Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01018/15
Data do Acordão:11/12/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:CONCURSO
ADJUDICAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS
IMPUGNAÇÃO
ACTO DE ADJUDICAÇÃO
CONTRA-INTERESSADO
Sumário:I - Na categoria de contra interessado decorrente do disposto do art.º 57.º do CPTA cabem duas espécies de pessoas; em primeiro lugar, aquelas que são directamente prejudicados pela anulação ou declaração de nulidade do acto impugnado e, depois, aquelas cujo prejuízo não resulta directamente dessa anulação ou declaração de nulidade mas que, ainda assim, têm interesse legítimo na manutenção do acto visto que, se assim não for, verão a sua esfera jurídica ser negativamente afectada.
II - O que evidencia que o conceito de contra interessado está indissociavelmente associado ao prejuízo que poderá advir da procedência da acção impugnatória para todos aqueles que, de algum modo, estiveram envolvidos na relação material controvertida.
III - Deste modo, e sendo que a anulação o acto de adjudicação só acarretará prejuízo para a entidade que o praticou e para o adjudicatário, todos os outros oponentes ao concurso – do segundo ao último classificado – irão beneficiar do acto anulatório na medida em que, por força dessa anulação, será refeito o processo administrativo e praticado um novo acto classificatório que, colocando um deles na primeira posição, o fará beneficiário do contrato.
IV - Daí que só o adjudicatário seja contra interessado uma vez que só ele tem um interesse convergente com o interesse da entidade demandada.
Nº Convencional:JSTA00069421
Nº do Documento:SA12015111201018
Data de Entrada:10/13/2015
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE MOGADOURO E C..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CPTA02 ART10 ART25 ART57 ART154 ART155.
CPC13 ART33 N2 ART187 A ART188 N1 A ART191 N1.
Referência a Doutrina:AROSO DE ALMEIDA E FERNANDES CADILHA - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 2005 PÁG415.
FERNANDES CADILHA - DICIONÁRIO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO PÁG202-204.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA - CPTA ANOTAÇÃO AO ART57.
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA - CJA N13 PÁG33.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A……………, L.da, intentou, no TAF de Mirandela, contra o Município do Mogadouro, acção administrativa especial de contencioso pré-contratual pedindo a anulação da decisão do Réu, de 25/03/14, que adjudicou a empreitada de obra pública denominada “Loteamento Industrial de Mogadouro – III Fase” à sociedade B…………., Lda.
Por sentença de 31/10/2014, a acção foi julgada procedente e anulados não só o acto de adjudicação como o contrato celebrado na sequência do mesmo.

C………., L.da, - uma das oponentes ao referido concurso - invocando o disposto no art.ºs 154.º e 155.º do CPTA, interpôs recurso de revisão dessa sentença alegando não ter sido citada para intervir como Contra Interessada.
Recurso a que o TAF não concedeu provimento.
A referida sociedade recorreu dessa decisão para o TCA Norte e este, por Acórdão de 5/06/2015, concedeu provimento ao recurso e declarou o processado nulo a partir da petição inicial.
É deste Acórdão que vem o presente recurso, interposto pela Autora – A…………… L.da - a coberto do disposto no art.º 150.º do CPTA.
Nele foram formuladas as seguintes conclusões:
1. O Acórdão recorrido deve ser revogado.
2. À luz do disposto no n.º 1 do art.º 150° do CPTA, afigura-se-nos, sem margem de subjectividade, que a questão controvertida nos presentes autos se reveste de uma importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social.
3. Devendo, desde logo, por esse facto, admitir-se o presente recurso de revista.
4. A questão central sub judice versa sobre a definição de contra - interessados na acção administrativa especial de impugnação de actos administrativos.
5. Sendo que, e como terá oportunidade de vislumbrar-se infra, estamos perante o facto evidente de que existe uma errada interpretação do art.° 57° do CPTA no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), o recurso de revista revela-se, “in casu”, absolutamente fundamental para uma melhor aplicação do direito.
6. A decisão recorrida determina a revogação da decisão proferida em 1.ª Instância pelo TAF de Mirandela, deferindo o pedido de revisão formulado a fls., declarando a nulidade do processado a partir da petição inicial.
7. Esta decisão vem na sequência da interposição do recurso jurisdicional do acórdão proferido em 16.02.2015 pelo TAF de Mirandela, o qual indeferiu a reclamação para a conferência interposta pela recorrente do despacho de fls. de 20.01.2015, o qual havia indeferido o recurso de revisão interposto da sentença de 31.10.2014
8. Estamos perante decisões totalmente opostas, que põem em causa a apreciação de uma questão de grande relevância jurídica e ainda de maior relevância social que não pode deixar de ser apreciada por este Supremo Tribunal, pois só assim se aplicará o direito e se fará a devida justiça!
9. De acordo com o art.° 57° do CPTA são contra-interessados aqueles “…a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado...”.
10. Efectivamente, o que está aqui em causa é a definição de contra-interessados na causa.
11. Há um lapso na definição de contra-interessados, tanto na 1.ª como na 2.ª instância.
12. Estamos claramente perante uma situação jurídica relevante, pelo que, apenas com a intervenção do STA serão definidas as coordenadas para decisões futuras.
13. O TCA Norte tem razão ao afirmar que o TAF de Mirandela errou na definição de contra-interessados.
14. Mas também este tribunal superior erra na sua definição de contra interessados.
15. O TAF de Mirandela errou na definição de contra-interessados por excesso de zelo, pois deveria apenas ter citado o verdadeiro contra-interessado, que era aquele que estava classificado em primeiro lugar.
16. Escreve o Prof. VIEIRA DE ANDRADE, in “Justiça Administrativa”, 2012, 12.ª Edição, pág. 253, que “Ao lado das partes principais - ao lado do autor (ad adjuvandum), bem como ao lado do réu (ad opponendum) - podem surgir, como partes acessórias, os assistentes, ou seja, as pessoas interessadas em que o litígio seja resolvido a favor de uma das partes, havendo ainda a considerar no processo administrativo a posição especial do Ministério Público. Em primeiro lugar, são de destacar os contra-interessados, designação que cabe aos que tenham interesse directo e pessoal em que não se dê provimento à acção (não é necessária a titularidade de uma posição jurídica própria), em regra, os particulares nos processos dirigidos contra a Administração (...)“
17. O Ilustre Professor de Coimbra estabelece ainda uma pertinente distinção: entre contra-interessados e co-interessados.
18. Segundo o Autor, estes últimos são “(...) os terceiros que tenham interesse em que não se dê provimento ao pedido do autor (...)“, ob. cit., pág. 254.
19. Pegando na definição de contra-interessados acima transcrita, concluímos que apenas um dos concorrentes estaria na posição de contra-interessado, pois só a ele o provimento da acção poderia prejudicar (porque seria tolhida, como foi efectivamente, a adjudicação da obra).
20. Com efeito, só ele tinha interesse na manutenção do acto impugnado, pois só assim realizaria a obra.
21. Apenas este concorrente tem um interesse idêntico ao do réu. Todos os outros concorrentes têm um interesse idêntico ao da Autora, ou seja, a anulação do concurso, pelo que não são contra-interessados.
22. Mas sim co-interessados.
23. Não há assim preterição de qualquer formalismo legal.
24. A definição de contra-interessados é relevante para a identificação dos sujeitos processuais.
25. O contra-interessado é um litisconsorte necessário passivo. Há uma identidade de interesses entre o Réu e o contra-interessado. O contra-interessado não deduz nenhum pedido, defende a posição do réu, pois os seus interesses são iguais.
26. Portanto, numa situação de concurso público para adjudicação de uma empreitada de obras públicas, apenas o adjudicatário tem um interesse coincidente com o da entidade administrativa adjudicante.
27. Apenas este é, no rigor dos rigores, à luz do disposto no artigo 57º do CPTA, contra-interessado.
28. Assim, a recorrente C……………… não é contra-interessada no processo.
29. A recorrida não tem legitimidade para intervir no processo nessa qualidade, podendo fazê-lo, todavia, como interveniente processual recorrendo à figura do assistente.
30. O sumário do Acórdão recorrido diz o seguinte: “3. No procedimento pré-contratual em que apenas o candidato que apresentou a proposta graduada em primeiro lugar poderá tornar-se titular da relação jurídica contratual, os que ficaram com as respectivas propostas graduadas após a do impugnante - que não está em posição que lhe permita vir a celebrar o contrato e daí a legitimidade activa - não ficam pior se o acto for anulado pois em qualquer caso, sendo o acto anulado ou não, nunca veriam a sua proposta ocupar aquela posição. 4. Os candidatos que apresentaram propostas classificadas abaixo da proposta do impugnante não têm um interesse contraposto ao do impugnante nem têm interesse na manutenção do acto impugnado, pelo que não são contra-interessados para efeitos do disposto no artigo 57° do CPTA.
31. Repare-se que o próprio acórdão segue o entendimento por nós defendido.
32. Efectivamente os concorrentes classificados abaixo do impugnante não ficam prejudicados pela anulação do acto impugnado, nem têm interesse na manutenção do acto impugnado.
33. Mas na mesma situação estão os concorrentes classificados acima do impugnante, excepto o candidato cuja proposta foi graduada em primeiro lugar.
34. É aqui que o Tribunal erra no seu julgamento.
35. A verdade é que tanto o 2° como o 23° classificados não ficam prejudicados pela anulação do acto impugnado, nem têm interesse na manutenção do acto impugnado.
36. No douto Acórdão também se diz que sendo o acto anulado na totalidade, abre-se nova possibilidade de os classificados nos lugares cimeiros verem a sua proposta ocupar o primeiro lugar.
37. Assim, na verdade estes candidatos são co-interessados!
38. Defende ainda o douto Acórdão que o que está em causa no presente concurso é a ocupação do lugar primeiro.
39. Também aqui o Tribunal erra.
40. O que se discute no processo não é a classificação das propostas, mas sim a legalidade do concurso, uma vez que o mesmo previa critérios ilegais.
41. Ora, sendo anulado este concurso, nenhum dos concorrentes ocuparia o primeiro lugar.
42. A argumentação defendida pelo TCA Norte no seu acórdão não é uma argumentação sólida.
43. Este Tribunal cita um acórdão do TCA Norte, de 15.12.2005, no processo 01332/04.4BEPRT para defender que apenas os concorrentes classificados acima do impugnante são considerados contra-interessados. O que está em causa neste acórdão é um concurso de ingresso para a admissão de um estágio da carreira técnica superior com vista ao provimento como técnico superior de 2ª classe.
44. Este acórdão vem na sequência de um recurso de um despacho de absolvição da instância por ilegitimidade passiva.
45. Como sustenta este acórdão: “. . . Ora, os classificados depois da recorrente, que o foi em 3° lugar para uma vaga de um lugar, e que não recorreram desse acto, aceitando portanto a classificação directamente apenas podem beneficiar do provimento do recurso, sendo que qualquer interesse indirecto, como o é o alegado pela entidade recorrida, não só não é aqui juridicamente tutelável, como, caso ocorra, pode sempre ser sindicado.”- sublinhado nosso.
46. O próprio acórdão admite que os classificados depois da recorrente, se não recorreram do acto administrativo foi porque aceitaram a sua classificação.
47. Ou seja, todos os concorrentes que não ficaram classificados em 1º lugar poderiam ter recorrido do acto de adjudicação. Não o fazendo, estão a aceitar a sua “derrota”.
48. Daqui também retiramos que todos os concorrentes classificados além do 1° lugar, têm o mesmo interesse da recorrida, pelo que não são contra-interessados.
49. Este mesmo acórdão refere “… de qualquer forma, e mesmo que entendesse que a legitimidade passiva era de todos os candidatos, nunca deveria a M.mª Juiz a quo absolver a aqui recorrente da instância sem expressamente a convidar a indicar o nome de todos os concorrentes... “, ou seja, admite que o tribunal poderia entender que todos os concorrentes tinham legitimidade passiva. Foi o que sucedeu no caso em apreço, o TAF de Mirandela entendeu que todos os concorrentes eram contra-interessados, tendo-os citado na forma prevista pela lei.
50. Analisado o acórdão que sustenta a fundamentação da decisão do TCAN, concluímos que a mesma radica numa argumentação muito frágil.
51. Cada caso é um caso, e a classificação de candidatos no âmbito da contratação de pessoal no sector público é totalmente distinto da contratação para a realização de empreitadas de obras públicas.
52. Num contrato de adjudicação de empreitada de obras públicas apenas o concorrente classificado em primeiro lugar tem hipótese de celebrar este contrato.
53. Todos os outros concorrentes são apenas isso, alguém que concorreu a um concurso público e não ocupou o primeiro lugar.
54. Nenhum deles tem qualquer hipótese de realizar a obra.
55. Estando, portanto, todos no mesmo patamar.
56. O interesse do contra-interessado é um interesse idêntico ao do réu, logo, apenas o vencedor pode ser contra-interessado.
57. Neste sentido vide o Acórdão do TCA Sul, de 23-05-2013, no processo 9901/13 que ora transcrevemos:
I - Os contra-interessados são, com base na relação material trazida a juízo ou com base no p.a., os titulares de um direito ou interesse legítimo contraposto ao interesse prosseguido pelo autor, isto em termos directos e imediatos a partir da eventual decisão final.
II - Os contra-interessados estão em situação de litisconsórcio necessário (passivo) com os réus ou requeridos.”
58. Ainda seguindo a mesma orientação veja-se o Acórdão do TCA Norte, de 25-01-2013, no processo 02424/07.3BEPRT-A:
“I - A figura jurídica do contra-interessado justifica-se pelas implicações lesivas que pode ter a invalidação ou a anulação de um acto administrativo em terceiros, e pela certeza e segurança visadas pela ordem jurídica;
II - Tal figura jurídica está pensada para actuar do lado da entidade autora do acto, do lado do demandado e não do lado do autor, do lado do impugnante;
III - Não fará sentido, portanto, mesmo invocando o princípio da tutela jurisdicional efectiva, defender a figura do contra-interessado plenipotenciário, que tanto pode esgrimir do lado do réu como do lado do autor, pois não é essa figura jurídica que consagra a lei;
IV. - Se o interessado pretende defender a posição do autor, por ser também esse o seu interesse, então devê-lo-á fazer não enquanto contra-interessado, mas intervindo ao lado do autor da acção, e requerendo ao tribunal, para tanto, a sua intervenção principal;” - sublinhado nosso.
59. Assim, com todo o devido respeito, deve considerar-se a matéria controvertida nos presentes autos como matéria de especial relevância jurídica e social.
60. Acresce que, entendemos que a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
61. Eis o motivo porque entendemos que não faz sentido a decisão recorrida e carece de uma reapreciação superior.
62. Para finalizar, importa referir que a recorrente ficou classificada em 4° lugar. A recorrente apenas sustenta o seu recurso na falta de citação, nada dizendo quanto a uma eventual impossibilidade de exercer o seu direito.
63. Questionámo-nos o que iria dizer a recorrente caso se tivesse constituído como contra-interessada no processo. Diria que o acto era legal? Sendo legal estaria então conformada com sua classificação em 4° lugar. Qual é o interesse em estar em 4º lugar? Não vai fazer a obra, pelo que não tem interesse nenhum na manutenção do acto impugnado.
64. Todos os concorrentes, à excepção do adjudicatário, ganham com a procedência da acção movida pela recorrida, pois todos têm interesse na anulação do acto impugnado.
65. Em rigor, como bem consignou o TAF de Mirandela a recorrente nada aduz quanto a uma eventual impossibilidade de exercer o seu direito, apenas sustentando que não foi citada.
66. A recorrente nada diz quanto ao exercício do seu direito em contradizer, por não ter qualquer interesse em agir.
67. Aspecto que o TAF de Mirandela - ao contrário do que ora sucedeu com o TCAN - pôs muito claramente em evidência.
68. Dai extraindo todas as consequências juridicamente relevantes.
69. O TCAN não analisa a questão concreta subjacente aos autos.
70. Nesse sentido, nunca a decisão “sub judice” poderia ter sido proferida
71. O Tribunal “a quo” fez uma avaliação errónea da definição de contra-interessados.
72. Devendo a mesma, desde logo por isso, ser totalmente revogada, com todas as legais consequências.
73. Entende a decisão recorrida que a citação feita através de publicação na plataforma electrónica “Vortalgov” não corresponde a um dos meios de publicidade previstos na lei para a hipótese de haver mais de 20 contra-interessados no processo de contencioso pré-contratual.
74. Dispõe o art.° 82°, nº1 do CPTA que “quando os contra-interessados sejam em número superior a 20, o tribunal pode promover a respectiva citação mediante a publicação de anúncio...
75. Nos termos do n.º 2 deste normativo legal “quando esteja em causa a impugnação de um acto que tenha sido publicado, a publicação do anúncio mencionado no número anterior faz-se pelo meio e no local utilizados para dar publicidade ao acto impugnado.”
76. Ora, a decisão de adjudicação – que é o acto impugnado - foi publicada na plataforma electrónica “Vortalgov”, portanto entendemos que este é o local e o meio adequado para publicação deste anúncio.
77. E mais, a plataforma electrónica “Vortalgov” não é apenas destinada à fase administrativa do concurso. Todas as publicações que existam relativas a um concurso a que a entidade tenha concorrido são notificadas a esta entidade por e mail, mesmo após a fase de adjudicação!
78. Questionamo-nos se, numa altura em que os “boletins da autarquia, éditos e jornais de circulação nacionais” foram claramente ultrapassados pela informação electrónica, não será este o meio mais seguro para dar conhecimento aos possíveis contra-interessados numa acção em que estes sejam em número superior a 20?
79. Assim, apesar de entendermos que o TAF de Mirandela errou ao citar todos os concorrentes, devendo apenas citar a empresa adjudicatária da obra, o seu entendimento foi mais correcto e mais cauteloso do que o do TCAN, tendo citado os concorrentes do modo exigido pela lei.
80. Por tudo o acima exposto, a decisão recorrida tem de ser revogada.

C……………, L.da contra alegou para concluir como se segue:
A. O presente Recurso de Revista vem Interposto pela A……………, Lda. do Acórdão proferido em 05.06.2015, pelo TCA Norte, nos termos do qual foi (i) revogada a Sentença proferida pelo TAF de Mirandela, (ii) deferido o Recurso de Revisão, e, bem assim, (iii) determinada a nulidade de todo o processado a partir da Petição Inicial.
B. Face aos termos que a Recorrente empresta ao seu Recurso de Revista, levanta-se uma Questão Prévia/Excepção relativa pressupostos de admissibilidade do Recurso de Revista que, por proceder, determina que o Recurso sub judíce seja liminarmente rejeitado em sede de Apreciação Preliminar Sumária, a efectuar ao abrigo do disposto no artigo 150, n.º 5, do CPTA.
C. Em matéria de Questão Prévia/Excepção, começou por se demonstrar, em primeiro lugar, que a Recorrente não demonstra - e não se pode dizer, com propriedade, que alegue de forma processualmente admissível - que se encontram verificados os pressupostos de que o artigo 150.º, nº 1, do CPTA, faz depender a admissão do excepcional Recurso de Revista, o que constitui fundamento para imediato indeferimento liminar do Recurso de Revista, em sede de apreciação preliminar sumária.
D. Em segundo lugar, porquanto ainda que essa alegação seja feita - o que não se concede -, a verdade é que, in casu, a Recorrente não demonstra em que medida as questões submetidas ao crivo deste Supremo Tribunal Administrativo sejam dotadas de relevância jurídica de importância fundamental, nem em que medida as questões submetidas a apreciação sejam dotadas de relevância social fundamental.
E. Ainda em matéria de Questão Prévia/Excepção, demonstrou-se também que a revisão do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não é necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que os critérios que a Jurisprudência tem erigido para construir e edificar esse conceito indeterminado de “melhor aplicação do direito” não se verificam no caso vertente,
F. Em suma, e como se demonstrou, a Recorrente interpôs o presente Recurso de Revista na convicção de que era mais um normal grau de jurisdição, pois não demonstra a verificação/preenchimento dos pressupostos muito específicos e restritos de admissibilidade do Recurso de Revista, Ignorando, por completo, que se trata de um recurso excepcional, só admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, tal como se prescreve no artigo 150º, nº 1, do CPTA.
G. Caso assim não se entenda, e se considere que a Recorrente tentou invocar e demonstrar estar em causa “a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” - o que não se vê como possa suceder, mas se admite por cautela processual e de patrocínio -, a verdade é que esse desiderato não foi alcançado, porquanto, in casu, não se vê como as questões em escrutínio sejam dotadas de relevância jurídica e/ou social de importância fundamental.
H. A questão em apreço não é dotada de especial ou elevada complexidade, não exigindo difíceis operações exegéticas, nem o enquadramento normativo é intrincado, complexo ou confuso, da mesma forma que não há necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e/ou institutos jurídicos, assim como a análise da questão não suscita dúvidas ao nível da Jurisprudência e/ou da Doutrina, com o que não se tem por verificado o pressuposto da “relevância jurídica de importância fundamental’.
I. Quanto à “relevância social fundamental”, também não estamos perante um caso que apresente contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, não havendo qualquer interesse comunitário significativo na resolução da questão.
J. O que se expôs supra quanto à inabilidade/ineptidão das Alegações de Recurso de Revista para demonstrar que as questões em escrutínio são dotadas de relevância jurídica e/ou social de importância fundamental, vale, também, para a total ausência de demonstração de que o Recurso de Revisão do Acórdão proferido pelo TCA seja claramente necessário “para uma melhor aplicação do direito”.
K. De facto, não existe - nem vem invocado - qualquer erro clamoroso/grosseiro do Acórdão proferido pelo TCA Norte, que imponha (ou, pelo menos, permita) a admissibilidade do presente Recurso de Revista e, também por esse motivo, o Recurso de Revista interposto pela Recorrente não passa no crivo da Apreciação Preliminar Sumária prevista no artigo 150º nº 5, do CPTA, devendo ser liminarmente rejeitado.
L. Quanto à improcedência do Recurso de Revista interposto pela A…………, Lda., em função do seu mérito, demonstrou-se, autonomamente, a total falência das alegações da Recorrente.
M. Quanto à alegação da errada interpretação do conceito de contra-interessado, demonstrou-se que nenhuma censura se pode assacar ao Acórdão proferido pelo TCA Norte, Já que o entendimento aí adoptado quanto ao número de Contra-Interessados - 5 (cinco) - na presente Acção, retirado a partir do número de Concorrentes que obtiveram melhor classificação ordenadora do que a Recorrente, está de acordo com a Jurisprudência que se tem vindo a pronunciar nesta matéria, resultando, ainda, de uma interpretação correcta da letra da lei - artigo 57º do CPTA.
N. Como demonstrado supra o TCA Norte interpretou e aplicou o artigo 57.º, do CPTA, no exacto sentido do conceito legal, que é o de satisfazer os objectivos da tutela jurisdicional efectiva e do contraditório, que são os fundamentos da construção da figura do Contra-Interessado e que esta visa realizar.
O. Importa recordar que foi a própria Recorrente que Indicou aos autos que os Contra- Interessados eram todos os Concorrentes ao Concurso Público - o que já vimos não ser conforme à lei -, pelo que n pode agora, vir defender que existe um lapso quando a indicação dos Contra-Interessados partiu de si.
P. Importa sublinhar que a Recorrente nunca se insurgiu contra a identificação de Contra-Interessados feita pela 1ª instância, e sempre anuiu com a mesma, pois que processualmente sempre lhe foi vantajosa, até ao Acórdão proferido pelo TCA Norte.
Q. Assim, a Recorrente inverte totalmente o seu entendimento, adoptando agora uma posição processual diametralmente oposta, em atitude de litigância de má-fé, defendendo agora que, contrariamente ao que sempre defendeu, existe, apenas, 1 (um) Contra-Interessado.
R. De facto, se na presente Acção o que esta se apresentasse a querer discutir, apenas, fosse a legalidade do Concurso, e não a classificação das Propostas, então isso significaria que a aqui Recorrente, Autora em 1.ª instância, não deteria qualquer interesse em agir, e, por isso, careceria de legitimidade activa, na medida em que nenhuma vantagem retiraria da anulação do Acto Administrativo impugnado.
S. Na sua Petição inicial, a ora Recorrente apenas se pronuncia sobre aquelas Propostas que obtiveram classificação superior à sua, ou seja, a Recorrente reconheceu, em sede de Petição Inicial, que as Propostas dos Concorrentes classificados entre o 2.º e o 5 lugar - a Recorrente era a 6.ª- eram aquelas que cumpria afastar, para que a sua pretensão adjudicatória fosse procedente. E ta não constitui, mais, do que o reconhecimento de duas circunstâncias basilares à presente Acção, e, para o que interessa, ao presente Recurso de Revista.
T. Não obstante o exposto quanto à posição processual desde sempre assumida pela Recorrente, em sentido diametralmente oposto aquela à que agora se arroga, demonstrou-se que, juridicamente, a mesma não encontra qualquer apoio, consistindo, apenas, numa construção feita em desespero.
U. Como vem sendo decidido de há muito tempo a esta parte, e de forma reiterada, pelos Tribunais Superiores desta Jurisdição, nas Acções de Contencioso Pré- Contratual, devem ser indicados como Contra-interessados todos - mas apenas - os Candidatos/Concorrentes que estejam classificados em posição anterior à do Autor/Impugnante, os quais, por poderem ver a sua posição alterada com a procedência da Acção, se devem considerar directamente prejudicados por aquela procedência; noutra perspectiva, não são Contra-Interessados os Candidatos/Concorrentes que ficaram classificados em lugar abaixo do Autor/Impugnante, pois que o provimento eventual da Acção não os prejudica.
V. Não há, por isso, e na presente acção, Contra-Interessados superiores a 20 (vinte), número que, em teoria, legitimaria o recurso à citação por ‘Publicação de Anúncio” prevista no artigo 82.º do CPTA, e, por isso, falha um dos pressupostos de que o CPTA faz depender a admissibilidade do recurso à citação por “Publicação de Anúncio”, pois que existem, apenas 5 (cinco) Contra-Interessados, onde se inclui a ora Recorrente.
W. Como aludido supra, entende agora a Recorrente que só o Concorrente Adjudicatário é Contra-Interessado, construindo toda a sua - nova - tese sem qualquer conexão com a Petição Inicial subjacente aos presentes autos.
X. Defende a Recorrente que a sua Proposta foi também mal avaliada, mas, na seu caso, esse erro na avaliação, a ser corrigido, determinaria uma melhor classificação e ordenação da sua Proposta, o que, com o afastamento das demais, lhe permitiria alcançar o tão almejado lugar adjudicatório. Bem se vê que, nesse caso, os Concorrentes melhor classificados face à Recorrente têm um interesse em contradizer a Acção, na medida em que, chamados a juízo, lhes cumpre demonstrar que as suas Propostas foram bem avaliadas, ou, até, que, podendo haver uma Proposta mal avaliada, a sua surge em ordenação imediatamente seguinte, e, por isso, daí lhe advém o direito à adjudicação,
Y. Na verdade, não existe, já, hoje em dia, uma concepção objectivista de Contra-Interessado, pois que, ao dia de hoje, os Contra-Interessados são vistos como todos os sujeitos da relação jurídica material multilateral, que têm direito à tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos subjectivos e, nessa medida, a participar, como partes principais, no contraditório processual, pelo que, também por esta via, falece a tese da Recorrente.
Z. A Recorrente Insurge-se ainda quanto ao entendimento veiculado pelo TCA Norte segundo o qual foi indevido o recurso à Plataforma Vortalgov como meio de citação dos Contra-interessados ao abrigo do disposto no artigo 82.º, nº 2, do CPTA.
AA. Ora demonstrou-se que a questão em apreço fica necessariamente prejudicada pela improcedência do entendimento quanto à extensão do número de Contra Interessados, na medida em que, sendo estes inferiores a 20 (vinte), nunca seria admitida a citação via publicação de anúncio nos termos do disposto no artigo 82.º, n.º 1, do CPTA.
BB. Em qualquer caso, demonstrou-se que a teoria da Recorrente não tem mínimo cabimento, pois que (i) a espécie de acção em apreço não comporta a citação através da “Publicação de Anúncio”, (ii) que a citação mediante “Publicação de Anúncio” fosse admitida, a verdade é que, então, e nessa circunstância, não se verificam os pressupostos de que o artigo 82.º, n.º 1, do CPTA, faz depender a possibilidade de recurso a essa forma/meio de citação, (iii) a forma de citação prevista no artigo 82º, n.º 1, do CPTA (“Publicação de Anúncio”) não tem o sentido e alcance que lhe foi dado pelo douto Tribunal a quo, ou seja, não pode a ser cumprida por via de colocação da petição inicial e citação de interessados em plataforma electrónica de contratação.
CC. A Recorrente insurge-se contra este entendimento, mas nunca refere, alega, ou sequer demonstra a verificação/preenchimento dos critérios de que depende a Admissão Preliminar Sumária do, excepcional, Recurso de Revista.
DD. Ainda assim, demonstrou-se supra que o acto de citação foi “completamente omitido”, pois que a publicação de anúncio na Plataforma Vortalgov não constitui meio de citação válido, omissão, essa, cominada com a nulidade e subsequente anulação de todo o processado, nos termos da aplicação conjugada do disposto nos artigos 187.º, alínea a), 188.º, n.º 1, alínea a), e 191.º, nº 1, todos do CPC, aplicáveis, ex vi, do artigo 25º, do CPTA, razão pela qual o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte não merece qualquer censura.

O Município do Mogadouro também contra alegou formulando as seguintes conclusões:
1) O Recurso de Revista em apreço surge interposto pelo A…………., Lda. do Acórdão proferido em 5 de Junho de 2015 pelo TCA Norte, nos termos do qual foi revogada a Sentença proferida pelo TAF de Mirandela, deferido o Recurso de Revisão e determinada a nulidade de todo o processado a partir da Petição Inicial.
2) Ficou demonstrado, nas presentes Contra-Alegações de Recurso de Revista, que a Recorrente não demonstrou que se encontram verificados os pressupostos de que o CPTA - artigo 150.°, n.° 1 -faz depender a admissão do excepcional Recurso de Revista, e, por isso, impõe-se o seu imediato indeferimento liminar em sede de apreciação preliminar sumária.
3) Ficou igualmente demonstrado que as questões submetidas a apreciação deste Supremo Tribunal Administrativo não são dotadas de relevância jurídica de importância fundamental, nem de relevância social fundamental.
4) Igualmente se demonstrou que a revisão do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte não é necessária para uma melhor aplicação do direito.
5) Ficou patentemente demonstrado que as questões em apreço não são dotadas de especial ou elevada complexidade, pois que não exigem difíceis operações exegéticas.
6) Também se demonstrou que não estamos perante um caso que apresente contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, não havendo qualquer interesse comunitário significativo na resolução da questão.
7) Igualmente ficou demonstrado inexistir qualquer erro clamoroso/grosseiro no Acórdão proferido pelo TCA Norte, que imponha a admissão do Recurso de Revista interposto.
8) Em suma, demonstrou-se, de forma cabal, que o Recurso de Revista interposto pela Recorrente não passa no crivo da Apreciação Preliminar Sumária prevista no artigo 150°, n.º 5, do CPTA, devendo por essa razão ser liminarmente rejeitado.
9) Sem conceder, igualmente ficou demonstrado que, em função do seu mérito, o Recurso de Revista interposto pela Recorrente não é, de todo, procedente.
10) Isto porque, quanto ao conceito de Contra-Interessado, ficou demonstrado que o entendimento adoptado pelo TTCA Norte quanto ao número de Contra-Interessados na presente Acção está de acordo com a Jurisprudência que se tem vindo a pronunciar nesta matéria.
11) De facto, como tem sido reiterada e sucessivamente decidido, nas Acções de Contencioso Pré-Contratual devem ser indicados como Contra-Interessados apenas Concorrentes que estejam classificados em posição anterior à do Autor/Impugnante, com o que, na presente Acção, não há Contra-Interessados superiores a 20, número que, em teoria, legitimaria o recurso à citação por «Publicação de Anúncio».
12) Mais ficou demonstrado que a espécie de acção em apreço não comporta a citação através da «Publicação de Anúncio»; ainda que a citação mediante «Publicação de Anúncio» fosse admitida, a verdade é que, então, não se verificam os pressupostos de que o artigo 82°, n.º 1, do CPTA, faz depender a possibilidade de recurso a essa forma/meio de citação; e não pode a citação edital ser cumprida por via de colocação da petição inicial e citação de interessados em plataforma electrónica de contratação.
13) Em suma, o Acórdão proferido pelo TCA Norte não merece qualquer censura, sendo, por isso, de manter, na íntegra.

O Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso do qual se retira o essencial da sua fundamentação:
“No caso em apreço, a acção foi proposta pela concorrente classificada na 6.ª posição e visava a anulação do acto de adjudicação do contrato, com fundamento na ilegalidade de critérios de adjudicação e, subsidiariamente, em erro na sua aplicação. A acção procedeu, com base na ilegalidade de critérios de adjudicação, ficando prejudicada a análise do erro na sua aplicação. Qual, então, o interesse da concorrente classificada na 4.ª posição na manutenção do ato, em contraposição com o interesse da A. na sua anulação?
Cremos que nenhum está evidenciado, nem resultava do procedimento administrativo ou de qualquer documento aí contido. Pelo contrário, o seu interesse seria também o da anulação do acto para que, eventualmente, ainda pudesse alimentar expectativas na futura adjudicação a seu favor.
Porém, esse seu interesse na eliminação do acto, paralelo ao da A., não é o que está pressuposto no conceito de contra interessado e só podia ser prosseguido ou com a propositura de uma acção autónoma ou através da intervenção de terceiro (cfr. o art. 311° do CPC), não através da citação como contra interessada para intervir como parte passiva na defesa da manutenção do acto impugnado cfr. os acs. citados pela recorrentes, do TCAS, de 23-05-2013, proc. 09901/13, e do TCAN, de 25-01-2013, proc. 02424/07.
Deverá, aliás, observar-se que o conteúdo do acto se traduz apenas na adjudicação da empreitada, muito embora se baseie no relatório final do júri do procedimento. É, por isso irrelevante para o caso, a posição em que o júri tenha classificado os demais concorrentes.
Se, por hipótese, o provimento da acção e a subsequente execução de sentença tornasse possível a alteração relativa das posições anteriormente consideradas pelo júri, sendo essa alteração que se visaria defender como contra interessada na manutenção do ato, então só o concorrente da cauda da tabela não seria potencialmente desfavorecido com o provimento, pois, em tese, todos os outros poderiam, em execução de sentença, obter classificação inferior.

Em face do exposto, a legitimidade passiva ficou assegurada com a citação da entidade autora do acto e da adjudicatária, não havendo, no caso, outros contra interessados a considerar, designadamente os concorrentes classificados em posições acima da impugnante do ato de adjudicação.
Consequentemente, o presente recurso merece provimento, a nosso ver, ficando prejudicada a questão da nulidade da citação operada por meio de anúncio, nos termos do art. 820/1 do CPTA, na plataforma electrónica, pois, ainda que procedente, não teria efeitos úteis para as partes que, efectivamente, intervieram e deviam intervir no processo, e mantendo-se a decisão da 1.ª instância, que indeferiu o recurso de revisão.”

A……………, L.da e C……………, L.da pronunciaram-se sobre este Parecer.


FUNDAMENTAÇÃO


I MATÉRIA DE FACTO

A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. Em 29.04.2014, entrou a petição inicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
2. Com data de 30.04.2014, foi expedida citação para o réu Município de Mogadouro e para a indicada contra-interessada B……………, L.da;
3. Em 23.06.2014, foi proferido despacho para que a autora indicasse todos os contra-interessados na presente acção.
4. Em 08.07.2014, a autora deu cumprimento ao despacho referido no ponto anterior.
5. Em 11.07.2014, foi determinada a publicação de anúncio para citação dos contra-interessados. 6. O anúncio foi remetido à autora para publicação, em 15.07.2014.
7. Em 28.07.2014, a autora requereu a publicação do anúncio na plataforma “Vortalgov”.
8. Em 29.07.2014, foi proferido despacho a determinar a publicação na plataforma “Vortalgov.
9. Em 07.08.2014, foi publicado anúncio na plataforma “Vortalgov”, constando, entre outros, a aqui recorrente.
10. Em 08.09.2014, foi junto ao presente processo comprovativo da publicação do anúncio na plataforma “Vortalgov”.
11. Na sequência do anúncio, não houve constituição de contra-interessados.
12. No âmbito do Concurso Público em apreço, foi a seguinte a ordem das classificações: em 1.º lugar, ficou classificada a proposta apresentada por B…………., L.da; em 2.º lugar, ficou classificada a proposta apresentada por D………….., L.da; em 3.º lugar, ficou classificada a proposta apresentada por E…………, Lda.; a ora recorrente, C………………., L.da, ficou classificada em 4º lugar; em 5.º lugar, ficou classificada a proposta apresentada pelo Consórcio constituído pelas empresas F……………, Lda., G…………, Lda. e H……………, L.da; em 6.º lugar, ficou classificada a proposta apresentada por A……………., Lda., a autora.
13. Para além destes seis concorrentes, apresentaram propostas outros 17 (dezassete) concorrentes, a saber: I…………, S.A.; J……….., S.A.; K…………., Lda.; L………….., S.A.; M…………….., Lda., N……………, Lda. e O………., Lda.; P………….., S.A.; Q……………., S.A.; R……………, S.A.; S……………, S.A. e T…………, Lda.; U………….., S.A. e V……………, Lda.; X…………., S.A.; Z……………., Lda.; AA………….., S.A.; AB……………, Lda.; AC…………., Lda. e AD…………., S.A.; AE………………, S.A.
14. Foram indicados como contra-interessados pela autora e constavam da publicação do anúncio na plataforma “Vortalgov” todos os 23 concorrentes.


II. O DIREITO.

1. Resulta do antecedente relato que A…………….., L.da, intentou, no TAF de Mirandela, contra o Município do Mogadouro, acção administrativa especial de contencioso pré-contratual pedindo a anulação da decisão do Réu que adjudicou a empreitada de obra pública denominada “Loteamento Industrial de Mogadouro – III Fase” à sociedade B……………, Lda.
Na petição inicial a Autora indicou como contra interessado apenas a adjudicatária, a qual foi citada por carta registada com aviso de recepção.
Todavia, o Tribunal notificou a Autora para que indicasse todos os outros contra interessados tendo ela, então, indicado todos os concorrentes ao referido concurso; quer os que haviam ficado classificados em lugares acima dela como os classificados em lugar inferior.
E tendo em conta o seu número, superior a 20, o Tribunal ordenou a sua citação através de publicação de anúncio na plataforma electrónica de compras públicas, não tendo sido apresentada contestação por nenhum dos indicados contra - interessados.
Concluída a instrução, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, o que determinou não só a anulação do acto de adjudicação como do contrato celebrado na sequência do mesmo.

2. C……………….., L.da, - que havia sido classificada em 4.º lugar - invocando o disposto no art.ºs 154.º e 155.º do CPTA, interpôs recurso de revisão dessa decisão alegando não ter sido citada como contra interessada ou ser nula a citação que lhe fizeram uma vez que esta não podia ser feita através da publicação de anúncio na plataforma electrónica de compras públicas, o que se traduzia em violação do disposto nos art.ºs. 187.º/a), 188.º/1/a) e 191.º/1, todos do CPC.
Recurso a que TCA Norte – revogando a decisão do TAF - concedeu provimento declarando nulo todo o processado posterior à petição inicial.
Decisão que foi justificada do seguinte modo:
“Estando em causa, como está no procedimento pré-contratual em apreço, a possibilidade de apenas o candidato que apresentou a proposta graduada em primeiro lugar se tornar titular da relação jurídica contratual, os que ficaram com as respectivas propostas graduadas após a do impugnante - que não está em posição que lhe permita vir a celebrar o contrato e daí a legitimidade activa - não ficam pior se o acto for anulado pois em qualquer caso, sendo o acto anulado ou não, nunca veriam a sua proposta ocupar aquela posição.
Pelo contrário, sendo o acto anulado na totalidade, abre-se nova possibilidade de verem as suas propostas ocupar o lugar cimeiro.
O impugnante não tem, de resto, qualquer legítimo interesse em atacar os fundamentos do acto final do procedimento na parte favorável às propostas classificadas em posição inferior.
A decisão judicial a emitir no processo impugnatório poderá produzir o seu efeito útil normal (artigo 33°, n.º 2, do CPC) sem a intervenção dos concorrentes classificados em posição inferior ao impugnante, num concurso, como o presente, em que está em causa exclusivamente ocupar o lugar primeiro, pois a discussão centrar-se-á, em exclusivo, no mérito relativo das propostas posicionadas acima da proposta do impugnante.
Os concorrentes colocados em posição inferior ao impugnante no procedimento em análise têm, assim, um interesse idêntico ou paralelo ao do impugnante e não oposto.
Pelo que carecem de legitimidade passiva, não se verificando em relação a eles uma situação de litisconsórcio necessário passivo.
….
Tendo a proposta da autora ficado graduada em 6° lugar no concurso em apreço, apenas os candidatos que apresentaram as cinco propostas melhor posicionadas, têm legitimidade para intervirem como contra-interessados.
Pelo que, sendo 5 os contra-interessados, estava vedada a citação por anúncio ou edital que, pela sua própria natureza, oferece muito menores garantias de chegar ao destinatário do que a citação pessoal.
O que determinaria, só por si, a nulidade da citação face ao disposto no artigo 188°, n.°1, alínea c), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 25° do CPTA.
Finalmente, e neste terceiro argumento volta a recorrente a ter razão, a publicidade a que alude o artigo 82.° do CPTA, destinada a formalizar (como opção) a citação dos contra interessados quando estes são em número superior a 20, deve realizar-se, consoante os casos, por publicação em Diário da República, no Boletim da Autarquia, por éditos ou em jornais de circulação nacional (neste sentido, M. de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha, in Comentário ao CPTA, 2005, Almedina, página 415).
O que aqui não sucedeu, tendo a citação sido feita através da plataforma electrónica, disponível, para o procedimento administrativo do concurso, a Vortalgov.
A publicação nesta plataforma, destinada apenas à fase administrativa do concurso, não corresponde a um dos meios de publicidade previstos na lei para a hipótese - que aqui também não se verifica - de haver mais de 20 contra interessados no processo de contencioso pré-contratual.
O que também se traduz numa nulidade da citação, por inobservância das formalidades prescritas na lei - artigo 191.°, n.°1, do CPC.
E tem como consequência a anulação de todo o processado posterior à petição - artigos 187.°, alínea a), do CPC.”

É desta decisão que vem a presente revista, a qual foi admitida por ter sido entendido as questões nele suscitadas eram juridicamente relevantes uma vez que estava em “equação a própria noção de contra interessado para situações como a dos autos de acção de contencioso pré-contratual com impugnação de adjudicação: contra interessado é apenas o adjudicatário (é a resposta defendida pelo recorrente), são todos, e apenas, os classificados antes do autor (foi o julgado no acórdão recorrido e é defendido pelos contra alegantes), ou são todos os concorrentes (foi o sustentado no TAF)?”. Sendo que a resposta a estas interrogações era “determinante para o resultado do recurso de revisão, pois ele assenta na falta de citação de quem deveria ter sido citado.”

Vejamos pois.

3. Nos termos do art.º 57.º do CPTA: “Para além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.”
Na categoria de contra interessado cabem, pois, duas espécies de pessoas; em primeiro lugar, aquelas que são directamente prejudicados pela anulação ou declaração de nulidade do acto impugnado e, depois, aquelas cujo prejuízo não resulta directamente dessa anulação ou declaração de nulidade mas que, ainda assim, têm interesse legítimo na manutenção do acto visto que, se assim não for, verão a sua esfera jurídica ser negativamente afectada. O que evidencia que o conceito de contra interessado está indissociavelmente associado ao prejuízo que poderá advir da procedência da acção impugnatória para todos aqueles que, de algum modo, estiveram envolvidos na relação material controvertida. A noção de contra interessado terá, pois, de ser construída não a partir do eventual interesse que alguém pudesse ter em ser parte na acção mas a partir do prejuízo que ele terá se não for chamado a juízo, o qual estará sempre relacionado com a manutenção ou anulação do acto impugnado.

É, assim, evidente que o disposto no transcrito preceito se destina a assegurar o cumprimento do princípio do contraditório, conferindo legitimidade passiva a todos aqueles que possam ser prejudicados pela anulação do acto. E daí que, por força do que nele se estatui, tenham de ser chamados à acção em situação de litisconsórcio necessário passivo não só a entidade que praticou o acto, a entidade demandada, mas também todos aqueles que são prejudicados pelo provimento do processo impugnatório, quer esse prejuízo resulte directamente da anulação do acto quer o mesmo advenha da afectação do interesse legítimo em que o mesmo seja mantido na ordem jurídica. Chamamento que é obrigatório por só ele assegurar que todos aqueles que têm interesse legítimo em contradizer a pretensão judiciária deduzida o possam fazer (Vd. art.º 10.º do CPTA, C. Fernandes Cadilha, in Dicionário de Contencioso Administrativo, pg. 202/204, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in CPTA, em anotação ao art.º 57.º e M. Teixeira de Sousa, in CJA n.º 13, pg. 33.)
E, porque assim, será em função da análise da concreta relação material controvertida e do prejuízo que poderá advir do desfecho do seu processo impugnatório que se poderão identificar os contra interessados, só eles podendo beneficiar das garantias de defesa concedida por lei.

4. No caso, a questão se discute é, tão só, a de saber se o concorrente classificado em 4.º num concurso destinado a uma adjudicação de uma empreitada pode ser considerado contra interessado na acção anulatória deduzida pelo concorrente classificado em 6.º lugar contra a entidade que abriu tal concurso e onde foi indicado como contra interessado apenas a sociedade vencedora do concurso e, portanto, a entidade a quem aquela obra pública foi adjudicada.

O Acórdão recorrido entendeu que, nessa situação, contra-interessado era não só a adjudicatária do referido concurso mas também todos aqueles que tivessem sido classificados em melhor posição que o impugnante.
E justificando esse entendimento começou por afirmar - e nisso tem razão - que, à excepção da concorrente classificada em 1.º lugar, a adjudicatária, todos os restantes concorrentes tinham interesse na anulação acto de adjudicação uma vez que, “sendo o acto anulado na totalidade, abre-se nova possibilidade de verem as suas propostas ocupar o lugar cimeiro” e, por essa razão, serem os beneficiários da celebração do desejado contrato.
Só que, erradamente, restringiu os efeitos deste entendimento aos concorrentes que foram classificados em melhor posição do que a obtida pela Autora da acção, argumentando que os que ficaram posicionados em lugar inferior não podiam ser beneficiados com o deferimento da pretensão anulatória na medida em que “a discussão centrar-se-á, em exclusivo, no mérito relativo das propostas posicionadas acima da proposta do impugnante.”
Ora, este raciocínio não pode ser sufragado.
E não pode porque, se bem virmos, a anulação do acto impugnado só acarretará prejuízo para a entidade que praticou o acto e o adjudicatário e isto porque, atenta essa anulação, aquela terá de refazer o processo administrativo e praticar novo acto não inquinado pela ilegalidade que determinou a anulação do anterior e este ver-se-á afastado da posição de vantagem em que se encontrava colocado.
Todos os outros oponentes ao concurso – do segundo ao último classificado – irão beneficiar do acto anulatório na medida em que, por força dessa anulação, será refeito o processo administrativo e praticado um novo acto classificatório que, colocando um deles na primeira posição, o fará beneficiário do contrato. Daí que o interesse do impugnante na anulação do acto seja convergente com o interesse de todos os outros concorrentes não posicionados no 1.º lugar.

É, pois, seguro que, à excepção da adjudicatária, nenhum dos outros concorrentes será, directa ou indirectamente, prejudicado pela procedência da acção impugnatória uma vez que a anulação do acto adjudicatório e a prática de um novo acto abrirá a todos – quer os que ficaram classificados à frente da Autora da acção quer os que foram colocados em lugares inferiores - a possibilidade de serem os vencedores do concurso. Dito de forma diferente, e circunscrevendo-nos ao caso dos autos, a factualidade inserida no probatório evidencia a existência de dois tipos de interesses contrapostos:
- por um lado, a que se verifica entre o Réu e o adjudicatário na medida em que só eles têm interesse na manutenção do acto, só eles beneficiam directamente da improcedência do processo impugnatório
- por outro, a de todos os outros concorrentes uma vez que a anulação daquele acto poderá beneficiar um deles. Daí que, como bem refere o Recorrente, nestes casos, “O contra-interessado não deduz nenhum pedido, defende a posição do réu, pois os seus interesses são iguais.” (Conclusão 25.ª)

Nesta conformidade, a pergunta que se deve fazer para verificar se a Autora do processo de revisão goza da qualidade de contra-interessado é a seguinte: que interesse teria ela em, aliando-se à adjudicatária, pugnar pela manutenção do acto? Que prejuízo lhe adviria da anulação deste? E a resposta a estas interrogações só pode ser negativa e isto porque a Autora da revisão só beneficiará com a anulação do acto impugnado uma vez que só ela lhe poderá permitir alimentar expectativas de que a empreitada poderá ser adjudicada a seu favor.
Se assim é, só o adjudicatário da obra pública em causa pode ser qualificado como contra interessado.

Em suma: estando a qualidade de contra interessado associada ao prejuízo que advirá da procedência da acção impugnatória para todos aqueles que, de alguma forma, tiveram conexão com a relação material controvertida e sendo certo que a C……………, L.da só iria beneficiar com a anulação do acto impugnado é forçoso concluir que a mesma não goza da qualidade de contra interessada.
E não gozando desta qualidade não tem legitimidade passiva pelo que não deveria ter sido chamada ao processo e, muito menos, citada.
E se não deveria ter sido citada não podem as ilegalidades eventualmente associadas a essa citação servir de fundamento a este recurso de revisão.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em conceder provimento do recurso e, revogando a decisão recorrida, julgar improcedente o pedido de revisão.
Custas pela Recorrente do recurso de revisão – C……………, L.da.

Lisboa, 12 de Novembro de 2015. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.