando-se do dever de proferir decisão (cfr alíneas G), H), 1) e J) dos factos provados).
Nestes termos, no caso sub judice, não tendo a A.T. realizado a audição dos interessados, o prazo de 45 dias não começou a correr, motivo pelo qual não ocorreu o indeferimento tácito do pedido de anulação da venda.
Adicionalmente, sempre se diga que, mesmo que se considerasse ter ocorrido o indeferimento tácito, tal facto não eximia a A.T. do dever de proferir decisão.
De facto, a figura do indeferimento tácito prevista no n.º 5 do artigo 257.º do C.P.P.T., projecta-se apenas num plano instrumental ou reactivo, destinado a conferir ao interessado a faculdade de recorrer ao meio judicial próprio - à Reclamação prevista no artigo 276.º do C.P.P.T. (cfr. n.º 7 do artigo 257.º do C.P.P.T.) - mas não desobriga a A.T. de se pronunciar sobre a petição que lhe foi dirigida, mantendo-se a obrigação de dar a conhecer ao contribuinte a resolução que recaiu sobre a sua pretensão, conforme resulta do n.º 1 do artigo 268.º da C.R.P. e 56.º da L.G.T..
Efectivamente, com a ficção do indeferimento, o que a lei confere é uma faculdade ao contribuinte, que pode usar ou abster-se de usar, sem que-a sua inércia exima a A.T. da sua obrigação de decidir ou a situação fique definitivamente decidida pelo indeferimento presumido.
Outra não pode ser a finalidade do acolhimento que é feito no artigo 257.º do C.P.P.T. da figura do indeferimento tácito que não seja a de o interessado presumir a existência de um acto (de indeferimento) para efeitos do recurso à via judicial, sem o qual se veria confrontado com a inevitabilidade de ter de continuar a aguardar, indefinidamente, uma decisão expressa da pretensão formulada.
Sentido este que decorre ainda do regime geral do indeferimento tácito acolhido no artigo 109.º do C.P.A. e, designadamente, nos artigos 64.º n.º 3, 102.º n.º 1 alínea d), 106°, 107°, 131°, 132.º n.º 5, 133.º n.º 4, 183.º n.º 5, 183°-A n.º 4 do C.PP.T. e nos artigos 86.º nºs 8 e 9, 95.º n.º 2 alínea d) da LG.T..
Tal como referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in “Código do Procedimento Administrativo - Comentado, ? Edição, Almedina, 2003”, pág. 491, em comentário ao artigo 9.º do C.P.A, em consonância com o regime (geral) do indeferimento tácito e a sua natureza, que a situação jurídica respectiva (substantiva, procedimental e processual) caracteriza-se pelo seguinte:
- fora do procedimento ou do processo “…tudo se passar, na ordem jurídica, como não existindo ainda decisão sobre a pretensão formulada … continuando a Administração constituída no dever de decidir”;
- no procedimento ou processo “o silêncio pode ser configurado como um indeferimento ou como omissão do dever de decisão...”;
- por o silêncio da Administração “…ser sempre ilegal, por violação do seu dever de decidir…”.
Face ao exposto, verifica-se que nem o indeferimento tácito nem a falta de reacção do interessado em face do mesmo dispensam a A.T. do dever de decidir, nem esta se encontra impedida ou impossibilitada de o fazer.
Pelo contrário, a Administração está ainda constituída no dever de decidir, não havendo lugar à extinção do procedimento iniciado com o requerimento do interessado (no caso, um procedimento que constitui um incidente no processo de execução fiscal).
Destarte, não só nada obsta à apreciação e decisão, pelo órgão competente da A.T., do pedido de anulação de venda que a Reclamante apresentou em 17/06/2013, como se mantém o respectivo dever de decisão.
Atento o exposto, padece o despacho reclamado de ilegalidade pois, por um lado, não só não se encontra ultrapassado o prazo previsto no n.º 4 do artigo 257.º do C.P.P.T. e, por outro, mesmo que tal prazo estivesse esgotado, continuaria a existir o dever de decisão por parte da A.T..
À luz do sobredito, determina-se a anulação do despacho proferido em 23/09/2013, pela Directora de Finanças Adjunta da “Área da Justiça Tributária - Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças do Porto”, com as devidas consequências legais.

Atento o vertido na P.I., verifica-se que, para além do pedido de “revogação da decisão reclamada”, peticiona a impetrante a anulação da venda, pedido que cumpre agora apreciar.

4.2. Da anulação da venda

Pretende a Reclamante que o Tribunal determine ainda a anulação da venda, invocando na petição diversos vícios que já constavam do pedido de anulação de venda dirigido à A.T., alicerçados nos mesmos fundamentos, em concreto: falta de notificação do mandatário judicial, falta de notificação dos preferentes, erro por falta de conformidade com o anunciado, erro no valor base de venda, erro na aplicação da Lei n.º 254-B/2011 de 30/11 e inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 248.º do C.P.P.T..
Ora, conforme já mencionado, desde 01/01/2012, e ao contrário do regime até então em vigor, a competência para a apreciação do pedido de anulação de venda passou a caber, em primeira-mão, ao órgão periférico regional da A.T., cabendo, da decisão, expressa ou tácita, Reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância, nos termos do artigo 276.º do C.P.P.T..
Nesta conformidade, no regime actualmente vigente, o tribunal não pode decidir a anulação de venda em primeira mão, como antes, apenas lhe competindo apreciar, em sede de reclamação judicial, uma decisão expressa do órgão periférico regional da AT. ou o indeferimento tácito que tenha ocorrido.
Ora, no caso em apreço, como ainda nem sequer foram ouvidos os interessados (diligência que, como se viu, incumbe ao órgão periférico regional da A.T.) e, consequentemente, ainda não se formou o indeferimento tácito, não pode este Tribunal pronunciar-se sobre a procedência (ou não) dos vícios suscitados pela impetrante, concernentes à venda, improcedendo, nesta parte, a presente Reclamação.
5. Decisão
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente Reclamação, anulando-se o despacho reclamado, mas não se conhecendo do pedido de anulação da venda, pelos fundamentos expostos.(…)

DECIDINDO NESTE STA:
A recorrente questiona a douta sentença recorrida na interpretação que esta fez dos n°s 4 e 5° do art.° 257° do CPTT ao assumir que a consequência do silêncio da Administração Tributária seria simplesmente a de legitimar a interessada a presumir a existência de um acto de indeferimento e que apesar do decurso do prazo previsto no nº 4 do citado artigo, se mantinha o dever de decisão, por banda da Administração Tributária. Sustenta, ainda, a recorrente que o decurso deste prazo de 45 dias determina o indeferimento do seu pedido isto é que o dito nº 5 do mencionado preceito legal, não taxa a inércia da administração tributaria com qualquer presunção, antes estabelece uma solução peremptória que é a de que, decorrido o prazo de 45 dias previsto no número 4, sem qualquer decisão expressa, o pedido de anulação de venda é considerado indeferido.
Defende, em consequência, a recorrente que a sentença recorrida efectuou uma errada interpretação do teor da nova redacção do artº. 257º do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 64 - B/2011 de 30.12.
A melhor interpretação do preceito é pois a questão que se suscita no presente recurso.
Vejamos:
Os presentes autos de execução foram instaurados em 24/10/2010 (fls. 1) e a venda questionada foi efectivada em 21/06/2013.
Em 17/06/2013 o ora recorrido requereu a anulação da venda ao órgão de execução fiscal e pelo despacho ora questionado de 23/09/2013 da autoria da Sra Directora de Finanças Adjunta da “Área da Justiça Tributária” da Direcção de Finanças do Porto foi recusada a apreciação do pedido por se mostrar ultrapassado o prazo previsto no nº 4 do artº 257º do CPPT.
Mostra-se acertado este despacho? A decisão recorrida considerou que não. E fê-lo baseada em duas considerações:
Primeiro, que a audição dos interessados surge como um pressuposto necessário, quer da decisão expressa do órgão periférico regional, quer da ocorrência do indeferimento tácito, só se iniciando a contagem do prazo de 45 dias após a conclusão dessa diligência pelo que no caso sub judice, não tendo a A.T. realizado a audição dos interessados, o prazo de 45 dias não começou a correr, motivo pelo qual não ocorreu o indeferimento tácito do pedido de anulação da venda.
Segundo, que a melhor interpretação do preceito não excluía o dever de a administração tributária se pronunciar expressamente sobre o requerimento de anulação de venda mesmo que se considerasse ter ocorrido o indeferimento tácito, pois que esta figura prevista no n.º 5 do artigo 257.º do C.P.P.T., projecta-se apenas num plano instrumental ou reactivo, destinado a conferir ao interessado a faculdade de recorrer ao meio judicial próprio - à Reclamação prevista no artigo 276.º do C.P.P.T. (cfr. n.º 7 do artigo 257.º do C.P.P.T.) - mas não desobriga a A.T. de se pronunciar sobre a petição que lhe foi dirigida, mantendo-se a obrigação de dar a conhecer ao contribuinte a resolução que recaiu sobre a sua pretensão, conforme resulta do n.º 1 do artigo 268.º da C.R.P. e 56.º da L.G.T..

Vejamos, do acerto desta decisão que, desde já, antecipamos:
A lei, considerada na sentença recorrida e aplicável ao presente caso estabelece um mecanismo processual de "indeferimento tácito", consubstanciado na ficção de um acto como meio habilitante de reacção contenciosa face a determinado comportamento silente da administração ancora-se, no que à anulação de venda, em especial, concerne, no nº 5 ao artigo 257,° do CPPT, na redacção actualmente vigente.
A alteração ao artº. 257.° do CPPT, operada pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, tem, efectivamente, cariz meramente instrumental (o que determina a sua aplicação imediata) não obstante encerrar uma atribuição de competência para primeira pronúncia sobre o requerimento de anulação de venda a uma entidade administrativa quando antes tal competência pertencia ao Juiz de 1ª Instância, aliás à semelhança do que a lei de orçamento de estado para 2011 (Lei 55-A/2010 de 31/12 (LOE 2011) fez ao operar a mudança de forma processual para as reclamações de créditos, que também passaram de uma forma processual imediatamente judicial para uma forma de processo diferente (administrativa).
Os novos normativos do artº 257º do CPPT estipulam o seguinte:
“Artigo 257°
Anulação da venda
(…)
4 - O pedido de anulação da venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da administração tributária que, no prazo máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos os interessados na venda, no prazo previsto no artigo 60.° da lei geral tributária.
5 - Decorrido o prazo previsto no número anterior sem qualquer decisão expressa, o pedido de anulação da venda é considerado indeferido.
(…)
A decisão recorrida expressa uma correcta interpretação destes preceitos quando considera que:
(…) impera concluir que a audição dos interessados surge como um pressuposto necessário, quer da decisão expressa do órgão periférico regional, quer da ocorrência do indeferimento tácito, só se iniciando a contagem do prazo de 45 dias após a conclusão dessa diligência.
(…).
Nestes termos, no caso sub judice, não tendo a A.T. realizado a audição dos interessados, o prazo de 45 dias não começou a correr, motivo pelo qual não ocorreu o indeferimento tácito do pedido de anulação da venda.
(…)
Adicionalmente, sempre se diga que, mesmo que se considerasse ter ocorrido o indeferimento tácito, tal facto não eximia a A.T. do dever de proferir decisão.
De facto, a figura do indeferimento tácito prevista no n.º 5 do artigo 257.º do C.P.P.T., projecta-se apenas num plano instrumental ou reactivo, destinado a conferir ao interessado a faculdade de recorrer ao meio judicial próprio - á Reclamação prevista no artigo 276.º do C.P.P.T. (cfr. n.º 7 do artigo 257.º do C.P.P.T.) - mas não desobriga a A.T. de se pronunciar sobre a petição que lhe foi dirigida, mantendo-se a obrigação de dar a conhecer ao contribuinte a resolução que recaiu sobre a sua pretensão, conforme resulta do n.º 1 do artigo 268.º da C.R.P. e 56.º da L.G.T..
Efectivamente, com a ficção do indeferimento, o que a lei confere é uma faculdade ao contribuinte, que pode usar ou abster-se de usar, sem que-a sua inércia exima a A.T. da sua obrigação de decidir ou a situação fique definitivamente decidida pelo indeferimento presumido.
Outra não pode ser a finalidade do acolhimento que é feito no artigo 257.º do C.P.P.T. da figura do indeferimento tácito que não seja a de o interessado presumir a existência de um acto (de indeferimento) para efeitos do recurso à via judicial, sem o qual se veria confrontado com a inevitabilidade de ter de continuar a aguardar, indefinidamente, uma decisão expressa da pretensão formulada.
Sentido este que decorre ainda do regime geral do indeferimento tácito acolhido no artigo 109.º do C.P.A. e, designadamente, nos artigos 64.º n.º 3, 102.º n.º 1 alínea d), 106°, 107°, 131°, 132.º n.º 5, 133.º n.º 4, 183.º n.º 5, 183°-A n.º 4 do C.PP.T. e nos artigos 86.º nºs 8 e 9, 95.º n.º 2 alínea d) da LG.T..

Esta interpretação mostra-se acertada e conforme com o decidido no ac. deste STA, por nós relatado, de 22/01/2014 tirado no rec. 0510/13 e disponível no site da DGSI, para cuja fundamentação complementar, na parte aplicável, remetemos.

Preparando a decisão formulamos as seguintes proposições:

I – A competência para o conhecimento dos pedidos de anulação de venda efectuados em processos de execução fiscal instaurados antes de 01/01/2012 é do órgão periférico da administração tributária.
II - O prazo de 45 dias previsto no nº5 do artº 257º do CPPT, na redacção introduzida pela LOE 2012, só se conta a partir da notificação de todos os interessados na venda.
III – Uma vez decorrido o referido prazo de 45 dias presume-se indeferido o requerimento de anulação de venda, abrindo-se meio de reclamação ao contribuinte sem prejuízo de vir a ser proferida pronúncia expressa pela administração fiscal.

Aqui chegados entendemos que a sentença recorrida merece confirmação na interpretação que fez do disposto no artigo 257º nºs 4 e 5 do CPPT na redacção introduzida pela LOE 2012 e na decisão de anulação do despacho reclamado sustentado este em fundamentação que não é de atender e que determinou, erradamente, o não conhecimento do requerimento de anulação da venda.

4 - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso apresentado, confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 23 de Julho de 2014. - Ascensão Lopes (relator) - Isabel Marques da Silva - Fonseca da Paz.