Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0929/02.1BTLRS 0809/16
Data do Acordão:10/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IVA
PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL SOCIAL
Sumário:A alienação de participações sociais por uma SGPS, no âmbito de uma operação de reestruturação da actividade económica do grupo, não está sujeita a IVA, seja porque tal alienação, em linha com a jurisprudência europeia [acórdão EDM (C-77/01)], não pode qualificar-se como uma “actividade económica” (não tem carácter de permanência) exercida pela SGPS, seja porque a mesma revela um claro carácter acessório ao corresponder a uma opção isolada de reestruturação da actividade do grupo.
Nº Convencional:JSTA000P30034
Nº do Documento:SA2202210120929/02
Data de Entrada:06/29/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A……………., S.G.P.S., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A……………………., S.G.P.S., S.A., com os sinais dos autos, impugnou no Tribunal Tributário de Lisboa a liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios.

2 – Por sentença de 29 de Fevereiro de 2016, o Tribunal Tributário de Primeira Instância julgou a acção procedente e anulou as liquidações.

3 – Inconformada com aquela decisão, a Fazenda Pública recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«[…]
I. O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da total procedência da impugnação.

II. A impugnante, Sociedade Gestora de Participações Sociais, é um sujeito passivo misto que face ao disposto no Art.º 20.º do CIVA, no exercício da sua atividade realiza simultaneamente operações tributáveis que conferem o direito à dedução e, operações isentas que não conferem esse direito, utilizando por isso e para efeitos de apuramento de imposto o método a percentagem da dedução ou pro rata, como regra geral.

III. Ora, o método pro rata, utilizado por estes S.P. carateriza-se pelo facto do direito à dedução ser proporcional ao valor das operações tributáveis e isentas com direito à dedução relativamente ao volume de negócios total.

Neste cálculo serão incluídas nos termos do n.º 5 do CIVA, as operações que têm um carácter acessório em relação à atividade global da empresa-transmissões de bens do ativo imobilizado e operações imobiliárias ou financeiras.

IV. Mas acontece que enquanto a impugnante "procedeu ao apuramento de um pro rata de 92%, a AT considerou que 88% seria o montante correto".

V. Vejamos qual a diferença.

No apuramento dessa diferença encontram-se valores relativos a “mais-valias geradas por força da alienação de duas participações financeiras da Impugnante nas suas filiais de B…………… e C……………….'' ponto 9.º da p. i. da impugnante, aqui recorrida.

VI. Portanto a questão controversa resume-se a saber se essas operações se devem incluir no quadro de uma atividade económica caso em que a impugnante deveria ter apurado um pro rata de 88%, em vez de ter utilizado um pro rata de 92%, por via da sua não inclusão dessas operações no cálculo do pro rata.

VII. A alienação dessas participações financeiras não pode ser incluída no âmbito da previsão do art.º 23.º n.º 5 do CIVA, visto tais operações não terem carácter acessório à atividade da SGPS.

VIII. Como tal a questão a decidir pelo Tribunal é saber se face à atividade exercida pela impugnante se deve considerar acessória a venda de tais participações e consequentemente "excluir" esses ganhos, tendo o Tribunal a quo decidido que:

"Por fim, a alienação das participações art.ºs 4.º n.º 1 e 2 da Sexta Diretiva, 2.º n.º 1 corpo e alínea a) do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, não é em si mesma uma atividade económica para efeitos deste tributo, cfr. neste sentido, quanto ao conceito de atividade económica relevante, Ac. TCAS de 11-Xl-2008, tirado no processo n.º 01897/07, in www.dsgi.pt. ou do caso Polysar, do Tribunal de Justiça da União Europeia, processo n.º C-60/90, acórdão nele tirado, de 20-Vl-1991, ou do caso Sofitam, no processo C-33/91, acórdão de 22-Vll-1993, porque "a mera tomada de participações no capital de outras empresas não constitui a exploração de um bem com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, uma vez que o eventual dividendo, fruto dessa participação, resulta da mera propriedade do bem", donde se tenha considerado que não seja contrapartida de qualquer atividade económica, são por isso, estanhos ao sistema do direito à dedução e não devem, por isso, ser incluídos no denominador da fração representativa do pro rata."

IX. Contudo importa decidir se os frutos dos rendimentos resultantes de alienações dessas participações sociais não se podem incluir no âmbito da atividade económica indireta ou se a alienação de participações não consubstancia uma atividade económica, por ter caráter acessório.

X. De acordo com o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, as Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) são consideradas sociedades cujo objeto é a detenção estável de participações sociais de outras sociedades, que lhe são juridicamente independentes, tendo por objeto contratual a gestão dessas participações como forma indireta do exercício de atividades económicas, sendo esta a sua atividade fundamental, cujos rendimentos serão dividendos, juros de obrigações e outras aplicações financeiras.

XI. Contudo, às SGPS é-lhes facultado, a título excecional, ainda que condicionado aos limites impostos pelo art.º 3.º do citado diploma, o recurso ao mercado de ações para fazer colocações temporárias de "pequenas participações" das suas disponibilidades de tesouraria e conceder crédito às sociedades participadas. Os rendimentos obtidos serão as mais-valias na venda de títulos.

Eventualmente, nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 5.º do mesmo diploma, as SGPS poderão ainda conceder crédito, por meio de contratos de suprimentos celebrados com as empresas participadas.

XII. Assim, como se conclui a atividade fundamental das SGPS está isenta de IVA porque as operações praticadas nesse âmbito são as que constam no então n.º 28 do art.º 9.º do CIVA (atividades de sociedades de capital de risco).

Quanto às restantes atividades complementares, encontram-se previstas nos art.º 4.º e 6.º do CIVA e por isso sujeitas a imposto.

XIII. Como referimos, às SGPS é-lhes facultado ainda que condicionado aos limites impostos pelo art.º 3.º do citado diploma, o recurso ao mercado de ações para fazer colocações temporárias de "pequenas participações" das suas disponibilidades de tesouraria e conceder crédito às sociedades participada (negrito nosso) e por essa via, a lei permite às SGPS desenvolver operações económico­financeiras no âmbito da gestão da carteira de participações sociais que possuam, o que gera mais­valias que, por não se incluírem no seu único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, terá que se entender constituir uma atividade acessória.

Desse modo, as SGPS geram proveitos além da prestação de serviços técnicos de gestão e administração prestados às sociedades participadas com a sua própria carteira de títulos.

XIV. As mais-valias obtidas pela recorrida fora do âmbito da sua gestão ordinária, de serviços técnicos de gestão e administração prestados às sociedades participadas, não consubstanciam uma participação nos rendimentos através da obtenção de dividendos, mas antes a compra e venda que tem ínsita uma mais-valia obtida, portanto, fora do âmbito do objeto social.

A questão que se coloca é assim que se esta atividade é complementar ou acessória da primeira, porque fora do objeto social, assume a natureza de atividade "autónoma".

XV. E pese embora as SGPS não possuam uma natureza comercial porque não têm por objeto direto praticar atos de comércio, a verdade é que o art.º 2º do Código Comercial determina que serão considerados atos de comércio todos os que se acharem especialmente regulados nesse código, como é o caso da compra e venda.

Assim sendo, quanto à noção de atividade económica contida no art.º 9º, n.º 1, da Diretiva citada na douta sentença, aí se define atividade económica como sendo aquela que é desenvolvida por agente económicos e, designadamente como aquela que consta na aceção do art.º 4.º n.º 2 da Seta Diretiva, ou seja, aquelas que se traduzem nas atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as profissões liberais ou equiparadas, ou a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo, tem plena aplicação nos presente caso.

XVI. Por via do art.º 463.º n.º 5 do CSC, deve ser considerado como atos de comércio a compra e venda de partes sociais ou ações e de acordo com o artigo 2.º do Código Comercial e, como tal, não nos restam dúvidas que a atividade de gestão de participações sociais tem natureza comercial.

Ora se esses atos têm natureza comercial, e por isso devem ser integrados na acepção do artigo 4.º n.º 2 da Sexta Diretiva que aí inclui a comercialização e da qual resultou a transposição do CIVA.

XVII. Tal estará até em consonância com o facto de a alienação de participações sociais se encontrar prevista nos art.º 4.º e 6.º do CIVA e por isso ser sujeita a imposto, já que, apenas a atividade principal das SGPS está isenta de IVA tal como as operações praticadas nesse âmbito que, são as que constam no então n.º 28 do art.º 9.º do CIVA.

XVIII. Portanto a compra e venda de partes sociais ou ações enquanto atividade autónoma da impugnante, não tem carácter acessório no âmbito do objeto da sua atividade da SGPS nos termos do art.º 23.º n.º 5 do CIVA.

Salvo o muito devido respeito, por esta ordem de razões, a fundamentação da sentença recorrida (em síntese) não pode manter-se em vigor porque julgou em erro de direito.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais e V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

[…]».


4 – Não foram produzidas contra-alegações.

5 – O Excelentíssimo Representante do MP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de se negar provimento ao recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação


1. De facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
[…]
1. A Impugnante, A…………………….., S.G.P.S., S.A. [ACE 74150 - gestão de participações sociais] realizando paralelamente operações que eram sujeitas e outras que eram isentas de Imposto sobre o Valor Acrescentado, inscrita no respetivo regime normal mensal, utilizava o método pro rata na definição da proporção do direito à dedução desse tributo suportado, nomeadamente no ano de 1997.

2. Objeto de ação inspetiva ao seu exercício de 1997 [ordem de serviço nº55386 de 8 de novembro de 2000] que, direcionada embora sobre a fiscalização do cumprimento das específicas obrigações da Impugnante decorrentes do seu estatuto e objeto social, incidiu também nos âmbitos do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

3. No respetivo relatório intercalar, de 10 de janeiro de 2000, foi exposta a necessidade de se proceder a correções aritméticas que, no que a Imposto sobre o Valor Acrescentado dizia respeito, se prendiam com insuficiência de elementos que a Impugnante havia considerado na definição da taxa pro rata, que em consequência deveria, segundo o preconizado, ser menor que a que ela atingira, donde que mediante a utilização da taxa errónea a Impugnante tivesse deduzido Imposto sobre o Valor Acrescentado em excesso.

4. Com efeito, a ação inspetiva verificara que com a evolução, a partir de 1996 integrando parte do grupo ………………. (que concentrou a atividade antes por si prosseguida), a Impugnante alienara as suas participações em sociedades com empresas de outros ramos (como restauração, turismo, corretagem de seguros, distribuição grossista) e, assim, as participações no capital social de B…………….., S. A., e de C………………, S.A., do que extraíra mais-valias no valor de 82.728.261$30, que todavia se não encontravam inscritas no denominador da fração de pro rata que a Impugnante calculara: daí que a Impugnante tivesse fixado essa taxa em 92% [8% do Imposto sobre o Valor Acrescentado suportado dedutível 47.112.912$00 = 3.769.033$00].

5. Nesse exercício de 1997, o total de proveitos e ganhos da Impugnante ascendera a 169.868.145.000$00, integrando 1.370.920.000$00 da prestação de serviços de apoio à gestão das suas participadas, 5.732.049.000$00 relativos a ganhos de ajustamentos de partes de capital e 128.731.000$00 de juros de empréstimos concedidos às participadas.

6. O relatório - além de apontar outras incorreções no numerador e no denominador da fração que definia a taxa - concluía que aquelas mais-valias deveriam ser inscritas no seu denominador porque a alienação de investimentos financeiros, ainda que não contabilizados como tais, constituíam operações financeiras enquadradas na atividade principal de entidades como a Impugnante, donde que entrassem no cômputo do denominador.

7. Ouvida sobre as conclusões do relatório intercalar, a Impugnante, sobre a questão referida nos pontos anteriores - e além do que viria a ser considerado procedente da sua audição, no relatório final, e para além ainda do que a Impugnante reconhecera estar errado nos procedimentos que utilizara para definição daquela taxa - contrapôs que à luz do direito comunitário, tanto a Comissão como o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia consideravam os ganhos da alienação de participações sociais não incluídos na conformação do denominador para definição da taxa pro rata (acrescentando que, a serem-no, sê-lo-iam então pelo valor da operação e não pela margem de resultado que, outrossim, incluiria então também as menos-valias), porque a atividade de sociedades como ela implica a gestão das participações e, assim, a sua detenção e impedimento de alienação por certo período, o que contraria a noção de mera atividade de detenção das participações e antes impõe o caráter acessório da sua alienação: donde a exclusão naquele cômputo.

8. No relatório final, de 25 de agosto de 2000, foram atendidos certos reparos da Impugnante aos elementos integrantes da fração para cálculo do pro rata, mas não aquele sobre as mais-valias da alienação de investimentos financeiros [no valor de 82.728.261$00] no cômputo do denominador da fração definidora da respetiva taxa, sob a argumentação já referida nos pontos 3., 4. e 6..

9. Assim, propôs-se ali que a taxa passasse a ser, para o ano de 1997, não a referida no relatório intercalar, mas a de 88% [numerador da fração: 1.591.197.961$00 - em vez de 1.591.407.961$00 utilizado pela Impugnante; denominador da fração: 1.807.155.383$00 - em vez de 1.736.450.319$00 utilizado pela Impugnante; (fração da Impugnante de quociente 0,91647=0,92/taxa 92%); determinando a fração proposta um quociente 0,8771=0,88/taxa de 88%].

10. Em consequência dessa alteração, mais se verificava no relatório que a dedução de Imposto sobre o Valor Acrescentado de que a Impugnante se prevalecera no ano de 1997, sob uma taxa 4 pontos percentuais mais alta, 92%, importara correspondente excesso de dedução do Imposto suportado em montante que ascendia a 1.884.517$00 [= 47.112.922$00 x 4%].

11. Donde que se propusesse ali a elaboração de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado por forma a Impugnante repor aquele excesso.

12. Apesar de no relatório final serem seguidas as orientações fixadas para a Administração Tributária, também relativamente àquela questão da inclusão ou exclusão das citadas mais-valias e modo de as integrar no cômputo do denominador da fração para determinação do pro rata, considerou-se que as críticas sobre tanto tecidas pela Impugnante impunham uma maior e melhor reflexão sobre a matéria e suscitavam dúvida sobre a bondade do critério adotado pela Administração Tributária.

13. Elaborados os mapas corretivos tanto em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas como de Imposto sobre o Valor Acrescentado, as propostas foram aprovadas por despacho de 11 de junho de 2001.

14. Nessa sequência, relativamente a Imposto sobre o Valor Acrescentado, a Administração Tributária procedeu à elaboração da liquidação adicional nº OI155249, com termo do prazo de pagamento a 30 de agosto de 2002, para reposição daquele excesso referido no ponto 9. - em euros, €9.399,93 - e referida ao último mês de 1997 e, do mesmo modo, procedeu também à elaboração da liquidação de juros compensatórios conexa, com o nº OI 185248, no montante de €3.620,39, com idêntico prazo de pagamento.

15. Notificada das liquidações, no último dia daqueles prazos a Impugnante procedeu à satisfação de ambas.

16. E, no dia 6 de novembro seguinte, apresentou ela a petição na origem dos presentes autos.


*


Não há outra matéria provada, nem factos não provados, que relevantes sejam para a apreciação da causa.

[…]».



2. Questões a decidir
A única questão que vem suscitada no âmbito do presente recurso é a de saber se existe erro de julgamento da sentença recorrida ao considerar que as mais-valias decorrentes da alienação das duas participações financeiras da Impugnante nas suas filiais não estão sujeitas a IVA, quer por essa alienação não consubstanciar uma actividade económica, quer por aquela operação se incluir na previsão do art.º 23.º n.º 5 do CIVA, e, por isso, a impugnante apurou correctamente o pro rata.

3. De direito
3.1. A Fazenda Pública não se conforma com o decidido na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, quer por considerar que a alienação das participações sociais pela aqui Recorrida se tem de qualificar como uma “actividade económica”, quer por considerar que, neste caso, aquela alienação não pode qualificar-se como uma “actividade acessória” para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 23.º do CIVA. Assim, a qualificação daquela operação e das mais valias geradas como “actividade económica da Impugnante” explica a correcção jurídica da liquidação adicional do IVA por efeito da inclusão do valor daquelas mais valias no denominador da fracção, justificando a alteração do pro rata de 92% para 88%.

3.2. De acordo com a factualidade assente, que não foi contestada pela Recorrente Fazenda Pública, a Impugnante alienou em 1997 as participações sociais que detinha em empresas do grupo dedicadas a outros ramos de actividade (ponto 4 do probatório). No âmbito de um procedimento de inspecção tributária, a AT conclui que as mais-valias obtidas com a venda das referidas participações sociais deveriam integrar o denominador da fracção, para efeitos de cálculo do pro rata do IVA, o que assentou numa correcção da taxa de 92% para 88%.

3.3. O Tribunal a quo deu como verificado o vício de violação de lei do acto de liquidação por considerar que a correcção da taxa do pro rata efectuada pela AT violava o disposto no artigo 23.º, n.º 5 do CIVA. Na fundamentação da decisão, o Tribunal recorrido rejeitou a tese da AT de que as mais valias (lucros) decorrentes da alienação das participações sociais não deveriam neste caso integrar a excepção do n.º 5 do artigo 23.º do CIVA, na medida em que, por estar em causa uma alienação de participações sociais de uma SGPS, o proveito obtido teria de considerar-se como uma actividade económica normal e não acessória da entidade recorrida. Para o Tribunal Tributário de Lisboa, resulta do regime das SGPS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que a gestão de participações sociais é uma forma indirecta de exercício da actividade económica e que a actividade económica residual que estas empresas estão autorizadas a desenvolver não abrange a venda das participações sociais, pelo que as ditas mais valias não poderiam qualificar-se como resultado de uma actividade económica principal, tal como pretendia a AT.

3.4. A decisão recorrida faz alusão na sua fundamentação à jurisprudência europeia, em particular ao acórdão EDM do TJUE (proc. C-77/01) e é efectivamente nele que devemos começar por procurar a resposta à questão aqui em apreço.

Naquela decisão o TJUE esclarece que: i) só devem considerar-se para efeitos de IVA as operações que ao abrigo da Sexta Directiva (regime então vigente) sejam qualificadas como actividades económicas (§§51); ii) que “a simples aquisição e venda de outros títulos negociáveis não pode constituir a exploração de um bem com vista à produção de receitas com carácter de permanência, uma vez que a única retribuição destas operações é constituída por um eventual benefício na venda destes títulos” (§§58); e iii) que “uma empresa que realiza actividades que consistam na simples venda de acções e doutros títulos negociáveis, como participações em fundos de investimento, deve ser considerada, em relação às referidas actividades, como limitando-se a gerir uma carteira de investimentos à semelhança de um investidor privado (v. acórdão Wellcome Trust, já referido, n.° 36)” (§§60).

Ora, a fundamentação expendida naquela decisão é inteiramente transponível para o caso dos autos, permitindo com segurança concluir, como fez o Tribunal a quo, que as mais valias decorrentes da venda de participações sociais por uma SGPS, por não ser um rendimento com carácter de permanência, não pode qualificar-se como um produto de uma actividade económica para efeitos de IVA e, nessa medida, estando esse rendimento afastado da tributação, está também afastado do direito à dedução.

3.5. O artigo 19.º, n.º 2 da Sexta Directiva, entre nós transposto para o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA, dispõe que ficam excluídas da fórmula de cálculo do pro rata as operações aí descritas que não estariam sujeitas a incidência e que, como tal, não dariam lugar ao direito à dedução, sempre que as mesmas tenham um carácter acessório. Em outras palavras, o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA prevê que no denominador da fracção que operacionaliza o cálculo do pro rata seja incluído o valor anual de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo aquelas que não dão direito à dedução. Já o n.º 5 do mesmo artigo, permite excluir daquele denominador (e com isso, incrementar a taxa do pro rata) as operações financeiras com carácter acessório.

E é aqui se situa o litígio, porque a Impugnante exclui as mais valias do referido denominador da fracção, alegando que aquele rendimento tinha de qualificar-se como um rendimento de uma operação financeira acessória. E a AT considera que não é assim, porque as mais valias da alienação de partes sociais devem qualificar-se como um rendimento de uma operação principal de uma SGPS.

Ora, sobre esta questão o acórdão EDM (proc. C-77/10) já tinha adiantado que as mais-valias não constituem uma operação económica, pelo que não integrariam a fracção, mas mesmo que assim não se entendesse sempre teria de qualificar-se esta actividade, em concreto, como acessória, uma vez que da factualidade assente e não contestada pela Fazenda Pública resulta que a alienação destas concretas participações sociais se reportou a uma reestruturação da actividade do grupo e não a uma operação corrente no contexto da gestão das participações sociais.

É, por isso, de manter inteiramente o decidido pela decisão recorrida.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Sem custas (processo anterior a 2004)

Lisboa, 12 de Outubro de 2022. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Joaquim Manuel Charneca Condesso.