Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0421/03
Data do Acordão:05/14/2003
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL.
NULIDADE INSUPRÍVEL.
COIMA.
Sumário:I - Não constitui a nulidade insuprível prevista na al. b) do nº 1 do artº 79º do RGIT, a descrição sumária dos factos, ainda que em termos sensivelmente correspondentes ao auto de notícia, já que tal não concretiza mera remissão para o mesmo.
II - A indicação dos elementos para determinação da medida da coima, previstos no artº 27º do mesmo diploma legal, não é taxativa mas meramente exemplificativa.
Nº Convencional:JSTA00059364
Nº do Documento:SA2200305140421
Data de Entrada:02/26/2003
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:REGIT01 ART27 ART79 N1 B.
Jurisprudência Nacional:AC STA DE 1998/02/18 PROC22216.; AC STA DE 1998/05/27 PROC22456.; AC STA DE 2001/02/21 PROC25661.; AC STA DE 1999/10/27 IN AD N460 PAG97.; AC STA DE 1997/04/16 IN AD N432 PAG1432.; AC STA DE 2002/07/03 PROC235/02.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO PAG435.
DIOGO LEITE DE CAMPOS E OUTROS LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 2 ED PAG476.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do STA:
Vem o presente recurso jurisdicional, interposto pelo MP, da sentença do TT de 1ª Instância de Lisboa, que absolveu a arguida A..., da instância, não conhecendo do mérito da causa, nos autos de contra-ordenação à mesma movidos.
Fundamentou-se a decisão na procedência da excepção dilatória da nulidade da decisão que aplicou a coima, por falta dos respectivos requisitos legais - artº 63º nº 1 al. d) e 79º nº 1, ambos do RGIT - pois que dela não consta, nomeadamente, "a indicação de todos os elementos que devem contribuir para a fixação do montante da coima"; nela se faz "mera remissão para a factualidade constante do auto de noticia"; "não elabora o raciocínio do cúmulo" nem aborda a questão de direito penal transitório que se coloca com a entrada em vigor, em 5/7/01, do RGIT.
O MP recorrente formulou as seguintes conclusões:
"Não é nula a decisão de aplicação de coimas que indica, embora sumariamente, abundantes elementos que a lei elenca para serem atendidos na graduação da sanção.
2 - Porque tal decisão não tem de ter as exigências de uma sentença criminal, não padece ainda de nulidade por não abordar a questão de direito penal transitório que a entrada em vigor do RGIT pode colocar.
3 - Ao decidir da forma como o fez, a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 63º, nº 1, al. d) e 79º do RGIT.
4 - Deve, pois, ser anulada nos termos do artigo 75º, nº 2, al, b) do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo DL 433/82, de 27 de Outubro."
E contra-alegou a arguida, concluindo por sua vez:
“1) A decisão de aplicação da coima exarada nos autos de fls. 435 a fls, 447, objecto do recurso onde foi proferida a sentença de fls. 473 a 476, encontra-se ferida de nulidades insupríveis;
2) Na verdade, a referida decisão não contém a descrição sumária dos factos que constituem as pretensas contra-ordenações em que a ora recorrente teria incorrido, sendo certo que não pode ser legalmente havida como descrição sumária dos factos a simples e única remissão, como no caso sub-judice se fez, para o que consta do auto de notícia, o que aliás foi feito até com uma descrição do mesmo entre aspas.
3) Igualmente a decisão administrativa de aplicação da coima não contém a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação do montante da mesma;
4) Também ainda a decisão administrativa objecto do recurso onde foi proferida a sentença que ora sobe à apreciação deste Supremo Tribunal Administrativo não se debruçou nem contemplou sequer a questão da aplicação ou não à situação factual em causa das normas insítas no Regime Geral das Infracções Tributárias, apesar da publicação desse normativo legal ser posterior aos factos constantes do Auto de Notícia;
5) A decisão administrativa de aplicação da coima à ora recorrida encontra-se assim ferida de nulidades insupríveis, nos precisos termos que se contêm no artigo 79º, nº 1 e 63º, nº 1, alínea d) do Regime Geral das Infracções Tributárias;
6) Deve, assim, o recurso ser julgado inteiramente improcedente e não provado e, em consequência, confirmar-se a sentença recorrida que julgou procedente a excepção dilatória consistente na nulidade da decisão de aplicação de coima, exarada de fls, 435 a 447 dos autos e, consequentemente, absolveu a arguida, ou seja a ora recorrida, da instância."
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão:
Nos termos do artº 63º nº 1 al. d) do RGIT, constitui nulidade insuprível, no processo de contra-ordenação tributário, "a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas..."
Tais requisitos são os exigidos no artº 79º nº 1 do mesmo diploma, que se refere nomeadamente à "descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas" - al. b) - e indicação da "coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação" - al. c).
Como assinalam Jorge de Sousa e Simas Santos, in RGTI Anotado, 2001, pág. 435, nota 1, os requisitos referidos "visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão" pelo que tais exigências se devem considerar satisfeitas "quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos".
É, assim, desde logo, necessário incluir, na decisão, a descrição factual, ainda que em termos sumários.
Interpretando tal postulado, tem este STA considerado que não satisfaz tal exigência, a mera remissão, no ponto, para o auto de noticia.
Cfr. os Acd' s de 18/02/98 Rec. 22.216 e 27/5/98 Rec. 22.456, 21/Fev/01 Rec. 25.661 e de 27/Out/99 e 16/04/97 in Acd. Dout.s, respectivamente 460-527 e 432-1432.
Não é, todavia, o caso dos autos.
Aqui, a decisão não se limita a remeter para o auto de notícia; antes, com base nele, ainda que de modo sensivelmente literal, descreve os factos integradores das infracções, assim possibilitando plenamente a predita defesa do arguido que, aliás, aprecia com pormenor.
Tal indicação significa precisamente que são esses os factos considerados pela acusação pelo que a transcrição, mais ou menos aproximada, do auto de noticia não equivale àquela postergada remissão pura e simples, não concretizando a alegada nulidade da falta de "descrição sumária dos factos".
Tanto mais que, como se assinala na sentença recorrida e no Ac. da Relação do Porto de 19/03/97 Rec. 10.178, a decisão de aplicação da coima não tem de satisfazer às exigências de uma sentença criminal, devendo reduzir-se ao mínimo a tramitação processual, simplificando-se o processo contra-ordenacional, já que "o ilícito de mera ordenação social assume fundamentos éticos diversos do ilícito criminal", visando-se ali a "protecção de bens jurídicos não fundamentais à vida em sociedade".
Exige igualmente a lei - dita al, c) - , a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, referidos no artº 27º do RGIT.
Como aí se prescreve, "a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica ...", devendo exceder o benefício económico obtido com a infracção.
O preceito enuncia a dosimetria da coima, definida essencialmente em função de elementos objectivos e subjectivos.
Cfr. Diogo Leite de Campos e outros LGT Anotada, 2ª edição, pág. 476, nota 1.
E, conforme entendimento deste STA, a sua enumeração não é taxativa mas meramente exemplificativa, não se tornando necessário elencar todos os indicadores referidos na lei, e permitindo-se referir outros que aí não venham definidos.
Cfr. o recente Ac. de 03/07/02 Rec.235/02.
Ora, em termos de graduação das coimas aplicadas, a decisão teve em conta encontrar-se a falta regularizada, referiu a proibição da "reformatio in pejus", considerou acidental o cometimento das infracções, enunciou a forma da culpa e referiu ser estável a situação económica da arguida, o que, na sua globalidade, satisfaz ao postulado pelo dito artº 27º.
Pelo que igualmente se não verifica a apontada nulidade.
Refira-se finalmente que o facto de a decisão que aplicou a coima não explicitar "o raciocínio do cúmulo" nem abordar a questão de direito penal transitória "resultante da entrada em vigor do RGIT," não integra qualquer nulidade insuprível das previstas no artº 63 do mesmo diploma legal mas, porventura, erro de julgamento.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida para ser substituída por outra que leve em conta o ora decidido.
Custas pela recorrida com taxa de justiça de 300 Euros.
Lisboa, 14 de Maio de 2003
Domingos Brandão de Pinho – Relator – Vítor Meira – Baeta de Queiroz –