Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01100/09
Data do Acordão:02/03/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IVA
LIQUIDAÇÃO
RECTIFICAÇÃO
CRÉDITO INCOBRÁVEL
COMBUSTÍVEIS
REVENDEDOR
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Sumário:I - Nos termos do Decreto-Lei n.º 521/85, de 31 de Dezembro, não sendo os revendedores a liquidar e entregar ao Estado o IVA, mas as respectivas empresas distribuidoras (cfr. os seus artigos 1.º e 3.º, n.º 1), não podem estes proceder a qualquer rectificação da liquidação por via da dedução do imposto nos termos do artigo 71.º n.º 8 (actual artigo 78.º, n.º 7) do Código do IVA, tanto mais que também lhes está legalmente vedado, ex vi do n.º 2 do artigo 3.º do mesmo diploma, o direito à dedução do imposto contido no preço dos bens.
II - Esta interpretação não ofende os princípios constitucionais da universalidade e da igualdade (artigos 12.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa), como igualmente não viola os artigos 11.º-C e 27.º da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (Sexta Directiva).
Nº Convencional:JSTA00066262
Nº do Documento:SA22010020301100
Data de Entrada:11/05/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA DE 2009/05/13 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO.
Área Temática 2:DIR CONST.
DIR COMUN.
Legislação Nacional:CIVA84 ART2 ART19 ART20 ART22 ART30 ART32 N4 ART71 N8.
CIVA08 ART78 N7.
DL 521/85 DE 1985/12/31 ART1 ART2 ART3 N1 ART6.
LGT98 ART18 N3 N4.
CONST97 ART12 ART13.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 77/388/CEE DE 1977/05/17 ART11-C ART27.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, LDA., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 13 de Maio de 2009, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2006, no montante total de 132 946.52€, apresentando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação apresentada pela ora recorrente A…, Lda. contra a liquidação de IVA n.º 07303619, no montante de € 128 800,56 e contra a liquidação dos correspondentes juros compensatórios n.º 07303620, no montante de € 4 163,96 – liquidações que a Administração Fiscal (AF) lhe processou quanto ao período 0610 e que melhor vêm identificadas na petição inicial.
B. A única questão a decidir no presente recurso consiste em saber se – por causa da sua qualidade de revendedora de combustíveis sujeita ao regime criado pelo DL 521/85as regras de recuperação do IVA previstas no art.º 71.º / n.º 8 do CIVA não são de aplicar ao caso concreto da recorrente entendimento que constitui o único fundamento da liquidação de IVA em causa nos autos e que foi acolhido pela douta sentença em recurso.
C. O entendimento, acolhido na sentença “a quo”, de não recuperação do IVA relativo aos créditos incobráveis dos revendedores sujeitos ao regime do DL 521/85 conduziria a que, em termos de contas finais, os sujeitos passivos abrangidos por esse regime pagassem (e o Estado arrecadasse) mais imposto do que pagariam na ausência desse regime – contrariando o princípio que enforma todo o CIVA e decorre particularmente dos seus artºs. 1.º e 16.º de que o imposto incide sobre a “contraprestação obtida a obter” (não basta facturar – é preciso receber) relativamente a operações “efectuadas … título oneroso”.
D. Considerando que as empresas distribuidoras, a par das vendas para os revendedores, comercializam igualmente combustível para os consumidores, o entendimento acolhido na sentença conduziria a que em termos finais o Estado arrecadasse mais imposto por causa da comercialização seguir a via dos revendedores.
E. É de todo insustentável, conforme se demonstra nos art.ºs 23 a 32 do articulado relativo aos Fundamentos, a tese da Fazenda Pública no sentido de que o direito à recuperação do IVA que a recorrente pretende a beneficiaria relativamente ao regime aplicável fora do quadro do regime do DL 521/85.
F. Considerando que o DL 521/85 apenas quis criar regras de simplificação quanto à cobrança do imposto, o entendimento referido supra na conclusão C viola o princípio da igualdade – violação que agora podemos ver reforçada pelo sobrevindo entendimento da AF de que afinal o regime do DL 521/85 não afasta a aplicação do artº 71º./nº. 8 do CIVA.
G. Se a interpretação conjugada do art. 71º./nº.8 do CIVA e do DL 521/85, no quadro do regime geral do IVA e do disposto nos art.ºs 11.º e 18.º da LGT, houvesse de ser a perfilhada na sentença, haveria efectiva violação dos artºs. 12.º e 13.º da CRP, porque no plano das motivações legislativas nada justifica o tratamento discriminatório dos revendedores de combustíveis.
H. Para além de tal entendimento decorrer da pi e dos fundamentos do presente recurso, a própria sentença reconhece que o DL 521/85 teve em vista a simplificação, por via da cobrança do imposto de uma só vez, no respeito pelo objectivo de conseguir “uma tributação do consumo final idêntica à que resultaria da actuação do mecanismo do IVA ao longo de todo o circuito” – objectivo que não é conseguido (pelo contrário, é afastado) pela interpretação que a mesma faz das disposições legais citadas na conclusão anterior.
I. A estar correcta a referida interpretação, o regime do DL 521/85 influiria de forma significante sobre o montante do imposto devido no estádio de consumo final – o que é proibido pelo artº 27º da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17-05-1977, quanto a “medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto” como aquelas que ditaram a introdução do regime regulado pelo DL 521/85.
J. Se a interpretação conjugada do artº. 71º./nº.8 do CIVA e do DL 521/85, no quadro do regime geral do IVA e do disposto nos artº.s 11º e 18º da LGT, houvesse de ser a perfilhada na sentença, haveria efectiva violação dos artºs. 11-C e 27º da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17-05-1977.
K. Os propósitos do legislador do DL 521/85 não comportam qualquer intenção de criar um regime desfavorável para os revendedores de combustíveis (e correlativamente favorável para o Estado) quanto às condições de recuperação do imposto contido nos créditos incobráveis em geral aplicável a todos os sujeitos passivos de imposto, incluindo quanto às vendas de combustíveis que as distribuidoras façam directamente aos mesmos clientes dos revendedores: pelo contrário, apenas se teve em vista simplificar a cobrança.
L. Em termos de disposições legais efectivas, o DL 521/85 reconhece que as vendas processadas pelos revendedores de combustível contêm efectivamente imposto (não como mera componente do custo do revendedor mas como imposto especificamente considerado, que aliás é dedutível pelo adquirente) e só não vai assim expressamente mencionado na factura porque o legislador estabeleceu para o efeito uma excepção, pelo que “a contrario” temos de concluir que, não fora a dispensa, e aplicar-se-ia a disciplina geral do IVA, conforme, aliás, disposição expressa do legislador (art. 6.º do mencionado DL).
M. Não estabelecendo o DL 521/85 qualquer excepção quanto ao regime de recuperação do imposto contido nos créditos incobráveis, só podemos concluir que quanto a isso se aplica a disciplina geral do CIVA (artº. 6º. do referido DL).
N. O artº. 71º./nº.8 do CIVA permite aos sujeitos passivos a recuperação do IVA respeitante a créditos incobráveis, sem qualquer discriminação quanto ao tipo de sujeito passivo ou quanto à correspondente actividade.
O. Ao contrário do entendimento a propósito acolhido na sentença, os revendedores de combustíveis são sujeitos passivos de IVA, especificamente pela actividade de revenda de combustíveis adquiridos às distribuidoras nacionais – como especialmente decorre do próprio artº. 1º. e do conceito emergente do artº. 2º. do CIVA, da circunstância de lhes ser reconhecido o direito à dedução e aos reembolsos do imposto (artº.s 19º., 20º. e 22º. do CIVA,) e de estarem sujeitos às obrigações declarativas, de contabilidade e outras que só impendem sobre os sujeitos passivos (artº.s 30º., 31º., 32º., 40º., 44º. do CIVA).
P. Na ausência do DL 521/85, os revendedores de combustíveis seriam indubitavelmente sujeitos passivos de IVA, sendo que este diploma não os desqualifica como tal, limitando-se a desincumbi-los das obrigações de liquidação de imposto e da respectiva menção nas facturas.
Q. A douta sentença em recurso, ao recusar a aplicação à ora recorrente enquanto revendedora de combustíveis do regime que o artº. 71º./nº.8 do CIVA estabelece quanto à recuperação do imposto respeitante a créditos incobráveis, incorre em erro de direito por incorrecta aplicação dos art.s 12º e 13º, da CRP, dos artºs 11º.C e 27 da 77/388/CEE do Conselho, de 17-05-1977, dos artº.s 1º., 2º., 16º., 20º., 22º., 30º., 31º. 32º., 40º. 44º. do CIVA e do art. 6º. do DL 521/85.
R. As liquidações impugnadas não podem manter-se porque estão feridas de ilegalidade.
TERMOS EM QUE Com o sempre douto suprimento de V. Exas, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se acórdão que reconheça a total procedência do pedido da impugnante ora recorrente no sentido da anulação das liquidações impugnadas – por violação especialmente, das normas supra invocadas na conclusão Q.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto: Saber se as regularizações de IVA efectuadas pelo impugnante, que tiveram por suporte sentença transitada em julgado de declaração de falência, se enquadram no n.º 8 do artigo 71.º do CIVA e se houve violação dos artigos 12.º e 13.º da CRP e da Directiva 77/388/CEE de 17/05/77.
FUNDAMENTAÇÃO
Entendemos que a sentença recorrida não merece censura. Na verdade, face ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 521/85 de 31 de Dezembro e ao disposto nos n.º 3 e 4 do artigo 18º da LGT, a impugnante não pode considerar-se sujeito passivo de IVA, na medida em que não está vinculada à entrega de qualquer prestação tributária a título de IVA ao Estado.
Não era a impugnante, na qualidade de revendedora de combustíveis, que estava vinculada ao cumprimento da obrigação tributária, mas antes as sociedades distribuidoras a quem os adquiria. Aliás, à época a que remontam os factos, os revendedores de combustíveis estavam legalmente proibidos de liquidarem qualquer IVA nas transacções por si efectuadas, não podendo, também, proceder à dedução do imposto contido no preço. Passando ao caso “sub judice”, não tendo a impugnante liquidado IVA não pode beneficiar da prorrogativa estabelecida no n.º 8 do artigo 71.º do CIVA, na versão anterior à Lei n.º 53-A/2006.
O Decreto-Lei n.º 521/85 teve por objectivo simplificar a cobrança do IVA, optando pela sua liquidação nas distribuidoras, com base no preço de venda ao público, preço esse que era na altura fixado pelo Estado.
No caso concreto, a impugnante não pode ser considerada sujeito passivo, designadamente para efeitos das transacções económicas associadas ao crédito incobrável, porque não estava vinculada ao cumprimento da prestação tributária em causa. Como bem se refere na decisão recorrida não pode confundir-se “o sujeito passivo e a repercussão económica do imposto o qual é incorporado no montante do preço da mercadoria transaccionada”.
A regularização efectuada pela impugnante não tem sentido nem pode subsistir por, na prática, se traduzir na pretensão de que o Estado lhe devolva uma determinada importância de IVA que nunca lhe entregou anteriormente. A subsistir aquela regularização, ela traduzir-se-ia num enriquecimento da impugnante, sem qualquer fundamento.
Acompanhamos igualmente a decisão recorrida no que concerne à alegada violação dos artigos 12.º e 13.º da CRP. A impugnante não alega qualquer facto demonstrativo da violação dos princípios da igualdade e da universalidade. Realmente, o facto de o legislador ter dispensado os revendedores de combustíveis da obrigatoriedade de liquidação e dedução de IVA, não consubstancia qualquer tratamento discriminatório ou desfavorável seja entre revendedores seja entre estes e outros agentes económicos.
Inexiste igualmente qualquer desconformidade do regime previsto no Decreto-Lei n.º 521/85 com o artigo 11.º da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CEE de 17/05/77), desde logo porque a tributação do consumo final será idêntica à que resultaria da actuação do mecanismo do IVA ao longo de todo o circuito de transacções, mais não sendo exigível por aquela norma comunitária, que admite expressamente que as medidas dos Estados membros destinadas a simplificar a cobrança do imposto, não devem influir, a não ser de modo insignificante, sobre o montante devido no estádio de consumo final.
No caso concreto, sendo àquela época o preço de venda de combustíveis ao consumidor um preço tabelado, o imposto devido e pago pelo consumidor era rigorosamente o mesmo, independentemente da simplificação inserida no sistema de cobrança do imposto.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 – Questão a de decidir
É a de saber se, no caso dos autos, em razão da sua qualidade de revendedora de combustíveis sujeita ao regime do Decreto-Lei n.º 521/85, de 31 de Dezembro, está a recorrente impedida de beneficiar do disposto no artigo 71.º, n.º 8 do Código do IVA (actual artigo 78.º, n.º 7 do mesmo Código), nos termos do qual se permite a dedução do IVA contido nos créditos incobráveis.
Caso se conclua pela impossibilidade de efectuar essa dedução, importa considerar se a solução adoptada viola o princípio da igualdade (artigos 12.º e 13.º da Constituição da República) e/ou é violador das normas comunitárias contidas na Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (Sexta Directiva), concretamente os seus artigos 11.º-C e 27.º.
5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. A administração fiscal procedeu às liquidações adicionais de IVA n.º 07303619, no valor de 128 800,56 €, relativa ao período de 0610, todos com data limite de pagamento em 31.01.2008, constante de fls. 34, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
2. Procedeu ainda à liquidação adicional n.º 07303620, de juros compensatórios relativas aos períodos 0610, no valor de 4 163,96 €, com data limite de pagamento em 31.01.2008, constante de fls. 35, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
3. Na sequência dos procedimentos de inspecção tributária à sociedade Impugnante, foram detectadas algumas irregularidades, as quais estão consubstanciadas no relatório de inspecção de 02.20.2007, constantes de fls. 37 a 45, dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
4. Com relevância para o caso consta do referido relatório que: III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas.
(…)
1.1.1. De acordo com o preceituado no n.º 8 do artigo 71º do Código do IVA, na redacção anterior da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (O.E.2007), com entrada em vigor 01 de Janeiro de 2007, os sujeitos passivos poderiam deduzir o imposto respeitantes em processo de execução, processo de recuperação de empresas ou a insolventes, quando fosse decretada a falência ou insolvência. Desta forma, para poder fazer a respectiva regularização, deverá ter na sua posse certidão o tribunal que comprove que a sentença da falência transitou em julgado, assim como terá de constar a reclamação dos créditos. Deverá ainda comunicar ao adquirente, sujeito passivo de imposto, a regularização efectuada, dando-se cumprimento ao disposto no n.º 12 do artigo 71.º do Código do IVA.
(….)
1.1.3 – Relativamente às regularizações efectuadas em 2006/10, no montante de 128 800,56 €, tiveram como suporte certidão emitida pelo tribunal, onde certifica que por sentença transitada em 2004-08-16, foi declarada falência de B…, Lda. … e foi reclamado o crédito no montante de 761 510,97 €.
2 – Apesar do sujeito passivo apenas ter cumprido com os requisitos do n.º 8 do artigo 71.º do Código do IVA para o cliente B…, Lda (ponto 1.1.3), a verdade é que, dada a natureza das transacções comerciais efectuadas com todos os clientes identificados no ponto 1.1 desta informação, as regularizações efectuadas não se enquadram naquele preceito legal, pois só pode regularizar IVA de acordo com o mesmo, o sujeito passivo que o tenha liquidado, que conste das suas facturas e tenha sido levado ao apuramento efectuado de acordo com as normas do artigo 19º do Código do IVA, o que não aconteceu, motivo pelo qual não tem direito a qualquer regularização.
Importa ainda referir que, a Lei do Orçamento de Estado para 2004 (Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, introduziu em sede de IVA, um novo regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores, que reside no facto de o imposto devido pelas transmissões de gasolina, gasóleo, efectuadas pelos revendedores ser liquidado por estes com base na margem efectiva de vendas (artigos 68.º-A e 68.º-G do Código do IVA).
Sendo as transmissões de combustíveis efectuadas pelo sujeito passivo anteriores a 2003/12/31, o regime aplicado é o regime especial estabelecido no Decreto-Lei nº 521/85, de 31 de Dezembro. De acordo com este regime, os revendedores não liquidam o imposto quando transmitem os referidos produtos e também não podem deduzir o IVA que foi liquidado pelas empresas fornecedoras. (artigo 3º do Decreto-Lei nº 521/85, de 31 de Dezembro). Assim, este regime caracteriza-se pela cobrança do imposto ser efectuada de uma só vez à “cabeça”, pelas empresas distribuidoras, com base no preço de venda ao público, quando efectuadas a revendedores, ou com base no preço efectivo de venda no caso de vendas a consumidores directos (artigo 1º do Decreto-Lei nº 521/85 de 31 de Dezembro), resultando assim que a tributação no consumo final seja idêntica que resultaria da actuação do mecanismo do IVA ao longo de todo o circuito económico. Desta forma, não faz sentido o revendedor poder regularizar a seu favor o IVA contido em créditos considerados incobráveis nos termos do n.º 8 do artigo 71º do Código do IVA, já que não entregou qualquer imposto nos cofres do Estado. (…)
5. As transacções comerciais subjacentes ao crédito incobrável da Impugnante, relativamente à sociedade B..., e reportam-se à revenda de combustível (gasolina e gasóleo) actuando a Impugnante como revendedora;
6. A Impugnante aquando da realização das transmissões do combustível não liquidou nem deduziu IVA;
7. As regularizações efectuadas pela Impugnante, em 2006/10, no montante de 128 800,56 €, tiveram como suporte certidão emitida pelo tribunal, onde certifica que por sentença transitada em 16.08.2004, foi declarada falência de B…, Lda., e foi reclamado o crédito no montante de 761 510,97 €.
8. Em 13.03.2008 foi deduzida a presente impugnação judicial.
6 – Apreciando
6.1 Da inaplicabilidade do disposto 71.º n.º 8 (actual 78.º, n.º 7) do Código do IVA aos revendedores de combustíveis sujeitos ao regime do Decreto-Lei n.º 521/85, de 31 de Dezembro
A sentença recorrida, a fls. 77 a 83 dos autos, julgou improcedente a impugnação deduzida pela ora recorrente, mantendo as liquidações impugnadas, por entender que resulta assim, do art. 1º e 2º do Dec-Lei n.º 521/85 e do nº 3 e 4º do art. 18º da LGT que a Impugnante, não é considerada sujeito passivo de IVA, pelo que não se encontra vinculada à entrega de qualquer prestação tributária, a título de IVA ao Estado, tendo em conta as transacções económicas, essa responsabilidade é da sociedade distribuidora de combustível. Não se pode aqui confundir entre o sujeito passivo e a repercussão económica do imposto o qual é incorporado o imposto no montante do preço da mercadoria transaccionada. Não tendo a Impugnante deduzido IVA, por força do art. 2.º e 3.º do Dec.-Lei n.º 522/85 de 31.12, não pode beneficiar da prerrogativa do n.º 8 do art. 71º do CIVA (cfr. sentença recorrida, a fls. 80 dos autos).
Concorda com o decidido o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, aderindo à argumentação aduzida na sentença.
Alega, contudo, a recorrente ter direito à recuperação do imposto, pois que não estabelecendo o DL 521/85 qualquer excepção quanto ao regime de recuperação do imposto contido nos créditos incobráveis, só podemos concluir que quanto a isso se aplica a disciplina geral do CIVA (artº. 6º. do referido DL), sendo que o artº. 71º./nº.8 do CIVA permite aos sujeitos passivos a recuperação do IVA respeitante a créditos incobráveis, sem qualquer discriminação quanto ao tipo de sujeito passivo ou quanto à correspondente actividade e, ao contrário do entendimento a propósito acolhido na sentença, os revendedores de combustíveis são sujeitos passivos de IVA, especificamente pela actividade de revenda de combustíveis adquiridos às distribuidoras nacionais – como especialmente decorre do próprio artº. 1º. e do conceito emergente do artº. 2º. do CIVA, da circunstância de lhes ser reconhecido o direito à dedução e aos reembolsos do imposto (artº.s 19º., 20º. e 22º. do CIVA,) e de estarem sujeitos às obrigações declarativas, de contabilidade e outras que só impendem sobre os sujeitos passivos (artº.s 30º., 31º., 32º., 40º., 44º. do CIVA), para além de que na ausência do DL 521/85, os revendedores de combustíveis seriam indubitavelmente sujeitos passivos de IVA, sendo que este diploma não os desqualifica como tal, limitando-se a desincumbi-los das obrigações de liquidação de imposto e da respectiva menção nas facturas (cfr. as conclusões m), n), o) e p) das suas alegações de recurso, supra transcritas.
Vejamos, pois.
Há que reconhecer razão à recorrente quando afirma que na ausência do DL 521/85, os revendedores de combustíveis seriam sujeitos passivos de IVA, sendo que este diploma não os desqualifica como tal, limitando-se a desincumbi-los das obrigações de liquidação de imposto.
Sucede, contudo, que é o facto de nos termos do Decreto-Lei n.º 521/85, de 31 de Dezembro, não serem os revendedores a liquidar e entregar ao Estado o imposto, mas as respectivas empresas distribuidoras (cfr. o seus artigos 1.º e 3.º, n.º 1), que impossibilita aqueles, mas não estas (quando credoras de créditos “incobráveis), de proceder a qualquer rectificaçãoda liquidação por via da dedução do imposto nos termos do artigo 71.º n.º 8 (actual artigo 78.º, n.º 7) do Código do IVA, tanto mais que também lhes está legalmente vedado, ex vi do n.º 2 do artigo 3.º do mesmo diploma, o direito à dedução do imposto contido no preço dos bens, sendo que a “rectificação” do imposto no caso de créditos incobráveis operava, e opera, por via da dedução do imposto neles contido (cfr. o n.º 8 do artigo 71.º do Código do IVA, actual 78.º n.º 7).
Ora, independentemente da questão de saber se os revendedores de combustíveis, relativamente às operações económicas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 521/85, têm ou não a qualidade de sujeitos passivos de imposto, é mister reconhecer que, por força daquele regime especial, hoje revogado (e sobre o qual, diga-se em abono da verdade, não versou o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 2008-10-07 – invocado nas suas alegações de recurso a fls. 130 e 131 dos autos e reproduzido a fls. 144 a 158 -, que antes versou sobre o regime actual, para os casos de imposto liquidado e que confere direito à dedução), a liquidação do IVA devido não cabia aos revendedores, mas às empresas distribuidoras, não podendo aqueles deduzir o imposto contido no preço dos bens.
Ora este regime especial, por força das especialidades nele contidas, afasta a possibilidade de aplicar o disposto no então n.º 8 do artigo 71.º do Código do IVA aos revendedores de combustíveis (que não às empresas distribuidoras, relativamente a créditos incobráveis seus), exactamente porque falta, no caso dos revendedores, o pressuposto sem o qual não pode haver lugar à “rectificação” – o de terem liquidado o imposto a “rectificar” e o de o poderem deduzir, em caso de não pagamento definitivo da factura.
Bem andou, pois, a sentença recorrida, que assim o julgou, impondo-se, nesta parte, confirmar o decidido, não merecendo, quanto a esta questão, provimento o recurso.
6.2 Da alegada violação do princípio da igualdade – artigos 12.º e 13.º da Constituição da República
A recorrente alega ainda que, a confirmar-se a interpretação perfilhada na sentença recorrida, haveria efectiva violação dos artºs. 12.º e 13.º da CRP, porque no plano das motivações legislativas nada justifica o tratamento discriminatório dos revendedores de combustíveis (cfr. conclusão g) das suas alegações de recurso).
Entendendo-se como “tratamento discriminatório” um tratamento desigual, sem que para tal exista fundamento legítimo, claro é inexistir o alegado tratamento discriminatório, pois que o que justifica a impossibilidade de deduzir o IVA incluído em créditos incobráveis abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 521/85, de 31 de Dezembro é o facto de o revendedor de combustíveis nenhum imposto ter liquidado aquando da sua revenda, nada tendo, pois, a “rectificar”.
São, pois, as próprias regras de funcionamento das “rectificações” do imposto, ao pressupõem uma prévia liquidação pelo sujeito que as pretende realizar, que no caso não teve lugar (nem podia ter nos termos daquele regime especial), que impedem o funcionamento daquele mecanismo de “rectificação” do imposto.
É verdade que a dispensa da liquidação do imposto por parte dos revendedores aquando da realização de operações activas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 521/85 embora vantajosa, também para eles, em termos de simplificação das operações de liquidação e cobrança do imposto, tem o inconveniente de apenas poder “levar a custos” para efeitos de IRC os créditos incobráveis (não podendo “recuperar”, por via de dedução, um imposto que não liquidou, nem pode deduzir).
Este inconveniente, contudo, é a “outra face” da vantagem da simplificação introduzida pelo legislador, não se julgando desequilibrado, por injustificadamente gravoso, o regime legal então criado, nem tendo a recorrente logrado demonstrar que o é em medida que ofenda os princípios constitucionais da universalidade (artigo 12.º da Constituição da República Portuguesa) e da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa).
Embora a recorrente alegue também (cfr. a conclusão F) das suas alegações de recurso) que agora podemos ver reforçada - a alegada violação (daqueles princípios) -, pelo sobrevindo entendimento da AF de que afinal o regime do DL 521/85 não afasta a aplicação do artº 71º./nº. 8 do CIVA, esta afirmação não é exacta, pois que o invocado despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 2008-10-07 (com cópia junta aos autos) versou não sobre aquele regime mas sobre o regime actual, referindo-se ao regime revogado apenas nos casos de imposto liquidado que confere direito à dedução, o que não é, manifestamente, o caso dos autos.
Improcede pois, também aqui, a alegação da recorrente.
6.2 Da não violação dos artigos 11.º-C e 27.º da Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977
Alega, finalmente, a recorrente, a violação dos artigos 11.º-C e 27.º da Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (“Sexta Directiva”), pois alegadamente o regime do DL 521/85 influiria de forma significante sobre o montante do imposto devido no estádio de consumo final – o que é proibido pelo artº 27º da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17-05-1977, quanto a “medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto” (cfr. conclusões I) e J) das suas alegações de recurso).
O primeiro dos preceitos da Sexta Directiva alegadamente violados dispunha:
Artigo 11.º
(…)
C) Disposições diversas
1. Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço, depois de efectuada a operação, a matéria colectável é reduzida em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-membros.
Todavia, no caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-membros podem derrogar este preceito.
(…)
Não descortinamos, nem a recorrente conclui em termos susceptíveis de nos auxiliar nessa tarefa, em que medida a disposição transcrita é violada pela interpretação que sufragámos do disposto no Decreto-Lei n.º 521/85.
Da norma transcrita, se bem a interpretamos, resultam duas ideias: a primeira, a de que o “modus operandi” das “regularizações” nos casos de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço, depois de efectuada a operação é matéria deixada pelo legislador comunitário à competência dos Estados-membros; a segunda, a de que no caso de não pagamento total ou parcial, única situação que importa considerar nos presentes autos pois é nela que se incluem os designados “créditos incobráveis” (“bad debt relief”, na terminologia anglo-saxónica), os Estados-Membros podem derrogar este preceito, ou seja, as “regularizações” por créditos incobráveis, ao contrário de muitas outras regras da Directiva, não são de adopção obrigatória pelos Estados-Membros, havendo vários Estados-Membros que as não adoptam nas suas legislações internas (segundo informação recente, concretamente a Estónia, Hungria, Letónia e Lituânia e Eslováquia).
Ora, se a Sexta Directiva não impõe aos Estados-Membros a adopção de regras sobre “regularizações” no caso de créditos incobráveis e se, quando estes as adoptem, devolve à legislação interna dos Estados-Membros a fixação das condições em que tais regularizações podem ter lugar (sendo estas, aliás, em regra limitativas e diversas entre si de Estado-Membro para Estado-Membro, segundo a mesma informação), parece claro não haver in casu qualquer violação da referida norma comunitária.
Haverá, contudo, violação do disposto no artigo 27.º da mesma Directiva?
A norma agora em causa, dispõe:
Artigo 27.º
1. O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, pode autorizar os Estados-Membros a introduzir medidas especiais de derrogação da presente directiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais. As medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto não podem influir, a não ser de modo insignificante, sobre o montante global da receita fiscal do Estado-Membro cobrada na fase de consumo final.
(…)
As regras da Sexta Directiva em relação às quais se impõem um procedimento especial de derrogação, disciplinado nos números seguintes do preceito transcrito, são, necessariamente, as regras de adopção obrigatória por parte dos Estados-Membros, o que não é o caso, dissemo-lo já, das relativas às “regularizações” por “créditos incobráveis”, sendo que tais regras são as únicas questionadas nos autos e a elas se imputa, nas alegações de recurso (em especial, a fls. 131 a 136 dos autos), o efeito de, contrariamente ao disposto no artigo 27º da Directiva, afastarem o objectivo de conseguir uma tributação do consumo final idêntica à que resultaria da actuação do mecanismo do IVA ao longo de todo o circuito” o que, aliás, estava à partida assegurado no sistema do Decreto-Lei n.º 521/85, pois que o imposto liquidado pela “empresa distribuidora” no caso de entregas a revendedores tinha como base o preço de venda ao público, fixado pela Administração Pública (artigo 1.º alínea a) do referido diploma).
Não se verifica, pois, a alegada violação dos artigos 11º-C e 27.º da Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977.
Pelo exposto, deve concluir-se que o recurso não merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso e, com a presente fundamentação, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010 - Isabel Marques da Silva (relatora) - Brandão de Pinho - António Calhau.