Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0144/18
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PREÇO ANORMALMENTE BAIXO
ACEITAÇÃO
Sumário:Deve admitir-se revista de acórdão que entendeu não fundamentada a decisão do júri ao aceitar a justificação apresentada pela concorrente vencedora sobre o preço anormalmente baixo da sua proposta e que entendeu ainda e, desde logo, que a justificação apresentada pelo concorrente não era aceitável.
Nº Convencional:JSTA000P23036
Nº do Documento:SA1201803080144
Data de Entrada:02/09/2018
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA SAÚDE E B................, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar - art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A………………… LDA recorreu, nos termos do art. 150º, 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 23-11-2017, que confirmou a sentença proferida pelo TAF de Leiria, que por seu turno julgou procedente a ACÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL intentada por B……………… SA intentada contra si e contra o Ministério da Saúde e anulou o acto de aprovação do relatório final do júri, na parte em que não excluiu a proposta da contra-interessada e na parte em que classificou a proposta da autora e condenou a entidade demandada a adjudicar-lhe a proposta.

1.2. Fundamenta a admissibilidade da revista por estarem em causa questões de relevo cuja intervenção do STA se afigura "premente e necessária para uma melhor aplicação do direito".

1.3. Não foram produzidas contra-alegações.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O acórdão do TCA Sul sumariou, na parte final, as questões abordadas, nos seguintes termos:

"(...)

I. Estabelece o artigo 640.º do CPC, os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, devendo o recorrente obrigatoriamente especificar sob pena de rejeição:

a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e

c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

II. Não obstante a amplitude conferida a um segundo grau de jurisdição, na caracterização da amplitude dos poderes de cognição do Tribunal ad quem sobre a matéria de facto, não se está perante um segundo ou novo julgamento de facto, estando tal possibilidade de conhecimento confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados.

III. O Tribunal ad quem aprecia apenas os aspetos sob controvérsia e não vai à procura duma nova convicção, pois o que visa determinar é se a motivação apresentada pelo Tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta do depoimento testemunhal, registado a escrito ou através de gravação, em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.

IV. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não pode postergar o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador, intervindo na formação da convicção não apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também fatores não materializados.

V. Prevendo o caderno de encargos que se considera preço anormalmente baixo todo o preço que seja inferior a 50%, do preço base, significa que a entidade adjudicante se auto-vinculou segundo o critério legal, previsto nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do CCP.

VI. Fixado o limiar do preço anormalmente baixo nas peças do procedimento, ele é do conhecimento de todos os concorrentes, pelo que, no caso de o preço indicado na proposta se situar abaixo desse limiar, os concorrentes são obrigados a incluir nas respetivas propostas os documentos justificativos desse preço.

VII. Recai sobre o júri do concurso o dever de analisar e apreciar as justificações apresentadas para o preço anormalmente baixo, no sentido de aferir se são ou não justificadoras do valor do preço anormalmente baixo, em face dos critérios previstos no n.º 4 do artigo 71.º do CCP.

VIII. Prevendo a alínea e), do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, o dever de o concorrente apresentar documento contendo esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo e que, na análise dos esclarecimentos prestados, o júri do procedimento possa ter em consideração as justificações previstas nas várias alíneas do n.º 4 do artigo 71.º do CCP, assim como, atenta a possibilidade prevista no artigo 72.º, pedir quaisquer esclarecimentos, significa que o CCP não só impõe o dever de análise dos esclarecimentos prestados pelo concorrente acerca das razões do preço anormalmente baixo, como o cumprimento do dever de fundamentação da decisão sobre essas justificações, não podendo a entidade adjudicante limitar-se a admitir ou a rejeitar a proposta, sem aduzir qualquer fundamentação.

IX. Sendo manifesto que as justificações apresentadas pela concorrente são vagas e genéricas, não permitindo concluir no sentido em que o decidiu a júri do procedimento do concurso, da admissão da proposta, não está vedado ao Tribunal de sindicar essas justificações.

X. O que significa que a concorrente não conseguiu satisfazer a finalidade prevista na lei, de esclarecer e de afastar a suspeita e a dúvida que recai sobre a ilegalidade da sua proposta, decorrente da apresentação de proposta de preço anormalmente baixo.

XI. Existindo suspeitas concretas de que a proposta não apresenta garantias relativas à boa e pontual execução dos termos previstos no caderno de encargos, a verter no contrato a celebrar, suspeitas essas que as justificações apresentadas não conseguiram afastar, não sendo credíveis e com isso não conseguindo demonstrar que o preço da proposta, ainda que anormalmente baixo, é um preço de mercado e que assenta em critérios sérios e congruentes, a proposta não pode ser admitida por não servir como fundamento em o preço ser anormalmente baixo.

XII. Não será de conceder uma segunda oportunidade à concorrente de apresentar esclarecimentos tardiamente ou numa segunda fase, por a lei prever o momento próprio para o efeito, pelo que não sendo as justificações apresentadas aptas e idóneas a afastar o juízo de ilegalidade da proposta apresentada, o sentido decisório a tomar apenas poderá ser o da não admissão da proposta.

XIII. No caso configurado em juízo, não é possível configurar a margem de discricionariedade administrativa que assiste ao júri do concurso do procedimento na apreciação das justificações apresentadas, pois que as declarações apresentadas não são minimamente credíveis e esclarecedoras, estando a discricionariedade reduzida «a zero».

(...)"

3.3. No recurso para o STA, a ora recorrente insurge-se contra a deficiente apreciação da matéria de facto, questões que estão necessariamente fora do âmbito da revista - cfr. art. 12º, 4 do ETAF e 662º, n.º 4 do CPC. Deste modo não se justifica admitir a revista relativamente ao julgamento de tais questões e daquelas que tomam em considerarão tais factos.

Todavia, e relativamente às questões de direito também suscitadas, julgamos que se justifica a admissão da revista. Mais concretamente as questões suscitadas nas conclusões IX e seguintes, onde alega que da falta de fundamentação de uma decisão pela entidade adjudicante, não pode ser prejudicada a concorrente, terminando precisamente a sua motivação referindo não poder "a aqui recorrente A……………. ser castigada por falta de fundamentação da ré, entidade adjudicante".

Vejamos porquê.

Estando assente que a proposta da ora recorrente apresentava um preço inferior a 50% do preço base, a questão que segue - e que ainda está pendente - é a de saber se a justificação para esse preço acolhida pelo júri está ou não fundamentada e não o estando, quais as respectivas consequências jurídicas.

O TCA Sul entendeu que a deliberação do júri que aceitou a justificação para o preço anormalmente baixo era vaga e genérica, o que significa - diz o tribunal - que o concorrente não conseguiu satisfazer a finalidade prevista na lei de esclarecer e de afastar a suspeita de dúvida que recai sobre a ilegalidade da sua proposta, decorrente da apresentação de um preço anormalmente baixo.

Mais entendeu que, perante a ausência de fundamentação da decisão do júri sobre a aceitação da justificação do preço anormalmente baixo - não era viável conceder uma "segunda oportunidade à concorrente de apresentar esclarecimentos".

Ora, perante uma situação em que o júri do concurso considerou justificado o preço anormalmente baixo apresentado na proposta vencedora, justifica-se, desde logo, a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo com vista a estabelecer critérios claros sobre o âmbito de intervenção do Tribunal na sindicância da actividade do júri nesse domínio.

Note-se que, no caso em apreço, a justificação do preço foi feita pela concorrente nos termos constantes do ponto 1.8. da matéria de facto.

No âmbito da audiência prévia, a B…………………. (...) SA suscitou várias questões pondo em causa aquela justificação do preço anormalmente baixo (ponto 1.15 da matéria de facto).

O Júri do concurso prenunciou-se expressamente sobre a questão, nos termos constantes do ponto 9 do relatório final, transcrito no ponto 1.6. da matéria de facto e aceitou a justificação do preço anormalmente baixo.

O TCA Sul, como já referimos, considerou que o júri não fundamentou a decisão, nessa parte: "(...) significa que o CCP não só impõe o dever de análise dos esclarecimentos prestados pelo concorrente acerca das razões do preço anormalmente baixo, como o cumprimento do dever de fundamentação da decisão sobre essas justificações, não podendo a entidade adjudicante limitar-se a admitir ou a rejeitar a proposta, sem aduzir qualquer fundamentação ( ... )" - fls. 701 dos autos e 42 do acórdão recorrido.

Para além de entender que estava perante a ausência de fundamentação o acórdão entendeu ainda que "as justificações apresentadas pela concorrente são vagas e genéricas, não permitindo concluir no sentido em que decidiu o júri do procedimento do concurso, da admissão da proposta" - fls. 702 dos autos e 43 do acórdão recorrido.

Todavia não ficou por aqui, pois entendeu que a justificação apresentada pela concorrente era vaga e genérica e, portanto, não se justificava conceder-lhe nova oportunidade de justificar o preço apresentado.

Este último aspecto da decisão recorrida também justifica, a nosso ver a admissão da revista, com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.

Na verdade, localizando o vício da decisão impugnada, na ausência de fundamentação da aceitação pelo júri da justificação do preço anormalmente baixo, e, desde logo, importante a intervenção deste Supremo Tribunal Administrativo no sentido
de definir as respectivas consequências, uma vez que perante, a falta de fundamentação, em princípio, o acto ferido com esse vício é renovável.

Deve, por isso, admitir-se a revista.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 8 de Março de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.