Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0468/15
Data do Acordão:10/20/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:RECLAMAÇÃO DA CONTA
DISPENSA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
TRÂNSITO EM JULGADO
REFORMA QUANTO A CUSTAS
Sumário:I - Não é possível, após a elaboração da conta, deduzir requerimento de dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça devendo antes o mesmo ser requerido em sede de reforma de custas.
II - Pelo que, o trânsito em julgado da decisão final no processo engloba a decisão sobre custas e concreto montante que da mesma resulta quanto à taxa de justiça a pagar.
III - Tal interpretação não é inconstitucional por a mesma não contender com a tutela efetiva de um direito mas antes com o momento e meio adequado ao seu exercício.
Nº Convencional:JSTA000P19536
Nº do Documento:SA1201510200468
Data de Entrada:04/20/2015
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: A……………., S.A., representada pelo seu liquidatário B……………. vem, nos termos do artigo 106.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, recorrer do despacho do TAF de Lisboa que não conheceu da reclamação por si apresentada a fls 427 e segs da conta de custas.
Para tanto apresenta as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objeto a decisão que rejeitou a reclamação sobre a conta de custas apresentada pela ora Recorrente, na qual se pediu a dispensa da condenação no pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (“RCP”), tendo o Tribunal a quo entendido que “um eventual despacho de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do referido artigo 6.º, n.º 7 do RCP, não é já possível de exarar nos presentes autos, visto já se ter esgotado o poder jurisdicional relativamente a tal matéria, porquanto já transitou em julgado a decisão final do processo, inclusive quanto a custas (cf. Artigo 613.º do CPC)”.
B. Contrariamente ao que foi decidido na decisão recorrida, o caso julgado formado nos autos não cobriu a questão relativa à aplicabilidade do artigo 6.º, número 7, do RCP, nem a fixação do montante concreto de custas devido pela A…………, podendo esta em sede de reclamação da conta de custas solicitar a dispensa ou a atenuação do montante a pagar a título de taxa de justiça remanescente.
C. Como a jurisprudência indicada na presente peça evidencia de forma clara (vd., designadamente, Acórdão do TCAS de 29.05.2014 ou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3.12.2012), num caso como o dos presentes autos, em que o STA se limitou a uma condenação genérica da A……….. a suportar as custas, nada tendo decidido quanto a uma eventual dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou sobre a proporcionalidade dos montantes a cobrar, não se pode deixar de entender que o caso julgado não cobre, não pode cobrir, aquela matéria, mas antes e apenas a responsabilidade da ora Recorrente pelas custas do processo.
D. A decisão final constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, sendo que fora destes limites e termos, não há caso julgado. Porque a reclamação pede a apreciação de uma questão que o Juiz da causa não julgou, o caso julgado não pode obstar à apreciação da reclamação.
E. O entendimento seguido pela decisão recorrida, para além de ilegal, é também excessivamente formalista, não existindo qualquer razão substancial que impeça a apreciação da dispensa do pagamento do remanescente em sede de reclamação.
F. Só com a notificação da conta de custas é que a A………… ficou a saber que lhe estava a ser exigido um valor de mais de € 54.000 (cinquenta e quatro mil euros) e só depois dessa conta é que todos os intervenientes do processo – incluindo o julgador – estão em condições de fazer o juízo de proporcionalidade e razoabilidade reclamado pelo artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
G. O artigo 31.º, n.º 2 do RCP, ao referir que o Juiz mandará reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais, determina que a reclamação da conta pode ter por base quaisquer violações de lei substantiva, pelo que constitui um argumento adicional no sentido que a Recorrente aqui defende.
H. É contraditório que a lei atribua competência a um funcionário judicial para elaborar a conta, que institua um procedimento de reclamação, com possibilidade de reforma jurisdicional oficiosa da conta e depois onere a parte com a necessidade de antecipar, logo no momento da decisão final da causa, o valor que terá a pagar pelas custas a final.
I. É excessivamente oneroso exigir que a parte se antecipe na liquidação da conta de custas no momento da decisão da causa, o que, além de não ter razão substancial que o justifique ou aconselhe, nem decorre do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, é também contrário ao direito à tutela jurisdicional efetiva da Recorrente, que apenas com a notificação da conta de custas fica a conhecer com rigor o valor que lhe é exigido.
J. Face ao exposto, deve ser dado integral provimento ao presente recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada, por contrária ao direito à tutela jurisdicional efetiva da ora Recorrente e por ser ilegal, designadamente por violação do artigo 621.º do CPC e dos artigo 6.º, n.º 7 e 31.º, n.º 2, do RCP, apreciando-se a reclamação da conta de custas apresentada pela A………., com as demais consequências legais.
K. Mesmo que o acima exposto seja considerado improcedente e se entenda que o momento legalmente previsto para decidir a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça é anterior ao trânsito em julgado da decisão final da causa, o que se alega sem conceder, ainda assim deve o recurso ser julgado procedente e admitida a reclamação – isto porque é imperativo admitir a reclamação sempre que da sua não admissão resultem consequências manifestamente desproporcionadas ou afrontosas do direito à tutela jurisdicional efetiva, como sucede neste caso.
L. Como ponderadamente se observou no recente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29.04.2014, se na decisão final da causa não tiver sido apreciada a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e os pressupostos para tal dispensa estiverem verificados, não se pode deixar de concluir que o juiz omitiu uma decisão que deveria ter tomado, sendo que caso a desproporção entre a atividade desenvolvida e a conta a cobrar ameace o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o princípio da proporcionalidade, não se pode deixar, por imperativo constitucional, de admitir que em sede de reclamação da conta de custas o juiz aprecie e decida aquela dispensa, inexistindo obstáculos processuais a essa decisão.
M. No caso presente verificam-se os pressupostos acima citados: a decisão final da causa não apreciou a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e os respetivos pressupostos decorrentes do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, estão verificados, existindo adicionalmente uma manifesta desproporção entre a atividade jurisdicional desenvolvida e o valor que está a ser cobrado, ao ponto de pôr em causa os princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva.
N. Para exemplificar a desproporção entre a taxa cobrada e a utilidade do processo, atente-se aos seguintes aspetos, melhor desenvolvidos na reclamação apresentada e nas presentes alegações:
i. A questão apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e pelo STA não possuía especial complexidade;
ii. Em primeira instância, a decisão final foi proferida em saneador-sentença, dispensando prova adicional;
iii. Até à decisão do Tribunal Constitucional, esteve sobretudo em causa a apreciação de uma questão de direito, a verificação da exceção de prescrição do direito de indemnização da A…………;
iv. Após decisão do Tribunal Constitucional, ainda que a A…………. não concordasse com essa decisão, a verdade é que o STA proferiu acórdão em meros dois meses, em telegráficas três páginas e meia.
O. Salienta-se ainda o excessivo tempo empenhado na resolução do presente processo: por motivos não imputáveis à Recorrente, o processo demorou praticamente treze anos a chegar ao fim, o que constitui um período de tempo manifestamente excessivo e desrazoável, atendendo à sua concreta tramitação.
P. A fase processual dos articulados terminou no dia 10 de Dezembro de 2001 e apesar do requerimento de aceleração processual apresentado, o despacho saneador apenas foi proferido a 15 de Fevereiro de 2007 – quase seis anos após a instauração da ação – quando nada justificava tamanha demora.
Q. Excessivo foi, também, o tempo consumido pelo Tribunal Constitucional, que demorou outros seis anos a decidir o recurso que lhe foi dirigido: a um recurso interposto em Janeiro de 2008, respondeu em Abril de 2014.
R. A A…………. e os seus responsáveis suportaram os danos associados à indefinição resultante da falta de decisão da ação e todos os custos associados, pelo que, face a este encadeamento, é manifesto que, mesmo tendo a ação sido julgada improcedente, a A…………. não retirou dela a utilidade constitucionalmente devida.
S. Entretanto, verificou-se mesmo a própria extinção e liquidação da Autora, cabendo agora ao respetivo liquidatário a representação dos acionistas.
T. Num caso como o presente, é manifesta a desproporção entre o valor da conta de custas contabilizado a final, de €54.921,54 (cinquenta e quatro mil, novecentos e vinte e um euros e cinquenta e quatro cêntimos) e a concreta atividade jurisdicional desenvolvida, sendo legalmente fundado e da mais elementar Justiça que seja aplicado ao caso o disposto n.º 7 do art. 6.º do RCP, dispensando-se o pagamento do remanescente das taxas de justiça, ou, pelo menos, que a conta de custas seja equitativamente reduzida.
U. Mesmo que se considere que o momento processualmente mais adequado para fazer operar o artigo 6.º, n.º 7, do RCP, seja antes do trânsito da decisão da causa, não reconhecer a oportunidade de reclamar de uma conta desproporcional como a que se discute nestes autos, no momento em que ela se revela ao utente da justiça – no momento em que o cidadão se confronta com o preço da justiça – é equivalente à total ausência de tutela jurisdicional efetiva quanto a essa conta.
V. Os artigos 621.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 7, do RCP, se interpretados conjugadamente, num caso, como o presente, em que existe manifesta desproporção entre a atividade jurisdicional desenvolvida e a taxa de justiça cobrada, no sentido de que (i) a decisão final do processo, mesmo não tendo apreciado a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, forma caso julgado sobre esse juízo e, em consequência, (ii) impede a apreciação do pedido de dispensa do pagamento desse remanescente em sede de reclamação da conta de custas, são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º da CRP), do princípio do acesso ao direito e do direito à tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).
W. Face aos motivos que ficaram expostos, verifica-se que estavam reunidos os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pela A…………., sendo igualmente seguro que a cobrança de um valor de €54.921,54 a título de remanescente de taxa de justiça é manifestamente desproporcionada e totalmente desrazoável, atendendo ao que foi o desenrolar deste processo, pelo que não pode a decisão reclamada deixar de ser revogada e deve ser dada procedência ao presente recurso.
X. Caso V. Exas. pretendam decidir desde já a reclamação apresentada, em vez de fazer baixar o processo à 1.ª instância para (nova) decisão, a Recorrente, para além de tudo quanto acabou de evidenciar nesta peça, remete para e dá por reproduzido o que alegou naquela sua reclamação (onde foi também suscitada questão de inconstitucionalidade), da qual resulta clara a necessidade de ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, devendo então a sua pretensão ser acolhida.

Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, por provado, com as demais consequências legais.
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O MP emite parecer no sentido da negação de provimento ao recurso fundamentando-se no acórdão deste STA de 29/10/014 proc. 547/14 (secção do contencioso tributário).
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FACTOS COM INTERESSE PARA A DECISÃO DA QUESTÃO

1. Em 3/4/2014 foi proferido por este STA acórdão a negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida que julgara improcedente a ação interposta pela A………….. SA contra o Infarmed e o Estado Português condenando a recorrente nas custas.
2. A recorrente foi notificada em 11/4/2014 do referido acórdão.
3. Em 27/5/2014 foi proferido despacho a mandar o processo à conta que foi elaborada em 28/5/2014.
4. Foi enviada notificação à recorrente da mesma em 6/6/2014 (fls 624 dos autos).
5. Em 25/6/2014 a recorrente a fls 627 e seguintes vem apresentar reclamação da conta de custas.
6. Nos termos do art. 31º nº4 do RCP foi elaborada informação a fls 654 no sentido de que não existe qualquer erro na elaboração da conta.
7. A fls 657 é proferido o despacho aqui recorrido em 3/11/2014 que não conheceu da reclamação referida em 5.

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O DIREITO
A questão que aqui importa conhecer é a de saber se, como se decidiu no despacho recorrido, o trânsito em julgado de uma decisão impede que o juiz oficiosa ou a requerimento da parte, possa dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do art. 6º nº7 do Regulamento das Custas Judiciais.
O Tribunal a quo decidiu que não e rejeitou a reclamação da conta de custas apresentada pela ora recorrente, por considerar que o poder jurisdicional quanto a essa matéria se esgota com o trânsito em julgado da sentença.
Esta questão tem sido tratada de modo divergente na jurisprudência.
No sentido veiculado na decisão recorrida veja-se entre outros o Ac. do STA (secção tributária) proc. 0547/14 de 29/10/2014 citado pelo MP.
Em sentido inverso entre outros os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03-07-2012, processo n.º 741/09.7TBCSC.L2-7 e Ac. do T. da Relação de Lisboa, de 16-6-2015, proc. nº 2264/06.7TVLSB-A.L1-1 e ainda o Acórdão do TCAS proc. nº 11701/14 de 26/02/2015.
Então vejamos.
Nos termos do art. 6º da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro:
“Artigo 6.º - Regras gerais
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I -A, que faz parte integrante do presente Regulamento. (…)
7 - Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
E, face ao art. 8º da Lei n.º 7/2012, relativa à “aplicação da lei no tempo”:
“1 - O Regulamento das Custas Processuais, na redação que lhe é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data.(...)
3- Todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor da presente lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a multas ou a outras penalidades, são calculados nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, na redação que lhe é dada pela presente lei.(...)”
Pelo que é aqui aplicável a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
E qual a interferência do trânsito em julgado da decisão na aplicação deste preceito?
Proferida decisão esgota-se o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa com exceção da retificação de erros materiais, suprimento de nulidades e reforma da sentença nos termos do art. 613º do CPC.
Nos termos do disposto no artigo 616.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aqui aplicável:
“1 – A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do nº3.
(…)
3 – Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no nº1 é feito na alegação.”
No caso sub judice a decisão transitou em julgado e apenas na sequência da notificação da conta de custas, veio a aqui recorrente requerer a apreciação pelo tribunal da aplicação da dispensa prevista no citado artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
A questão de saber se o pedido de dispensa de pagamento de remanescente de taxa de justiça deduzido pela Recorrente configura um pedido de reforma da sentença quanto a custas há-de dar-nos a resposta sobre se a questão em causa está abrangida ou não pelo caso julgado.
Como resulta do CPC na redação da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho:
“Artigo 620º
Caso julgado formal
1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
2 - Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630º.
Art. 621º
Alcance do caso julgado
A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
Impõe-se interpretar os preceitos aqui em causa de acordo com as regras a que alude o art. 9º do CC.
Desde logo este nº7 do art. 6º foi aditado pela Lei 7/2012, de 13-2, na sequência de questões que se colocavam pelo facto de o Decreto-Lei 52/2011 não contemplar a possibilidade, antes prevista pelo CCJ, no n.º 3 do seu artigo 27.º, na redação introduzida pelo citado Decreto-Lei 324/2003 e que vieram a culminar com a decisão do Tribunal Constitucional que, chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade do artºs. 6º e 11º, do RCP, na redação daquele DL nº 52/2011, de 13 de abril, julgou essas normas inconstitucionais “quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição - Acórdão do TC nº 421/2013, de 15/7/2013.
Este aditamento vem permitir que nas causas de valor elevado (superior a €275.000,00) o remanescente da taxa de justiça possa deixar de ser objecto de cálculo para pagamento da taxa de justiça segundo as regras gerais.
E qual será o momento para se poder decidir em contrário?
A parte sabe que tem que pagar o remanescente e sabe o valor da causa pelo que, se o juiz não usou oficiosamente da possibilidade de, no momento da decisão decidir a referida dispensa, a parte deve fazê-lo em sede de pedido de reforma de custas.
É que a reclamação sobre a conta há-de ser por motivos inerentes à própria conta e não com fundamentos que impliquem uma decisão por parte do juiz ainda que apenas contenda com a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artº6º nº7 do RCP.
Se a lei diz que o remanescente (ou seja, o valor da taxa de justiça que correspondente à diferença entre 275.000 euros e o efetivo valor da causa para efeito de determinação da taxa) deve ser considerado na conta final, se não for determinada a dispensa do seu pagamento, está a dizer que essa dispensa tem de ocorrer antes da conta final.
Aliás, Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, anotado, 2013, 5ª edição, pág. 201, refere que, “O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas” e mais à frente, págs. 354 e 355, refere ainda que, “Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados”.
Pelo que, o juiz ao ser colocado perante a dispensa do remanescente nos termos deste preceito, depois do trânsito em julgado da decisão, está a rever a questão das custas nomeadamente fazendo interferir juízos valorativos e jurídicos sobre a concreta taxa de justiça a pagar ainda que tal não interfira com o concreto responsável pelo seu pagamento.
Assim, transita em julgado não só a decisão quanto ao responsável pelas custas mas também o quantum dessa responsabilização estando a fixação do montante em concreto através da elaboração da conta abrangida pelo caso julgado.
Não pode, assim, o responsável pelas custas, em sede de reclamação da conta que venha a ser elaborada e que lhe seja notificada, requerer, nessa altura, a dispensa ou atenuação do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por estar em causa um valor desproporcionado, por esta possibilidade do art. 6º nº7 contender com o trânsito em julgado da decisão final.
Estamos, pois, perante uma situação de reforma de custas e não de conta.
Pelo que, não pode o juiz, na sequência de reclamação da conta, mandar reformá-la sem que tal signifique uma alteração ao já decidido em matéria de custas.
Devemos, pois, interpretar esta disposição legal no sentido de que o poder jurisdicional do juiz fica esgotado, após prolação da sentença, quanto à interferência de motivos que justifiquem uma determinada quantia de taxa de justiça.
Ora, na situação dos autos a decisão quanto a custas já transitou, pelo que se mantém inalterada, não sendo possível deduzir um pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em sede de reclamação da conta.
E não se diga que esta interpretação é inconstitucional.
Invoca a recorrente que os artigos 621.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 7, do RCP, se interpretados conjugadamente, num caso, como o presente, em que existe manifesta desproporção entre a atividade jurisdicional desenvolvida e a taxa de justiça cobrada, no sentido de que (i) a decisão final do processo, mesmo não tendo apreciado a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, forma caso julgado sobre esse juízo e, em consequência, (ii) impede a apreciação do pedido de dispensa do pagamento desse remanescente em sede de reclamação da conta de custas, são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º da CRP), do princípio do acesso ao direito e do direito à tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).
Mas não tem razão.
Como supra referimos este nº7 do art. 6º foi aditado pela Lei 7/2012, de 13-2, em resposta às questões suscitadas pelo facto de o Decreto-Lei 52/2011 não contemplar a possibilidade, antes prevista pelo CCJ, no n.º 3 do seu artigo 27.º, na redação introduzida pelo citado Decreto-Lei 324/2003, de o juiz, se a especificidade da situação o justificar, dispensar, de forma fundamentada, o pagamento do remanescente, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, possibilidade que veio a ser consagrada pela Lei 7/2012, de 13 de fevereiro, que aditou ao artigo 6.º do RCP um n.º 7.
Este preceito garante que os processos suscetíveis de serem qualificados como pouco complexos tragam para o sujeito passivo um custo que efetivamente reflita o valor correspondente a um menor serviço prestado face à menor complexidade e por isso a respetiva adequação.
O exercício do direito fundamental de acesso à justiça e princípio da proporcionalidade mostram-se assegurados, agora, através da introdução de mecanismo que permite adequar a taxa de justiça a cobrar no processo em função do processado e complexidade da causa ao serviço efetivamente prestado.
Tal como se havia sustentado no Ac. do TC n.º 421/2013, supra citado, “a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo”, “dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas»”, na certeza de que “é … necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (citado Acórdão n.º 227/2007). (…) Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito”.
Ora ao haver-se introduzido um tal mecanismo no n.º 7 do art. 06.º do RCP não procede a invocada inconstitucionalidade suscitada pela A. porquanto a existir uma desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado na ação para o autor tal dever-se-á ao facto daquela, tendo e dispondo de todos os meios e mecanismos processuais para tutelar seus direitos e posições, não haver reagido ou impugnado, em sede e momento próprios, o segmento relativo à condenação em custas constante de decisões judiciais proferidas e que lhe eram desfavoráveis.
Com efeito, se antes do aditamento se poderia colocar a questão da constitucionalidade do referido art. 6º tal deixou de se verificar já que não se pode falar de inconstitucionalidade apenas porque a parte deixou decorrer o prazo e meio adequado para fazer valer um direito que a lei lhe concedia.
É certo que, como resulta dos artigos 18º e 20.º da CRP o “processo tem de ser equitativo e propiciar uma tutela plena, efetiva e em tempo útil, dos concretos direitos, liberdades e garantias pessoais, sobre os quais exista litígio ou simplesmente ameaça dele” e “também há de ser o adequado para a obtenção da específica tutela que decorre da titularidade dos específicos direitos, liberdades ou garantias pessoais que estejam em causa.”(Acórdão do Tribunal Constitucional 178/2007).
Mas, nem por isso, deixa o legislador ordinário de ter uma margem de ponderação constitutiva sobre o modo como deve ser “desenhado o figurino processual adequado à efetivação jurisdicional da tutela própria dos específicos direitos ou interesses legalmente protegidos.
Se o legislador estipulou certas regras para dar resposta a certas exigências específicas de direitos até de matriz constitucional a proteger não pode defender-se, sem mais, que os mesmos deviam ser salvaguardados por outros mecanismos ou interpretações que não constam de uma interpretação legal dos preceitos, apenas para dar uma maior tutela dos direitos do que a já consagrada, quando esta é suficiente e adequada à proteção dos mesmos.
Na verdade, não é pelo facto de se discordar do mecanismo que o legislador encontrou como o meio mais adequado para fazer valer um direito que deixa de ocorrer a tutela efetiva do mesmo, que se negue o acesso à justiça ou se introduza um sistema desproporcionado.
Ora, a possibilidade consagrada pelos preceitos em causa de, em sede de pedido de reforma da decisão de custas, fazer adequar a taxa de justiça concreta a pagar ao processado permite a efetivação daqueles princípios constitucionais.
A tutela efetiva e o acesso à justiça realizaram-se e mostram-se efetivados no caso e não saem beliscados pelo facto do titular do direito não ter usado tempestivamente dos meios adequados a fazer valer o direito em causa quando existiam os mecanismos legais para o efetivar.
Não ocorre, pois, qualquer inconstitucionalidade na interpretação legal supra veiculada a fazer aos referidos preceitos.
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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.
R. e N.
Lisboa, 20 de Outubro de 2015. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.