Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0945/10
Data do Acordão:11/23/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ILEGALIDADE ABSTRACTA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso jurisdicional para o STA ao abrigo do n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, previsto para os casos em que a decisão recorrida perfilha solução oposta à adoptada em mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou à adoptada em decisão proferida por tribunal de hierarquia superior.
II - Nesse recurso não é possível invocar como acórdão fundamento uma decisão do Tribunal Constitucional.
III - Os requisitos desse recurso traduzem-se na necessidade de as decisões em confronto perfilharam «solução oposta» estando em causa o «mesmo fundamento de direito» e «ausência substancial de regulamentação jurídica», o que pressupõe a identidade dos factos subjacentes (que terão de ser essencialmente os mesmos do ponto de vista do seu significado jurídico) e a identidade do regime jurídico aplicado (ainda que em invólucros legislativos diferentes).
IV - Existe oposição justificativa da admissibilidade do recurso se as decisões em confronto convocaram, interpretaram e aplicaram realidades e previsões jurídicas idênticas e chegaram a resultados díspares quanto à questão de saber se a inconstitucionalidade das normas regulamentares que instituíram a taxa municipal que constitui a dívida exequenda integra o que se vem denominando de “ilegalidade abstracta da liquidação” e pode, nessa medida, servir de fundamento de oposição à execução fiscal.
V - Essa inconstitucionalidade constitui uma ilegalidade “abstracta”, por não se consubstanciar num vício próprio do acto de liquidação da taxa, incorrido por ocasião da sua prática, mas da própria norma regulamentar que criou o tributo; ilegalidade que logra enquadramento na alínea a) do nº 1 do artigo 204.º do CPPT, podendo, por isso, servir de fundamento a oposição à execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA00067271
Nº do Documento:SA2201111230945
Data de Entrada:11/26/2010
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE TORRES NOVAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 N1 A ART280 N5
CPTRIB91 ART286 N1 A
LGT98 ART105
CONST97 ART209 N1 B ART212 ART221
CPC96 ART265
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC21005 DE 1999/01/20
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTARIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VII PAG323
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A……, LDA, com os demais sinais dos autos, deduziu no Tribunal Tributário de Leiria oposição à execução fiscal que contra si foi instaurada pela Câmara Municipal de Torres Novas para cobrança de dívida proveniente de taxa de publicidade liquidada com referência ao ano de 2007, no montante de € 734,40 e imposto de selo no montante de € 3,00, invocando a inconstitucionalidade das normas regulamentares que instituíram a taxa que constitui a dívida exequenda.
Aquele Tribunal, por decisão datada de 30 de Junho de 2010, julgou verificada a excepção de erro na forma de processo, por considerar que a Oponente pretendia discutir a legalidade em concreto da liquidação da taxa que constitui a dívida exequenda e não a sua legalidade abstracta, e que tal não lhe era permitido fazer em sede de oposição à execução, mas, tão somente, em sede de impugnação judicial, não sendo viável a convolação na forma de processo adequada face à caducidade do direito de impugnar o acto de liquidação.
Por requerimento de fls. 86/88, a Oponente interpôs recurso dessa decisão para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, identificando as seguintes decisões opostas:
- decisão sumária do Tribunal Constitucional, n.º 320/05, no Proc. n.º 661/05;
- acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17/01/2007, no Proc. n.º 01044/06;
- acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15/05/2002, no Proc. n.º 169/02;
- acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/01/1999, no Proc. n.º 021005;
- acórdão do TCA Sul, de 18/05/2004, no Proc. n.º 01205/03.
Admitido que foi o recurso, por despacho que consta de fls. 93, veio a Recorrente apresentar as alegações que constam de fls. 130/149, que rematou com o seguinte quadro conclusivo:
1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo TAF de Leiria, que julgou improcedente a oposição, por erro na forma do processo e não conheceu do mérito da causa.
2. O presente recurso versa em exclusivo sobre matéria de direito.
3. O fundamento da al. a) do n.º 1 do artigo 204 do CPPT, dispõe: “Inexistência de imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação, ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em tiver ocorrido a respectiva liquidação;
4. Cabem aqui os casos de normas que violam regras de hierarquia superior (...).
5. A ilegalidade é abstracta porque, afectando a própria lei, não depende de acto que faz a sua aplicação em concreto;
6. A inconstitucionalidade da norma que institui um tributo integra a ilegalidade abstracta da liquidação, podendo servir de fundamento de oposição à execução, à luz do disposto na alínea a) do artigo 204° do CPPT.
7. O Tribunal a quo aplicou erradamente o disposto nos artigos 203° e 204°, n.º 1, al. a) do CPPT, violando assim grosseiramente os artigos 103°, n.º 2 e 3 e 165°, n.º 1 al. i), ambos da Constituição da República Portuguesa, que consagram o princípio da legalidade dos impostos.
8. A ora recorrente apresentou oposição à execução fiscal instaurada para pagamento de uma ‘taxa de publicidade” exigida pela Câmara Municipal de Torres Novas, do ano de 2007, no montante de € 734,40, acrescido de juros de mora a partir da data de 08/09/2007.
9. Na oposição apresentada pela ora Recorrente em 08/03/2010, a mesma concluiu pedindo a extinção da instância executiva.
10. A ora recorrente sempre invocou a inconstitucionalidade dos artigos 2°, 5°, 7° e 10° do Regulamento e artigos 2°, 30 e 4° da Tabela de Taxas de Publicidade e Ocupação da Via Pública, aprovado em Câmara Municipal de Torres Novas, publicado em Diário da República, em 20/06/2002, Apêndice n.º 80 – II Série, n.º 140, a coberto da qual foi liquidada a taxa devida e fixado o seu montante para o ano de 2007, por violação do princípio da legalidade dos impostos, consagrado nos artigos 103°, n.º 2 e 3 e 165°, n.º 1 ai. 1) ambos da Constituição da República Portuguesa.
11. Não existem dúvidas que estamos perante uma ilegalidade abstracto da liquidação;
12. Abstracta por não se consubstanciar num vício próprio do acto, incorrido por ocasião da sua prática, mas da norma que aplica, por inconstitucional, por isso incapaz de servir de alicerce a este como a qualquer outro acto tributário de liquidação (Cfr. Acórdãos de 15/05/2002, no recurso 169/02; e Ac. de 17/01/2007, no recurso 1044/06, ambos deste STA).
13. Podendo, por isso, servir de fundamento de oposição à execução fiscal, à luz do disposto no artigo 204° do CPPT.
14. Neste mesmo sentido, foi decidido no Ac. do STA, de 20/01/1999, processo n.º 21005; em que se concluiu que o artigo 62° do Regulamento da Tabela de Taxas Municipais da Câmara Municipal de Guimarães é inconstitucional;
15. A inconstitucionalidade de uma norma é fundamento de oposição previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 286 do CPT (actual artigo 204°, n.º 1, al. a) do CPPT).
16. E ainda o acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional (decisão sumário n.º 320/05, processa n.º 661/05, 2° Secção): “1. Nos presentes autos, emergentes de um processo de execução fiscal instaurado na Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Lisboa contra A.- Lda, por dívida referente à taxa devida pela licença de publicidade e ocupação da via pública de 2000, no montante de €6.554,31; No fundamento da al. a) do n.º 1 do artigo 204 do CPPT (anteriormente al. a) do n.º 1 do artigo 286° do CPT), cabem os casos de normas que violam as regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais: A ilegalidade é abstracta porque, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a sua aplicação em concreto. Portanto, a argumentação da oponente é fundamento de oposição e merece acolhimento.”
17. A ora recorrente, o que pretende efectivamente, com a apresentação da oposição é a procedência da oposição com fundamento na alínea a) do n.º 204° do CPPT, o que tem como consequência normal a extinção da execução fiscal.
18. A liquidação das referidas taxas foi feita com a aplicação do Regulamento e Tabela de Taxas de Publicidade e Ocupação da Via Pública, aprovado em Câmara Municipal em 21/12/2001;
19. O regulamento local e a tabela anexa são INCONSTITUCIONAIS, enquanto submetem ao pagamento de taxa a concessão ou renovação de licença de publicidade situada ou afixada em imóveis pertencentes a particulares.
20. A taxa de publicidade aplicada à recorrente encontra-se afixada no imóvel/prédio urbano que é propriedade da Executada.
21. As taxas, fixando como fixam, impostos, mormente quando não estejam em causa a utilização de um bem público ou semi-publico, os artigos do Regulamento e da Tabela de Taxas de publicidade e ocupação da Via, que o determinam são organicamente inconstitucionais, por violação do princípio da legalidade dos impostos, artigos 103°, n.º 2 e 3 e 165°, n.º 1, al. l)da Constituição da República Portuguesa”.
22. Nos autos de oposição a ilegalidade é abstracta porque, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a sua aplicação em concreto.
23. A argumentação da oponente é fundamento de oposição, ao abrigo do disposto no artigo 204°, n.º 1, al. a) do CPPT e merecia toda o acolhimento.
24. Quanto ao mérito da causa, que tem como fundamento a inconstitucionalidade invocada, a oposição foi apresentada com base nos seguintes fundamentos previstos nas alíneas a) e h), n.º 1, do artigo 204° do CPPT, que desde já se reitera integralmente para todos os legais efeitos.
25. Conforme aliás abundantemente invocado nas reclamações apresentadas pela ora recorrente, a questão da INCONSTITUCIONALIDADE que constitui objecto da presente oposição já foi decidida, em diversas oportunidades, por jurisprudência constante do Tribunal Constitucional (a mero título de exemplo, cfr. Acs. N.° 558/98, n.º 63/99, n.º 32/00, n.º 346/01, n.º 92/02, n.º 436/02, n.º 436/03, n.º 437/03, n.º 453/03, n.º 34/04, n.º 109/04, n.º 464/04, n.º 166/08).
26.Não sendo verificada qualquer correspectividade/ sinalagmaticidade entre a taxa a pagar e uma eventual contrapartida por parte do município que beneficia da quantia entregue para liquidação da taxa, é forçoso concluir pela natureza de imposto daquele dever fiscal.
27. As normas constantes, entre outros, dos artigos 2°, 5°, 7° e 10° do Regulamento e os artigos 2° a 4° da Tabela de Taxas de Publicidade de Torres Novas, não constam nem de Lei da Assembleia da República, nem sequer de Decreto-Lei autorizado, pelo que se verifica uma evidente INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA daqueles mesmos preceitos legais.
28. Daí que devem ser julgados inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 103°, n.º 2 e 165°, n.º 1 al. i) ambos da Constituição da República Portuguesa, as normas, constantes dos artigos 2°, 5°, 7° e 10° do Regulamento e artigos 2°, 30 e 4° da Tabela de Taxas anexa, aprovada pela Câmara Municipal de Torres Novas.
29. A questão da ilegalidade do acto tributário por aplicação de norma inconstitucional (inconstitucionalidade formal, orgânica ou material) foi suscitada em sede de oposição.
30. O seu conhecimento pode/deve ser oficioso pelo tribunal, porque este, nos feitos submetidos ao seu julgamento, não pode aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
31. A oficiosidade do conhecimento da inconstitucionalidade das normas resulta igualmente do n.º 3, do artigo 4° do E.T.A.F. ao dispor que “Os tribunais administrativos e fiscais devem recusar a aplicação de normas inconstitucionais ou que contrariem outros de hierarquia superior”.
32. A sentença ora recorrida deveria ter declarado a inconstitucionalidade formal das normas ínsitas no Regulamento em causa e Tabela de Taxas de Publicidade anexa, aprovada pela Câmara Municipal de Torres Novas, em 21/12/2001, e, em consequência, a extinção da execução fiscal.
33. Por todo o exposto, deve a decisão ora recorrida ser revogada, baixando os autos ao Tribunal “a quo”, para que aí se conheça, então deste fundamento da inconstitucionalidade, com as legais consequências.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida com as inerentes consequências. Assim se fará, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Por despacho da Relatora, a fls. 187, foi ordenada a notificação da Recorrente para vir eleger o acórdão fundamento entre aqueles que identificara no requerimento de interposição do recurso, sob pena de não se tomar conhecimento do objecto do recurso, com a seguinte motivação: «O presente recurso jurisdicional foi interposto ao abrigo do regime previsto no artigo 280.º, n.º 5 do CPPT, segundo o qual, «a existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.».
Este tipo de recurso pressupõe, forçosamente, que no domínio do mesmo quadro normativo e perante idêntica realidade factual tenham sido adoptadas soluções jurídicas opostas quanto à mesma questão fundamental de direito, o que tem de ser evidenciado com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma só decisão de tribunal de hierarquia superior.
Donde decorre, tal como a jurisprudência deste Tribunal tem explicado, que o recorrente deva eleger mais de três decisões no caso de a oposição ocorrer com decisão do mesmo ou de outro tribunal de igual grau, ou que eleja apenas uma decisão ou acórdão fundamento no caso de a oposição ocorrer com decisão de tribunal de hierarquia superior.».
Nessa sequência, a Recorrente veio eleger como acórdão fundamento a Decisão Sumária n.º 320/05 do Tribunal Constitucional (fls. 200).
O Exm.º Magistrado do Ministério Público teve vista nos autos e veio defender que a decisão do Tribunal Constitucional não pode ser relevantemente invocada como requisito para a apreciação do recurso com fundamento em oposição de julgados, já que «a oposição deve ser estabelecida com acórdãos do TCA ou do STA, mas nunca com acórdão do Tribunal Constitucional; acrescidamente, porque este tribunal integra uma categoria distinta da categoria a que pertencem os tribunais tributários e não se integra na hierarquia estabelecida para a jurisdição administrativa e fiscal, cujo órgão superior é o STA (art. 209° corpo e n°1 al. b) CRP; arts. 8° e 110 n°1 ETAF 2002; art. 280° n°5 último segmento CPPT)», o que o levou a emitir parecer no sentido de que o recurso fosse julgado findo.
Notificada que foi a Recorrente do teor do parecer emitido pelo Ministério Público, veio sustentar que podia invocar, como acórdão fundamento, um acórdão do Tribunal Constitucional, face ao lugar especial e autónomo que esse Tribunal ocupa no sistema judicial português; mas para a hipótese de assim não se entender, anunciou eleger como acórdão fundamento aquele que foi proferido pelo STA em 20/01/99 e que já identificara no requerimento de interposição do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência.
2. Na decisão recorrida foi julgada como provada a seguinte matéria de facto:
1. A Câmara Municipal de Torres Novas (CMTN) emitiu, em 18/06/2004, o alvará de utilização nº 121/2004, em nome da ora oponente, com cópia a fls. 42, cujo teor dou por reproduzido;
2. A CMTN emitiu, em 05/02/2007, o aviso de pagamento de «PUBLICIDADE EM ESTABELECIMENTOS - PUBLICIDADE DE QUALQUER TIPO DESDE QUE VISÍVEL DA VIA PÚBLICA POR M2 OU FRACÇÃO E POR ANO, no valor de 734,40 € e de Imposto de selo, no valor de 3,00 €, no total de 737,40 € (147.835$00), com a data limite de pagamento de 07/03/2007, cfr. doc. fls. 22, cujo teor dou por reproduzido;
3. Com data do dia 07/03/2007, a ora oponente dirigiu ao Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, sob o «Assunto: Envio de factura de publicidade em estabelecimentos M/clientes: A...…, Lda», a exposição de fls. 23, e A/R de fls. 24 e 25, suscitando questão constitucional e solicitando reunião, cujo teor dor por reproduzido;
4. Com data do dia 29/06/2007, a ora oponente dirigiu ao Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, sob o «Assunto: Envio de factura de publicidade em estabelecimentos M/clientes: A……, Lda», a exposição de fls. 27 a 37, “formalizando” a sua posição, cujo teor dou por reproduzido;
5. A CMTN produziu o documento de fls. 39, com o nº 117/07, e o «Assunto: A…… Lda. - Aplicação de taxa de Publicidade - Reclamação» que começa por dizer que «Reclama a empresa acima identificada da aplicação da taxa de publicidade a um anúncio que fixou nas suas instalações sitas em ……» e termina dizendo que «Neste contexto, é nosso entender, que não deve ser dado provimento à reclamação apresentada pela requerente, devendo, em consequência, a mesma, ser de novo notificada para proceder ao pagamento das taxas em falta, sob pena de procedimento coercivo», e cujo teor dou por reproduzido, na parte não transcrita;
6. A CMTN, pelo ofício nº 213 (?), de 26/07/2007, a fls. 38 e com a informação de fls. 39, comunicou à oponente, sob o «Assunto: “Taxas publicidade/A...... Lda», o seguinte: «Em resposta à carta de V. Exa. sobre o assunto em epígrafe informo que por despacho do Excelentíssimo Vice Presidente consubstanciado na informação dos serviços da qual se junta fotocópia, deverá o vosso cliente no prazo máximo de 8 dias proceder ao pagamento das taxas constantes do nosso aviso enviado a 05/02/2007»;
7. No dia 03/02/2007, a Secção de Taxas e Licenças da CMTN emitiu a certidão de dívida de fls. 2 e 41, que originou (cfr. carimbo a óleo) o processo de execução nº 455/10, no valor de 737,40 €, cujo teor dou por reproduzido, do qual se destaca: «Dado que não foi satisfeito o pagamento no prazo de cobrança, que terminou em 22-09-2007, e em cumprimento do disposto no artigo 88°, do Decreto-Lei 433/99, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, passo a presente, para que, em conformidade com o mesmo código, se proceda executivamente contra o referido devedor. São devidos juros de mora sobre a importância de 734,40 € a partir da data de 08-09-2007.».
8. A presente oposição deu entrada em 08/03/2010, cfr. carimbo aposto a fls. 4, na CMTN e a 17/03/2010, neste TAF, cfr. carimbo de fls. 1.
3. A questão colocada no presente recurso consiste em saber se a decisão recorrida incorreu em erro ao julgar que a matéria articulada na petição inicial e que constitui a causa de pedir da presente oposição - a inconstitucionalidade das normas regulamentares aprovadas pela Câmara Municipal de Torres Novas a coberto das quais foi liquidada a taxa de publicidade que constitui a dívida exequenda - não pode servir de fundamento de oposição à execução fiscal, por constituir matéria que contende com a discussão da (i)legalidade em concreto desse acto de liquidação.
Todavia, antes de entrar na apreciação do mérito do recurso, convém tomar posição sobre outra questão, prévia em relação à decisão de fundo, e que passa por saber se se encontram ou não reunidos os requisitos e pressupostos para o recurso jurisdicional previsto no nº 5 do artigo 280.º CPPT, sabido que no caso negativo não poderemos tomar conhecimento do seu objecto.
O presente recurso foi interposto ao abrigo do regime previsto no artigo 280.º, n.º 5 do CPPT, segundo o qual, «a existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.».
Trata-se de um recurso previsto para os casos em que a decisão recorrida perfilha solução oposta – quanto ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica – à adoptada em mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior. Nessa situação, ainda que o valor da causa não ultrapasse um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de primeira instância, o que impediria, em princípio, o recurso da decisão face ao disposto no n.º 4 do artigo 280.° do CPPT (Segundo o qual «não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de primeira instância».)
, ele torna-se admissível à luz do n.º 5 deste preceito legal.
Daí que, embora o valor da presente causa seja de € 737,40, isto é, não ultrapasse um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de primeira instância, tal recurso é, em princípio, admissível à luz do mencionado regime, pois que ele possibilita o recurso para a Secção de Contencioso Tributário do STA com vista à uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito, em conformidade, aliás, com o disposto no artigo 105.º da Lei Geral Tributária.
Todavia, como se deixou já explicado no despacho proferido pela Relatora, a fls. 187, este tipo de recurso pressupõe, forçosamente, que no domínio do mesmo quadro normativo e perante idêntica realidade factual tenham sido adoptadas soluções jurídicas opostas quanto à mesma questão fundamental de direito, o que tem de ser evidenciado com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma só decisão de tribunal de hierarquia superior.
As razões que justificam tal posição são de prevenção contra abusos na utilização dos recursos por oposição de julgados, pretendendo-se evitar que os recorrentes obriguem o Supremo Tribunal a ter de apreciar, caso a caso, a eventualidade de a decisão recorrida estar em contradição com uma grande quantidade de acórdãos, que podiam mesmo ser centenas ou milhares, se não existisse qualquer limitação quantitativa. Assim sendo, o recorrente deve eleger mais de três decisões no caso de a oposição ocorrer com decisão do mesmo ou de outro tribunal de igual grau, ou eleger apenas uma decisão ou acórdão no caso de a oposição ocorrer com decisão de tribunal de hierarquia superior.
No caso vertente, não vem invocada a existência sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ao do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (1ª instância), pelo que restava ao recorrente apontar, como fundamento do recurso, um só acórdão de tribunal de hierarquia superior que tenha decidido, em oposição, aquela única questão apreciada e decidida pela decisão recorrida.
Apesar de o Recorrente ter indicado, inicialmente, vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e uma decisão do Tribunal Constitucional, veio, posteriormente, eleger como acórdão fundamento uma decisão deste último Tribunal. Todavia, face à posição assumida pelo Ministério Público, procedeu à sua substituição pelo acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no Processo n.º 21005 e que já identificara no requerimento de interposição do recurso.
Na verdade, e como bem diz o Exm.º Magistrado do Ministério Público, a oposição deve ser estabelecida com decisão de tribunal de hierarquia superior, isto é, com acórdãos do TCA ou do STA, mas nunca com acórdão do Tribunal Constitucional, dado que este tribunal integra uma categoria distinta da categoria a que pertencem os tribunais tributários, não se integrando na hierarquia estabelecida para a jurisdição administrativa e fiscal.
Tal solução decorre da autonomia da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, constitucionalmente garantida no artigo 212.º da CRP, segundo o qual o Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, em conformidade com o disposto no artigo 209.°, n° 1, alínea b), da Constituição e com as normas contidas no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e da inexistência de quaisquer relações de hierarquia entre esses tribunais e o Tribunal Constitucional, ao qual compete apenas, e especificamente, administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (artigo 221.º da CRP).
Vale isto por dizer que a apontada decisão do Tribunal Constitucional não podia, efectivamente, ser invocada como “acórdão fundamento”, face à impossibilidade legal de assegurar, pela via processual da uniformização de julgados, a igualdade na aplicação do direito entre uma decisão proferida por um tribunal tributário e uma decisão proferida por aquele Tribunal.
Tendo, todavia, em conta que a Recorrente acabou por apontar como acórdão fundamento, em substituição daquele, o acórdão que o STA proferiu no Processo n.º 21005, e tendo em atenção os princípios “pro actione”, do máximo aproveitamento dos actos processuais, da tutela judicial efectiva e da obtenção da justiça material, que encontram acolhimento no nosso processo civil, designadamente no artigo 265.º do Código de Processo Civil, iremos ter em conta essa subsituação e considerar este acórdão como fundamento do presente recurso.
Aqui chegados, cumpre apreciar se, à luz da decisão recorrida e do acórdão fundamento, ocorrem os restantes pressupostos deste recurso, isto é, se as decisões em confronto perfilharam «solução oposta» estando em causa o «mesmo fundamento de direito» e «ausência substancial de regulamentação jurídica». O que pressupõe, naturalmente, uma identidade dos factos subjacentes (que terão de ser essencialmente os mesmos do ponto de vista do seu significado jurídico) e uma identidade do regime jurídico aplicado (ainda que em invólucros legislativos diferentes), pois que sem essa identidade não será possível vislumbrar a emissão de proposições jurídicas opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, nem se poderá atingir o fim visado com este tipo de recurso, que é o de assegurar o valor da igualdade na aplicação do direito.
Na decisão recorrida considerou-se, como vimos, que a alegada inconstitucionalidade das normas regulamentares a coberto das quais foi liquidada a taxa municipal de publicidade que constitui a dívida exequenda não podia constituir fundamento de oposição, por não contender com a ilegalidade abstracta do acto de liquidação mas com a sua ilegalidade em concreto, pelo que não constituiria fundamento de oposição subsumível à alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Por seu turno, no acórdão fundamento julgou-se que a inconstitucionalidade das normas regulamentares que criam e suportam a liquidação de taxas municipais integra o que se vem denominando de “ilegalidade abstracta da liquidação”, podendo servir de fundamento de oposição à execução à luz do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 286.º do Código de Processo Tributário.
O que, desde logo, evidencia que, quer no plano dos factos, quer no plano da normatividade jurídica, são coincidentes as situações retratadas nas duas decisões, pois embora proferidas no âmbito de invólucros legislativos distintos (uma no âmbito da vigência do CPPT e outra no âmbito da vigência do CPT), convocaram, interpretaram e aplicaram a mesma previsão jurídica, vigente nesses dois Códigos, emitindo proposições jurídicas opostas sobre a mesma questão fundamental de direito.
E, assim sendo, há, efectivamente, oposição de julgados justificativa da admissibilidade do presente recurso, pelo que haverá que conhecer do seu mérito.
Passando, então, ao conhecimento do objecto do recurso, logo diremos que a Recorrente tem razão, pois que a apontada inconstitucionalidade das normas regulamentares que instituíram a taxa que constitui a dívida exequenda constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
Com efeito, esse preceito prevê o que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta da liquidação, que se distingue da ilegalidade em concreto por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto de liquidação.
Como explica o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado”, 5ª edição, II volume, pág. 323, «na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. (...)
«O CPT e o CPPT, embora tenham entreaberto excepcionalmente as portas da oposição à execução fiscal à discussão da legalidade em concreto nos casos em a lei não prevê meio de impugnação contenciosa dos actos de liquidação da dívida exequenda [arts. 286.°, n.° 1, alínea g), e 204.°, n.º 1, alínea h, respectivamente], continuaram a estabelecer a regra da possibilidade da apreciação da ilegalidade em abstracto no âmbito da oposição à execução fiscal, independentemente de ter havido ou não a possibilidade de impugnar contenciosamente o acto de liquidação [alíneas a) dos n.ºs 1 daqueles arts. 286.° e 204.°].
Uma razão para a manutenção desta distinção entre apreciação da ilegalidade em abstracto e em concreto (...), é a de que “a ausência em absoluto do pressuposto normativo da tributação implica uma violação directa do princípio constitucional da legalidade dos impostos - uma violação da Constituição que no fundo se traduz, bem pode dizer-se, numa verdadeira usurpação de poderes (...)”.
Estando este regime legal especialmente previsto para os casos em que o acto de liquidação não tem por suporte em qualquer lei em vigor, ele será aplicável, por paridade ou maioria de razão, aos casos em aquele acto assenta em norma qualificável como inexistente ou existente mas inválida. (...)
Cabem neste conceito de ilegalidade abstracta todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares.».
Em suma, a ilegalidade invocada na presente oposição é “abstracta”, por não se consubstanciar num vício próprio do acto de liquidação da taxa, incorrido por ocasião da sua prática, mas da própria norma regulamentar que criou esse tributo, por inconstitucional e, por isso, incapaz de servir de alicerce ao acto de liquidação. Ilegalidade que logra enquadramento na alínea a) do nº 1 do artigo 204.º do CPPT, podendo, por isso, servir de fundamento a esta oposição à execução fiscal.
Procedem, pelo exposto, as conclusões das alegações da Recorrente.
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, baixando os autos ao Tribunal “a quo” para que aí se conheça deste fundamento da oposição à execução fiscal, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 23 de Novembro de 2011. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Valente Torrão – Casimiro Gonçalves.