Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0408/08
Data do Acordão:10/01/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
CASO JULGADO MATERIAL
Sumário:I - A questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional está coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação de coima.
II - E, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, só a «prescrição da dívida exequenda» da obrigação de coima é fundamento legal de oposição à execução fiscal, e não a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Nº Convencional:JSTA00065254
Nº do Documento:SA2200810010408
Data de Entrada:05/14/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PUBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 N1 D.
CPTRIB91 ART35 N1 ART232 ART233 N1 C ART237 N1 ART248 B.
CPC96 ART671 N1 ART674.
Referência a Doutrina:LAURENTINO ARAÚJO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL PAG257.
ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO DAS CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS COMENTADO E ANOTADO ART176 NOTA7 NOTA8.
ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E OUTRO CÓDIGO DO PROCESSO TRIBUTÁRIO COMENTADO E ANOTADO ART286 NOTA8
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 A… vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a presente oposição à execução fiscal.

1.2 Em alegação, o recorrente formula as seguintes conclusões.
1. As coimas resultam de infracções cometidas no exercício de 1997;
2. Em 2003/12/17, data da decisão de aplicação das coimas, estava ultrapassado o prazo de 5 anos;
3. Eram aplicáveis as disposições do Código de Processo Tributário (CPT), que era o regime vigente no ano das infracções cfr. Ac. de 2003/07/09, do STA, in Rec. n.° 0540/03, disponível em WWW.dgsi.pt.;
4. O procedimento contra-ordenacional prescreve no prazo de 5 (cinco) anos contados da prática da infracção, que ocorreu entre 1997 e 2002 - artigo 35.°, n.° 1 do CPT;
5. Quando, em de 2003, as decisões de aplicação das coimas transitaram em julgado a prescrição já havia ocorrido, nos termos do artigo 35.°, n.° 1 do CPT;
6. Face a esta situação, o Serviço de Finanças Viseu 2, em vez da aplicação das coimas, devia ter conhecido oficiosamente, a prescrição; e
7. Como tal não aconteceu devia tê-lo feito a douta sentença, nos termos do artigo 175.° do CPPT.
Termos em que nos melhores de Direito e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, o presente recurso deve obter provimento, com a anulação do montante em causa nos autos e a revogação da sentença recorrida, como é de justiça.

1.3 Não houve contra-alegação.

1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
A questão suscitada pelo recorrente A…, é, no essencial, a mesma que serviu de fundamento à oposição e cuja argumentação se repete nas alegações de fls.58 e segs.: saber se se verifica fundamento de oposição à execução, nomeadamente o previsto no artº 204º, nº 1, al. d) do Código de Procedimento e Processo Tributário: prescrição da dívida exequenda.
Daí que se entenda que a argumentação da recorrente não pode proceder pelas razões e fundamentação já aduzidas no parecer do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (fls. 47), cuja esclarecida argumentação acompanhamos.
De resto basta uma análise rápida da materialidade descrita na petição inicial para se concluir que o seu fundamento se reconduz à ilegalidade concreta e relativa da dívida exequenda não integrando o fundamento previsto na alínea d) do artº 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
O recorrente alega que quando, em Julho e Dezembro de 2003, as decisões de aplicação das coimas transitaram a prescrição do procedimento contra-ordenacional, já havia ocorrido nos termos do artigo 35.°, nº 1 do Código de Processo Tributário pelo que a sentença deveria ter conhecido oficiosamente dessa prescrição nos termos do art. 175.º do CPPT.
Mas não lhe assiste razão.
Como bem se sublinha na decisão recorrida o que o oponente e ora recorrente invocou não foi a prescrição da dívida exequenda mas sim a do procedimento contra-ordenacional.
Ora a prescrição a que se refere a al. d) do n. 1 do art. 204 do CPPT é a da «dívida exequenda», e não a do procedimento judicial da infracção perseguida em processo de contra-ordenação, não fazendo até sentido falar-se naquele após a condenação do arguido, com trânsito em julgado.
Nestes termos somos de parecer que o presente recurso não merece provimento, devendo confirmar-se o julgado do tribunal recorrido.

1.5 Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão essencial que aqui se coloca é de saber se ocorre no caso algum fundamento legal de oposição à execução fiscal.

2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
A) A Fazenda Pública instaurou em Julho e Fevereiro de 2003 e 2004 a execução n° 3700200301005332 e apensos, para cobrança coerciva de coimas dos anos de 1997, que transitaram em julgado em Julho e Dezembro de 2003, cfr. docs. de fols. 8 a 141 destes autos aqui dados por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais infra referidos;
B) Os processos de contra-ordenação estiveram suspensos por despacho de 09-09-2002, nos termos do artigo 55° do RGIT, despacho notificado ao Arguido/Oponente em 13-09- 2002, vide docs. de fols. 27 a 35;
C) O Oponente foi citado da instauração das execuções referidas em A), em 03-02-2005, cfr. docs. de fols. 7 e 8;
D) Os presentes autos constituem oposição à execução referida em A) e foi instaurado em 07-03-2005, vide Petição Inicial e carimbo aposto na sua primeira folha, que corresponde a fols. 3.

2.2 Como é sabido, a oposição à execução fiscal é permitida com os fundamentos previstos no artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – cf., correspondentemente, o artigo 286.º do Código de Processo Tributário, e também o artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
Em execução fiscal, mormente por meio de oposição a ela, atendendo ao carácter especial e sumário deste instrumento processual, não é consentido, em princípio, apreciar a legalidade da liquidação da quantia exequenda. Na realidade, o processo de oposição tem por escopo essencial o ataque (global ou parcial) à execução fiscal, visando a extinção da execução, ou absolvição do executado da instância executiva, pela demonstração do infundado da pretensão de entidade exequente – cf., por todos, Laurentino Araújo, Processo de Execução Fiscal, p. 257.
A ilegalidade concreta da liquidação da dívida exequenda não pode servir de fundamento à oposição à execução. A proibição de a ilegalidade concreta da liquidação servir de fundamento à oposição funciona qualquer que tenha sido a entidade que procedeu a essa liquidação – cf. Alfredo de Sousa, e Silva Paixão, notas 7. e 8. ao artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos Comentado e Anotado; e nota 8. ao artigo 286.º do Código de Processo Tributário Comentado e Anotado.
No entanto, hoje é entendimento pacífico que a oposição poderá ter por fundamento a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação – o mesmo se podendo entender válido já no domínio do regime anterior [cf. a alínea g) do n.º 1 do artigo 286.º do Código de Processo Tributário; e nota 16. ao artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos Comentado e Anotado, de Alfredo de Sousa, e Silva Paixão].
O Código de Processo Tributário dispunha, nos seus artigos 232.º e 237.º, n.º 1, que, quando as coimas e sanções pecuniárias não forem pagas nos prazos legais, serão objecto de cobrança coerciva em processo de execução fiscal, a instaurar pela Repartição de Finanças onde tiver ocorrido o processo de contra-ordenação – sendo que, de harmonia com a alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do mesmo Código de Processo Tributário, o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva, dentre outras dívidas ao Estado, das coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações fiscais. E, nesse caso, servirá de base ao processo de execução fiscal a certidão da decisão aplicadora da coima – cf. a alínea b) do artigo 248.º do Código de Processo Tributário.
De outra banda, quando uma decisão judicial adquire força obrigatória, por dela não se poder já reclamar nem recorrer por via ordinária, forma-se caso julgado. Sendo a decisão judicial uma sentença que verse a matéria de fundo da acção, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que foi proferida, manifestando-se fora dele.
Esta obrigatoriedade da sentença transitada em julgado, dentro do processo e fora dele, caracteriza o caso julgado material, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – estatuindo o artigo 673.º do Código de Processo Civil que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
No caso sub judicio, a execução fiscal é, nos termos do que se assenta em A) do probatório, «para cobrança coerciva de coimas dos anos de 1997, que transitaram em julgado em Julho e Dezembro de 2003».
Nas conclusões 5., 6, e 7 do presente recurso, o oponente, ora recorrente, vem dizer que «quando, em de 2003, as decisões de aplicação das coimas transitaram em julgado a prescrição já havia ocorrido, nos termos do artigo 35.º, n.º 1 do CPT»; que «face a esta situação, o Serviço de Finanças Viseu 2, em vez da aplicação das coimas, devia ter conhecido oficiosamente, a prescrição»; e que «como tal não aconteceu, devia tê-lo feito a douta sentença, nos termos do artigo 175.º do CPPT».
Será bom lembrar que isso tudo, que se diz que poderia ter sido feito oficiosamente, também poderia ter sido oportunamente requerido pelo próprio ora recorrente. Sibi imputet.
De todo o modo, “a prescrição” a que o ora recorrente aqui se refere, é a prescrição do procedimento contra-ordenacional – cf. os termos inequívocos da petição inicial dos presentes autos de oposição à execução fiscal.
E, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em cujos termos a oposição poderá ter por fundamento a «prescrição da dívida exequenda», só a prescrição da obrigação da coima («dívida exequenda») é que poderia aqui ser atendida, e não a alegada prescrição do procedimento contra-ordenacional – a atender eventualmente apenas no próprio processo de contra-ordenação).
Sendo assim, como é, não ocorre no caso algum fundamento legal de oposição à execução fiscal.
Pelo que, muito embora com a presente fundamentação, deve ser mantida a sentença recorrida a decidir a improcedência da oposição à execução fiscal.
Então, havemos de concluir que a questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional está coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação de coima.
E, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, só a «prescrição da dívida exequenda» da obrigação de coima é fundamento legal de oposição à execução fiscal, e não a prescrição do procedimento contra-ordenacional.

3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 1 de Outubro de 2008. Jorge Lino (relator) – Brandão de Pinho – Pimenta do Vale.