Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0694/16
Data do Acordão:06/15/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:MUNICÍPIO
MORTE
PROTECÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista se no essencial está em discussão o nexo de causalidade, afirmado convergentemente pelas instâncias, entre a omissão de dever de resguardo de poço e o acidente nele ocorrido por quem nele caiu depois a ele aceder através de buraco existente na rede de protecção.
Nº Convencional:JSTA000P20676
Nº do Documento:SA1201606150694
Data de Entrada:05/31/2016
Recorrente:MUNICÍPIO DE PORTO MONIZ
Recorrido 1:A... E MARIDO (EM REPRESENTAÇÃO DO SEU FILHO)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.1. A…………. e B………… intentaram acção administrativa comum, contra o Município de Porto Moniz, peticionando a condenação do réu ao pagamento aos autores da quantia de 35.000,00€, assim discriminada:
«1 – Dano morte, perda da vida da vítima – 20.000,00€.
2 – Pelos danos morais sofridos pelo Autores – 15.000,00€.
3 – No pagamento de juros desde a citação da Ré e até integral pagamento.
4 – Bem como pagar as custas e demais encargos legais».

1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por sentença de 17.02.2012 (fls. 154/173), julgou «a presente acção totalmente procedente, e condeno o Réu (Município de Porto Moniz) a pagar aos autores/progenitores a título de indemnização pelo Dano Morte a quantia de €20.000,00.
Mais condeno o Réu (Município de Porto Moniz) a pagar aos autores/progenitores a título de indemnização pelo Dano Não Patrimoniais a quantia de €10.000,00».

1.3. Em recurso, o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 11.02.2016 (fls. 230/254), confirmou a sentença.

1.4. É desse acórdão que o Réu vem requerer a admissão do recurso de revista, alegando que «a questão centra-se em saber se o acidente aconteceu porque o recorrente não providenciou a tapagem do buraco existente na rede que veda o poço ou se, ao invés disso, foi o próprio falecido que sofria de atraso mental que, sem ponderar as consequências do seu acto, entrou no poço onde acabou por morrer afogado»

Cumpre apreciar e decidir.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. O recorrente invoca como base jurídica do recurso os artigos 671º, 1, e 674, 1, b), do CPC.
Diga-se, desde já, que o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo só será admissível no quadro do contemplado nos artigos 142.º, 4, e 150º do CPTA, na redacção aplicável.

O caso em apreço tem por base alegada conduta omissiva do recorrente, no seu dever de protecção de pessoas e bens, em relação à vedação de um poço, no qual ocorreu a morte do filho dos autores.
As duas instâncias pronunciaram-se de forma convergente no sentido da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do demandado.
O recorrente intenta, no essencial, que perante a matéria de facto fixada a ilação a que o acórdão chegou sobre a causa do acidente está errada.
Ocorre que no que nela se pode considerar matéria de facto, já não poderá ser questionada, atento o disposto no artigo 150.º, 4, do CPTA.
Já no que respeita a juízos de ordem jurídica, designadamente no que se deve entender como pressupostos de responsabilidade do demandado, nomeadamente, culpa e nexo de causalidade, a verdade é que a discordância do recorrente não abala a plausibilidade do ponderado pelo acórdão.
Afinal, a discordância poder-se-ia resumir do seguinte modo: o acórdão, na linha da sentença, considerou que o acidente mortal radicou na falta de resguardo do poço: «foi o facto de existir esse buraco na rede de protecção do poço que motivou a ofensa no direito à vida de […], pois, se esse buraco não existisse, com toda a certeza […] não teria caído no poço e aí não se teria afogado, pelo que é possível imputar o acidente, no que respeita a tais danos, em termos de causalidade adequada, ao comportamento omissivo do recorrente que tinha o dever de resguardar de forma eficaz o poço em questão»; o recorrente entende diversamente: «Como mostra a prova dos autos, a atitude do falecido foi por ele conscientemente assumida, não decorrendo de queda ou qualquer acidente involuntário que possa ser atribuído a falta de vigilância do Réu, nomeadamente a existência do buraco na rede de vedação».
E de toda a alegação decorre que estamos perante discussão factual, que não cabe na revista ou perante discussão jurídica sem apresentação de elementos que possam fazê-la considerar de importância fundamental. E, como resulta, também não se aparenta clara necessidade da revista para melhor aplicação do direito.

3. Pelo exposto não se admite a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 15 de Junho de 2016. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.