Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02118/13.0BELSB
Data do Acordão:05/11/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:PROFESSOR AUXILIAR
PROFESSOR CONVIDADO
ENSINO UNIVERSITÁRIO
ENSINO PÚBLICO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
CADUCIDADE
COMPENSAÇÃO
Sumário:I - Não obstante o regime especial da “ECDU” (“Estatuto da Carreira Docente Universitária”) a que estão sujeitos os contratos de docentes no âmbito das Universidades públicas, aplica-se-lhes o regime geral da função pública em tudo o que aquele regime especial não regule ou não seja com o mesmo incompatível.
II - Assim, um professor auxiliar convidado, sucessivamente contratado a termo certo, desde 30/11/1990 até 30/8/2012 (inicialmente por “contratos administrativos de provimento”, depois por “contratos de trabalho em funções públicas a termo certo”), em regime de tempo integral (35/36 horas semanais), que viu cessado o último contrato, ainda possível de renovação, por opção da Universidade, tem direito à compensação prevista no nº 3 do art. 252º do “RCTFP” (“Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas”), aprovado pela Lei 59/2008, de 11/9.
Nº Convencional:JSTA00071732
Nº do Documento:SA12023051102118/13
Data de Entrada:09/27/2022
Recorrente:FACULDADE DE ARQUITECTURA DA UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ARTIGO 252.º, N.º 3 DO REGIME DO CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS, APROVADO PELA LEI 59/2008, DE 11 DE SETEMBRO
ARTIGO 91.º N.º 1 ALÍNEA D) E N.º 4 DA LEI N.º 12-A/2008, DE 27 DE FEVEREIRO
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. A “Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa”, Ré na presente “ação administrativa especial” contra si intentada por AA, interpõe o presente recurso de revista do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 31/3/2022 (cfr. fls. 381 e segs. SITAF), que negou provimento ao recurso de apelação também por si interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC/Lx) em 9/10/2020 (cfr. fls. 260 e segs. SITAF), que julgara parcialmente procedente a ação, anulando “o despacho do Vice-Presidente da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, de 9/8/2013, que indeferira o pedido de pagamento apresentado pelo Autor com vista ao pagamento de compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo certo», e condenando-a à «emissão do ato administrativo devido, consubstanciado na determinação de pagamento, ao Autor, da quantia de 6.241,84€, a título de compensação pela caducidade do contrato e trabalho a termo certo prevista no nº 3 do art. 252º do RCTFP, na versão anterior à conferida pela Lei nº 66/2012, de 31/12, a que acrescem juros de mora, desde a data da citação (ocorrida em 20/8/2013) até efetivo pagamento».

2. A Recorrente termina as suas alegações, no presente recurso de revista, com as seguintes conclusões (cfr. fls. 404 e segs. SITAF):

«a) Na aceção do artigo 5.° do acordo quadro, fundando-se a contratação do recorrido em causa em razões objetivas estão salvaguardas as disposições legais suscetíveis de evitar abuso na contratação de sucessivos contratos de trabalho - Tal como ensina o acórdão proferido pelo STJUE de 21 de novembro de 2018 (C-619/17 ), de Diego Porras 2;

b) Tais razões estão suficientemente precisas, concretas e evidenciadas na alegação supra e nos fundamentos do regime jurídico da carreira especial dos docentes especialmente contratados do ensino superior português;

c) Não se afigurando ser adequado nem necessário, à luz do acordo quadro, qualquer tutela indemnizatória, por não se afigurar proporcional eficaz ou dissuasiva nem se destinando a evitar ou punir o uso abusivo de sucessivos contratos;

d) É indiscutível que não existe, entre os docentes universitários especialmente contratados um trabalhador permanente em situação comparável com os docentes de carreira universitária, nem com os trabalhadores da carreira geral.

e) Existindo sem dúvida, na carreira docente universitária especialmente contratada, uma previsibilidade certa do fim do contrato de trabalho celebrado a termo certo;

f) A natureza especial dos contratos a termo celebrados com os docentes especialmente contratados não motiva equivalência de regime relativamente às carreiras gerais ou docente especial, tanto mais que a diferença de regime está objetivamente justificada e não é discriminatória;

g) Devendo ser admissível às universidades renovar sucessivos contratos a termo celebrados com professores convidados (cfr. acórdão do TJUE Márquez Samohano, C-190/13, EU:C:2014:146), sem que tal por si só constitua a universidade numa obrigação de compensação;

h) Do mesmo modo, não existe necessidade de equiparação da cessação do contrato a termo celebrado com o recorrido a um despedimento sem justa causa, uma vez que a profissão do recorrido de arquiteto é a sua profissão principal;

i) Aplicando a jurisprudência citada deve ser desatendida a pretensão do recorrido, uma vez que o regime legal sendo de natureza especial ao mesmo não se aplicam as regras típicas da carreira geral prevista no artigo 252.° do RCTFP;

j) Não sendo devida ao recorrido qualquer indemnização ou compensação pela cessação do contrato celebrado com a recorrente - neste sentido igualmente, acórdão 5 de junho de 2018 do TJUE processo C-677/16, Lucía Montero Mateos, acórdão do TJUE 21 de novembro de 2018 - processo 0619/17 - Diego Porras II;

k) Tanto mais que não existe um prejuízo real do recorrido, nem o mesmo foi alegado, ou tampouco existe, à luz da cessação do contrato celebrado entre recorrente e recorrido, o perigo deste perder o emprego principal de arquiteto que se presume mantenha como atividade principal no domínio privado;

l) Diante do exposto, deve ser julgado procedente o recurso de revista interposto e confirmada a decisão de não compensação do recorrido pela cessação do contrato de trabalho celebrado a termo enquanto docente convidado;

m) Sendo ilegal, o acórdão recorrido deve ser revogado e a decisão final deve absolver a Recorrente do pedido.

Nestes termos, e nos melhores de direito que serão doutamente supridos por Vossas Excelências, deve o presente recurso ser admitido e ser julgado procedente e provado, e revogar-se, pelas ilegalidades de que o Acórdão recorrido padece, substituindo-se o mesmo por outra conforme à lei, assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA».

3. O Autor, ora Recorrido, AA, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 457 e segs. SITAF), que concluiu da seguinte forma:

«1. O presente recurso foi interposto do douto Acórdão do TCA Sul que confirmou a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que anulou o ato impugnado e condenou a Ré a pagar ao Autor uma compensação pela caducidade do contrato de trabalho em funções públicas entre ambos celebrado.

2. Não se encontra legalmente prevista a dispensa do prévio pagamento de taxa de justiça alegada pela Recorrida. O artigo 116.º da Lei n.º 62/2007, na parte em que estabelecia uma isenção de custas judiciais, foi revogado pelo n.º 1 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais. Quanto à alínea a) do n.º 1 do Artigo 15.º do Regulamento de Custas Processuais, esta norma não dispensa o prévio pagamento da taxa de justiça nos casos respeitantes a “… matéria administrativa contratual e pré-contratual e relativas às relações laborais com os funcionários, agentes e trabalhadores do Estado”, como é caso dos presentes autos. Por isso, a Recorrida, que deve proceder ao pagamento da taxa de justiça devida.

3. Tendo em conta o disposto no artigo 150.º do CPTA, o presente recurso não deve ser admitido por não reunir os pressupostos exigidos nesta norma. Nos presentes autos analisa-se o direito ao pagamento de uma compensação a um professor universitário, pela caducidade do contrato de trabalho a termo certo em funções públicas. Trata-se de questão solidificada na legislação e na jurisprudência. Não existindo qualquer necessidade de nova intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, que se pronunciou por diversas vezes, até tendo prolatado o Acórdão n.º 3/2015, que uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: “No domínio da redação inicial do artigo 252.º, n.º 3, do RCTFP, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11/09, a caducidade de um contrato de trabalho a termo certo cuja renovação fosse já legalmente impossível não conferia ao trabalhador direito à compensação referida nessa norma”.

4. Para além da Recorrida não apresentar fundamentação que permita concluir pela necessidade deste recurso de revista (a jurisprudência que apresenta foi prolatada entre março de 2014 e novembro de 2018), o Supremo Tribunal Administrativo, em situação idêntica, através de Acórdão prolatado em 6 de fevereiro de 2020, no âmbito do processo n.º 830/16.1BESNT, decidiu:
Não é de admitir a revista do acórdão revogatório que reconheceu ao autor o direito a receber uma compensação pela caducidade do seu contrato de trabalho a termo certo, já que a legalidade dessa solução é hoje tão inequívoca que não carece de reiteração por parte do Supremo”.

5. Pelo que, não estamos perante a necessidade de apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, nem sequer existe uma clara necessidade de admitir o recurso para uma melhor aplicação do direito, conforme exigido no artigo 150.º do CPTA. Assim, deve o presente recurso ser rejeitado.

6. O recurso interposto apresenta como fundamento o facto de a compensação por caducidade do contrato não estar prevista no ECDU. A Recorrente entende que esta legislação especial afasta a aplicação da lei geral às relações jurídicas de emprego público celebradas entre instituições universitários e os seus docentes. Por esta razão defende que não é devida qualquer compensação a pagar pela Recorrente ao Recorrido.

7. A posição da Recorrente não tem sustentação, pelo que o douto Acórdão recorrido não necessita de qualquer reparação, devendo manter-se sem critica. Aliás, os factos provados no processo não admitem solução diversas daquela que foi alcançada.

8. Quanto à alegada existência de um regime especial aplicável, ECDU, que não prevê o pagamento da compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo em funções públicas, esta pretensão não tem fundamento legal. A jurisprudência, uniforme e pacífica, orienta para sentido oposto ao pretendido pela recorrente:
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 26-02-2015, proc. n.º 10713/13:
«I – A circunstância de o pessoal docente universitário se encontrar sujeito às particulares especificidades decorrentes do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), não impede nem afasta a aplicação do regime geral aplicável aos trabalhadores em funções pública, na parte em que não seja com ele incompatível.
II - Na falta de norma contida no ECDU, enquanto lei especial, a resposta à questão de saber se caducado o contrato de trabalho em funções públicas a termo certo, celebrado ao abrigo do ECDU para a categoria de assistente convidada, por a universidade o ter denunciado para o fim do respetivo prazo, há-de ser encontrada nos normativos contidos na lei geral, no caso no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pelo DL nº 59/2008, de 11 de setembro.
III – Cessando o contrato de trabalho em funções públicas a termo certo por denúncia operada pela Universidade para o fim do respetivo prazo assiste à docente o direito à compensação por caducidade do contrato, nos termos previstos no nº 3 do artigo 252º do RCTFP».
Esta Jurisprudência torna improcedente o argumento de a compensação por caducidade prevista na lei geral não é aplicável às relações jurídicas de emprego público que envolvem instituições universitárias e os seus docentes contratados a termo, por falta de previsão legal no ECDU, que é lei especial na matéria.

9. Por tudo o que aqui foi apresentado, as referências legais, as jurisprudências e as citações do douto acórdão recorrido, é indubitável que o Recorrido tem direito à compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo certo, nos termos determinados pela douta sentença confirmada pelo douto acórdão recorrido.

Nestes termos,
Rejeitando o presente recurso, por não ser legalmente admissível,
ou, no caso de entendimento diverso, julgando-o improcedente, confirmando o douto acórdão recorrido, será realizada a Justiça costumada deste Tribunal».

4. O presente recurso de revista foi admitido por Acórdão de 8/9/2022 (cfr. fls. 494/495 SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«(…) 3. Os tribunais de instância - TAC e TCAS - julgaram a ação «parcialmente procedente» e, em conformidade, anularam a decisão administrativa - despacho de 09.08.2013 do Vice-Presidente da FA/UTL - de indeferimento do pedido de pagamento de compensação peia caducidade do contrato de trabalho a termo certo, e condenaram a ré a proceder ao pagamento ao autor da quantia de 6.241,84€ a esse título, acrescida de juros de mora.
Fizeram-no, nomeadamente o acórdão do tribunal de apelação, por entenderem que - contrariamente ao defendido pela demandada FA/UTL - a sujeição do contrato ao ECDU não afastava a aplicação do regime de compensação por caducidade do contrato a termo certo, que é previsto no RCTFP, e por entenderem que este regime - aprovado pela Lei n° 59/2008, de 11.09 -, nomeadamente o seu artigo 252º, n°3 - na redação anterior à da Lei n° 66/2012, de 31.12 -, no caso concreto impunha a atribuição da «compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo certo».
A FA/UTL - demandada e apelante - de novo discorda do assim decidido, e pede revista do acórdão do tribunal de apelação, imputando-lhe erro de julgamento de direito quanto aos dois entendimentos jurídicos acabados de referir.
A verdade é que o enquadramento jurídico do caso concreto, em que a condenação no pagamento da compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo certo foi baseada na redação do artigo 252° n°3 do RCTFP anterior à Lei n°66/2012, de 31.12, e despoletada por «denúncia do contrato pela universidade» para o fim do respetivo prazo, merece ser apreciado por este tribunal de revista, a fim de ser aferido à luz da jurisprudência que foi consolidada no aresto do Pleno de 17.04.2015 - processo n° 1473/14 - uma vez que são sérias e pertinentes as dúvidas a esse respeito suscitadas pela agora recorrente. Além disso, trata-se de «questão» que mereceu, e continua a merecer, no presente caso, adequada relevância jurídica.
Deste modo, importa, neste caso, quebrar a regra da excecionalidade do recurso de revista, e admiti-lo».

5. A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste STA, conquanto notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA (cfr. fls. 501 SITAF), não emitiu parecer.

6. Colhidos os vistos, o processo vem submetido à conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

7. Constitui objeto do presente recurso de revista apreciar e decidir, no âmbito delimitado pelas alegações da Recorrente/Ré (designadamente, nas respetivas conclusões), e tendo em consideração os factos dados como provados, se o Acórdão do TCAS recorrido procedeu a um correto julgamento do recurso de apelação, por aquela interposto, ao confirmar a sentença do TAC/Lx no sentido de reconhecer o direito do Autor à compensação peticionada, nos termos que foram decididos.

Especificamente, cumpre apreciar se o Acórdão recorrido errou ao julgar, conformemente à 1ª instância, que assiste ao Autor o direito a uma compensação pela não renovação do seu contrato de trabalho a termo resolutivo certo, como Professor Auxiliar, por aplicação ao caso do disposto no nº 3 do art. 252º do “Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas”, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11/9.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

8. As instâncias tiveram em consideração os seguintes elementos de facto, dados como provados:

«A) Em 17-11-1990, o Autor e a Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa celebraram «contrato administrativo de provimento», pelo qual o primeiro assegura, a título provisório e com carácter de subordinação, o exercício das funções de assistente convidado, com sujeição ao regime jurídico da função pública, em regime de tempo integral (36 horas semanais), mediante o pagamento da remuneração de 141.000$00, pelo período de «um ano renovável por sucessivos períodos de três anos». (Cfr. fls. 65 do Processo Administrativo -PA-, que se tem por integralmente reproduzida)

B) A fls. 89 do processo individual do Autor consta a seguinte menção:
«Renovado o contrato ao abrigo do art.º 32.º do ECDU conjugado com o acórdão de 8/10/91 do Supremo Tribunal Administrativo.
Novo contrato termina em 30/11/94».
(Cfr. fls. 89 do PA)

C) A fls. 103 do processo individual do Autor consta a seguinte menção:
«CONTRATO RENOVADO TACITAMENTE
A PARTIR DE 30 DE NOVEMBRO DE 1997
(Nº 2 do artº 36º do E.C.D.U. – nova redação dada pelo art.º 2.º do D.L. n.º 392/86, de 22/11)».
(Cfr. fls. 103 do PA)

D) Em 29-11-2006, o Autor e a Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa celebraram «contrato administrativo de provimento», pelo qual o primeiro assegura, a título provisório e com carácter de subordinação, o exercício das funções de assistente convidado, com sujeição ao regime jurídico da função pública, em regime de tempo integral (35 horas semanais), mediante o pagamento da remuneração de € 1.432,63, constando do mesmo o seguinte: «PRAZO DE VALIDADE DO PRESENTE CONTRATO: por um ano, com início a 30/11/2006 e término em 29/11/2007».
(Cfr. fls. 247 do PA, que se tem por integralmente reproduzida)

E) Em 9-11-2007, o Autor e a Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa celebraram «contrato administrativo de provimento», pelo qual o primeiro assegura, a título provisório e com carácter de subordinação, o exercício das funções de «Assistente Convidado a 100%, em regime de substituição, além do quadro da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa», com sujeição ao regime jurídico da função pública, em regime de tempo integral (35 horas semanais), mediante o pagamento da remuneração de € 1.454,11, constando do mesmo o seguinte: «PRAZO DE VALIDADE DO PRESENTE CONTRATO: com início a 30/11/2017 e é válido enquanto durar a dispensa de serviço docente do Arq.º BB, nos termos da alínea c) do nº 2 do art.º 2 do Decreto-Lei nº. 192/85, de 24/6».
(Cfr. fls. 300 do PA, que se tem por integralmente reproduzida)

F) Em 23-02-2009, o Autor e a Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa celebraram «contrato de trabalho em funções públicas», com o seguinte teor:
[ver original]
«O segundo outorgante assegura, a título transitório e com caráter de subordinação, o exercício das funções que cabem à categoria para a qual vai ser contratado, ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas e com sujeição ao regime estabelecido no Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU)
Categoria e serviço para que é contratado o segundo outorgante: Professor Auxiliar Convidado a 100% além do quadro da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa.
Remuneração mensal: 2.127,88€ (Índice 195 – Escalão 1).
Regime de prestação de serviço: Tempo Integral (35 h/semanais).
Prazo de validade do presente contrato: com início a 23 de fevereiro de 2009 e término a 31 de julho de 2009, nos termos do nº 5 do art. 34º do ECDU.
Disposições legais aplicáveis:
Nos termos do nº 1 art. 8º, art. 15º nºs 1,2,3,4 e 5 do art. 34º, arts. 31º e 71º da Lei nº 19/80, de 16 de julho (ECDU); art. 36º do E.C.D.U. conjugado com o disposto no nº 2 do Dec-Lei nº 392/86, de 22 de novembro; art. 8º, nº 1 do art. 9º, art. 101º da Lei nº 12-A/2008, de 27/02; alínea a) do nº 5 e nº 6 do art. 9º, e nº 3 do art. 119º da Lei nº 67/2007, de 10 de setembro; alínea a) do nº 1 do art. 18º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro; alínea b) do nº 1 do art. 114º da Lei nº 98/97, de 26 de agosto, com as devidas alterações dadas pela Lei nº 48/2006, de 29 de agosto.
Observações:
A proposta mereceu parecer favorável por parte da Comissão Coordenadora do Conselho Científico em reunião de 12/02/2009
Por Despacho Reitoral nº 17911/2005 (DR nº 19/08/2005), foram atribuídas a esta Faculdade 7 vagas. O candidato vai ocupar 100% de uma destas vagas.
O contrato é lavrado por conveniência urgente de serviço, começando a vigorar a partir da data do despacho autorizador (art. 34º do E.C.D.U.).
Pelo segundo outorgante foi dito que aceita o presente contrato nas condições acima indicadas, de que toma perfeito conhecimento e a cujo cumprimento se obriga.
Lisboa, em 23 de fevereiro de 2009».
(Cfr. documento nº ... da PI e fls. 377 do PA)

G) Em 30-08-2009, o Autor e a Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa celebraram «contrato de trabalho em funções públicas», com o seguinte teor:
[ver original]
«O segundo outorgante assegura, a título transitório e com caráter de subordinação, o exercício das funções que cabem à categoria para a qual vai ser contratado, ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas e com sujeição ao regime estabelecido no Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU)
Categoria e serviço para que é contratado o segundo outorgante: Professor Auxiliar
Convidado a 100% além do quadro da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa.
Remuneração mensal: 2.127,88€ (Índice 195 – Escalão 1).
Regime de prestação de serviço: Tempo Parcial (35 h/semanais).
Prazo de validade do presente contrato: por um ano, nos termos do nº 5 do art. 34º do ECDU.
Disposições legais aplicáveis:
Nos termos do nº 1 art. 8º, art. 15º nºs 1,2,3,4 e 5 do art. 34º, arts. 31º e 71º da Lei nº 19/80, de 16 de julho (ECDU); art. 36º do E.C.D.U. conjugado com o disposto no nº 2 do Dec-Lei nº 392/86, de 22 de novembro; art. 8º, nº 1 do art. 9º, art. 101º da Lei nº 12-A/2008, de 27/02; alínea a) do nº 5 e nº 6 do art. 9º, e nº 3 do art. 119º da Lei nº 67/2007, de 10 de setembro; alínea a) do nº 1 do art. 18º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro; alínea b) do nº 1 do art. 114º da Lei nº 98/97, de 26 de agosto, com as devidas alterações dadas pela Lei nº 48/2006, de 29 de agosto.
Observações:
A proposta mereceu parecer favorável por parte da Comissão Coordenadora do Conselho Científico em reunião de 15/07/2009
Por Despacho Reitoral nº 17911/2005 (DR nº 19/08/2005), foram atribuídas a esta Faculdade 7 vagas. O candidato vai ocupar 100% de uma destas vagas.
O contrato é lavrado por conveniência urgente de serviço, começando a vigorar a partir da data do despacho autorizador (art. 34º do E.C.D.U.).
Pelo segundo outorgante foi dito que aceita o presente contrato nas condições acima indicadas, de que toma perfeito conhecimento e a cujo cumprimento se obriga.
Lisboa, em 30 de agosto de 2009».
(Cfr. documento nº ... da Contestação]

H) Em 18-04-2011, o Presidente da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa proferiu o seguinte despacho:
«Dando cumprimento ao despacho datado de 19/08/2010, exarado pelo Senhor Presidente cessante da Faculdade, e com base na deliberação do Conselho Científico, na sua reunião de 15 de setembro do ano transato, foram renovados os contratos, por um ano, nos termos da alínea c) do nº 2 do artº 8º do regime transitório do capítulo III, do Dec-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto aos docentes abaixo designados:
(…)
- Arqº AA, contratado como Professor Auxiliar Convidado a 100% com o Contrato de Trabalho em Funções Públicas a Termo Certo Resolutivo no escalão 1 índice 195 por um ano a 31/08/2010 (…)».
(Cfr. fls. 425 e 426 do PA)

I) Em 30-05-2012, o Presidente da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa emitiu o ofício ...62, dirigido ao Autor, com o seguinte teor:
«Assunto: Denúncia de Contrato
Tendo em conta que o contrato de V.Exa. termina a 30 de agosto do ano em curso e atendendo às restrições orçamentais impostas pelo Orçamento de Estado de 2012, Lei de Execução Orçamental e Lei dos Compromissos, bem como à situação de reequilíbrio financeiro em curso na FAUTL, serve a presente para notificar V.Exa. da denúncia do contrato de trabalho em funções públicas, a termo resolutivo certo, nos termos do artigo 17º do Regulamento Geral de Contratação do Pessoal Docente Especialmente Contratado da Universidade Técnica de Lisboa (…)».
(Cfr. fls. 450 do PA e documento n.º ... da Contestação)

J) Em 1-06-2012, o ofício referido na alínea anterior foi expedido por carta registada com aviso de receção, o qual foi recebido, embora sem indicação da data de receção no aviso. (Cfr. fls. 249 do PA)

K) Em 21-11-2012, o Vice-Presidente da Faculdade de Arquitetura emitiu a seguinte
«Declaração»:
«Para os devidos efeitos e a pedido de interessado, declara-se que o Arqº AA, exerceu funções nesta Faculdade, com a categoria de Assistente Convidado a 100% desde 30 de novembro de 1990 até 22 de fevereiro de 2009.
Declara-se ainda que o referido Arquiteto iniciou outro contrato a 23 de fevereiro de 2009 com a categoria de Professor Auxiliar Convidado até 30 de agosto de 2012, data em que terminou o seu contrato, não tendo sido o mesmo objeto de renovação (…)».
(Cfr. fls. 463 do PA)

L) Em 2-01-2013, o Autor requereu ao Diretor da Faculdade de Arquitetura o pagamento da compensação por caducidade do contrato prevista no art.º 252.º do RCTFP.
(Acordo)

M) Em 9-08-2013, o Vice-Presidente da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa emitiu o ofício ...47, dirigido ao Autor, com o seguinte teor:
«Assunto: Resposta ao pedido de atribuição compensação por caducidade do contrato prevista no artigo 252º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP)
Exmo. Senhor Professor,
O contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato de trabalho a termo certo celebrado (…) em 31/08/2009, com efeitos a 23/02/2009, cessou no termo do prazo da segunda renovação, ou seja, no dia 30/082012, por denúncia, nos termos do artigo 17º do Regulamento Geral de Contratação do Pessoal Docente Especialmente Contratado da Universidade Técnica de Lisboa.
A denúncia do contrato foi feita atendendo às restrições orçamentais impostas pela Lei do Orçamento de Estado de 2012, pela Lei de Execução Orçamental e pela Lei dos Compromissos, bem como motivada pela situação de reequilíbrio financeiro em curso na Faculdade de Arquitetura.
O referido contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo (…) não se regia exclusivamente pelo regime jurídico que regula os contratos de trabalho em funções públicas (…).
Na realidade, o referido contrato encontra-se também sujeito às regras previstas no Estatuto da Carreira Docente Universitária (…), conforme resulta do disposto no artigo 8.º, n.º 1, do referido diploma legal.
(…) O contrato celebrado com V.Exa. é ainda especial, na medida em que foi celebrado sem carácter de exclusividade, o permitiu a V. Exa. manter outra atividade profissional de natureza privada, auferindo a respetiva remuneração.
Tal possibilidade não se verifica nos contratos de trabalho em funções públicas (…).
Todas estas especificidades do contrato (…) justificam um tratamento diferenciado no momento da cessação da relação contratual, designadamente quanto à obrigação do pagamento da compensação pela caducidade do contrato cujo fundamento reside no princípio da segurança no emprego (…).
Acresce que, o contrato de trabalho (…) caducou por denúncia expressa da Faculdade de Arquitetura, enquanto entidade empregadora pública, e não por falta de comunicação da vontade de renovar o contrato.
(…), o que também exclui a aplicação do n.º 3 do artigo 252.º do RCTFP.
Acresce que, nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do ECDU, na redação atual, não se encontra excluída a hipótese legal de V.Exa. poder vir a ser contratado como professor auxiliar nos termos do artigo 25.º do mesmo diploma legal, caso no prazo de seis anos a contar do dia 1 de setembro de 209, venha a obter o grau de doutor e a manifestar a sua vontade na referida contratação, beneficiando do disposto no artigo 11.º, n.º 2 do ECDU, na redação anterior à do D.L. n.º 205/2009, de 31 de Agosto.
O que, a verificar-se, também não justifica atribuição a V. Exa. da compensação pecuniária prevista no artigo 252º, nº 3, do Regime dos Contratos de Trabalho em Funções Públicas (…).
Face ao exposto, e em resposta aos requerimentos datados de 02.01.2013 e 12.06.2013, serve a presente para comunicar a V.Exa. o indeferimento do pedido de atribuição da compensação por caducidade do contrato de trabalho, previsto no artigo 252º do RCTFP».
(Cfr. fls. 430 e 431 do PA, que se têm por integralmente reproduzidas)

N) A última remuneração auferida pelo Autor no âmbito do contrato referido na al. G) foi de € 2.127,88.
(Acordo)

O) A presente ação foi intentada em 13-08-2013.
(Cfr. fls. 1 dos autos)

P) Na presente ação, a Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa foi citada em 20-08-2013.
(Cfr. fls. 39 dos autos)

Q) O Autor é sócio n.º ... do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, sendo representado pelos seus serviços jurídicos a título gratuito.
(Cfr. documento n.º ... da PI)

R) No ano de 2012, o Autor declarou rendimentos da categoria A no valor de € 16.299,36. (Cfr. documento n.º ... da PI)


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III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

9. O Autor, ora Recorrido, peticionou, na presente ação, a anulação do despacho de indeferimento praticado pelo Vice-Presidente da Ré, ora Recorrida, “Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa” e a condenação desta a pagar-lhe, como requerera, a quantia de 57.070,08€ (acrescida de juros de mora), a título de compensação pela caducidade do contrato celebrado a termo certo para o exercício de funções docentes durante o período compreendido entre 30/11/1990 e 30/8/2012, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 252º do “RCTFP” (“Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas”, aprovado pela Lei 59/2008, de 11/9).

O TAC/Lx julgou a ação procedente, ainda que apenas parcialmente, uma vez que entendeu que a compensação prevista na citada norma (a quantificar no montante de 2 dias de remuneração base por cada mês de duração do vínculo) não seria devida desde o início dos contratos celebrados entre as partes ou seja, desde 30/11/1990, como pretendia o Autor, mas somente a partir de 1/1/2009 (data da entrada em vigor do “RCTFP”). Isto porque, «nos termos das disposições conjugadas do artigo 91º nº 1 alínea d) e nº 4 da Lei nº 12-A/2008 (LVCR), para os trabalhadores abrangidos por contratos administrativos de provimento que transitaram, por força daquele diploma, para a modalidade de contrato a termo resolutivo deve considerar-se como termo inicial das respetivas relações jurídicas de emprego público a data de 01/01/2009, data da entrada em vigor do RCTFP».

Assim, em consequência da consideração, apenas, do período de 1/1/2009 a 30/8/2012, o TACLx julgou o pedido do Autor tão só parcialmente procedente, quantificando a compensação devida em 6.241,84€ (para além de juros de mora).

E o Autor conformou-se com esta parcial procedência do seu pedido.

10. Não conformada com este julgamento de 1ª instância ficou a Ré, que, por isso, apelou para o TCAS.

Porém, o TCAS, pelo Acórdão ora recorrido, negou provimento ao recurso da Ré, confirmando totalmente a sentença do TAC/Lx.

No Acórdão recorrido, o TCAN rebateu todos os argumentos então apresentados pela Ré, nomeadamente:
- confirmou o entendimento da aplicabilidade do “RCTFP”, e do disposto no seu art. 252º (quanto à compensação peticionada), ao caso dos autos – afastando entendimento contrário da Ré apoiado no alegado regime específico do “ECDU” (“Estatuto da Carreira Docente Universitária”) que não contemplaria qualquer compensação por caducidade dos contratos a termo resolutivo certo celebrados com professores convidados, como o Autor;
- confirmou que a cessação do contrato com o Autor se verificou por vontade da entidade empregadora e que a sua renovação era possível, não sendo caso de caducidade “ex lege” – afastando entendimento contrário da Ré, de que se não verificavam os pressupostos exigidos no aludido art. 252º, com base na alegação de que o contrato terminara por denúncia, e não por caducidade, e que a respetiva renovação não seria admissível; e
- confirmou que a data relevante do início do direito à compensação é a de 1/1/2009 (data da entrada em vigor do “RCTFP” – afastando entendimento diferente da Ré, no sentido de que, a admitir-se o direito do Autor à compensação requerida, esta só seria devida a partir de 1/9/2009 (por força, alegadamente, da entrada em vigor do DL 205/2009, de 31/8).

11. Mantendo-se inconformada com este julgamento confirmativo do TCAS, a Ré, ora Recorrente, interpôs o presente recurso de revista, limitando, porém, a controvérsia à primeira das questão antes suscitadas perante o TCAS – elencadas no ponto antecedente -, isto é, pugnando, apenas, pela tese de que, contrariamente ao julgado pelas instâncias, o regime especial, constante do “ECDU”, aplicável aos contratos a termo certo, celebrados com o professor aqui Autor, não prevê – a Recorrente assevera, mesmo, que “proíbe” (cfr. artigo 68º das alegações) – uma compensação pela caducidade, “ratione tempore”, de tais contratos, não lhes sendo, pois, aplicável o regime previsto no art. 252º do “RCTFP”(Lei 59/2008, de 11/9).

12. Não tem, porém, a Recorrente qualquer razão nesta sua tese.

Não é nova a questão da aplicação, no âmbito das Universidades públicas e dos Institutos Politécnicos, do regime das compensações por caducidade de contratos a termo certo, instituído pela Lei 59/2008, de 11/9, a partir da sua entrada em vigor, em 1/1/2009, para os contratos desse tipo vigentes na função pública – que, até aí, só vigorava no âmbito do direito laboral privado, nos termos, então, do art. 388º do Código do Trabalho (redação da Lei 99/2003, de 27/8).

E a jurisprudência tem respondido afirmativamente a tal questão, de modo uniforme, sem qualquer dissentimento, expressando que, não obstante os regimes especiais a que tais contratos se encontram submetidos – da “ECDU” (“Estatuto da Carreira Docente Universitária”), relativamente às Universidades ou do “ECPDESP” (“Estatuto das Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico”), relativamente aos Institutos Politécnicos -, são-lhes aplicáveis as normas do regime geral da função pública que aquele regime especial não afasta (seja por previsão própria, seja por incompatibilidade), sendo-lhes, por isso, aplicável o regime, de compensações por caducidade “ratione tempore” de contratos a termo certo, previsto no art. 252º do “RCTFP” (Lei 59/2008, de 11/9) e, posteriormente, no atual nº 3 do art. 293º da LGTFP (“Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”), aprovado pela Lei 35/2014, de 20/6.

Vejam-se, relativamente, às Universidades, o Acórdão do TCAS de 26/2/2015 (10713/13), para além do Acórdão prolatado nos presentes autos, e o Acórdão do TCAN de 26/5/2017 (00427/15). E, relativamente aos Institutos Politécnicos, os Acórdãos do TCAN de 27/1/2017 (00855/15), e do TCAS de 19/4/2018 (12790/15), de 24/5/2018 (1723/14) e de 26/9/2019 (830/16) – este confirmado pelo STA em Acórdão da formação de apreciação preliminar, de 26/2/2020, onde se expressou que «as instâncias convergiram na aplicação da lei geral (na parte em que prevê tais compensações) aos contratos havidos entre o autor e o IPL – e essa temática não suscita dúvidas».

13. Efetivamente, como flui deste entendimento, a interpretação deve ser a inversa da defendida nos presentes autos pela Recorrente/Ré: a circunstância de o “ECDU” não prever esta compensação em resultado da caducidade de tais contratos “ratione tempore” não significa que não seja aplicável aos professores. É que, também contrariamente ao defendido pela Recorrente Ré, a “ECDU”, não o prevendo, não exclui tal regime geral (muito menos se podendo afirmar, como nas alegações da Recorrente, que o “proíbe”).

Na verdade, o “ECDU”, enquanto lei especial, introduz especificidades no regime do pessoal docente universitário, as quais, porém, não afastam a aplicação do regime geral dos trabalhadores em funções públicas nas partes não abarcadas por essas especificidades ou que não forem com estas incompatíveis.

Assim, não se encontrando a matéria regulada no “ECDU”, enquanto lei especial, não se pode retirar dessa mera circunstância a conclusão de se estar perante qualquer lacuna, mas apenas que se verifica uma omissão do regime especial em matéria a ser, consequentemente, regulada pela lei geral – esta, aplicável, por defeito, a todos os trabalhadores que exerçam funções públicas ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas (cfr., para o caso dos autos, os arts. 2º nº 1, 3º, 9º nºs 1 e 3 e 20º da Lei nº 12-A/2008, de 27/2, e 3º nº 1 da Lei nº 59/2008, de 11/9; atualmente, o art. 1º, designadamente, nº 6, da “LGTFP”, Lei 35/3014, de 20/6).

Não sendo de olvidar o disposto no nº 1 do art. 81º da Lei 12-A/2008 (sob a epígrafe “Fontes normativas do contrato”), quanto à hierarquia de normas aplicável aos casos como o aqui em discussão:
«1 - As fontes normativas do regime jurídico-funcional aplicável aos trabalhadores que, enquanto sujeitos de uma relação jurídica de emprego público diferente da comissão de serviço, se encontrem em condições diferentes das referidas no artigo 10.º [nomeação] são, por esta ordem:
a) A presente lei e a legislação que o regulamenta, na parte aplicável;
b) As leis gerais cujo âmbito de aplicação subjetivo abranja todos os trabalhadores, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respetivas funções, na parte aplicável;
c) As leis especiais aplicáveis às correspondentes carreiras especiais, nas matérias que, face ao disposto na lei, possam regular;
d) O RCTFP;
e) Subsidiariamente, as leis gerais cujo âmbito de aplicação subjetivo se circunscreva aos então designados funcionários e agentes;
f) Subsidiariamente, as disposições do contrato».

14. A Recorrente/Ré, assenta a sua tese no argumento de que a lei geral não será, aqui, aplicável, já que – embora a lei especial “ECDU” nada refira quanto à questão – a lei geral mostra-se incompatível com a especificidade do regime legal dos docentes universitários tal como definida naquele “ECDU”.

Não vemos, porém, que este argumento possa ter-se como procedente.

Desde logo, a Recorrente/Ré atribui relevo decisivo ao facto de a previsão legal destas compensações ter como objetivo o combate à sua utilização e, sobretudo, à sua utilização abusiva, problema que - como sublinha nas suas alegações -, tem também preocupado o legislador europeu.

Ora - argumenta -, sendo os contratos a termo certo uma modalidade necessária e, por isso, inerente à docência universitária (e, portanto - como diz -, também tolerada, como situação especial, pelo legislador europeu e pela jurisprudência do TJUE, conforme exemplos que indica), a Recorrente/Ré conclui que não há razão para utilização, neste campo, de uma tal arma (de atribuição de compensações), visto que, neste caso específico, inexiste uma situação abusiva de utilização dos contratos a termo que urja combater.

Porém - como a jurisprudência e a doutrina têm explicado -, o combate a uma utilização abusiva dos contratos a termo não é a única razão, nem será sequer a razão determinante, da previsão legal da atribuição de compensações nos casos de caducidade “ratione tempore” de tais contratos.

Sem prejuízo desse eventual objetivo, a razão principal centra-se na preocupação de compensar o trabalhador pela precariedade do contrato a termo.

Como se sintetizou no Acórdão deste STA de 3/4/2014 (proc. 01132/13):
«No que se refere à natureza da compensação, segundo a doutrina maioritária, esta é comummente entendida como correspetiva à própria natureza precária do vínculo de emprego e como um desincentivo ao recurso a esta modalidade contratual. Neste sentido, Júlio Gomes (citação do Parecer da PGR nº 79/2004, de 27/4/2006) pondera que a referida compensação “(…) poderá ser pensada como um mero instrumento de política legislativa para encarecer o contrato a termo e, deste modo, desencorajá-lo. Mas parece que se trata de algo mais, variando, como varia, em função da antiguidade: parece que o que se pretende é compensar o trabalhador pela precariedade do contrato a termo”. Do mesmo modo, João Leal Amado (Prontuário de Direito do Trabalho, nº 62, CEJ 2002, p. 115) também afirma tratar-se de um “direito cuja ratio consiste em compensar o trabalhador pela situação de precariedade contratual em que se encontrou, em conceder um «suplemento de tutela» ao trabalhador contratado a termo”, destinando-se ainda a desincentivar a contratação a prazo. No mesmo sentido, Luís M. Menezes Leitão (citação do Parecer da PGR nº 79/2004, de 27/4/2006) considera que a atribuição pecuniária prevista se trata de uma compensação pela natureza precária do vínculo que o trabalhador celebrou, através da qual se visa tornar mais onerosa para o empregador a contratação a termo.
A ideia essencial que se firmou foi a de que a compensação assume uma função especial de tutela face a uma situação que a lei quis que fosse excecional, atenta a precariedade do vínculo, por um lado, e, por outro lado, desincentivar a celebração deste tipo de contratos».

Precisando o Acórdão do Pleno da Secção Administrativa deste STA de 17/4/2015 (proc. 01473/14) que a referida tutela se efetiva no momento da cessação de um contrato a termo que poderia legalmente ainda ser renovado. Ou seja, compensa-se:
«a frustração da expetativa de que o seu contrato, que ainda podia ser renovado, o fosse realmente (…)».

E, sendo assim, não se vê que estas preocupações de tutela da precariedade e da frustração pela cessação de um contrato a termo, ainda legalmente possível de renovação, não possam – “rectius”, não devam – ter cabimento no âmbito das relações laborais dos docentes universitários, sujeitos à “ECDU”, já que também eles estão sujeitos à penalidade da precariedade do seu contrato de trabalho e à frustração pela sua não renovação – sendo, aliás, o caso concreto do Autor da presente ação (ora Recorrido), a este título, especialmente eloquente – merecendo por isso a inerente “compensação”.

As alegações da Recorrente/Ré, ao relevar apenas, como causa de atribuição das compensações em questão, o combate às situações abusivas de contratação a termo certo, claudicam ao desprezar a função indemnizatória dessa solução legal perante os “incommoda” da não renovação e da precariedade laboral vivida, que, por isso mesmo, a lei manda quantificar em termos proporcionais ao tempo de duração dessa precariedade laboral.

15. Veja-se o caso do Autor, conforme resulta dos factos comprovados nos autos.

Contratos celebrados e cumpridos:
- Em 17/11/1990, “contrato administrativo de provimento”, como assistente convidado, com sujeição ao regime jurídico da função pública, em regime de tempo integral (36 horas semanais), por um ano, renovável por períodos de 3 anos;
- Renovado até 30/11/1994;
- Renovado em 30/11/1997;
- Em 29/11/2006, novo “contrato administrativo de provimento”, idêntico ao anterior, por 1 ano;
- Em 9/11/2007, novo “contrato administrativo de provimento”, idêntico aos anteriores, mas em substituição;
- Em 23/2/2009, “contrato de trabalho em funções públicas”, a termo certo, ´como professor auxiliar convidado a 100%, em regime de tempo integral (35 horas semanais), até 31/7/2009;
- Em 30/8/2009, novo contrato, idêntico ao antecedente, agora em regime de tempo parcial (mas mantendo 35 horas semanais), por 1 ano;
- Renovado por 1 ano em 31/8/2010;
- Renovado por 1 ano, até 31/8/2012.,
Não renovado (“denunciado”) após o seu término em 31/8/2012.

Daqui se retira que o trajeto laboral do Autor, ora Recorrido, nestes considerados 22 anos de docência na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, se caraterizou por uma sucessão de contratos precários, a termo certo, renovados por regra anualmente, num regime de tempo integral – de 35 horas semanais -, terminando qualquer vínculo entre as partes, por completo, ao fim desses 22 anos de docência.

E não se compreende como, perante os factos provados relativos às circunstâncias desta vivência laboral do Autor, a Recorrente/Ré pode argumentar que esta atividade docente não seria a sua atividade principal, sendo de presumir que esta fosse a de arquiteto em prática privada… (cfr., v.g., artigo 147º das alegações e conclusão K das mesmas); ou que este serviço docente do Autor durante os referidos 22 anos, em regime de tempo integral (35/36 horas semanais) constituía apenas “um complemento ao seu desempenho profissional, científico ou pedagógico” (cfr. artigo 75º das alegações), “um meio de enriquecimento do seu currículo, suplementar da atividade profissional” (cfr. artigo 76º das alegações), “revestindo uma caráter de missão” (cfr. artigo 77º das alegações).

Não discutimos a argumentação da Recorrente/Ré de estarmos aqui perante situações excecionais que poderão ser justificadas pela especificidade da docência universitária, o que será inclusivamente aceite pelo legislador europeu - como a Recorrente sublinha nas suas alegações (v.g., nos artigos 93º e seguintes).

Mas tal não invalida a consequência de uma significativa e prolongada precariedade na vida laboral dos docentes (22 anos, no caso do Autor), que aponta, por maioria de razão, para a aplicabilidade de um regime legal que visa, precisamente, “compensar” a precariedade dos trabalhadores sujeitos a contratos a termo certo que venham a caducar “ratione tempore”, sem renovação por opção dos empregadores.

Ou seja, toda a argumentação desenvolvida pela Recorrente/Ré nas suas alegações, tendente a integrar a situação dos docentes universitários em casos especiais que justificam a utilização dos contratos a termo, sem que, por isso, se possa falar em situações abusivas, é uma argumentação que acaba por tornar especialmente necessária e justificada a aplicação do regime legal geral de atribuição, para tais casos, de uma compensação.

E afirmar, como faz a Recorrente/Ré, que, em casos como o do Autor, aqui em apreço, “não existe qualquer precariedade ou menor estabilidade que importe tutelar” (cfr. artigo 39º das alegações) é negar uma evidência que resulta manifesta dos factos provados.

16. Para finalizar, cumpre notar que a legislação europeia e a jurisprudência do TJUE citadas pela Recorrente/Ré nas suas alegações destinam-se a, por um lado, combater a abusiva utilização dos contratos a termo certo, e, por outro lado, a justificar os casos excecionais – como serão os da docência, designadamente no ensino superior – cuja especificidade fará admitir um uso alargado desses contratos inerentemente precários sem que se possa caraterizar essa utilização como abusiva.

Porém, como já flui de tudo o acima referido, esta aceitação “europeia” da utilização de contratos a termo certo, em compreensão da sua necessidade em situações específicas, não invalida – antes confirma - a justeza da aplicação do regime geral das compensações destinadas a indemnizar a precariedade que sempre permanece inerente a esse tipo de contratação, independentemente da bondade da sua utilização.

Assim, a jurisprudência do TJUE invocada não trata da questão que aqui nos ocupa, da admissibilidade da atribuição de compensação por caducidade de contratos a termo, ainda que em situações especiais, embora dela se possa retirar um sentido contrário ao propugnado pela Recorrente/Ré – veja-se o Acórdão de 14/9/2016, C-596/214 (“Ana de Diego Porras contra Ministerio de Defensa”), que termina concluindo que:
«o artigo 4º do acordo-quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo nacional, que recusa qualquer compensação pela cessação do contrato de trabalho ao trabalhador contratado mediante um contrato de trabalho de “interinidad”, ao passo que permite a atribuição de uma tal compensação, designadamente, aos trabalhadores permanentes numa situação comparável”.

E o posterior Acórdão TJUE de 21/11/2108, C-619/17 (“Ministerio da Defensa contra Ana de Diego Porras”) citado pela Recorrente/Ré (artigo 51º das alegações) nada tem a ver com a nossa questão, visto que ali se discutia a admissibilidade de uma alegada discriminação entre trabalhadores sujeitos a contratos precários de "interinidad” (isto é, “em substituição”) e outros sujeitos a contratos a termo, sendo que só para estes últimos a lei nacional previa uma compensação na cessação do contrato.

De todo o modo, e como referido, a Diretiva 1999/70/CE e o seu acordo-quadro, invocados pela Recorrente, tem por objetivo o combate à utilização abusiva dos contratos precários, não afastando ou proibindo a atribuição de compensações por caducidade de contratos a termo.

E a própria Recorrente/Ré o reconhece, já que, depois, de toda a invocação que faz da legislação europeia e da jurisprudência do TJUE, conclui que «quer o artigo 4º quer o artigo 5º do Acordo-Quadro não excluem regulamentações nacionais que não prevejam, em situações especiais, motivadas por razões objetivas, o pagamento de qualquer indemnização aos trabalhadores com contratos a termo, quando findarem os contratos a termo celebrados (…)» (cfr. artigo 105º das alegações). Ora, ainda que esta conclusão, como assevera, possa ser retirada daquela legislação e jurisprudência, ela é inaplicável ao nosso caso, uma vez que, contrariamente à hipótese colocada, a regulamentação nacional portuguesa prevê, efetivamente, como vimos, o pagamento de uma compensação/indemnização, mesmo nesses casos que possam ser considerados especiais (como, v.g., os da docência no ensino superior).


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IV - DECISÃO

Por tudo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Negar provimento ao presente recurso de revista interposto pelo Ré/Recorrente “Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa”, confirmando-se, assim, o Acórdão do TCAS recorrido.

Custas a cargo da Recorrente/Ré.
(A presente condenação em custas da Recorrente/Ré prejudica o conhecimento da questão da não dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça colocada pelo Recorrido/Autor nas suas contra-alegações).

D.N.

Lisboa, 11 de maio de 2023 – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) – José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.