Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0943/17
Data do Acordão:11/23/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
HABILITAÇÃO DO ADJUDICATARIO
Sumário:I - Os artigos 270.º do CCP e 87.º do CPA, relativos à contagem dos prazos, não excluem a aplicação do artigo 469.º, n.º 2, do CCP – o qual contém uma presunção respeitante à data das comunicações efectuadas –, antes devendo estes mesmos preceitos ser interpretados conjugadamente.
II - O pedido de prorrogação do envio dos documentos de habilitação e da prestação da caução, se a lei nada disser em contrário, deve ser feito no mesmo prazo fixado no programa do procedimento para a apresentação dos documentos de habilitação e para a prestação da caução, sendo certo que se o pedido de prorrogação for comunicado à entidade adjudicante após as 17 horas do último dia do prazo previsto, essa comunicação presume-se efectuada às 10 horas do dia útil seguinte.
Nº Convencional:JSTA00070423
Nº do Documento:SA1201711230943
Data de Entrada:10/13/2017
Recorrente:MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA
Recorrido 1:A..., LIMITADA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN DE 2017/06/09
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM ECON - APROVISIONAMENTO BENS SERVIÇOS ADM
DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CCP ART81 ART86 ART91 ART270 ART468 ART469 N2 ART470.
CPA91 ART72 ART73.
CPA13
DL 4/15 DE 2015/01/07 ART87.
Referência a Doutrina:PEDRO COSTA GONÇALIVES - DIREITO DOS CONTRATOS PÚBLICOS COIMBRA 2015 PÁG76-77.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. O Município de Vila Nova de Gaia, devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 09.06.17 (fls. 268-290), que julgou improcedente o recurso por si interposto da decisão do TAF do Porto.

A presente acção administrativa de contencioso pré-contratual foi proposta inicialmente no TAF do Porto pela A…………….., Limitada (A………..), ora recorrida, contra o Município de Vila Nova de Gaia (MVNG), tendo aquele proferido decisão pela qual julgou procedente a acção (cfr. fl. 205v.).

2. O recorrente MVNG apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (fls. 308-9):

“A - A questão a analisar é a dos limites e âmbito de aplicabilidade da presunção constante no n.º 2 do art. 469º do CCP;

B - É uma questão de extrema relevância social e jurídica, já que a dúvida coloca-se em todos os procedimentos contratuais abertos pela Administração Pública e é necessário que tanto os concorrentes como as entidades adjudicatárias tenham perfeitamente definidos os seus direitos e deveres;

C - O recurso visa também uma melhor aplicação do direito, pois o douto Acórdão recorrido fez errada interpretação do CCP quanto à competência do Júri e à delimitação da fase de formação dos contratos;

D - Uma vez que a comunicação em causa nos autos não foi dirigida ao Júri mas sim à entidade adjudicante e a fase de formação de contratos é todo o procedimento contratual;

E - As funções do júri cessam com o relatório final, sendo dirigidas directamente à entidade adjudicante todas as comunicações posteriores, como sejam a prestação de caução ou documentos de habilitação;

F - O n.º 2 do art. 469º do CCP estabelece uma presunção iuris et de iure, que se impõe a todos os intervenientes no processo de concurso;

G - É uma situação em a Lei define um prazo específico para a prática de um acto, que contém um terminushorário dentro do terminus diário e enquadra-se no entendimento de que os actos são praticados em horário de expediente;

H - Segundo a economia do CCO, a fase de formação de contratos corresponde a todo o procedimento concursal e não apenas à fase entre a adjudicação e o contrato;

J - A regra do art. 469º, n.º 2 é uma norma especial que se aplica a todas as comunicações dirigidas à entidade adjudicante;

L - Ao decidir como decidiu, o douto acórdão recorrido violou o art. 469º, n.º 2, o art. 86º, n.º 1, e o art. 91º, todos do CCP, pelo que deve ser revogado e substituído por decisão que julgue a acção improcedente.

Termos em que:

I - deve a presente revista ser admitida, por se tratar de uma questão jurídica e socialmente relevante e por a sua admissão ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

II - deve ser revogado o Acórdão recorrido e a acção ser julgada improcedente, com o que farão Vas Exas, como habitualmente
Justiça”.

3. A recorrida A……………., Limitada (A………….) apresentou contra-alegações em que pugna pela não admissão do recurso de revista, “por não estarem preenchidos os pressupostos do nº 1 do art. 150º do CPA, ou, se assim não se entender”, pela improcedência do recurso, não tendo apresentado conclusões (cfr. fls. 319 a 321v).

4. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 21.09.17 (fls. 336-7), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:
“(…)

Discute-se sobretudo nos autos a legalidade do acto camarário que declarou a caducidade de uma adjudicação em virtude da adjudicatária – que é a autora e aqui recorrida – apenas ter remetido, por via electrónica, parte dos documentos de habilitação após as 17 horas do último dia do prazo de dez dias fixado para o efeito.
O acto impugnado fundou-se, portanto, no teor do art. 469º, nº 2, do CCP. E a aplicação «in casu» desta norma foi recusada pelas instâncias, mas por motivos diferentes. Para o TAF, esse prazo de dez dias só poderia terminar às 24 horas do último, e não às suas 17 horas – como reza o dito preceito; e este deveria ser desaplicado enquanto introdutor de desvantagens para o adjudicatário. Para o TCA, o art. 469º, nº 2, não poderia estribar o acto porque não contempla comunicações dirigidas ao júri.
Mas tais argumentos das instâncias parecem frágeis. Desde logo, é normal que qualquer prazo regente de uma comunicação esteja condicionado pelo horário do serviço receptor. Depois, os prazos costumam seguir regras objectivas, cuja aplicabilidade é alheia a considerações sobre comodidades ou desvantagem. E, por último, parece óbvio que os documentos a remeter «in casu» já não teriam como destinatário o júri do concurso.
Assim, e no que respeita à principal «quaestio juris» colocada na revista, constata-se que as instâncias argumentaram de um modo que reclama reapreciação. E o recorrente persuade ao dizer que o assunto é recolocável em múltiplas situações, pelo que convém que o STA esclareça o exacto sentido do art. 469º, nº 2, do CCP, conjugando-o com o prazo para o adjudicatário oferecer os documentos de habilitação («vide» o art. 86º do mesmo diploma).
Assim, a dita «quaestio juris» é relevante e merece ser reanalisada. O que permitirá porventura ao STA enfrentar um outro problema explanado no processo e na revista – o qual se liga ao pedido, advindo da adjudicatária, de «prorrogação» do prazo quanto a dois daqueles documentos”.

5. A Digna Magistrada do MP junto deste Supremo Tribunal, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido “da manutenção do douto acórdão recorrido, devendo a entidade adjudicante revogar a deliberação camarária de 02-05-2016 que determinou a caducidade da adjudicação à autora ora recorrida” (fl. 347).

6. Com dispensa de vistos legais, em virtude da urgência do processo (ex vi do art. 36.º, n.º 1, al. c), do CPTA), vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora recorrente – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, as quais, na verdade, se reconduzem a uma só, qual seja, aquela identificada no ponto A. das alegações – “a dos limites e âmbito de aplicabilidade da presunção constante no n.º 2 do art. 469º do CCP”.

2.2. Comecemos por atentar no teor dos dispositivos aplicáveis ao caso vertente:

Artigo 81.º
Documentos de habilitação

“1 - Nos procedimentos de formação de quaisquer contratos, o adjudicatário deve apresentar os seguintes documentos de habilitação:
a) Declaração emitida conforme modelo constante do anexo II ao presente Código e do qual faz parte integrante;
b) Documentos comprovativos de que não se encontra nas situações previstas nas alíneas b), d), e) e i) do artigo 55.º;
2 - No caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, o adjudicatário, para além dos documentos referidos no número anterior, deve também apresentar os alvarás ou os títulos de registo emitidos pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I. P., contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução da obra a realizar ou, no caso de o contrato respeitar a um lote funcionalmente não autónomo, as habilitações adequadas e necessárias à execução dos trabalhos inerentes à totalidade dos lotes que constituem a obra.
3 - Para efeitos da verificação das habilitações referidas no número anterior, o adjudicatário pode apresentar alvarás ou títulos de registo da titularidade de subcontratados, desde que acompanhados de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes.
4 - No caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis ou de um contrato de aquisição de serviços, o adjudicatário, para além dos documentos referidos no n.º 1, deve também apresentar o respectivo certificado de inscrição em lista oficial de fornecedores de bens móveis ou de prestadores de serviços de qualquer Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que revele a titularidade das habilitações adequadas e necessárias à execução das prestações objecto do contrato a celebrar.
5 - O adjudicatário, ou um subcontratado referido no n.º 3, nacional de Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ou do Acordo sobre Contratos Públicos da Organização Mundial de Comércio que não seja titular do alvará ou do título de registo referidos nos n.ºs 2 ou 3, consoante o caso, ou do certificado referido no número anterior deve apresentar, em substituição desses documentos:
a) No caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, uma declaração, emitida pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P., comprovativa de que pode executar a prestação objecto do contrato a celebrar por preencher os requisitos que lhe permitiriam ser titular de um alvará ou de um título de registo contendo as habilitações adequadas à execução da obra a realizar;
b) No caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis ou de um contrato de aquisição de serviços, certificado de inscrição nos registos a que se referem os anexos IX-B e IX-C da Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, com todas as inscrições em vigor e que revele a titularidade das habilitações adequadas e necessárias à execução das prestações objecto do contrato a celebrar ou, quando o Estado de que é nacional não constar daqueles anexos, uma declaração sob compromisso de honra, prestada perante notário, autoridade judiciária ou administrativa ou qualquer outra competente, de que pode executar a prestação objecto do contrato a celebrar no Estado de que é nacional de acordo com as regras nele aplicáveis.
6 - Independentemente do objecto do contrato a celebrar, o adjudicatário deve ainda apresentar os documentos de habilitação que o programa do procedimento exija, nomeadamente, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de aquisição de serviços, quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa.
7 - Os documentos a que se refere o número anterior não são exigíveis a concorrentes nacionais de outro Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ou do Acordo sobre Contratos Públicos da Organização Mundial de Comércio, quando nesse Estado aqueles documentos não sejam emitidos, devendo porém ser substituídos por uma declaração sob compromisso de honra, prestada perante notário, autoridade judiciária ou administrativa ou qualquer outra competente, de que os documentos em causa não são emitidos nesse Estado.
8 - O órgão competente para a decisão de contratar pode sempre solicitar ao adjudicatário, ainda que tal não conste do programa do procedimento, a apresentação de quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a execução das prestações objecto do contrato a celebrar, fixando-lhe prazo para o efeito”.

[Negrito nosso]
Artigo 86.º
Não apresentação dos documentos de habilitação

“1 - A adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não apresentar os documentos de habilitação:
a) No prazo fixado no programa do procedimento;
b) No prazo fixado pelo órgão competente para a decisão de contratar, no caso previsto no n.º 8 do artigo 81.º;
c) Redigidos em língua portuguesa ou, no caso previsto no n.º 2 do artigo 82.º, acompanhados de tradução devidamente legalizada.
2 - Sempre que se verifique um facto que determine a caducidade da adjudicação nos termos do n.º 1, o órgão competente para a decisão de contratar deve notificar o adjudicatário relativamente ao qual o facto ocorreu, fixando-lhe um prazo, não superior a 5 dias, para que se pronuncie, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia.
3 - Quando as situações previstas no n.º 1 se verifiquem por facto que não seja imputável ao adjudicatário, o órgão competente para a decisão de contratar deve conceder-lhe, em função das razões invocadas, um prazo adicional para a apresentação dos documentos em falta, sob pena de caducidade da adjudicação.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, o órgão competente para a decisão de contratar deve adjudicar a proposta ordenada em lugar subsequente.
5 - No caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada ou concessão de obras públicas, a entidade adjudicante deve comunicar imediatamente ao Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P., a caducidade da adjudicação”.
Artigo 91.º
Não prestação da caução

“1 - A adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não prestar, em tempo e nos termos estabelecidos nos artigos anteriores, a caução que lhe seja exigida.
2 - No caso previsto no número anterior, o órgão competente para a decisão de contratar deve adjudicar a proposta ordenada em lugar subsequente.
3 - A não prestação da caução pelo adjudicatário, no caso de empreitadas ou de concessões de obras públicas, deve ser imediatamente comunicada ao Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P.”
Artigo 468.º
Comunicações

“1 - Todas as comunicações entre a entidade adjudicante ou o júri do procedimento e os interessados, os candidatos, os concorrentes ou o adjudicatário relativas à fase de formação do contrato devem ser escritas e redigidas em português e efectuadas através de correio electrónico ou de outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados.
2 - Na falta de estipulação contratual, as comunicações entre o contraente público e o co-contratante relativas à fase de execução do contrato devem ser escritas e redigidas em português, podendo ser efectuadas pelos meios a que se refere o número anterior, ou por via postal, por meio de carta registada ou de carta registada com aviso de recepção.
3 - Para efeitos de comunicações relativas à fase de execução do contrato, as partes devem identificar no mesmo as informações de contacto dos respectivos representantes, designadamente o endereço electrónico, o número de telecópia e o endereço postal.
4 - No contrato podem as partes estipular que a validade das comunicações efectuadas por correio electrónico fique sujeita à condição da sua utilização obedecer a requisitos suplementares.
5 - As comunicações ao Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P., previstas no presente Código devem ser efectuadas através de correio electrónico ou de outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados.

Artigo 469.º
Data da notificação e da comunicação


“1 - As notificações e as comunicações consideram-se feitas:
a) Na data da respectiva expedição, quando efectuadas através de correio electrónico ou de outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados, salvo o disposto no número seguinte;
b) Na data constante do relatório de transmissão bem sucedido, quando efectuado através de telecópia, salvo o disposto no número seguinte;
c) Na data indicada pelos serviços postais, quando efectuadas por carta registada;
d) Na data da assinatura do aviso, quando efectuadas por carta registada com aviso de recepção.

2 - As notificações e as comunicações que tenham como destinatário a entidade adjudicante ou o contraente público e que sejam efectuadas através de correio electrónico, telecópia ou outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados, após as 17 horas do local de recepção ou em dia não útil nesse mesmo local, presumem-se feitas às 10 horas do dia útil seguinte”.

2.3. Vejamos agora um excerto do programa do procedimento aprovado, reproduzindo para o efeito o Ponto 2. da matéria de facto assente (cfr. fls. 196-7 dos autos):

“«[…]
4 – DOCUMENTOS DE HABILITAÇÃO E PRAZO PARA A SUA APRESENTAÇÃO PELO ADJUDICATÁRIO
4.1 – No prazo de dez dias contados da data da receção da notificação da decisão de adjudicação, o adjudicatário deverá apresentar reprodução dos seguintes documentos de habilitação:
a) Declaração emitida conforme modelo constante do Anexo II ao CCP e Anexo B ao presente Programa de Concurso;
b) Documentos comprovativos de que não se encontra nas situações previstas nas alíneas b), d), e) e i) do artigo n.º 55º do mesmo Código;
c) Declaração bancária ou outro documento equivalente, do qual resulte expressamente que o concorrente detém capacidade financeira para assegurar os investimentos propostos;
[…]
4.4 – Caso se registe(m) alguma(s) irregularidade(s) nos documentos apresentados que possa(m) levar à caducidade da adjudicação, será concedido um prazo de 5 (cinco) dias para a supressão da(s) irregularidade(s) detectada(s).
[…]
11 – PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
11.1 – O concorrente preferido será notificado da adjudicação e do valor da caução, sendo-lhe, simultaneamente, fixado um prazo, nunca inferior a dez dias para prestar a caução, sob pena de a adjudicação caducar, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 91 do Código dos Contratos Públicos.
11.2 – A caução poderá ser prestada por depósito em dinheiro ou em títulos emitidos ou garantidos pelo Estado, ou mediante garantia bancária ou seguro-caução.
[…]
11.5 – A falta de apresentação da caução no prazo fixado poderá determinar a caducidade da adjudicação, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 91 do CCP.
[…]»” – negrito nosso.

2.4. Os artigos 86.º, n.º 1, al. a), e 91.º, n.º 1, ambos do CCP, determinam a caducidade da adjudicação quando o adjudicatário não apresente os documentos de habilitação ou não proceda à prestação da caução no(s) prazo(s) fixado(s) no programa do procedimento. O programa do procedimento menciona o prazo de 10 dias após a notificação da adjudicação, sem especificar a hora, para o envio dos documentos de habilitação, e, de igual forma, um prazo, nunca inferior a dez dias, para a prestação da caução. Deve entender-se que se trata de dias completos, até às 24 horas, ou deve aplicar-se a presunção do n.º 2 do artigo 469.º do CCP, como pretende o recorrente, o que determinaria a extemporaneidade da apresentação dos documentos de habilitação e da prestação da caução, e, bem assim, dos pedido de prorrogação dos prazos de comunicação dos mesmos?
A primeira solução, tal como decorre da decisão recorrida, basear-se-ia em dois tipos de argumentos. De um lado, no argumento de que o n.º 2 do artigo 469.º do CCP não se aplica nas situações em que as comunicações têm como destinatário o júri do procedimento. De outro lado, no argumento de que há que conjugar o dispositivo em apreço com o artigo 470.º do CCP (Contagem dos prazos na fase de formação dos contratos – “Os prazos referidos no presente Código relativos aos procedimentos de formação de contratos contam-se nos termos do disposto no artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo e não lhes é aplicável, em caso algum, o disposto no artigo 73.º do mesmo Código”), o qual remete para o artigo 72.º do CPA, actualmente artigo 87.º (Contagem dos prazos) – dessa conjugação resultando que se teria de considerar o prazo de 10 dias fixados no programa do procedimento fazendo corresponder a cada um dos 10 dias a duração de 24 horas.
Vejamos.
No que respeita ao primeiro argumento, não há dúvida de que o n.º 2 do artigo 469.º do CCP expressamente menciona “As notificações e as comunicações que tenham como destinatário a entidade adjudicante ou o contraente público” (negrito nosso). Sucede que no caso dos autos estamos numa fase do procedimento de formação do contrato (e dúvidas não deve haver que se está ainda nesta fase, resultando isso da sistematização do CCP e da própria doutrina – ver, por todos, Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, Coimbra, 2015, pp. 76-7) em que o relacionamento, designadamente no que toca ao envio dos documentos de habilitação e à prestação da caução, se dá entre a entidade adjudicante e o adjudicatário, e já não entre este último e o júri do procedimento (segundo aquele autor – ob. cit., p. 328 –, “Em regra, com o envio do relatório final de análise das propostas, esgota-se a intervenção do júri no procedimento de adjudicação”). Razão pela qual o argumento inicialmente invocado não pode valer para sustentar o afastamento, no caso dos autos, do n.º 2 do artigo 469.º do CCP.
No que se refere ao segundo argumento, ele também não procede. Com efeito, os artigos 270.º do CCP e 87.º do CPA, relativos à contagem dos prazos, não excluem a aplicação do n.º 2 do artigo 469.º do CCP, o qual contém uma presunção respeitante à data das comunicações efectuadas, antes podem ser vistos como complementares. Assim, o adjudicatário sabe que tem x dias para apresentar os documentos de habilitação e para prestar a caução, sendo que no último dia do prazo, se não o fizer até às 17 horas, presume-se que praticou/comunicou esses actos às 10 horas do dia útil seguinte. A esta conclusão não obsta o artigo 87.º do CPA, designadamente a sua al. e) (“É havido como prazo de um ou dois dias o designado, respetivamente, por 24 ou 48 horas”), porquanto, desde logo, esta alínea refere-se a casos em que os prazos são indicados em horas, contrariamente ao que sucede no caso dos autos em que o prazo é dado em dias (dez dias). Resta dizer que o pedido de prorrogação do envio dos documentos de habilitação e da prestação da caução, se a lei nada disser em contrário, deve ser feito no mesmo prazo (ou seja, no caso concreto dos autos, no prazo de 10 dias, sendo certo que se o pedido de prorrogação for comunicado à entidade adjudicante após as 17 horas do último dia do prazo, essa comunicação presume-se efectuada às 10 horas do dia útil seguinte).
Em face de todo o exposto, deve proceder a pretensão recursiva do recorrente MVNG.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso e, em consonância, em revogar o acórdão recorrido, julgando a acção improcedente.

Custas a cargo da recorrida.

Lisboa, 23 de Novembro de 2017. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.