Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0790/12
Data do Acordão:08/08/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PREJUÍZO IRREPARÁVEL
SUBIDA IMEDIATA
CONHECIMENTO OFICIOSO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I – Deve subir imediatamente a reclamação efectuada ao abrigo do artigo 276° do CPPT do acto do chefe de finanças que indefere o pedido de revogação de anterior despacho em que se exige do executado a prestação de nova garantia.
II – A continuação da execução fiscal, numa situação em que há possibilidade da dívida estar prescrita, permite prognosticar a ocorrência de prejuízos irreversíveis, pelo que a reclamação deve subir imediatamente.
III – O tribunal tributário deve conhecer da prescrição na reclamação, mesmo que o seu objecto do acto reclamado nada tenha a ver com a prescrição e a questão não tenha sido previamente colocada à administração tributária.
Nº Convencional:JSTA00067754
Nº do Documento:SA2201208080790
Data de Entrada:07/10/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISCICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART276 ART278 N1 N2 N3
LGT98 ART103 N2
CONST76 ART20 ART268 N4
CPC96 ART691 N2 M ART724 N2
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0459/11 DE 2011/07/06; AC STA PROC0897/05 DE 2005/07/27; AC STA PROC0374/07 DE 2007/05/23; AC STA PROC0229/06 DE 2006/06/08; AC STA PROC0702/07 DE 2007/10/03
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A……., Lda, devidamente identificada nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que não admitiu a subida imediata da reclamação que efectuou do despacho do Chefe de Finanças de Santa Comba Dão que, na execução fiscal contra si instaurada por dívidas de IRC dos anos de 2003 e 2004, indeferiu o pedido de revogação do despacho que ordenou a prestação de nova garantia.
Para tal, nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
1. O ora recorrente deduziu reclamação da decisão do Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Santa Comba Dão que não atendeu à prescrição invocada quanto ao tributo em causa nos autos e a inadmissibilidade da exigência de prestar nova garantia nos autos.
2. Foi agora proferida douta sentença onde se considerou que não é este o momento para se conhecer do mérito da presente reclamação.
3. O Tribunal a quo condenou ainda a recorrente em sanção pecuniária no montante de 3 UCS. Sucede que,
4. Não pode a agora recorrente conformar-se com a douta decisão proferida. Desde já,
5. Pela invalidade da decisão reclamada por não ter conhecido da invocada falta de fundamentação do despacho reclamado. De facto,
6. A douta sentença em crise padece, salvo o devido respeito, de omissão de pronúncia. Mais,
7. Da douta sentença nada se retira quanto à falta de fundamentação da decisão reclamada, limitando-se a referir que os factos são tão eloquentes que carecem de outras considerações. Efectivamente,
8. A douta decisão recorrida dispensou-se de se pronunciar sobre tal questão, invocando, para tanto, que o despacho reclamado e os elementos dos autos afastam os vícios invocados pela ora recorrente. Sendo certo que,
9. A douta decisão em momento algum conferiu concretização a tal afirmação, não referindo quais os elementos que afastam tais vícios. De facto,
10. Não apresenta um único fundamento da sua posição e limitando-se a afirmar repetidamente que não assiste razão à recorrente. Em segundo lugar,
11. A falta de fundamentação do despacho reclamado e a prescrição são duas questões distintas. Pelo que,
12. O facto de ter sido analisada a invocada prescrição, sem que, contudo, tenha a mesma sido reconhecida, não invalida o conhecimento da falta de fundamentação. Aliás,
13. O seu não conhecimento implica uma irremediável omissão de pronúncia. Pois,
14. A douta decisão recorrida não se pronuncia quanto à ausência da fundamentação do despacho recorrido - sendo certo que, esta questão foi levantada pela ora recorrente. E,
15. De acordo com o disposto nas als. b) e d) do n.° 1 do art. 668.° do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
16. Disposição idêntica consta no art. 125.° do CPPT. De facto,
17. É nula a douta decisão quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. Sendo certo que,
18. O juiz deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação - art. 732.°, 716.°, 668.°, n.° 1, al. d) e 660.°, n.° 2 do CPC. Assim sendo,
19. A douta decisão é nula por falta de pronúncia. Por outro lado,
20. A douta sentença aqui em crise considerou que não é este o momento para se conhecer do mérito da presente reclamação. No entanto,
21. Também quanto ao que se deixa transcrito não pode a recorrente conformar-se. Pois,
22. O conhecimento judicial das reclamações do órgão de execução fiscal é, por regra, diferido, significando que só serão conhecidas pelo Tribunal quando, depois de realizada a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final, nos termos do art. 278.°, n° 1 do CPPT. Contudo,
23. A aludida regra sofre excepções, devendo o Tribunal conhecer de imediato as reclamações quando as mesmas se fundamentarem em prejuízo irreparável causado por qualquer das ilegalidades mencionadas no art. 278°, nº. 3 do CPPT, revestindo o processo natureza urgente.
24. Neste sentido tem-se pronunciado a jurisprudência nacional - veja-se, entre outros, o Ac. do STA de 06-03-2008, proc. n.° 058/08. Assim,
25. O Tribunal a quo devia ter conhecido imediatamente do mérito da reclamação. Mais,
26. O Tribunal a quo não só não conheceu do mérito da reclamação, quando o devia ter feito, como ainda condenou a reclamante em sanção pecuniária no montante de 3 UCS infundada e ilegalmente. Pois,
27. A ora recorrente apresentou reclamação onde alegou fundada e suficientemente que a reclamação deveria ter subida imediata por estar em causa uma ilegalidade enquadrável na al. d) do n.° 3 do art. 278° do CPPT. Contudo,
28. A douta sentença em crise fez tábua rasa desta realidade e, sem que apresentasse qualquer fundamento para tal, condenou a reclamante em sanção pecuniária, referindo apenas e só que tal sanção estava de acordo com o disposto no art. 278.°, n° 6 do CPPT. Assim,
29. Estranha-se que o Tribunal a quo convoque o n.° 6 do art. 278° do CPPT para condenar a reclamante numa sanção pecuniária (indevida), mas não se atente ao seu n.º 3 em especial a al. d), para conhecer de imediato (como devia) do mérito da reclamação apresentada. Desta forma,
30. O Tribunal a quo fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação do direito, com uma aplicação selectiva e errónea das normas legais aplicáveis à situação dos autos. Pelo que,
31. A douta sentença padece de nulidade que expressamente se invoca, por clara violação do disposto no art. 278°, n 3 do CPPT.

1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu despacho no sentido de se negar provimento ao recurso, por não existir fundamento para a subida imediata da reclamação, uma vez que se impõe a prestação de nova garantia.

2. A sentença deu como assente os seguintes factos:
a) No processo executivo n° 2648200801000411 instaurado contra A…… LDA, onde se visa a cobrança coerciva das dívidas de IRC dos anos de 2003 e 2004, no montante de €11.900,61, a executada apresentou, em 08 de Maio de 2008, garantia bancária no montante de €15 896.76, válida pelo período de 15 meses, “expira a 07 de Agosto de 2009” — cfr. docs. de fls. 23 e 30, aqui dados por reproduzidos.
b) Por despacho proferido em 28 de Fevereiro de 2012, no já aludido processo executivo, considerando-se que a garantia bancária expirou em 07 de Agosto de 2009, donde se conclui “que a partir daquela data a garantia perde a sua eficácia. Por esse motivo e em virtude de as impugnações judiciais ainda se encontrarem no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu... para que a presente execução fique suspensa… é necessário que seja constituída garantia... Nestes termos determino que se notifique o executado para no prazo de 15 dias prestar nova garantia, sob pena de proceder à penhora de bens” — vide documento de fls. 22.
c) Na data em que foi proferido esse despacho, o mesmo foi dado a conhecer pessoalmente à executada — cfr. fls. 23.
d) A executada, em reacção ao referido despacho, veio em 13-03-2012 apresentar requerimento onde, para além do mais, defendeu que “não vem esclarecida qual a razão porque se encontra expirado e quando alegadamente expirou o referido prazo de validade... Esse despacho carece em absoluto de fundamento legal e factual”. Terminado pedindo a revogação do aludido despacho — vide fls. 32 a 34.
e) A Entidade requerida, em 16-03-2012, pronunciando-se sobre o requerido disse: “Visto o despacho, verifica-se que está devidamente fundamentado, pelo que indefiro o pedido de revogação agora requerido, mantendo-se assim todos os pressupostos contidos no referido despacho” — cfr. fls. 52.
f) Indeferimento comunicado à Requerente em 19-03-2012 tendo esta reagido à notificação apresentando, via postal, em 26-03-2012, a reclamação que deu origem aos presentes autos — vide docs. de fls. 36, 37 e 4 a 27.
3. Antes de mais, cumpre precisar qual é o objecto do recurso, uma vez que parece faltar alguma racionalidade ao discurso apresentado na sentença e nas as alegações, o que dificulta a delimitação das questões em reexame.
A recorrente requereu ao Chefe de Finanças a revogação do conteúdo do ofício n° 399 de 28/2/2012, que o notificou para prestar “nova garantia”, sob pena da execução prosseguir com a penhora de bens, alegando a falta de fundamentação e a violação dos princípios da boa fé e segurança jurídica.
O Chefe de Finanças indeferiu esse pedido com o fundamento que o despacho contido no referido oficio “está devidamente fundamentado”.
Desse despacho, a recorrente reclamou judicialmente, alegando: (i) insuficiência de fundamentação do acto reclamado, com a consequente violação do artigo 77° da LGT e dos artigos 124° e 125° do CPA; (ii) prescrição da dívida exequenda, argumentando que requereu o conhecimento oficioso dessa questão, mas a mesma não foi conhecida. E conclui com o pedido de anulação do acto reclamado e de conhecimento oficioso da prescrição.
A sentença recorrida, após se pronunciar sumariamente sobre as duas questões, concluiu que «não é este o momento para se conhecer do mérito da presente reclamação — dele só se deve conhecer após a realização da penhora e da venda (artigo 278/1 do CPPT (...). Assim, oportunamente devem os autos ser remetidos ao Serviço de Finanças de S. C. Dão, com vista ao prosseguimento dos mesmos, devendo subir a este tribunal no momento processual supra referido».
A recorrente não se conforma com essa decisão, invocando que: (i) há nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, uma vez que não se conheceu da invocada falta de fundamentação do acto reclamado; (ii) há erro de julgamento quanto à subida diferida da reclamação, pois a situação enquadra-se na alínea d) do n° 3 do artigo 278° do CPPT, o que desde logo foi invocado na petição inicial.
Ora bem: para se decidir que a reclamação tem subida diferida não é necessário, nem desejável, que se avance com apreciações, ainda que sumárias, sobre o mérito da reclamação, pois o seu conhecimento fica relegado para momento posterior; e para impugnar a decisão tomada quanto ao modo de subida da reclamação, também não é preciso argumentar como a omissão de pronúncia quanto a fundamentos que fazem parte do mérito, pois se houve erro de julgamento nessa questão, o mérito da reclamação terá que ser conhecido em primeira instância.
Há, efectivamente, erro de raciocínio evidente na sentença, pois não é lógico nem congruente decidir que a reclamação só deve ser conhecida em juízo após a venda e argumentar-se que o acto reclamado não padece dos defeitos que o reclamante lhe aponta. De igual modo, não parece coerente defender-se que a sentença deveria conhecer imediatamente do mérito da reclamação e inovar a omissão de pronúncia sobre uma das questões de mérito.
E assim sendo, para que haja racionalidade na aplicação do direito, o presente recurso tem que ficar limitado à questão da subida imediata ou diferida da reclamação, pois se for de manter a decisão tomada na sentença, o fundo da reclamação apenas pode ser conhecido após a venda, e se for de conhecer imediatamente, terão os autos de voltar à primeira instância para aí se «decidir» sobre a procedência ou improcedência dos fundamentos invocados pela recorrente.
Cumpre, então, apreciar se a reclamação deve ser conhecida imediatamente ou apenas após a venda dos bens penhorados.
A regra geral, constante do n° 1 do artigo 278° do CPPT, é que as reclamações das decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que no processo afectem os direitos e interesses legalmente protegidos do executado ou outros interessados apenas sobe ao tribunal tributário após a realização da penhora e da venda.
Só assim não ocorre quando, nos termos n° 3 daquele artigo, a reclamação se fundamentar em «prejuízo irreparável», causado pelos actos e ilegalidades nele enunciados, ou seja, prejuízo causado por penhora indevida ou imposição de garantia superior à devida. A «subida imediata» do processo incidental previsto no n° 2 do artigo 278° do CPPT tem pois por fundamento a existência: (i) de um acto lesivo de posições jurídicas processuais do executado; (ii) cuja ilegalidade pode causar prejuízos irreparáveis, se não for imediatamente eliminada.
Todavia, como diversas vezes tem sido considerado pela jurisprudência deste Tribunal, esses não são os únicos actos que identificam ou delimitam o objecto do processo de impugnação imediata previsto no n° 3 do art. 278° do CPPT. Tratando-se de «actos materialmente administrativos» (n° 2 do artigo 103° da LGT), que «afectam os direitos e interesses legítimos» que o executado pode fazer valer no processo (art. 276° do CPPT), não pode deixar de se interpretar extensivamente o n° 3 do artigo 278°, de modo a abranger também os demais actos causadores de prejuízos irreversíveis aos direitos e interesses legalmente protegidos do executado.
Na verdade, não deixaria de constituir uma restrição inadmissível aos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e da garantia da via judiciária (cfr. art. 20º e n° 4 do art. 268° da CRP) se o conhecimento da impugnação de um acto lesivo praticado pelo órgão de execução fiscal fosse postergado para um momento em que os seus efeitos já se consumaram. Ora, a forma de evitar que tais actos criem situações de facto consumado ou de prejuízo irreparável é conhecer imediatamente do mérito da impugnação e não diferir a sua apreciação para o final do processo.
Sendo esse o espírito do n° 3 do art. 278° do CPPT, então há que alargar a sua norma, porventura fechada numa perspectiva casuística, a todas as reclamações cuja retenção tomaria irreparável ou irreversível a efectivação dos direitos e interesses do executado (cfr. acs. do STA. de 27/7/05, rec. n° 0897/05, de 16/8/2006, rec n° 06896, de 23/5/07, rec. n° 0374/07, de 28/11/2007, rec n° 098/07, de 6/3/08, rec n° 058/08 e do Pleno do CT, de 6/7/11, rec nº 0459/11).
Ora, a jurisprudência deste Tribunal também tem vindo a considerar, por analogia com o então n° 2 do art. 724° do CPC (actual alínea m) do n° 2 do art. 691°), que a «inutilidade absoluta» resultante da subida diferida da reclamação é um conceito relacionado com a irreparabilidade do prejuízo, pois «é seguro que o legislador não quis impor a subida imediata de todas as reclamações cuja retenção pode originar prejuízos» (cfr. Ac. de 8/6/2006, rec. nº 0229/06, de 23/5/2007, rec. n° 0374/07, de 6/3/2008, rec. n° 058/08).
Por conseguinte, só há prejuízo irreparável quando a retenção da reclamação a torne absolutamente inútil para os direitos e interesses que reclamante pretende assegurar na execução. Isso obriga, por vezes, a ter que se fazer um juízo de prognose, de forma a prever se é ou não provável que da retenção da reclamação não advenham quaisquer vantagens para o reclamante, por a revogação da decisão reclamada já não provocar quaisquer efeitos práticos. Portanto, movemo-nos num contexto de causalidade hipotética, num cenário em que se avaliam as consequências de só se conhecer a reclamação depois de realizada a venda e se comparam situações jurídicas, uma actual e outra virtual.
Tal comparação não pode ser feita apenas com base num critério de avaliação económica do dano e da reparação ou indemnização pecuniária a posteriori. É evidente que, se o acto reclamado for anulado após a venda dos bens penhorados e o pagamento da quantia exequenda, a administração tributária poderá quantificar o prejuízo do executado, substituindo a reparação in natura por uma compensação indemnizatória em dinheiro, desde que se parta do principio da presunção da solvência da Administração.
Mas a possibilidade de avaliação pecuniária dos prejuízos pode não atender verdadeiramente aos interesses do executado/reclamante. A sua posição jurídica subjectiva, sobre a qual se projectam os efeitos do acto reclamado ilegal, pode não ser suficientemente acautelada através do pagamento de uma indemnização pecuniária. É que o interesse na apropriação de um certo e determinado bem só se satisfaz com a reintegração in natura dos bens vendidos, o que pode já não ser possível se a reclamação só for decidida no fim do processo. Considerando os efeitos reais inerentes à venda executiva, o executado corre o risco de ser privado de um bem que tem interesse em usar, fruir e dispor, um bem que lhe dá segurança económica, com as vantagens não económicas que indelevelmente lhe andam ligadas.
Ora, em certos casos, pode ser difícil restaurar «in natura» os prejuízos causados ao executado pela venda judicial, sem que a compensação económica se mostre adequada a satisfazê-los. Por isso, a compreensão do conceito de «prejuízo irreparável», susceptível de fazer subir imediatamente a reclamação, tem que ser vista à luz da irreversibilidade sobre os interesses do executado dos efeitos produzidos pelo acto reclamado até ao termo do processo executivo.
Assim acontece quando se determina a prestação de uma garantia indevida, ou quando se indefere o pedido de dispensa ou isenção de garantia, impedindo a suspensão da execução, ou ainda quando, perante a possibilidade da dívida exequenda estar prescrita, se deixa prosseguir o processo executivo para a fase da venda dos bens penhorados.
A continuação da execução fiscal, num contexto em que pode haver possibilidade de ilegalidade do acto que determina a prestação de nova garantia ou da dívida estar prescrita, permite prognosticar a ocorrência dessa espécie de prejuízos. Ora, se é provável ou verosímil que eles ocorram, o mais racional e adequado é tomar imediatamente conhecimento da reclamação e decidir se a dívida que se pretende cobrar está ou não prescrita. De outro modo, realizada a venda dos bens penhorados, a eficácia real da sentença anulatória do acto reclamado, que implica a suspensão da execução, por se considerar prestada a garantia, ou a extinção da execução por prescrição, não conseguirá eliminar todos os prejuízos entretanto causados, incluindo neles a possível extinção da execução pelo pagamento.
Daí que se deva continuar a seguir-se a jurisprudência deste Tribunal, produzida sobre esta mesma última questão, sempre no sentido da subida imediata da reclamação, seja porque “o deferimento da subida da reclamação torna previsivelmente inútil a decisão judicial que sobre ela recair, ao não evitar a venda dos bens da reclamante” (cfr. ac. do STA de 9/8/2006, rec. n° 0229/06) seja porque “não faz sentido nem é razoável conhecer só desta a final, prosseguindo com a execução para cobrança desta, penhorando bens ou vendendo estes, sem qualquer utilidade se acaso a dívida estiver mesmo prescrita e podendo-se evitar a prática de eventuais actos lesivos e a verificação de prejuízos para a executada, ainda mais completamente desnecessários por a dívida exequenda se mostrar garantida” (cfr. ac. de 6/7/2011, rec. n° 0459/11).
Em suma: se o mérito da reclamação não for imediatamente conhecido, prognostica-se a inutilidade do seu conhecimento após a venda, dado se ter esgotado o efeito pretendido com a reclamação, que é a suspensão da execução fiscal, e também há grande probabilidade de ocorrência de prejuízos de difícil reparação, caso se venha a demonstrar que a dívida está prescrita.
Há, pois, que decidir sobre o mérito da reclamação, decidido se a dívida está ou não prescrita e, caso assim não se entenda, julgar se o acto reclamado deve ou não ser anulado por falta de fundamentação. O facto do acto reclamado não se ter pronunciado sobre a prescrição ou desta questão não ter sido previamente colocada à administração tributária, não constitui obstáculo ao seu conhecimento na reclamação deduzida nos termos do artigo 276º do CPPT, uma vez que se trata de questão de conhecimento oficioso (cfr. ac. do STA de 3/10/2007, rec. n° 702/07).
Sendo de subir imediatamente, impõe-se também a revogação da sentença na parte em que considerou haver má fé da reclamante e a condenou em sanção pecuniária por não haver fundamento razoável no pedido de subida imediata da reclamação. De resto, a reclamante invocou como fundamento a alínea d) do n° 3 do artigo 278° do CPPT, o que constitui um dos fundamentos legais da apreciação imediata da reclamação.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e ordenar a baixa dos autos para que aí se conheça, de imediato, da reclamação judicial apresentada.
Sem custas.
Lisboa, 8 de Agosto de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Fernanda Xavier – Francisco Rothes.