Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0366/09
Data do Acordão:11/12/2009
Tribunal:PLENÁRIO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário: I – A competência para o conhecimento da globalidade das acções de impugnação de actos administrativos respeitantes a questões fiscais é atribuída aos tribunais tributários e às Secções do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo e dos tribunais centrais administrativos.
II – São questões fiscais as que exijam a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública.
III – A actividade tributária é uma parcela da actividade financeira global, que tem por fim a aquisição de meios financeiros por entidades públicas, e tem em vista a definição dos direitos e deveres dos cidadãos e da Administração no âmbito da actividade destinada à obtenção daquelas prestações patrimoniais.
IV – Está-se perante um acto administrativo em matéria fiscal quando a Administração visar com ele regular uma relação jurídica gerada no exercício da sua actividade aquisição de meios financeiros.
V – Assim, cabe aos tribunais tributários conhecer de uma acção administrativa especial em que é impugnado um acto administrativo que repartiu entre vários interessados quotas de biodiesel isentas de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP).
Nº Convencional:JSTA00066105
Nº do Documento:SAP200911120366
Data de Entrada:04/02/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO COMPETÊNCIA TT1INST LISBOA - TAC LISBOA,
Decisão:DECL COMPETENTE TT1INST LISBOA.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL.
DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL.
Área Temática 2:ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:PORT 1391-A/2006 DE 2006/12/12 ART3 D.
CIEC99 ART71 A .
ETAF02 ART1 ART49 N1 A ART26 C ART38 B.
CONST76 ART212 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC41144 DE 1997/03/11.; AC STA PROC40894-A DE 1996/10/10.
Referência a Doutrina:TEIXEIRA RIBEIRO LIÇÕES DE FINANÇAS PÚBLICAS 4ED PAG17.
LEITE DE CAMPOS LIÇÕES DE DIREITO FISCAL PAG5-8.
LEITE DE CAMPOS E OUTRA DIREITO TRIBUTÁRIO PAG21.
SOARES MARTINEZ DIREITO FISCAL 7ED PAG3.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Plenário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, intentou do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures acção administrativa especial contra o MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DA INOVAÇÃO, tendo por objecto a impugnação de um acto praticado pelo Senhor Director Geral de Geologia e Energia de 3-4-3007 que procedeu à partilha de 205.000 toneladas de biodiesel isentas de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos pelos vários interessados em desfrutar dessa isenção, mediante o rateio de quotas entre eles e a condenação do Réu à prática de acto devido de redistribuição das quotas de biodiesel isentas de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, fixando a da Autora em 100.000 toneladas, ou a atribuir-lhe uma quota superior às 100.000 toneladas, até ao limite máximo da sua capacidade de produção à data da apresentação das candidaturas a concurso.
Na resposta que apresentou às excepções suscitadas pelo Réu, a Autora veio pedir que se entenda como consistindo «o pedido formulado na redistribuição judicial das quotas administrativamente atribuídas no concurso» (fls. 321)
Na sequência da reorganização do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures e do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que deu origem ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e ao Tribunal Tributário de Lisboa, o processo foi remetido a este último Tribunal onde o Meritíssimo Juiz, no despacho saneador suscitou a questão da competência em razão da matéria para o conhecimento da acção.
Decidindo tal questão o Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário declarou ser incompetente aquele Tribunal para o conhecimento da presente acção, sendo competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Remetido o processo ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, veio este Tribunal a declarar-se incompetente em razão da matéria para o conhecimento da acção, por entender que se está perante uma questão de natureza fiscal, depreendendo-se da sua fundamentação que considera competente o Tribunal Tributário de Lisboa.
Os referidos despachos transitaram em julgado pelo que se gerou um conflito negativo de competência que cabe resolver a este Plenário, nos termos do art. 29.º do ETAF de 2002.
A Autora veio requerer a resolução deste conflito de competência.
Efectuadas as notificações previstas nos arts. 119.º e 120.º do CPC, apenas se pronunciou a A…, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
(a) No seguimento de um concurso público para atribuição de isenção do ISP relativa ao biodiesel a fornecer no ano de 2007, o Director Geral de Geologia e Energia, através de despacho datado de 3 de Abril de 2007, aprovou a distribuição final das quotas de biocombustível isento de ISP por produtor;
(b) Não se conformando com o teor do despacho em causa, a Requerente instaurou uma acção administrativa especial, aí solicitando a condenação do Ministério da Economia e da Inovação à prática do acto devido de concessão de isenção de ISP em relação a 100.000 toneladas de biodiesel, e não apenas às 76.317 toneladas que lhe haviam sido atribuídas;
(c) O Tribunal Tributário veio, num primeiro momento, declarar-se incompetente em razão da matéria para apreciar os termos do litígio subjacente à acção instaurada, remetendo a apreciação da mesma – sem disso dar conhecimento à A… – para o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa;
(d) No entanto, num segundo momento, por considerar que o quid decidendum dizia efectivamente respeito a uma questão fiscal e não administrativa, veio o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sua vez, declarar igualmente a sua incompetência em razão da matéria para apreciar a acção em apreço, devolvendo-a ao Tribunal Tributário de Lisboa;
(e) Todos os requisitos legais necessários ao julgamento do presente pedido de resolução do conflito negativo de competências se encontram preenchidos.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a V. Exas. se dignem dirimir o conflito negativo de competências que se encontra subjacente ao presente pedido, nessa medida declarando competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ou, caso assim não se entenda, o Tribunal Tributário de Lisboa.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
l. Constitui objecto do presente processo dirimir o conflito de jurisdição entre o Tribunal Tributário de Lisboa e o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Ambos declararam a competência um do outro denegando a própria para conhecer da acção administrativa especial de condenação intentada pela A... contra o Ministério da Economia e da Inovação, por referência a um acto do Director Geral de Geologia e Energia.
2. Como é sabido, a competência (ou jurisdição) de um tribunal afere-se pelo quid decidendum. Ou seja, pelos objectivos prosseguidos pelo autor. Ora na presente acção a autora pede que – " se declare inválido o Despacho de 3 de Abril de 2007 do Senhor Director Geral de Geologia e Energia e consequentemente, se condene o R, por um lado, à prática de um acto administrativo de redistribuição das quotas de biodiesel isentas de ISP, fixando a da A. em 100.000 toneladas, nos termos acima expostos, ou, a reconhecer (por desaplicação do art. 4º, nº l da Portaria nº 1391 – A/2006 e por exclusão das Contra – Interessadas no concurso) dever ser atribuída à A… uma quota superior às 100.000 toneladas, até ao limite máximo da sua capacidade de produção à data da apresentação das candidaturas a concurso ". E fundamenta tal pedido no facto do dito despacho padecer dos vícios de ilegalidade da admissão a concurso de outros concorrentes, da violação dos princípios da utilidade e da necessidade dos actos administrativos e a ilegalidade da estipulação, por Portaria, do limite máximo de 100.000 toneladas de biodiesel, passível de isenção de IPS, para cada operador económico. O objecto da acção é a anulação daquele acto administrativo do Director Geral de Geologia e Energia e a sua substituição por outro que redistribua novamente aquelas quotas de modo a que à A. seja atribuída uma quota superior às 100.000 toneladas.
3. Ora, como refere o R. na sua contestação (6º), " o despacho impugnado não é acto tributário e não atribui, nem podia atribuir qualquer isenção fiscal, já que o R. carece de competência em matéria fiscal, e apenas aprovou o Relatório e Conclusões da Comissão de Avaliação constituída nos termos do nº 3 do art. 2º da Portaria nº 1391 – A/006 de 12 de Dezembro, sobre a apreciação dos processos de candidatura e distribuição final das quantidades de biocombustíveis por operador passíveis de isenção para o ano de 2007.
Embora o presente conflito surja no âmbito do novo ETAF importa ter em atenção ao que se escreveu no Ac. deste STA (Plenário) de 27.11.96, proc. nº 039544, citando, por sua vez, o Ac. da 1a Secção deste mesmo Tribunal de 9.12.86, proc. 23.773 – " A índole fiscal só seria de reconhecer em recursos cuja pretensão do recorrente tivesse apelado, nas questões suscitadas, à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, o que não ocorre in casu ". E o sumário deste Ac. de 27.11.96 é do seguinte teor – " A competência (ou jurisdição) de um Tribunal afere-se pelo quid decidendum, seja, pelos objectivos prosseguidos pelo autor, que são, no recurso contencioso de acto administrativo, anular este com fundamento nos vícios que lhe aponta. Desde que na pretensão do recorrente assim definida não se apele a normas de direito fiscal, o conhecimento e julgamento do recurso é de atribuir à Secção do Contencioso Administrativo. Mesmo que o acto recorrido constitua acto pressuposto, que decida sobre questão prejudicial do reconhecimento de benefício fiscal, de iniciativa do interessado.
4. Como assim, em nossa modesta opinião, somos de parecer que o presente conflito deve ser dirimido com atribuição de competência ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A questão que é objecto do presente processo é a de saber e se são competentes os tribunais administrativos ou os tribunais tributários para o conhecimento de uma acção administrativa especial em que é impugnado um acto praticado pelo Senhor Director Geral de Geologia e Energia, de 3-4-3007, que partilhou por vários interessados, mediante rateio, quotas de biodiesel isentas de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP).
A Autora imputou ao acto impugnado violação do preceituado na alínea d) do n.º 3 da Portaria n.º 1391-A/2006, de 12 de Dezembro, em que se estabelece o seguinte:
A aceitação dos processos de candidatura à isenção é condicionada à verificação das seguintes condições de elegibilidade:
(...)
d) Em caso de produção de biocombustíveis em território nacional, licença de actividade ou comprovativo da submissão de pedido de licenciamento industrial, acompanhado de certidão de localização da unidade industrial passada pela autoridade competente, relativa à afectação dos terrenos das respectivas instalações à actividade de produção de biocombustíveis.
A referida Portaria n.º 1391-A/2006 estabelece, para o ano de 2007, o regime da concessão de isenção de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) que incide sobre os biocombustíveis, em conformidade com o artigo 71.º-A do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aditado pelo Decreto-Lei n.º 66/2006 , de 22 de Março.
O ETAF de 2002, em sintonia com o art. 212.º, n.º 3, da CRP, atribui genericamente aos tribunais administrativos e fiscais a competência para apreciação dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (art. 1.º daquele diploma).
Relativamente a acções de impugnação de actos administrativos estabelece-se no art. 49.º, n.º 1, alínea a), subalínea iv) que compete aos tribunais tributários conhecer das acções de impugnação «dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais».
Nos arts. 26.º, alínea c), e 38.º, alínea b), atribui-se ao Supremo Tribunal Administrativo e aos tribunais centrais administrativos competência para conhecer de «recursos de actos administrativos do Conselho de Ministros respeitantes a questões fiscais» e de «recursos de actos administrativos respeitantes a questões fiscais praticados por membros do Governo», respectivamente.
Assim, a competência para o conhecimento da globalidade das acções de impugnação de actos administrativos respeitantes a questões fiscais é atribuída aos tribunais tributários e às Secções do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo e dos tribunais centrais administrativos.
Este Supremo Tribunal Administrativo tem considerado como questões fiscais as que exijam a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública. (Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 31-1-89, recurso n.º 26331, AP-DR de 14-11-94, página 683;
– de 8-9-93, recurso n.º 32624, AP-DR de 21-8-96, página 4515;
– de 7-6-94, recurso n.º 30654, AP-DR de 31-12-96, página 4532;
– de 10-10-96, recurso n.º 40894-A, AP-DR de 15-4-99, página 6702;
– de 11-3-97, recurso n.º 41144, BMJ n.º 465, página 360. )
A actividade tributária é uma parcela da actividade financeira global, que tem por fim a aquisição de meios financeiros por entidades públicas, e tem em vista a definição dos direitos e deveres dos cidadãos e da Administração no âmbito da actividade destinada à obtenção daquelas prestações patrimoniais. (Neste sentido, na essência, podem ver-se:
– TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 4.ª edição, página 17;
– DIOGO LEITE DE CAMPOS. Lições de Direito Fiscal, páginas 5 a 8;
– DIOGO LEITE DE CAMPO e MÓNICA LEITE DE CAMPOS, Direito Tributário, página 21;
– SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 3. )
Assim, estar-se-á perante um acto administrativo em matéria fiscal quando a Administração visar com ele regular uma relação jurídica gerada no exercício da sua actividade destinada à aquisição de meios financeiros.
A partilha de 205.000 toneladas de biodiesel isentas de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos pelos vários interessados em desfrutar dessa isenção, mediante o rateio de quotas entre eles, que foi determinada pelo acto impugnado no presente processo, reconduz-se à concessão das correspondentes isenções fiscais a esses interessados, pelo que se insere na actividade estadual destinada à aquisição de meios financeiros, que inclui a liquidação e cobrança daquele Imposto e a definição das respectivas isenções.
Por outro lado, o procedimento concursal cuja legalidade é questionada insere-se nesta actividade estadual, sendo o procedimento adequado ao reconhecimento de isenções fiscais de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP).
Por isso, o facto, referido na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de apenas serem discutidas questões atinentes a este procedimento, não é afasta a sua competência, pois trata-se de um procedimento que se engloba no âmbito da actividade estadual destinada a definir uma relação jurídica gerada no exercício da sua actividade destinada à aquisição de meios financeiros
Conclui-se, assim, que o acto praticado tem por objecto uma questão fiscal.
Consequentemente, cabe aos tribunais tributários, concretamente ao Tribunal Tributário de Lisboa, conhecer da presente acção administrativa.
Nestes termos acordam neste Plenário em resolver o conflito negativo de competência declarando competente para o conhecimento do presente processo, em 1.º grau de jurisdição, o Tribunal Tributário de Lisboa.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Novembro de 2009. – Jorge Manuel Lopes de Sousa (relator) – Luís Pais Borges – Rosendo Dias José – José Manuel da Silva Santos Botelho – Domingos Brandão de Pinho – Lúcio Alberto de Assunção Barbosa – Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale – Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa - Maria Angelina Domingues.