Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0138/20.8BALSB
Data do Acordão:05/26/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IRC
CLÁUSULA ANTI-ABUSO
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:O n.º 2 do artigo 38.º da LGT, na sua redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 32/2019, de 3 de maio, deve ser interpretado no sentido de que da aplicação da CGAA também pode resultar a tributação do substituto legal, de acordo com as regras gerais em matéria de substituição tributária, não obstando a tal que não seja o beneficiário das vantagens fiscais.
Nº Convencional:JSTA00071471
Nº do Documento:SAP202205260138/20
Data de Entrada:11/24/2020
Recorrente:Z...., SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Legislação Nacional:LGT ART38 N2
CPPT ART63
Jurisprudência Nacional:Ac. STA de 12/05/2021, proc 01869/13.4BEBRG
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. Z……, SGPS, S.A., sociedade anónima com sede na Rua ….., n.º .., São Bartolomeu, 7150-… Borba, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de identificação colectiva ….., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 25.º e 26.º, estes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 16 de outubro de 2020 pelo Tribunal Arbitral Coletivo no processo n.º 788/2019-T CAAD, que julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de retenção na fonte – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.ºs 2012 6410000911, 2012 6410000912 e 2012 6410000913, bem como dos correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2012 00002062987, 2012 00002062988 e 2012 0002062689, relativos aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, no valor global de € 121.262,10 (cento e vinte e um mil, duzentos e sessenta e dois euros e dez cêntimos).

Invocou contradição entre essa decisão e as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 363/2016-T e 126/2018-T, também do CAAD.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

A. Verificados os pressupostos previstos nos artigos 25.º e 26.º do RJAT, em observância do regime estatuído no artigo 152.º do CPTA aplicável, com as devidas adaptações, ex vi n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, vem a Recorrente interpor o presente recurso por oposição de acórdãos da Decisão Arbitral de 16 de Outubro de 2020, proferida pelo Tribunal Arbitral Colectivo no processo n.º 788/2019-T (Acórdão recorrido) , que decidiu que (i) a Z…… era parte legítima porque tudo se teria de passar como se de uma distribuição de dividendos se tratasse e, portanto, seria por via de retenção na fonte a operar pela holding que as liquidações haveriam de ser promovidas; e que (ii) os actos e os negócios praticados na estrutura descrita nas presentes alegações de recurso, não tendo tido um objectivo que se torne justificável no plano da racionalidade económica e financeira e da actividade empresarial, teve o único propósito de obstar à tributação em sede de IRS dos pretensos rendimentos de capitais.

B. Em causa estava a seguinte estrutura: a constituição de uma holding por accionistas de uma sociedade operacional, a transmissão onerosa das acções dessa sociedade operacional dos accionistas para a holding; o reconhecimento de um crédito na esfera da holding a favor dos sócios fundadores da SGPS; e a compensação desse crédito dos accionistas por parte da holding à medida que a sociedade operacional distribui lucros para aquela sociedade.

C. A Decisão Arbitral recorrida está em oposição quanto (i) à questão fundamental de direito da (i)legitimidade da holding no procedimento de aplicação da CGAA, ao decidir assim (perfilhando uma solução oposta relativamente à mesma questão), com a Decisão Arbitral de 14 de Dezembro de 2016, proferida pelo Tribunal Arbitral Colectivo no processo n.º 363/2016-T (Acórdão fundamento); e quanto (ii) à questão fundamental de direito da verificação dos pressupostos cumulativos de que depende a aplicabilidade da CGAA ao caso concreto, ao decidir assim, com a Decisão Arbitral de 26 de Novembro de 2018, proferida pelo Tribunal Arbitral Colectivo no processo n.º 126/2018-T.

D. Quanto à primeira questão fundamental de direito, o Tribunal a quo decidiu no Acórdão recorrido que a holding era parte legítima do procedimento de aplicação da CGAA, enquanto substituta tributária na retenção na fonte dos lucros distribuídos aos seus accionistas (os verdadeiros «beneficiários»).

E. Ora, na Decisão Arbitral n.º 363/2016-T, o Colectivo, perante uma «factualidade idêntica» à do Acórdão recorrido (estrutura análoga à nossa), e não tendo havido alteração substancial na regulamentação jurídica aplicável, considerou a holding como sendo parte ilegítima uma vez que não é a pessoa colectiva quem obtém as vantagens fiscais com a estrutura anteriormente descrita, mas antes os seus accionistas. Nos dois arestos foi formulada uma solução oposta sobre a mesma questão jurídica essencial, sendo essa oposição o produto de duas decisões expressas.

F. Caso admitíssemos que prevaleceria na jurisprudência o entendimento vertido no Acórdão recorrido, que sanciona a aplicação da CGAA às holdings, mesmo quando estas não obtenham quaisquer vantagens, estar-se-ia apenas a permitir que os accionistas que receberam as vantagens fiscais – autores do potencial esquema e únicos e «verdadeiros» beneficiários – permanecessem incólumes ao funcionamento da norma, não se verificando nenhuma consequência nas suas esferas jurídicas, o que se traduziria numa violação flagrante dos princípios constitucionais da legalidade (cfr. artigo 103.º da CRP), proporcionalidade ou da proibição do excesso (cfr. artigo 18.º, n.º 2 da CRP), da liberdade de iniciativa económica (cfr. artigos 61.º e 62.º da CRP) e da capacidade contributiva e igualdade tributária (cfr. artigo 13.º e 104.º da CRP) – o que expressamente se invoca.

G. Assim, deve a jurisprudência ser uniformizada em conformidade com o dictum do Acórdão fundamento (transcrito nas presentes alegações de recurso), segundo o qual o destinatário da aplicação desta cláusula, aquele cujo património se irá produzir os efeitos da aplicação, não pode deixar de ser quem usufruiu das ditas vantagens fiscais «ilegítimas», ou seja, in casu, os cinco accionistas que transmitiram as acções, e os sócios da SGPS que viram ser-lhes reconhecido um crédito na esfera da entidade, e não a holding, devendo o Acórdão recorrido ser anulado e substituído por outro que acolha a solução do Acórdão fundamento.

H. No mesmo sentido que o Acórdão fundamento, vide a Decisão Arbitral de 19 de Dezembro de 2014, proferida pelo Tribunal Arbitral Colectivo no processo n.º 200/2014-T, tendo a decisão nela adoptada (quanto a essa questão da legitimidade) sido seguida também nas decisões de tribunais arbitrais nos processos n.ºs 283/2014-T, 377/2014-T, 379/2014-T, 395/2014-T, 32/2015-T e 335/2015-T, entre outros.

I. Já quanto à questão da aplicação da CGAA, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT e do artigo 63.º do CPPT, o órgão recorrido considerou estarem preenchidos todos os pressupostos cumulativos para a aplicação da CGAA, desde logo porque houve vantagens fiscais com a estrutura em causa, mas também porque haveria outros caminhos mais «justificáveis» ou «aceitáveis», e mais onerosos fiscalmente para o sujeito passivo. No entanto, tal como refere o Exmo. Senhor Árbitro Y….., que votou vencido, «a reestruturação empresarial efetuada pela Requerente, por si só, não configura a utilização de meios artificioso ou fraudulentos ou um abuso de formas jurídicas». Nos dois arestos foi formulada uma solução oposta sobre a mesma questão jurídica essencial, sendo essa oposição o produto de duas decisões expressas.

J. Já no Acórdão fundamento, o Colectivo entendeu que a AT não provou nem demonstrou, como lhe competia, nos termos do artigo 74.º da LGT, a utilização de meios artificiosos ou fraudulentos por parte da holding (os quais devem ser considerados como actos inúteis ou desnecessários, tendo apenas como finalidade a elisão fiscal), assim como não provou o abuso de formas jurídicas (é necessário que tenham sido escolhidos formas ou negócios insólitos, inadequados para os fins a que se destinam, com o propósito de iludir o sistema tributário). E, em caso de dúvida ou impossibilidade de valorar a importância dos interesses fiscais e não fiscais, a dúvida sempre teria de aproveitar ao sujeito passivo (a parte não onerada com o ónus), em harmonia com o artigo 100.º do CPPT.

K. Donde, o Colectivo, perante uma «factualidade idêntica» à do Acórdão recorrido (a estrutura é a mesma com os mesmos intervenientes), e não tendo havido alteração substancial na regulamentação jurídica aplicável, concluiu pela inaplicabilidade da CGAA à mesma estrutura, por impossibilidade de demonstração, pelo menos, do elemento normativo, à luz do n.º 2 do artigo 38.º da LGT e do artigo 63.º da CPPT.

L. Deste modo, a mesma questão fundamental de direito – a aplicação da CGAA, em concreto o elemento normativo – foi resolvida de forma antagónica nas decisões em confronto: o que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores prescreve é que, o que haveria a avaliar nos actos tributários impugnados, numa perspectiva de apuramento de uma alegada gestão fiscal potencialmente evasiva, seria se a «step transaction doctrine» consente que se revele para efeitos de aplicabilidade da cláusula geral apenas as vantagens fiscais alcançadas pelo sujeito passivo, com fundamento no alegado propósito elisivo, e se desconsidere os demais pressupostos, com fundamento em juízos sobre se as economias fiscais logradas são ou não «justificadas» ou «aceitáveis».

M. A «step transaction doctrine», que postula que «uma série de transacções concebidas e executadas como partes de um plano unitário para alcançar um resultado pretendido serão vistas como um todo independentemente de o efeito disso ser a imposição ou a isenção de imposto», impõe que, mesmo com o acervo factual da Decisão Arbitral recorrida, não havendo indício probatório de a estrutura ter sido delineada de forma artificiosa ou fraudulenta, se deva concluir pela inaplicabilidade da CGAA – vide o Acórdão do TCAS de 30 de Setembro de 2020, proferido no processo n.º 2925/04.5BEBLSB.

N. Ora, era precisamente esta a fundamentação jurídica que se esperava que o Tribunal a quo tivesse adoptado nos presentes autos, ou seja, não tendo resultado provado que a intenção da Recorrente era exclusivamente a obtenção de uma vantagem fiscal, e a «anomalia» ou a «artificialidade» da estrutura delineada pelos sócios da Z….., então dever-se-ia ter seguido o entendimento constante do Acórdão fundamento, tal como assinalou o Exmo. Senhor Árbitro Y….. no voto de vencido, decidindo-se, assim, pela inaplicabilidade da CGAA ao caso concreto. Até porque não deve o sujeito passivo ser obrigado a escolher a via mais onerosa, podendo optar pela via que lhe for mais conveniente na modelação dos negócios, na esteira das decisões dos tribunais arbitrais proferidas nos processos n.ºs 381/2014-T, 32/2015-T, 296/2017-T, entre outros.

O. Assim, não tendo a AT conseguido provar que a Recorrente tinha como objectivo principal e exclusivo a obtenção de uma vantagem fiscal, e que a mesma havia sido arquitectada pelas partes de forma artificiosa ou fraudulenta, não está demonstrado na Fundamentação dos actos tributários e, por arrasto, na Decisão Arbitral recorrida, pelo menos, o elemento normativo, motivo pelo qual é forçoso concluir pelo total desacerto da aplicação da CGAA no caso concreto, devendo ser uniformizada a jurisprudência nos exactos termos que constam do Acórdão fundamento, à luz da cada vez mais densificada «step transacion doctrine».

Concluiu pedindo seja concedido provimento ao recurso, declarando a oposição de decisões e uniformizando jurisprudência no sentido perfilhado pela primeira Decisão Arbitral fundamento ou, assim não se entendendo, no sentido perfilhado pela segunda Decisão Arbitral fundamento, com todas as consequências legais.

1.2. O recurso foi admitido com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Digno Magistrado do M.º P.º foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer, no sentido de não ser tomado conhecimento do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


***

2. Dos fundamentos de facto

2.1. A decisão arbitral recorrida relevou e deu como provados os seguintes factos: «(...)

A) Em 9 de Dezembro de 1991 foi constituída a sociedade X…… Lda, para o exercício da actividade de comércio por grosso de bebidas, com sede no lugar da …., município de Albergaria a Velha.

B) Por escritura outorgada em 3 de Janeiro de 2006, o capital social desta sociedade foi aumentado para € 300.000.00, passando a ser representado por 5 quotas, e ficou assim distribuído: V……, € 179 880500, U….., € 44 970,00, T……, € 74 950,00€, S……, € 100,00, e R….., € 100,00.

C) Nessa mesma escritura, a sociedade foi transformada em sociedade anónima e adoptou a designação X……, S.A.

D) O capital social, representado por 60.000 acções com o valor nominal de € 5,00 mediante a conversão das quotas em acções na proporção das quotas detidas, passou a estar assim distribuído:
NIF
N.º de acções
Participação
V……
……
35.976
59,96%
U……
……
8.994
14,99%
T…..
…….
14.990
24,98%
S……
…..
20
0,03%
R…..
……
20
0,03%
E) Em 4 de Maio de 2007 foi constituída a sociedade Z……, com sede no Lugar ….., Albergaria-a-Velha, com o capital social de € 50.000,00 representado por 10.000 acções com valor nominal de € 5,00, assim distribuído:
NIF
N.º de acções
Participação
V……
…..
7900
79%
U……..
…..
1900
19%
Q…….
……
100
1%
R…….
……
50
0,5%
P……
….
50
0,5%

F) A 7 de Maio de 2007, foi celebrado um contrato de transmissão de acções pelo qual T……. e S…….. alienaram à Z……, 14.990 acções e 20 acções, respectivamente, da sociedade X….., pelo valor global de 212.500,00€, correspondendo a um preço unitário de 14,16€;

G) Na mesma data, V…… e U……, alienaram à A……, 35.936 acções e 8.994 acções, respectivamente, da sociedade X….., pelo preço total de € 1.571.850,00, a que corresponde um valor unitário de € 35,00.

H) A Requerente, tendo por objecto a gestão de participações sociais que detenha noutras empresas, como forma indirecta do exercício de actividades económicas, nos períodos de tributação em causa detinha directamente 99,87% do capital social da X……, S.A., que resultaram da alienação de acções a que se referem as antecedentes alíneas F) e G).

I) Nesse período, a Requerente não adquiriu outras participações sociais.

J) No contrato de alienação de acções a que se refere a antecedente alínea G) foi clausulado o seu pagamento fraccionado pelo prazo de 10 anos.

K) Na sequência dessa operação, foi reconhecido, na contabilidade da sociedade Z….. SGPS, um crédito a favor dos sócios accionistas alienantes das participações sociais da X…… correspondente aos valores da transmissão de acções.

L) A X….. não distribuiu quaisquer resultados aos seus sócios, pessoas singulares, desde o exercício de 1999 até ao exercício de 2006.

M) Nos exercícios de 2007 e seguintes a X…… passou a distribuir dividendos à Requerente, Z……, tendo pago aos accionistas V….. e U….., a título de reembolso do crédito gerado com a aquisição de participações sociais na X….., um total de dividendos de € 299.600, em Novembro de 2007, € 249.666,67, em Novembro de 2008, € 172.733,33, em Dezembro de 2009, e € 130.800,00, em Dezembro de 2010.

N) A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, credenciada pela OI201103494, relativamente aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, em resultado de uma acção de controlo das alienações de acções por sujeitos passivos singulares.

O) No âmbito dessa acção inspectiva, foi desencadeado o procedimento de autorização previsto no artigo 63.º do CPPT para aplicação da cláusula geral anti-abuso do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, em que foram praticados os seguintes actos procedimentais:

- Em 12 de Dezembro de 2011, o sujeito passivo foi notificado, através do oficio n.º 8414217, do despacho de abertura do procedimento próprio para aplicação das normas anti-abuso;

- Em 19 de Abril de 2012, o sujeito passivo foi notificado, através do oficio n.º 8405384, para exercer o direito de audição sobre a informação relativa à aplicação das normas anti-abuso nos termos dos nºs 4 e 5 do artigo 63.º do CPPT;

- O sujeito passivo exerceu o direito de audição através de requerimento entrado em 22 de maio de 2012;

- Em 23 de Agosto de 2012, o sujeito passivo notificado, através do ofício n.º 8409884, do despacho do Director-geral da Autoridade Tributária de autorização de aplicação da cláusula geral anti-abuso.

P) Da informação dos serviços em que se baseou a aplicação da cláusula anti-abuso consta, quanto ao enquadramento fiscal dos factos, o seguinte:

2.2.2. Da verificação dos elementos para a aplicação do n.º 2 do artigo 38.º da LGT e n.º 9 do artigo 63.º do CPPT:

Atendendo a que, para a aplicação das normas anti-abuso deve ser observado o prescrito no art.º 63° do Código do Procedimento e de Processo Tributário, sendo essencial para a fundamentação da decisão, e de acordo com o n.º 9 deste artigo, o cumprimento de diversos requisitos, importa, pois, no caso em apreço, e após explanação detalhada da factualidade supra transcrita, aferir da verificação cumulativa de tais requisitos.

a) Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica

Dispõe a alínea a) do n.º 9 do citado artigo 63° do CPPT, que deverá proceder-se em primeiro lugar a descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica.

Ora, no caso em concreto, este requisito consubstancia-se no reembolso aos acionistas, V……. e U……, após a distribuição de dividendos pela X….., antecedida pela alienação das participações que estes detinham de 59,96% e 14,99%, respetivamente, no capital social da sociedade X….. em 7 de Maio de 2007, pelo valor global de 1 571 850,00 €, à sociedade Z….. SGPS, que havia sido constituída em 4 de Maio de 2007 e na qual detêm participações de 79% e 19%, respetivamente, que tiveram como objetivo fundamental a distribuição de dividendos, colocados à disposição nos exercícios de 2008, 2009 e 2010.

Mostra-se evidente que, sem a utilização desses meios, os contribuintes beneficiários não evitariam a tributação, resultante da transformação dos dividendos em reembolso do crédito, ficando sujeitos a imposto, nos termos gerais, como rendimentos da categoria E de IRS.

b) lndicação dos elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou da prática do ato tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou ato de substância económica equivalente

Consideramos que o reembolso do crédito pela sociedade Z….. SGPS aos seus acionistas, resultante da distribuição de dividendos da sociedade X….. após a aquisição das participações que estes detinham na sociedade X……, visou, a retirada de dividendos da sociedade X….. sem qualquer tributação.

Para atingir esse objetivo, foram encenados vários atos jurídicos, mais complexos e dispendiosos, que, se revelam manifestamente desnecessários e denunciam claramente a intenção artificiosa da sua utilização, ou seja, evitar a tributação que seria devida.

c) A descrição dos negócios ou atos de substância económica equivalente aos efetivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam.

Para remunerar o capital dos acionistas a forma normal seria a distribuição de dividendos (aos seus acionistas e administradores neste caso) pagando o respetivo imposto, e não a criação de uma estrutura que permitiu retirar os dividendos sem qualquer tributação, através da sua transformação em reembolso do crédito gerado por uma operação efetuada entre entidades juridicamente distintas, mas economicamente controladas pelos mesmos acionistas. Ao utilizar esta estrutura, resulta claro que os acionistas e administradores das sociedades identificadas decidiram artificiosamente, evitar a tributação em IRS, através da utilização de um conjunto de negócios anómalos, atingindo assim, idêntico fim económico, evitando o imposto de 108 587,00 €, apurado conforme o disposto nos artigos acima mencionados.

3. Conclusão

Destarte, verifica-se que, de acordo com o supra exposto, estão reunidas as condições para aplicação do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da LGT e no artigo 63.º do CPPT.

Com efeito, caso a distribuição de dividendos se tivesse dado sem o recurso à estrutura utilizada, os mesmos seriam tributados (conforme disposto nos artigos anteriormente mencionados).

Por assim ser, face ao disposto nos artigos indicados, incumbe à Administração Fiscal considerar ineficaz no âmbito tributário, a transtornação dos dividendos, uma vez que tais atos/negócios foram praticados com abuso das formas jurídicas e tiveram como objetivo essencial a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas total ou parcialmente, sem utilização desses meios.

Face ao exposto, a tributação deve ocorrer de acordo com as normas aplicáveis na ausência da tal estrutura, não se produzindo as vantagens fiscais referidas, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 38° da LGT.

Ou seja, deve-se proceder à tributação dos montantes pagos pela sociedade A... SGPS no momento em qua foram colocados a disposição dos acionistas:

Exercício
Imposto a reter
Data da entrega do imposto
2008
48.000,00
20-12-2008
2009
34.400,00
20-01-2010
2010
26.187,00
20-01-2001
Total
108.187,00
Q) Relatório de Inspecção Tributária elaborado no âmbito da acção inspectiva a que se refere a antecedente alínea J) conclui nos seguintes termos:

III.2. Enquadramento fiscal e correções propostas

Como consequência da aplicação da cláusula geral anti-abuso, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, cujo procedimento se realizou nos termos do artigo 63.º do CPPT, foi apurado a distribuição de dividendos (através da sua transformação em reembolso de créditos dos acionistas), nos exercícios de 2008, 2009 e 2010 no valor total de 533.800,00€, com os fundamentos constantes da informação notificada ao sujeito passivo para o exercício do direito de audição - através do oficio n.º..., em anexo n.º 2 - e da informação sobre a qual recaiu a autorização do Director Geral, através do oficio n.º ..., em anexo n.º 4 - efetuadas no âmbito do procedimento próprio para a aplicação da cláusula geral anti-abuso.

Conforme demonstrado e fundamentado nas informações já notificadas ao sujeito passivo, os valores distribuídos nos anos em análise são considerados rendimentos de capitais (categoria E), de acordo com a alínea h) do n.º 2 do artigo 5° do Código de Imposto sobre Pessoas Singulares (CIRS), sujeitos a tributação através de retenção na fonte, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 71º do mesmo diploma.

Desta forma, foi apurado falta de entrega de imposto conforma quadro seguinte:

Exercício
Data do
pagamento
Valor do pagamento
Taxa de imposto
Valor de imposto
Data da entrega do imposto
2008
19-11-2008
240.000,00
20%
48.000,00
20-12-2008
2009
30-12-2009
172.000,00
20%
34.400,00
20-01-2010
2010
09-12-2010
121.800,00
21,50%
26.187,00
20-01-2001
Total
533.800,00
108.187,00
R) Em 4 de Março de 2013, a Requerente deduziu, no Tribunal Administrativo e Fiscal de..., impugnação judicial contra os actos de liquidação adicional de IRC n.ºs 2012 6410000911, 2012 6410000912 e 2012 6410000913, bem como dos respetivos atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2012 00002062987, 2012 00002062988 e 2012 0002062689, relativos aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, no valor global de € 121.262,10.

S) Ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, a Requerente solicitou a extinção da instância nesse Processo em vista ao cometimento à arbitragem tributária.

T) Em 8 de Outubro de 2019, o TAF de Aveiro proferiu sentença homologatória da extinção da instância.

2.2. O primeiro acórdão fundamento (363/2016-T) relevou a matéria de facto que, a seguir, se transcreve parcialmente: «(...)

A) A Requerente desenvolve a sua actividade no âmbito do CAE…, consistindo o seu objecto social na gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta do exercício da actividade, e está enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação;

B) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecções à Requerente, em cumprimento do determinado nas Ordens de Serviço n.ºs OI2015…, iniciada em 07-08-2015 e concluída em 05-10-2015, OI2015…, OI2015… e OI2015…, iniciadas em 09-09-2015 e concluídas em 05-10-2015;

C) Em 29-12-2015, foi proferido pela Senhora Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira o despacho (que consta da folha 45 da parte «Grupo I» e da folha 5 da parte «Grupo III» do processo administrativo), em que autoriza a aplicação da cláusula geral antiabuso, manifestando concordância com a proposta apresentada pela inspecção tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte: […]

D) Na sequência da autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta da parte «Grupo IV» do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

E) Na sequência da inspecção foram emitidas, em 10-02-2016, as seguintes liquidações, com base na aplicação da cláusula geral antiabuso (documentos n.ºs 1 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

- Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS nº 2016…, no montante de €612.750, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 109.516,87, referentes ao ano 2011;

- Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS nº 2016…, no montante de € 312.579,41, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 40.559,26, referentes ao ano 2012;

- Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS nº 2016…, no montante de €193.080,05, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 14.569,50, referentes ao ano 2013; – Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS nº 2016…, no montante de €151.308,05, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 5.857,20, referentes ao ano 2014;

F) Foram instauradas execuções fiscais para cobrança coerciva das quantias liquidadas (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G) Em 15-06-2016, a Requerente efectuou o pagamento das quantias liquidadas, acrescidas de juros de mora, neste sentido termos que constam dos documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

H) Em 29-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

2.3. O segundo acórdão fundamento (126/2018-T) relevou e deu como provada a matéria de facto que, a seguir, se transcreve parcialmente: «(...)

a) Em 9/12/1991 foi constituída a sociedade C..., Lda, para o exercício da actividade de comércio por grosso de bebidas, com sede no ... e concelho de ... .

b) Em 03/01/2006, o capital social desta sociedade foi aumentado para € 300.000.00, passando a ser representado por 5 quotas, e ficou assim distribuído:

· E..., 179 880,00€;

· F..., 44 970,00€;

· G..., 74 950,00€;

· N..., 100,00€; e

· I..., 100,00€.

c) Esta sociedade foi transformada, em sociedade anónima, e adoptou a designação D..., SA.

d) Em 04 de Maio de 2007 foi constituída a sociedade A... SGPS, com sede no ... s/n, ..., pertencente ao Serviço de Finanças de ... (código ...), e com o capital social de 50 000,00€ representado por 10 000 acções com valor nominal de 5,00€ cada, assim distribuído:

NomeNIF
    N.º de acções
    % participação
E...
    ...
7900 79
F......1900 18
O......100 1
I......50 0,5
P...
    ...
50 0,5

e) A 07 de Maio de 2007, foi efectuado contrato de transmissão de acções em que G..., NIF..., e H..., NIF..., casados, alienaram à A... SGPS, 14.990 acções e 20 acções, respectivamente, da sociedade B..., pelo valor global de 212 500,00€, correspondendo a um preço unitário de 14,16€ (212 500,00€/15 010 acções).e E... e F..., alienaram à A... SGPS, 35 936 acções e 8 994 acções, respectivamente, da sociedade B..., pelo preço total de 1 571 850,00€, a que corresponde um valor unitário de 35,00€.

f) A B... não distribuiu quaisquer resultados aos seus sócios, pessoas singulares, desde o exercício de 1999 até ao exercício de 2006.

g) Nos exercícios de 2007 e seguintes a B... passo a distribuir dividendos à Requerente, A..., SGPS...

h) ... tendo pago um total de dividendos de €852,80 [em novembro de 2007, €299.600; em novembro de 2008, €249.666,67; em dezembro de 2009, €172.733,33 e em dezembro de 2010, €130.800,00] ...

i) ... e, entre março de 2012 e março de 2015 deliberou distribuir um total de €770.000 aos seus acionistas A..., SGPS, SA (€768.999,00), E... (€539,00), F... (€231,00) e I... (€231,00)...

j) ... de harmonia com as participações no capital social detidas por cada um desses acionistas, ou seja: 99,87%, A..., SGPS, SA; 0,07%, E... e 0,03% cada, F... e I... .

k) A sociedade “C..., Lda” procedeu a um aumento de capital em Fevereiro de 2006 e também à sua transformação em sociedade anónima, passando a designar-se “D..., SA”, tendo então o seu capital social, dividido em ações, passado a ser detido por cinco acionistas: E..., F..., G..., H... e F... (Anexo I do relatório de inspeção).

l) A constituição da requerente resultou da vontade dos acionistas da “B...” estruturarem a atividade por si levada a cabo através de uma estrutura empresarial de cúpula que permitisse, no futuro, a diversificação do negócio e a sua especialização em várias empresas ligadas pelas SGPS de topo, o que perspetivava como possível.

m) Ao construírem esta estrutura societária de negócio os acionistas da “B...”, também estavam a perseguir o incentivo do Estado Português de que os empresários organizassem e promovessem o crescimento das suas atividades com base na construção de grupos económicos, tendo presente como figura central das estruturas empresariais a figura da SGPS, ideia que há mais de vinte anos tem vindo a ser promovida pelo legislador.

n) A requerente detinha no exercício de 2015 participações no capital social quer da aludida “B...”, quer da sociedade “J..., Lda” (pag. 10 do relatório).

o) Desde início de 2016, a requerente alargou o âmbito das participações detidas, conforme Relatório de Gestão depositado na Conservatória do Registo Comercial (doc. 4), onde se refere a pag. 4, ponto 3:- “No ano de 2016 a Empresa tinha uma participação de 100% no capital da empresa J..., Lda e adquiriu 100% do capital da empresa K..., SA, uma adega na região de ..., Alentejo, empresa com um interesse estratégico no Grupo, onde se insere também a Empresa D..., SA, distribuidora a nível nacional, empresa em que a A..., SGPS, mantém uma participação de 99,87% do seu capital. A empresa durante este ano de 2016 adquiriu uma quota de 40% da empresa M..., Lda. Que é proprietária de um Hotel de 4 estrelas em ... e se dedica também à atividade de restauração, com a realização de eventos. Durante o exercício de 2016, não foram alienadas quaisquer participações, sendo adquiridas as participações atrás referidas”.

p) No prosseguimento do escopo social, a requerente, como cúpula do grupo empresarial, detém participações sociais nas seguintes empresas: D..., SA, J..., Lda, K..., SA e M..., Lda..

q) No sobredito contrato de venda das ações da B... ficou clausulado o seu pagamento fracionado, pelo prazo de 10 anos.

r) Por não concordar com os fundamentos de facto e de direito das liquidações em causa, a requerente apresentou reclamação graciosa tramitada sob o nº ...2017... e na qual veio a ser proferido despacho de indeferimento total, notificado à requerente em 20-12-2017 (doc. 1, com a petição inicial).

s) A requerente face à instauração de processos de execução fiscal subsequentes às liquidações ora impugnadas, prestou garantia bancária tendo em vista a sua suspensão.


***

3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da decisão arbitral proferida no processo n.º 788/2019-T, do CAAD, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade de atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e dos correspondentes juros compensatórios.

Com o assim decidido não se conforma a ali Requerente (ora Recorrente) por entender que a decisão arbitral recorrida colide com as decisões arbitrais tiradas nos processos n.ºs 363/2016-T e 126/2018-T, que também correram termos junto do CAAD.

E por entender que deve prevalecer o sentido decisório destas duas últimas decisões arbitrais, devendo ser uniformizada jurisprudência no sentido por elas perfilhado e, consequentemente, anuladas as liquidações em causa nestes autos.

Invocou como fundamento da admissibilidade do recurso os artigos 25.º e 26.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”) e o artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”).

Decorre do sobredito que o presente recurso tem na sua base a oposição de julgados e tem como objetivo fundamental a uniformização de jurisprudência.

Sendo que a apreciação do mérito da decisão recorrida depende da verificação de um conjunto de pressupostos substantivos. Ou seja, o Supremo Tribunal Administrativo só uniformiza jurisprudência sobre a questão suscitada no recurso depois de se assegurar da verificação desses pressupostos.

Que, no essencial se destinam a confirmar que a questão suscitada nas duas decisões (a decisão recorrida e a decisão fundamento) é substancialmente idêntica e que a resposta que neles foi dada a essa questão é diversa e contraditória.

Ou seja, identidade substancial da questão suscitada e decisão contraditória quanto a essa questão.

Relativamente à primeira, é seguro que se deve tratar de uma questão de direito. Desde logo, porque a lei o diz («…sobre a mesma questão fundamental de direito»). Mas também porque a finalidade do recurso é de uniformizar a interpretação de normas jurídicas e promover uma maior previsibilidade e igualdade nas decisões.

Relativamente à segunda, está assente que se deve tratar de uma divergência de decisões (e não apenas de entendimentos). Ou seja, a questão deve ter determinado o sentido em que foi decidido em cada um dos processos e estar na base da oposição ou divergência.

De salientar ainda que a questão fundamental de direito é a mesma quando, de um lado, é substancialmente idêntico o quadro normativo e quando, do outro lado, é substancialmente idêntica a factualidade que lhe deve ser subsumida.

O que significa que, para haver identidade substancial da questão de direito, não basta concluir que a norma jurídica é a mesma ou tem idêntico teor: é também necessário que a factualidade apreciada deva ser considerada idêntica do ponto de vista da sua subsunção jurídica.

E bem se compreende que assim seja porque, se a factualidade não for idêntica (se a situação concretamente apreciada nos dois arestos não for a mesma do ponto de vista dos seus elementos típicos fundamentais), não pode evidenciar-se uma contradição de direito. É natural que a situações de facto diferentes ou com diferente relevo normativo correspondam respostas jurídicas diversas.

Vejamos então, se estes pressupostos se verificam no caso.

3.2. A Recorrente entende que o acórdão arbitral recorrido colide com o julgado em dois outros acórdãos arbitrais quanto ao julgamento de duas diferentes questões de direito.

Assim, a Recorrente entende que o acórdão arbitral recorrido colide com o julgado no processo arbitral n.º 363/2016-T quanto à questão de saber se a CGAA pode ser dirigida contra o substituto tributário.

E que colide com o julgado no processo arbitral n.º 126/2018-T quanto à questão de saber se estão preenchidos os requisitos cumulativos de que depende a aplicação da CGAA.

Ora, podemos desde já adiantar que não existe oposição entre o acórdão arbitral recorrido e o julgado no processo arbitral n.º 126/2018-T.

Porque não é idêntica a factualidade considerada nos dois acórdãos.

No acórdão arbitral recorrido foi considerado que existiam «factos indiciários suficientes para considerar que o conjunto articulado de operações (…) teve o único propósito de obstar à tributação em sede de IRS».

E no acórdão arbitral tirado no processo n.º 126/2018-T foi dado como não provado «que tivesse havido da parte da Requerente e/ou dos seus acionistas o propósito de, com as ações ou procedimentos descritos (…) obter vantagens fiscais, designadamente ao nível da tributação em IRS».

De salientar que a questão de saber qual foi o propósito dos intervenientes na realização do conjunto das operações societárias é uma questão de facto, a extrair de um conjunto de indicadores factuais que, por sua vez, indiciem a motivação os agentes.

O que significa que os dois acórdãos responderam de forma diversa a essa questão de facto.

O que se revelou essencial no sentido das respectivas decisões.

Porque ambos os acórdãos consideraram que constituía elemento ou requisito essencial da CGAA que fosse apurado que o objetivo (único ou principal) visado na realização das operações fosse a obtenção e uma vantagem fiscal.

Tendo o acórdão arbitral recorrido concluído que havia fundamento bastante para a aplicação da CGAA precisamente por ter entendido que havia indícios suficientes de que o único objetivo ou propósito foi de elisão fiscal.

E tendo o acórdão arbitral fundamento, num exercício lógico equivalente, concluído que não podia considerar verificado o requisito «do fim principal ou exclusivamente fiscal» precisamente porque não podia dar como provada a factualidade correspondente.

É claro que esta divergência nas conclusões de facto tanto pode resultar da correta valoração de indicadores de facto diversos como da incorreta valoração de indicadores de facto equivalentes. Isto é, não se pode excluir, nesta fase, que tenha havido erro no julgamento da matéria de facto. Ou no acórdão recorrido, ou no acórdão fundamento.

Mas é questão que não importa dilucidar. Porque o erro de julgamento da matéria de facto não é sindicável pelo Supremo Tribunal Administrativo. E o recurso por oposição de acórdãos não é meio adequado para o sindicar.

Sendo de concluir que as diferentes ilações de facto tiradas nos arestos em confronto são suficientes para suportar decisões em sentido diverso, deve também concluir-se que essas decisões não se opõem entre si. Precisamente porque assentam em pressupostos de facto distintos.

Assim sendo, importa também concluir desde já que não estão reunidos os pressupostos da admissibilidade do recurso, nesta parte.

O que a final se decidirá.

3.3. Em contrapartida, deve assumir-se desde já que há oposição entre o decidido no acórdão arbitral recorrido e o decidido no acórdão arbitral fundamento tirado no processo n.º 363/2016-T.

Na essência, porque ambos os acórdãos apreciaram a questão de saber se a CGAA pode ser dirigida contra os substitutos tributários nas situações em que a vantagem fiscal se verifica na esfera dos substituídos.

E responderam a essa questão de forma diametralmente oposta. Visto que o acórdão arbitral recorrido decidiu que não havia nenhuma razão (válida) para afastar a aplicação, no caso, das regras da substituição tributária e o acórdão arbitral fundamento decidiu o contrário, isto é, que a aplicação dessas regras a casos de aplicação da CGAA era ilegal.

Analisemos mais detalhadamente porque é que as situações são idênticas.

As situações de facto são substancialmente idênticas, desde logo, porque as operações subjacentes e que desencadearam os respetivos procedimentos de aplicação da CGAA eram muito semelhantes em si mesmas e coincidiam em todos os aspetos relevados ou a relevar para efeitos da subsunção à norma.

Ou seja, operações que se traduziam, numa primeira fase, na constituição de uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) com capital integralmente (ou maioritariamente) subscrito pelos mesmos acionistas de outra sociedade, cujas ações foram depois alienadas à SGPS tendo como contrapartida a constituição de um crédito a favor desses acionistas.

E, numa segunda fase, na distribuição dos resultados da outra sociedade à SGPS, que utiliza o rendimento assim obtido para pagar a dívida a esses acionistas.

Depois, porque em ambos os procedimentos de aplicação da CGAA foi concluído que a alienações de ações às SGPS tiveram como objetivo transformar dividendos em reembolsos de créditos e, assim, evitar a tributação.

Finalmente, porque em ambos os procedimentos de aplicação da CGAA foi decidido exigir o imposto à sociedade que, de acordo com as regras gerais, estaria obrigada a reter na fonte o tributo devido.

A questão de direito é a mesma porque, em ambos os casos, está em causa saber se a parte final do artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária deve ser interpretada no sentido de que o destinatário da aplicação da CGAA é quem estava obrigado a reter o imposto ou quem obteve a vantagem fiscal.

É bem verdade que, no caso do acórdão recorrido (e apesar da questão lhe ter sido diretamente colocada «quer à luz da letra do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, quer dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da liberdade de iniciativa económica e da capacidade contributiva»), os julgadores acabaram por não formular nenhum juízo que enfrentasse diretamente o texto da norma, por si só ou à luz dos referidos princípios constitucionais.

Mas isso sucede porque foi ali entendido que a pretensão arbitral era, naquela parte, «manifestamente improcedente». Isto é, por se ter considerado manifesto que a interpretação que a Requerente fazia daquela norma não podia ser ali acolhida.

E não podia ser ali acolhida porque não vislumbraram nenhuma razão para que não fossem aplicáveis as regras gerais em matéria de substituição tributária. Por terem entendido que, como consequência da aplicação da CGAA tudo se passa como se os rendimentos tivessem sido originariamente declarados (isto é, tudo se passa como se tivesse sido declarada a operação que os intervenientes quiseram efetivamente realizar).

No fundo, por isso, o que se diz na decisão arbitral recorrida é que a não há nada na redação do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária que justifique o afastamento da aplicação das regras gerais em matéria de substituição tributária tendo em conta que o objetivo do legislador foi ali o de aplicar as normas que seriam aplicáveis se aquelas operações não tivessem sido realizadas.

Já a decisão arbitral fundamento assumiu que o afastamento daquelas regras resulta, desde logo, da própria redação do dispositivo. Porque, ao assumir-se ali que o objetivo do legislador é a não produção das vantagens fiscais, está implícito que o destinatário da aplicação da CGAA é quem usufruiu as vantagens fiscais. No caso, o substituído.

Resta acrescentar que, apesar de a decisão arbitral recorrida abranger os períodos de tributação de 2008 a 2010 e a decisão arbitral fundamento abranger os períodos de tributação de 2011 a 2014, a redação do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária não sofreu alterações nesses períodos. E, embora tivessem sido, entretanto, introduzidas algumas alterações no regime da retenção da fonte, essas alterações não relevam para a questão jurídica tratada em ambos os arestos.

Podemos, assim, concluir que, nesta parte, estão reunidos os pressupostos substantivos do conhecimento do mérito do recurso.

O que se fará de seguida.

3.4. Está em causa a interpretação da parte final do n.º 2 do artigo 38.º, da Lei Geral Tributária (ou seja, o segmento da norma que prescreve sobre os efeitos da aplicação da CGAA: «…efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas»).

No acórdão arbitral fundamento, foi entendido que aquele segmento normativo devia ser interpretado no sentido de que as consequências da aplicação da CGAA devem recair sobre quem aufere as vantagens fiscais.

No acórdão arbitral recorrido, foi entendido que as consequências da aplicação da CGAA devem recair sobre quem for o obrigado tributário, de acordo com as regras gerais.

A questão a decidir é, por isso, a de saber se, na situação descrita, o alcance do referido segmento da norma é o de estabelecer como efeito necessário da aplicação da CGAA a tributação do beneficiário das vantagens fiscais.

Ou se, pelo contrário, esse segmento da norma não obsta ao entendimento segundo o qual o efeito da aplicação da CGAA é a tributação de quem a ela estiver obrigado de acordo com as normas que seriam aplicáveis se aqueles meios não tivessem sido utilizados.

Esta questão já foi decidida pelo Supremo Tribunal Administrativo e em termos que nos merecem, agora, inteira adesão.

Com efeito, foi decidido no acórdão de 12 de maio de 2021, tirado no processo n.º 01869/13.4BEBRG, que o n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 32/2019, deve ser interpretado no sentido de que, «quando a aplicação da CGAA resulte na desconsideração de uma construção e na sua substituição por uma operação cuja regulação legal imporia a prática de um acto de retenção na fonte a título definitivo, é aquele que se vem a qualificar como substituto (à luz da aplicação da CGAA) quem, em primeira linha, responde por essa obrigação tributária (…)».

Ou seja, foi ali decidido que a parte final do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária deve ser interpretada no sentido de que da aplicação da CGAA também pode resultar a tributação do substituto legal, de acordo com as regras gerais em matéria de substituição tributária. Não obstando a tal que o substituto não seja o beneficiário das vantagens fiscais.

E que, por isso, a expressão «…não se produzindo as vantagens fiscais referidas» não deve ser entendida como uma exceção à aplicação das regras gerais, quando destas resulte a tributação de sujeito distinto daquele que beneficiou dessas vantagens.

Justifica-se, no entanto, que a fundamentação da nossa adesão não se limite à remissão para a fundamentação ali expendida, não apenas por se tratar agora de um julgamento alargado a todos juízes da Secção, mas também pela necessidade de a revisitar e reponderar à luz da argumentação desenvolvida, com vigor e brilho, pelos ilustres árbitros que subscreveram o acórdão fundamento.

Sendo o teor literal da norma um limite da interpretação da lei (artigo 9.º, n.º, 2 do Código Civil), comecemos por aferir se o texto comporta este sentido interpretativo.

A pergunta poderia ser assim formulada: a parte final do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, ao estabelecer como consequência necessária da aplicação da CGAA que não sejam produzidas as vantagens fiscais, é incompatível com solução que não redunde na imposição da tributação omitida a quem obteve essas vantagens?

A resposta é negativa. A expressão só se incompatibiliza mesmo com uma solução legislativa que não se traduza na eliminação da vantagem fiscal em si mesma. Que, no caso, se traduz na imposição da tributação omitida.

O entendimento segundo o qual o legislador terá pretendido que a tributação incida sobre quem retirou as vantagens não o retira o acórdão fundamento da letra da lei. É algo que considera pressuposto na lei, por entender que lhe estiveram subjacentes preocupações de igualdade e justiça tributária.

Portanto, a letra da lei também compatível com uma interpretação segundo a qual deva ser imposta a tributação omitida a quem, nos termos da lei e das regras da substituição tributária, cabia exigi-la.

Ou seja, a letra da lei também é compatível com o sentido interpretativo que dela retirou, designadamente, o acórdão recorrido.

De resto, também é possível dizer que, a partir do momento em que é efetuada a tributação, deixa de existir uma vantagem fiscal. No sentido de que deixa de existir uma vantagem à custa da tributação.

E que as vantagens que subsistam na esfera jurídica dos substituídos deixam, por isso, de ser fiscais em si mesmas e passam a ser económicas. No sentido de que não derivam já da evitação fiscal, mas do facto de a tributação não se ter repercutido no valor que receberam.

Por outro lado, quando o legislador manda efetuar a tributação «de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência» (isto é, na ausência dos meios utilizados para evitar a tributação) está a indicar que o que se pretende é que a tributação se faça nos termos gerais, como se esses meios não tivessem sido utilizados.

Ora, as regras gerais da tributação mandam que, nestes casos, sejam utilizados os mecanismos da substituição tributária.

Portanto, a análise contextual da parte final do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária sugere fortemente que a aplicação, nestas situações, das regras gerais em matéria da substituição tributária corresponda ao sentido mais provável a extrair da letra da lei.

Por outro lado, ainda, a ideia de que estiveram subjacentes ao regime da CGAA, na redação então em vigor, preocupações de justiça e de igualdade tributárias que só poderiam satisfazer-se com a imposição da tributação a quem obteve a vantagem parece ter sido, entretanto, desmentida pela exposição dos motivos que acompanhou a proposta de lei que precedeu a alteração desta norma (ver o ponto 3.7. do acórdão da Secção, a que acima fizemos referência).

Da qual resulta que o objetivo visado com a alteração não foi o de estabelecer ex novo a aplicação das regras gerais de responsabilidade em caso de substituição tributária, mas o de direcionar ex novo a CGAA para o beneficiário dos rendimentos obtidos e clarificar, neste âmbito, o que fica da aplicação daquelas regras gerais e que já vinham do direito pregresso.

O que poderia dizer-se, então, era que o legislador deveria, à luz desses princípios, ter ressalvado no regime anterior de aplicação da CGAA, o afastamento das regras gerais de responsabilidade em caso de substituição tributária.

Mas este seria um raciocínio que também não conseguiríamos acompanhar. Porque também nos parece de elementar justiça que a interposição de uma sociedade controlada pelos beneficiários da vantagem fiscal não possa servir, ela própria, com meio eficaz de obtenção dessa vantagem fiscal, à custa de todos os demais contribuintes e, por essa via, também com sacrifício da igualdade na tributação.

E era o que sucederia, à luz do regime então em vigor, se a tributação só pudesse incidir sobre quem obteve a vantagem fiscal. Porque daí decorreria que a sociedade não poderia ser tributada porque não beneficiou da vantagem e quem beneficiou da vantagem não poderia ser tributado por estar desonerado dessa responsabilidade, de acordo com as regras gerais aplicáveis em caso de substituição total.

Para o que, de resto, o Supremo Tribunal Administrativo também alertou no acórdão a que acima fizemos referência (ver o ponto 3.8.).

Ali se observou, por um lado, que «o procedimento de aplicação da CGAA só podia [à data] ter como destinatário a sociedade, por ser ela e não os sócios, quem utiliza/pratica a construção que permite a obtenção da vantagem fiscal e, nessa medida, por ser ela, e não os sócios, quem, em sede procedimental, pode apresentar os argumentos que sustentem a racionalidade económica da construção utilizada e, com isso, afastar a aplicação da CGAA.».

E, por outro lado, que a tese contrária conduziria à impossibilidade, na prática, da aplicação da «CGAA sempre que fosse utilizada por um sujeito passivo de IRC uma construção que proporcionasse uma vantagem fiscal da qual resultasse a “substituição” de uma operação em que devesse ter tido lugar uma retenção na fonte a título definitivo». Porque, desse modo, «a aplicação da CGAA com desconsideração da referida construção “esbarraria” com esta perplexidade: i) no procedimento tributário do artigo 63.º do CPPT só o substituto poderia participar por ser ele o único que estaria em condições de “afastar” a aplicação da CGAA, justificando as razões económicas daquela construção; ii) mas a liquidação não poderia ter esta entidade como destinatária, por a vantagem tributária ter sido proporcionada a outro: os sócios. No absurdo, se a AT tivesse iniciado – como parece decorrer dessa decisão – o procedimento tributário do artigo 63.º do CPPT contra os sócios, a mesma tese defenderia que tal constituiria uma “distorção” da relação jurídica tributária por não terem sido os sócios a praticar o acto (a deliberação) que deu origem à construção que proporcionou a vantagem tributária que a CGAA desconsiderara».

Daqui deriva também que a solução de exigir a quantia a quem não beneficiou da vantagem não é, em si mesma, irrazoável ou desproporcionada.

Irrazoável seria, a nosso ver, que o legislador tivesse introduzido um mecanismo de combate à evasão fiscal que introduzisse, ele próprio e como decorrência necessária do seu funcionamento, um mecanismo eficaz de evasão. No que redundaria a imposição do beneficiário da vantagem como destinatário da CGAA sem, do mesmo passo, adaptar as regras gerais em matéria de substituição tributária (total).

Desproporcionada seria, a nosso ver, uma solução legislativa que, distinguindo quem propiciou a vantagem e quem dela beneficiou, deixasse intocados, no processo, todos os participantes na operação e qualquer que fosse o papel que nela desempenharam. Beneficiando os acionistas por não ter sido retido o imposto. E beneficiando a sociedade por não ser chamada à responsabilidade e ainda que tivesse participado ativamente na fraude ou no artifício. Ou que dela tivesse conhecimento.

Quanto à violação do princípio da capacidade contributiva, é assinalado pelo próprio acórdão fundamento que o legislador pode ver-se obrigado a sacrificar pontualmente esse princípio quando estejam em causa razões preponderantes de praticabilidade.

Ora, as razões de praticabilidade que justificam a adoção pelo legislador fiscal do regime de substituição total em situações normais são integralmente transponíveis para os casos em que a sua aplicação derive da CGAA, porventura agravadas por estarem em causa operações artificiosas e onde, por isso, existe a intenção de ocultar rendimentos e, porventura, outros elementos relativos aos beneficiários ou ao seu património.

Questão diversa será a de saber se é justo e equilibrado onerar a sociedade que ignorou, sem ter a obrigação de saber, que as operações constituíram um meio artificioso ou fraudulento de obstar à tributação (por as desconhecerem os respetivos órgãos de gestão). Em vez dos que seriam, então, os verdadeiros responsáveis.

Mas é questão que não importa aqui considerar. Porque não é a que nos foi colocada e não é a que foi analisada no acórdão recorrido.

Porque a Recorrente nunca alegou que não tivesse participado no artifício. Alegou apenas que não beneficiou dele.

E, assim sendo, resta-nos confirmar o juízo firmado no acórdão recorrido.


***

4. Conclusão

O n.º 2 do artigo 38.º da LGT, na sua redação anterior à que lhe foi introduzida pela lei introduzida pela Lei n.º 32/2019, de 3 de maio, deve ser interpretado no sentido de que da aplicação da CGAA também pode resultar a tributação do substituto legal, de acordo com as regras gerais em matéria de substituição tributária, não obstando a tal que não seja o beneficiário das vantagens fiscais.


***

5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

a) em não tomar conhecimento do recurso na parte relativa à questão de saber se, no caso da decisão recorrida, estavam reunidos os pressupostos objetivos da aplicação da CGAA.;

b) em negar provimento ao recurso na parte relativa à questão de saber se a CGAA pode ser dirigida contra o substituto tributário.

Custas pela Recorrente.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Lisboa, 26 de maio de 2022. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.

Declaração de voto do Senhor Conselheiro Gustavo André Simões Lopes Courinha:

Voto vencido, por entender que a CGAA não possui mera natureza interpretativa, mas antes constitutiva da relação jurídica fiscal que existiria na ausência de uma motivação fiscal em fraude à lei.

Por conseguinte, entendo que, na ausência da CGAA, não se poderia extrair da Lei a exigibilidade do imposto, por mais ampla que fosse a solução interpretativa adotada.

Entendo, portanto, que apenas ao que se vem a revelar como beneficiário da vantagem fiscal (in casu, o substituído tributário) por aplicação da CGAA tem de ser exigido o imposto devido; isto é, só nasce a obrigação fiscal no seguimento do procedimento de aplicação da CGAA.

Por contraposição, ao substituto não lhe poderia ser assacada a exigibilidade por retenção de uma dívida fiscal decorrente de uma obrigação fiscal que, pura e simplesmente, não existia à data em que ocorrem os pagamentos por si devidos, por tal preceder a aplicação da CGAA.

Assim sendo, tenderia a seguir a posição vertida no Acórdão Fundamento.

Gustavo Lopes Courinha