Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01409/11.0BEPRT
Data do Acordão:03/22/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
QUESTÃO NOVA
Sumário:Deve admitir-se revista relativamente à questão de saber se o tribunal de apelação deve conhecer vícios geradores de nulidade apenas imputados ao acto no recurso da sentença.
Nº Convencional:JSTA000P24376
Nº do Documento:SA12019032201409/11
Data de Entrada:02/14/2019
Recorrente:A......
Recorrido 1:MINISTRA DA SAÚDE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A………………, devidamente identificado nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, do acórdão do TCA Norte, proferido em 28 de Junho de 2018, que confirmou a sentença proferida pela TAF do Porto, a qual julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL por si instaurada contra o MINISTÉRIO DA SAÚDE onde impugnava o acto que lhe aplicou a sanção disciplinar de 20 dias de suspensão e ordenou a reposição da quantia de € 56.582,72.

1.2. Pugna pela admissão da revista relativamente à questão que se “prende com a não apreciação pelo Tribunal Central Administrativo da matéria suscitada em 23ª a 32ª das alegações de recurso de apelação, nomeadamente da nulidade do procedimento disciplinar e consequente nulidade do ato administrativo”. Considera igualmente relevante e justificativa da admissão da revista a questão da “fixação da remuneração do recorrente” (Administrador Hospitalar).

1.3. A entidade recorrida pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O autor impugnou o acto que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão graduada em 20 dias, suspensa nos seus efeitos pelo período de um ano, bem como ordenou a reposição do montante de € 56.582,72, pedindo a final a sua anulação.

A primeira instância enunciou as questões a decidir: um primeiro grupo de questões que se traduziam em saber se os factos apurados em sede de procedimento disciplinar não consubstanciam a violação dos deveres de isenção, zelo e lealdade, ao contrário do que se conclui na decisão punitiva, nem tão-pouco a deliberação que votou favoravelmente ofendeu o disposto no art.º 8.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 188/2003, de 20.08; e ainda em saber se, como alega, agiu convencido e na consciência da licitude da sua conduta, e apenas participou na deliberação depois de obter um prévio parecer jurídico que sustentou essa possibilidade; uma outra questão, que se traduzia em saber se, sendo a deliberação em questão de um ato administrativo constitutivo de direitos, foi ou não violado o disposto no regime dos artigos 140.º e 141.º do CPA, no que à reposição das quantias recebidas diz respeito.

Os factos que estiveram na base do procedimento disciplinar, em termos sintéticos, foram os seguintes: em 24.03.2004, sendo então o Autor vogal do conselho de administração do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde votou favoravelmente, em reunião ordinária daquele conselho, a adoção de uma deliberação que aumentou a remuneração dos administradores.

Na decisão punitiva (objecto da acção impugnatória) entendeu-se que, ao atuar deste modo, o Autor (e os restantes membros do conselho de administração do referido centro hospitalar) violou, de modo consciente, o disposto no art.º 8.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 188/2003, de 20.08, segundo o qual a fixação da remuneração dos administradores hospitalares constitui competência exclusiva dos ministros da Saúde e das Finanças.

A primeira instância apreciou a questão de saber se a conduta do autor violou os deveres funcionais e concluiu pela afirmativa. No essencial, entendeu que o autor “(…) Enquanto membro do conselho de administração de um centro hospitalar, o aqui Autor tinha o dever de conhecer, desde logo, o regime legal, e designadamente que a competência para fixar o quantum remuneratório pertencia aos ministros das finanças e da saúde, mediante a prolação de despacho nesse sentido. Sendo a deliberação de 24.03.2004, e estando o Decreto-Lei n.º 188/2003, de 20.08, em vigor desde 01.09.2003, não faz sentido que, para sustentar a decisão, se tenha ainda por base um diploma já expressamente revogado”. Na verdade, de acordo com o disposto no art. 8º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 3/88, de 22.01 “(…) a remuneração dos membros do conselho de administração do hospital é fixada por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde e varia em função do nível e da lotação do hospital, não podendo a remuneração dos membros não executivos ser inferior ao valor a que têm direito em virtude da respetiva categoria e escalão da carreira”.

Por outro lado, argumentou ainda a sentença “(…) mesmo conhecendo o teor das circulares em matéria de remuneração dos membros dos conselhos de administração, nada perguntou à tutela (ou seja, ao Ministério da Saúde) sobre os termos em que se devia processar a remuneração a auferir por si, tendo optado por deliberar no sentido de aumentar a sua remuneração base com fundamento em parecer jurídico emitido pela ilustre advogada avençada pelo centro hospitalar”. Daí que, tenha concluído a sentença por julgar improcedentes os vícios imputados à deliberação punitiva.

Relativamente à segunda questão – conexionada com a devolução das quantias indevidamente percebidas - revogação ilegal de actos constitutivos de direitos - a primeira instância, em termos sintéticos, entendeu que o vício do acto através do qual foi fixada a remuneração dos membros do Conselho de Administração era nula (por usurpação de funções, dada a falta de atribuições) e, desse modo, a sua nulidade a todo o tempo.

3.3. No recurso para o TCA Norte o autor, para além de sustentar a posição defendida na petição inicial, nas conclusões 23 a 32 colocou uma questão nova, qual seja, a da nulidade do procedimento disciplinar porquanto o Dec. Lei 464/82, de 9 de Dezembro não prevê a responsabilidade disciplinar dos gestores públicos. Ora, o autor, exerceu as funções de administrador executivo segundo alega “regidas pelo Estatuto Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei 464/82, de 9 de Dezembro”. Assim, a haver violação dos deveres de gestor tal implicaria a sua exoneração, sem estabelecimento ou organização de qualquer processo disciplinar. Daí que, “o procedimento instaurado ao apelante é inválido, por falta de lei que o suporte” padecendo por esse motivo “de vício de ilegalidade, o que acarreta a nulidade do procedimento disciplinar e do acto administrativo sob apreciação”.

O TCA Norte relativamente a esta alegação disse o seguinte:

E, “como é sabido, os recursos destinam-se a reapreciar a matéria do julgamento que vem sindicado e não de questões novas” (Ac. Do STA, de 16-11-2017, proc. N.º 01216/17). Pelo que também não há agora que cuidar do que o recorrente suscita de 23ª a 32ª das suas alegações de recurso, que a sentença não tratou”.

No recurso de revista o autor suscitou, além do mais, a nulidade por omissão de pronúncia quanto a estas questões (conclusões 23 a 32). Em acórdão de sustentação o TCA Norte referiu não ter havido omissão de pronúncia, precisamente por ter decidido que não iria conhecer tais questões, por serem questões que a sentença não tratou.

As razões fundamentais que o autor alega para ser admitida a revista são, em primeiro lugar, as relativas à delimitação dos poderes do tribunal de apelação, muito embora reafirme a necessidade do STA reapreciar as demais questões (sobre a validade da deliberação punitiva e restituição das quantias auferidas).

3.4. A nosso ver a questão de saber se o Tribunal de Apelação deve ou não conhecer questões não decididas na sentença recorrida é efectivamente uma questão central relativa ao âmbito de cognição do tribunal “ad quem” e que se coloca sistematicamente.

No presente caso, o recorrente imputa ao acto impugnado – só na fase de recurso – um vício que, a seu ver, é gerador de nulidade. O TCA Norte, sem cuidar de avaliar a natureza do vício imputado ao acto, entendeu que não podia conhecer da questão por a mesma não ter sido apreciada na sentença recorrida. Com esta configuração, justifica-se admitir a revista. Na verdade não é de modo algum líquido que o recorrente não possa suscitar, no recurso vícios geradores de nulidade, nem que não possam ser apreciadas questões de conhecimento oficioso, ainda não precludidas.

Por outro lado, questão de saber se o autor, dada a invocada qualidade de gestor público, poderia ou não ser sujeito num processo disciplinar (caso a mesma ainda possa ser conhecida) é, concretamente, decisiva para o desfecho da lide.

Daí que, pelos motivos expostos deve ser admitida a revista.

4. Decisão

Face ao exposto, admite-se a revista.

Porto, 22 de Março de 2019. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.