Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0133/21.0BALSB
Data do Acordão:11/24/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PROMOÇÃO
SUSPENSÃO
Sumário:I - O artigo 243.º, n.º 1 do EMP apresenta uma solução, em abstracto, para a harmonização das situações de conflito entre o direito do magistrado à promoção e o interesse público e profissional na efectivação das medidas disciplinares, a qual é conforme ao princípio da proporcionalidade.
II - A medida excepcional de levantamento da suspensão, prevista no artigo 243.º, n.º 4 do EMP, depende de ponderações casuísticas, cuja decisão cabe ao CSMP, e cujo controlo jurisdicional se baseia nas regras e princípios do controlo dos actos administrativos discricionários.
Nº Convencional:JSTA00071614
Nº do Documento:SAP202211240133/21
Data de Entrada:10/12/2022
Recorrente:A..........
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:EMP ART243
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


I - Relatório

1. A……., com os sinais dos autos, propôs neste Supremo Tribunal Administrativo acção administrativa contra o Conselho Superior do Ministério Público, igualmente com os sinais dos autos, na qual formulou o seguinte pedido:
«[…]
a) Seja declarada a nulidade da Deliberação de 21.07.2021, publicitada em 22.07.2021, publicada em Diário da República em ….., que determina a suspensão da promoção da ora Autora, com fundamento no artigo 243.° do EMP - bem como de todos os actos subsequentes que lhe dêem cumprimento, por violação de direito fundamental e por estarem baseados num acto nulo;

b) Seja requerido ao CSMP que pondere o levantamento da suspensão da promoção da ora Autora, junto do TCA …, e que se digne a designar dia e hora para a aceitação do cargo;

c) Se assim não se entender, o que apenas se equaciona por cautela de patrocínio, deve ser a Deliberação de 21.07.2021 e a suspensão da promoção da Autora anuladas, por se revelarem violadoras dos princípios da proporcionalidade e da justiça, com fundamento no artigo 163.º do CPA.

[…]».


2. Por acórdão de 21 de Abril de 2022 a acção foi julgada improcedente.


3. Inconformada, a Autora recorreu daquela decisão para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste STA, alegando, entre outros fundamentos, nulidade por omissão de pronúncia e nulidade por excesso de pronúncia.


4. Em 14 de Julho de 2022 foi proferido novo acórdão que, sustentando o decidido, rejeitou a existência das nulidades arguidas.

5. No recurso apresentado, a A. alegou, rematando com as seguintes conclusões:
«[…]

I. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Administrativo do STA de 21.04.2022, que julgou improcedente a ação proposta, por considerar que não existe fundamento para declarar a nulidade da Deliberação do Plenário do CSMP de 21.07.2021 e, consequentemente, para determinar o levantamento da suspensão da promoção da ora Recorrente.

II. Não pode a Recorrente concordar com o entendimento e a decisão vertidos no Acórdão em crise, pois que, com a devida vénia, a Deliberação do CSMP de 21.07.2021 é ilegal, além de que a interpretação que este faz do n.º 4 do artigo 243.º padece de vício de violação de lei, na vertente de erro nos pressupostos de facto e de direito.

III. Acresce que, a ora Recorrente não pode concordar com a decisão do douto Acórdão ora recorrido, no que diz respeito à violação do princípio da proporcionalidade, em que este se escusa de apreciar e ponderar a sanção aplicada pelo CSMP.

IV. Com efeito, a conduta assumida pelo douto Tribunal, concretamente, ao escudar-se de apreciar a pretensão da Recorrente, sem qualquer fundamento legal para tal, consubstancia uma omissão de pronúncia e, como tal, causa de nulidade do Acórdão ora recorrido.

V. Certo é que, não se verifica apenas uma omissão de pronúncia, mas também o oposto, padecendo das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

VI. Pois que, quando era exigível que o Tribunal recorrido se pronunciasse e interpretasse uma determinada matéria, concretamente, a questão da interpretação do acto impugnado, este excedeu os limites interpretativos do ato administrativo, retirando ao mesmo sentidos e significados que não tinham qualquer correspondência com o elemento literal, como infra demonstraremos.

VII. O que integra a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, subsidiariamente aplicável.

VIII. Com efeito, ao pronunciar-se sobre a violação do princípio da proporcionalidade alegado, aduz expressamente que a Recorrente propôs a ação administrativa n.º 6/21.6BALSB para impugnar a pena disciplinar que lhe foi aplicada.

IX. Ora, surpreendentemente, por um lado produziu tal afirmação fundamento, sem que oficiosamente tivesse feito juntar certidão da petição inicial a que aludiu.

X. Além de que tal objeto não foi alegado nos presentes autos.

XI. Acresce que o douto Acórdão recorrido remete para a já referida ação administrativa n.º 6/21.6BALSB, a questão da apreciação e decisão do levantamento da suspensão da promoção da Recorrente,

XII. Quando tal não é o objeto dos referidos autos.

XIII. Ademais, como se de legislador se tratasse, o poder jurisdicional dos presentes autos, introduziu no n.º 4 do artigo 243.º do EMP, um requisito de “motivos excecionais”, que, com o devido respeito, não existe.

XIV. Na interpretação do acto impugnado, abusivamente como se de entidade administrativa se tratasse, o douto Acórdão recorrido excedendo os seus poderes, interpretou e completou com outros sentidos as palavras da Exma. Senhora Procuradora-Geral da República.

XV. Acresce que, a Recorrente não pode aceitar e concordar com a matéria de facto dada como provada, tendo como pretenso acordo das partes – que não existiu.

XVI. Respeitando, naturalmente, o Acórdão que ora se impugna, a Recorrente com ele não se conforma, razão pela qual vem interpor o presente recurso.

XVII. No humilde entender da Recorrente, a decisão ora recorrida procede a uma errada apreciação dos factos sub judice ilegal e inconstitucional e interpretação do Direito aplicável, padecendo o aludido Acórdão, como tal, de manifesto erro de julgamento, devendo, consequentemente, ser declaro nulo/anulável e substituído.

XVIII. Com o douto Acórdão foram violadas as normas seguintes: artigos 17.º, 18.º, 32.º, n.º 9, 266.º, 268.º, n.º 4, 269.º, n.º 3, todos da CRP, artigos 2.º, 3.º, 4.º, 7.º e 8.º do CPA.

XIX. Assim, o douto Acórdão ora recorrido incorre assim em erro de julgamento, concretamente, em resultado de uma distorção da realidade factual (error facti) e uma errada aplicação do direito (error juris).

XX. Além do supra exposto – e sem conceder –, sempre se dirá que não andou bem o Tribunal a quo na análise da Deliberação do CSMP de 21.07.2021.

XXI. Além de que, aprecia e interpreta o ato administrativo ora em crise – Deliberação do CSMP – excedendo manifestamente o seu poder de pronúncia.

XXII. Não obstante, quando lhe era exigível que se pronunciasse (cfr. peticionado na alínea d) do pedido da petição inicial), o douto Acórdão recorrido imiscuiu-se desse dever, alegando que era matéria que não interessava aos autos.

XXIII. Assim, o presente recurso tem como fundamentos (i) Impugnação da matéria de facto dada como provada; (ii) Erro de julgamento; e (iii) Omissão e excesso de pronúncia.

XXIV. O douto Acórdão recorrido considera como provada matéria de facto que não foi alvo nem de prova, nem de acordo entre as partes.

XXV. Tendo-se baseado apenas nas alegações do Recorrido na sua contestação.

XXVI. Desde logo, o ponto 19 da matéria de facto dada como provada, contrariamente ao referido pelo Acórdão recorrido, não foi acordado pelas partes.

XXVII. E não foram acordados porque não se revelam verdadeiros e conforme a matéria alegada pela Recorrente.

XXVIII. Desde logo, a Recorrente não foi ouvida, nem tão pouco lhe foi dada a faculdade de se pronunciar sobre a participação do inquérito disciplinar, sobre os depoimentos dos Senhores Procuradores e Funcionários que deram origem a este, bem como sobre os documentos que instruíam os autos.

XXIX. Ainda que tenha solicitado diversas vezes, certo é que não só não foi ouvida e, consequentemente, não teve oportunidade de apresentar a sua defesa quanto a estes factos, como também não lhe foi dado acesso à prova documental que instruía o processo.

XXX. Durante todo o inquérito foram postergados os mais elementares direitos de defesa da Recorrente.

XXXI. Evidência disso mesmo é a resposta dada pelo Senhor Instrutor quanto aos pedidos da Recorrente para consulta dos documentos que, alegadamente, continham os factos sobre os quais estava a ser questionada – na qualidade de pretensa “arguida”.

XXXII. Ora, mostram-se, assim, preteridos e violados os direitos de audição e defesa, previstos no artigo 32.º da CRP e 61.º do CPP, os quais consubstanciam direitos fundamentais.

XXXIII. Como tal, nunca poderia o douto Tribunal ter dado como provado um facto que não foi acordado pelas partes.

XXXIV. Quanto muito caberia ser dado como não provado.

XXXV. Assim, contrariamente ao dado como provado pelo Acórdão recorrido, não foram realizadas todas as diligências instrutórias requeridas, pelo que impugna o ponto 19, para todos os efeitos legais e se requer que este facto não conste da matéria dada como provada.

XXXVI. Ademais, importa referir que não houve lugar à realização de audiência final, nem à produção de alegações finais, conforme prevêem os artigos 91.º e 91.º-A do CPTA, porque o douto Tribunal assim entendeu no Despacho Saneador de 22.02.2022.

XXXVII. Assim, não pode a Recorrente concordar e aceitar que o douto Tribunal recorrido dê factos como admitidos por acordo das partes quando, claramente, não existe nenhum acordo.

XXXVIII. Se existem factos – como se comprova pela matéria dada como provada – que careciam de prova e de debate, deveria ter sido realizada audiência final.

XXXIX. Como não foi, por decisão do Tribunal recorrido, não pode este dar como provada a matéria de facto destituída de prova documental e de falta do necessário acordo das partes.

XL. Assim, o ponto 19 da matéria de facto não pode ser dado como provado e ser valorado na decisão final, devendo ser parcialmente eliminado.

XLI. A Recorrente, na sua petição inicial, fundamentou a ilegalidade da Deliberação do Plenário do CSMP de 21.07.2021, na errónea interpretação do artigo 243.º, n.º 4 do EMP, concretamente com o referido pela Exma. Senhora Procuradora-Geral da República, a propósito da discussão e votação deste assunto:

(…) Os magistrados do Ministério Público contra quem esteja pendente processo disciplinar ou criminal são graduados para promoção ou nomeação, sem prejuízo de estas ficarem suspensas quanto a eles, reservando-se a respetiva vaga até à decisão final (…) Não havendo na norma qualquer outra dimensão que importe (…) Em situações devidamente fundamentadas, o Conselho (…) pode levantar a suspensão prevista no n.º 1 (…) mas obviamente para levantar é preciso que tenha

previamente acontecido (…)”.

XLII. Ora, é precisamente sobre o n.º 4 do artigo 243.º do EMP que o CSMP e o douto Acórdão recorrido, incorrem numa errada e ilegal interpretação do sentido e amplitude da norma.

XLIII. Concretamente, quando a Exma. Senhora Procuradora-Geral da República referiu que para se poder recorrer ao n.º 4 do artigo 243.º do EMP e, consequentemente, proceder ao levantamento da suspensão da promoção, era necessário que a nomeação tenha já, previamente, ocorrido – tal como supra citado.

XLIV. Desde logo, com a devida vénia, o douto Acórdão recorrido não faz uma devida interpretação do referido pela Exma. Senhora Procuradora-Geral da República, porquanto, tal como amplamente demonstrado supra (através de citação integral), esta referiu, expressamente, que para se poder aplicar o n.º 4 do artigo 243.º do EMP, era necessário que, previamente, tivesse existido nomeação.

XLV. É este o único sentido que se pode retirar das palavras da Exma. Senhora Procuradora-Geral da República.

XLVI. Não podendo, assim, a ora Recorrente conformar-se com a interpretação do douto Tribunal ora recorrido, que excedeu manifestamente os seus poderes de interpretação, invadindo, assim, os poderes da entidade administrativa.

XLVII. Ou seja, nem a interpretação da Exma. Senhora Procuradora-Geral da República, nem tão pouco a interpretação do douto Acórdão recorrido podem vingar, uma vez que nenhuma delas decorre do disposto no artigo 243.º, n.º 4 do EMP.

XLVIII. A referida norma, não prevê a exigência de prévia nomeação no lugar em questão, para o levantamento da suspensão.

XLIX. O sentido da norma em apreço é somente um: a possibilidade de, em casos devidamente fundamentados, o CSMP poder levantar a suspensão prevista no n.º 1 do artigo 243.º do EMP.

L. Razão pela qual, se reitera o já alegado na petição inicial, designadamente a circunstância de a Deliberação do Plenário do CSMP de 21.07.2021 ser ilegal e de se enfermar de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

LI. A Recorrente foi ilegalmente constituída Arguida num processo disciplinar de génese e prossecução ilícita, o que está a impedir que a mesma seja promovida e tome posse na vaga em que foi legitimamente colocada.

LII. Razão pela qual não pode a Recorrente concordar e aceitar a suspensão da promoção.

LIII. Durante todo o inquérito foram postergados os mais elementares direitos de defesa da Recorrente, tendo a base instrutória deste sido ilegalmente aproveitada.

LIV. Ora, pese embora o processo disciplinar seja patentemente ilegal e violador de normas e princípios, certo é que a Deliberação do CSMP deliberou suspender a promoção da ora Recorrente.

LV. A ora Recorrente não pode aceitar ser prejudicada por repetidos erros, omissões e ilegalidades que não lhe podem ser imputados.

LVI. Em suma, a ora Recorrente viu a sua promoção suspensa (conforme artigo 243.º, n.º 1 do EMP) com fundamento na existência de um processo disciplinar ilegal e ferido de nulidade – já enunciada – razão pela qual lançou mão da presente tutela judicial, por forma a demonstrar que a Deliberação do CSMP de 21.07.2021 era ilegal, não só pela errónea interpretação ao artigo já referido, mas também porque a mesma se revela violadora de normas e princípios.

LVII. Assim, com o devido respeito, andou mal o Acórdão recorrido quando decidiu que não só não se verificava a ilegalidade peticionada da Deliberação do CSMP de 21.07.2021, como também não deu provimento ao invocado erro nos pressupostos de facto e de direito, padecendo o mesmo de erro de julgamento.

LVIII. Razão pela qual, deve o Acórdão recorrido ser declarado nulo/anulado e substituído por outro que analise as ilegalidades suscitadas e as releve na decisão sobre a indevida aplicação do n.º 1 do artigo 243.º do EMP, bem como sobre a errada interpretação do n.º 4 do mesmo artigo, feita pelo CSMP.

LIX. Por sua vez, no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, a ora Recorrente alega na sua petição inicial que o não levantamento da suspensão da sua promoção, como permitido pelo já referido n.º 4 do artigo 243.º do EMP, viola este princípio, nas suas vertentes de proporcionalidade, necessidade e adequação.

LX. A Deliberação do Plenário do CSMP de 21.07.2021 afeta em termos desadequados e desproporcionais os direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente, e é suscetível de provocar danos superiores do que eventuais benefícios alcançáveis.

LXI. Ora, no caso em apreço a suspensão da promoção da ora Recorrente é uma medida desproporcional, na medida em que resulta de um processo disciplinar ilegal, nulo, pelo que não faz sentido, nem é justo para esta ver-se privada da efetivação da sua promoção com base numa ilegalidade.

LXII. Ao contrário da interpretação do douto Acórdão recorrido, a possibilidade prevista no n.º 1 do artigo 243.º do EMP não salvaguarda a verificação das ilegalidades do processo disciplinar.

LXIII. O objeto do presente recurso é igualmente a desproporcionalidade da Deliberação de suspensão da promoção da ora Recorrente, com fundamento num processo disciplinar ilegal e nulo e não a desproporcionalidade da sanção aplicada no pendente processo disciplinar – sem decisão final consolidada.

LXIV. São duas questões distintas, ainda que ambas tenham um dado em comum – são fundamentadas num processo disciplinar ilegal e nulo.

LXV. O que importava ser apreciado neste âmbito – o que, com a devida vénia, o Acórdão recorrido não logrou fazer – era a desproporcionalidade da decisão do CSMP de não levantar a suspensão da promoção da ora Recorrente, a qual se fundamenta num processo disciplinar que, como já amplamente referido, violou deveres fundamentais e disposições e princípios aplicáveis, tornando-se, por isso, ilegal e devendo ser declarado nulo.

LXVI. No entanto, o douto Tribunal interpretou esta questão de uma outra forma, apreciando esta matéria como se se tratasse de um juízo sem necessidade de tutela judicial, uma vez que a proporcionalidade da sanção disciplinar estava a ser apreciada numa outra ação.

LXVII. Ora, com a devida vénia, não foi isso que a Recorrente alegou em sede de petição inicial.

LXVIII. A questão prende-se, única e exclusivamente, em analisar se a decisão de não levantar a suspensão da promoção da Recorrente se revela desproporcional, uma vez que esta suspensão está fundamentada num processo disciplinar que se mostra indevido.

LXIX. Assim, logicamente, a decisão mais proporcional seria a de levantar a suspensão da promoção da Recorrente, face a todas as ilegalidades, nulidades e factos alegados por esta.

LXX. Ademais, com o devido respeito, o Acórdão recorrido faz uma errada interpretação, isto porque, se a Recorrente esperar pela decisão final sobre as ilegalidades do processo disciplinar, o mecanismo previsto no n.º 4 do artigo 243.º deixaria de ser útil.

LXXI. Uma vez que este mecanismo prevê a suspensão da promoção até à decisão final no processo disciplinar.

LXXII. O douto Acórdão erra mais uma vez quando refere que a suspensão da promoção da Recorrente não prejudica o interesse público e em especial os direitos desta.

LXXIII. Ora, desde logo, a questão da falta de Magistrados no Ministério Público é um interesse que afeta os direitos de todos os cidadãos, revelando-se, assim, prejudicial para o interesse público.

LXXIV. Tal défice resultará num atraso da justiça, o que, com o devido respeito, se revela muito prejudicial para o interesse público – no qual, naturalmente se inclui o interesse da ora Recorrente.

LXXV. Ora, se a vaga da Recorrente fica necessariamente reservada, com fundamento no artigo 243.º, n.º 1, tal agravará certamente o défice de Magistrados junto do Tribunal Central Administrativo ……

LXXVI. É certo que cabe ao CSMP decidir sobre a gestão dos quadros do Ministério Público, no entanto, é notório o prejuízo que tal acarreta para o interesse público, pelo que, naturalmente, cabia ao douto Acórdão ter agido em conformidade e minimizar esses prejuízos.

LXXVII. Ora, com o devido respeito, nenhuma indemnização ou restituição de quantias pode cobrir a ausência do efetivo exercício de tais funções.

LXXVIII. Assim, não se pode aceitar que o CSMP não utilize o mecanismo previsto no n.º 4 do artigo 243.º, pois que, se existe situação em que ao mesmo se deva recorrer, é precisamente a da ora Recorrente – em que é manifestamente claro as vicissitudes e ilegalidades do processo disciplinar.

LXXIX. E nem se diga que o referido n.º 4 recai na esfera de discricionariedade do CSMP, porquanto, existem limites ao poder discricionário, impondo-se ao douto Tribunal que os aprecie e constate se os mesmos se encontram ultrapassados.

LXXX. A discricionariedade presente no caso em apreço, concretamente a decisão de não recorrer ao n.º 4 e, consequentemente, não levantar a suspensão da promoção da Recorrente pode ser sindicável aos Tribunais, desde que, para tal, se verifique que a referida decisão enferma de erro manifesto, crasso ou grosseiro, ou se os critérios utilizados na decisão foram ostensivamente desajustados e desproporcionais.

LXXXI. Acrescente-se que, a interpretação e aplicação de conceitos indeterminados constitui uma atividade vinculada, jurisdicionalmente controlável.

LXXXII. Assim, exigia-se que a interpretação do CSMP estivesse conforme as normas aplicáveis, devendo a decisão a proferir ser fundamentada de facto e de direito – o que não ocorreu.

LXXXIII. Ademais, cabe referir que no que diz respeito à matéria de facto dada como provada, mantém-se a omissão do CSMP face ao repetidamente alegado, concretamente, artigos 7.º, 9.º, 34.º a 36.º, 42.º, 47.º, 53.º, 54.º, 59.º, 85.º a 88.º da petição inicial.

LXXXIV. Ora, na situação em análise, além de não ter existido uma decisão devidamente fundamentada sobre a não aplicação do n.º 4 do artigo 243.º do EMP – quando assim foi requerido e suscitado pela Recorrente, note-se a omissão de pronúncia supra referida – o CSMP não logrou apreciar a situação com respeito pelos princípios e normas aplicáveis.

LXXXV. Desde logo, fez – como já referido supra – uma interpretação errada da norma, demonstrando que desconhece os requisitos para a sua aplicação, que como amplamente demonstrado não pode proceder.

LXXXVI. Além de que, não se debruçou sobre a questão, procurando analisar a mesma através de uma ponderação e juízos proporcionais, face a toda a factualidade existente.

LXXXVII. Ora, se é manifesto que existem circunstâncias e factos no processo disciplinar da ora Recorrente que consubstanciam nulidades processuais essenciais, lógico seria ponderar de facto e de direito, mediante juízos de proporcionalidade e adequação, se esta não seria uma situação para se recorrer à faculdade prevista no n.º 4 do artigo 243.º.

LXXXVIII. Assim, é manifesto que a sua decisão de não aplicação da faculdade prevista no n.º 4 padece de erro grosseiro por contaminação dos actos subsequentes, sendo por isso, necessária a intervenção dos Tribunais.

LXXXIX. Razão pela qual, na sua petição inicial, a ora Recorrente submeteu tal situação à sindicância do douto Tribunal recorrido.

XC. Cabia ao douto Tribunal ter apreciado a situação ora em crise, mediante uma análise de todos os argumentos e factos invocados e juízos ponderativos – os quais demonstram a existência de nulidades no processo disciplinar.

XCI. O controlo exigido não incide sobre o poder discricionário do CSMP, mas sim sobre o modo como este foi exercido.

XCII. Não obstante, o douto Acórdão ora recorrido, ao invés de apreciar a legalidade e o modo de exercício do poder discricionário, fez uma interpretação totalmente desarreigada e sem qualquer fundamento das palavras da Exma. Senhora Procuradora-Geral da República.

XCIII. Assim, com o devido respeito, mais uma vez incorre em erro de julgamento o douto Acórdão ora recorrido quando referiu que esta era uma matéria da competência do CSMP e que, em face do seu poder discricionário, não estava sujeito à apreciação dos Tribunais.

XCIV. A Recorrente invocou na sua petição inicial que se está perante uma violação do princípio da justiça, consagrado no artigo 6.º do CPA, uma vez que o interesse público não foi salvaguardado e protegido, além de que os interesses desta foram restringidos sem qualquer fundamento, pois que a suspensão da sua promoção tem por base um processo disciplinar ilegal.

XCV. Ainda que em causa não esteja a apreciação das ilegalidades existentes no processo disciplinar, certo é que a apreciação destas se impõe, porquanto o que está em causa no processo em apreço é a ilegalidade da Deliberação do Plenário do CSMP de 21.07.2021.

XCVI. Como tal, para que se possa apreciar a ilegalidade referida, é necessário que o douto Tribunal a quo apreciasse as ilegalidades e nulidades invocadas, não se bastando com uma análise superficial das mesmas.

XCVII. A Recorrente peticiona a ilegalidade da Deliberação do Plenário do CSMP, com fundamento na violação de princípios e normas aplicáveis, além de invocar que a mesma padece de vício de violação por erro nos pressupostos de facto e de direito.

XCVIII. E tal, deve-se à errada e ilegal interpretação feita pela Exma. Senhora Procuradora- Geral da República, na sessão de 21.07.2021, quando se debruçou sobre a possibilidade prevista no artigo 243.º, n.º 4 do EMP, concretamente, a faculdade de levantamento da suspensão da promoção da ora Recorrente.

XCIX. Ou seja, o que se impunha era uma análise criteriosa dos argumentos invocados pela Recorrente, nomeadamente das nulidades e ilegalidades de que padece o processo disciplinar, para que se pudesse concluir não só pela errada interpretação, como também pelo dever de aplicar o mecanismo do referido artigo.

C. Logicamente, a Recorrente não pretendia que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre as nulidades e ilegalidades invocadas, mas tão só que analisasse criteriosamente as mesmas, por forma a poder decidir sobre o objeto em causa, concretamente, o pedido constante da alínea d) da petição inicial.

CI. Objeto esse que está totalmente relacionado com as nulidades e ilegalidades invocadas.

CII. Na sua atuação a Administração deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares afetados.

CIII. A justiça do ato administrativo prende-se com a sua adequação à necessária harmonia entre o interesse público específico que ele deve prosseguir e os direitos e os interesses legítimos dos particulares eventualmente afetados pelo ato.

CIV. No caso em apreço, como já referido supra, tal não sucede.

CV. Assim, com o devido respeito, andou mal o Acórdão ora recorrido ao não se debruçar sobre as matérias devidas, bem como por decidir nos termos em que decidiu, concretamente, pela improcedência da invalidade do ato impugnado.

CVI. Razão pela qual, deve o mesmo ser declarado nulo e, consequentemente, substituído por outro que decida pela procedência dos pedidos da ora Recorrente.

Nestes termos e nos mais de direito, se requer que:

Seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, seja substituído o Acórdão ora em crise, por outro que:

a. Julgue procedente a declaração de nulidade da Deliberação do Plenário do CSMP de 21.07.2021, que determina a suspensão da promoção da ora Recorrente, com fundamento no artigo 243.º do EMP, bem como de todos os atos subsequentes que lhe dêem cumprimento, por violação de direito fundamental e por se encontrarem baseados num ato nulo;

b. Sejam procedentes as nulidades de que padece o douto Acórdão recorrido, ora invocadas;

c. Seja determinado ao CSMP que pondere o levantamento da suspensão da promoção da ora Recorrente, no adequado e necessário procedimento, com prévia audição da Recorrente, contendo a Deliberação fundamentação reforçada dada a natureza do ato;

d. Se assim não se entender, o que apenas se equaciona por cautela de patrocínio, deve ser a Deliberação de 21.07.2021 e a suspensão da promoção da Recorrente anuladas, por se revelarem violadoras dos princípios da proporcionalidade e da justiça, com fundamento no artigo 163.º do CPA.

JUSTIÇA.[…]».


6 – O Recorrido apresentou contra-alegações em que pugnou pela manutenção do julgado.


Cumpre apreciar e decidir

II – Fundamentação

II. 1. De facto

No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
«[…]

1) A Autora é Magistrada do Ministério Público, desde 1976, ora na categoria de Procuradora da República (acordo das partes).

2) Tem mais de 68 anos de idade e conta, na presente data, com mais de 44 anos ao serviço exclusivo da referida Magistratura (acordo das partes).

3) Após ter exercido durante várias décadas nos tribunais judiciais, desde 2002 encontra-se na jurisdição administrativa, ora a exercer funções no Tribunal Administrativo de Círculo de ….. (acordo das partes).

4) Anteriormente, exerceu-as no Tribunal Administrativo e Fiscal de …… (acordo das partes).

5) Foi Coordenadora no Tribunal Administrativo e Fiscal de …. e no Tribunal Administrativo de Círculo de ….. (2004; 2013/2014) (acordo das partes).

6) Tem classificação de mérito (Muito Bom), tendo a sua primeira nota na carreira sido de Bom com Distinção (acordo das partes).

7) Foi formadora de vários auditores de justiça, hoje Procuradores-Gerais Adjuntos Jubilados, nos Tribunais e Centro de Estudos Judiciários, para Procuradores da República recentemente colocados na jurisdição administrativa (acordo das partes).

8) No final do ano de 2020, foi chamada pela Procuradoria-Geral da República ao 1.º Concurso Curricular de Acesso a Procurador-Geral Adjunto, tendo no mesmo ficado graduada (acordo das partes).

9) Por Aviso, publicado no SIMP, em 20/11/2020, foi determinada a abertura do 1.º concurso curricular de acesso à categoria de Procurador-Geral-Adjunto (PGA), ao abrigo dos artigos 148.º e 149.º do Estatuto do Ministério Público e dos artigos 3.º a 5.º do Regulamento de Movimento dos Magistrados do Ministério Público. (Doc. 1 junto com a contestação).

10) Na sequência do referido concurso, a Autora foi graduada, em 14/4/2021, para promoção a PGA (acordo das partes).

11) No Movimento Ordinário de Magistrados do Ministério Público de 2021, aprovado pelo CSMP na sua sessão plenária de 21/7/2021, foi promovida e colocada no TCA …., como auxiliar (Docs. 2 e 3 juntos com a p.i.).

12) Promoção e nomeação essas suspensas, por ter pendente contra si um processo disciplinar, ficando reservada a vaga até à decisão final do processo disciplinar, nos termos e de acordo com o estatuído no art. 243.º n.º 1 do EMP (ata n.º 39/2021, de 21/7/2021, junta como Doc. 1 com a p.i., e Doc. 3 junto com a p.i.).

13) O referido processo disciplinar foi instaurado, sob proposta do instrutor nomeado, na sequência do inquérito disciplinar n.º ……., instaurado em 6/11/2018, para averiguação da conduta da Autora no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de ….. (acordo das partes).

14) O inquérito foi convertido em processo disciplinar, com o n.º ……, constituindo aquele a base instrutória do processo disciplinar, por despacho proferido pelo Senhor Vice-Procurador-Geral da República em 28/10/2019 (acordo das partes).

15) O Instrutor do processo disciplinar, designado no despacho supra mencionado, deduziu, em 4/11/2019, a respetiva acusação, imputando à Autora a violação dos deveres de correção, zelo, lealdade e de prossecução do interesse público e propôs a aplicação de uma pena disciplinar de suspensão de exercício de funções, suspensa na sua execução (acordo das partes).

16) Após a Autora ter apresentado defesa escrita em 9/12/2019, a Instrutora do processo disciplinar elaborou, em 15/4/2020, o Relatório Final mantendo, no essencial, a proposta de aplicação de uma pena única disciplinar de suspensão de exercício, suspensa na sua execução, pelo período de 18 meses, por se mostrarem reunidos os pressupostos do art. 224.º n.ºs 1 e 2, do EMP (acordo das partes).

17) O Acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 2/6/2020, acolheu parcialmente a proposta do instrutor do processo e determinou a aplicação à Autora da pena disciplinar efetiva de 120 dias de suspensão (acordo das partes).

18) Deste Acórdão foi apresentada reclamação para o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, que, em 16/10/2020, declarou nulo o acórdão da Secção Disciplinar do mesmo Conselho e determinou a remessa dos autos à fase de instrução para suprir os vícios assinalados e ser completada a base instrutória (acordo das partes).

19) Vindo assim a ser efetuado, designadamente, interrogatório complementar da arguida e a serem realizadas as diligências instrutórias requeridas (acordo das partes).

20) Em 19/1/2021 foi novamente proferido despacho de conversão do processo de inquérito em disciplinar, com idêntico conteúdo ao proferido em 28/10/2019, tendo o Senhor Vice-Procurador-Geral designado como instrutora, a Dra. B……., prosseguindo os autos de processo disciplinar a subsequente tramitação processual, não se encontrando aplicada pena disciplinar firmada na ordem jurídica (acordo das partes).

21) Na sequência da graduação, no 1.º procedimento concursal de acesso à categoria de PGA, o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público analisou, em 21/7/2021, a situação da Autora e, por esta ter pendente um processo disciplinar, manteve a suspensão da sua promoção de acordo com o estatuído no nº 1 do art. 243º do EMP (Docs. 1 e 3 juntos com a p.i.).

22) No dia …… foi publicado no DR 2ª Série, o extrato da Deliberação nº ….., que aprovou o Movimento de Magistrados do Ministério Público de 2021, em que constava a menção de «vaga reservada nos termos do art. 243.º n.º 1 do EMP», conforme deliberado (Doc. 3 junto com a p.i.).

23) Assim, a Autora não tomou posse na categoria de PGA, em 3/9/2021, ficando a promoção e subsequente nomeação, como auxiliar, para o TCA ….., a aguardar a decisão final do processo disciplinar (Doc. 3 junto com a p.i., e acordo das partes).

[…]».


II.2. De direito

2.1. A Recorrente começa por alegar a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (conclusões III e IV), sustentado que aquela decisão “se escusou” a apreciar e ponderar a sanção aplicada pelo CSMP a respeito da violação do princípio da proporcionalidade.

No acórdão de 14.07.2022, em que se rejeita a existência desta nulidade, o Tribunal transcreve a passagem do acórdão de 21.04.2022 na qual se tratou da questão e de onde resulta evidente a improcedência da alegada nulidade.

No essencial, a agora Recorrente impugnou nos presentes autos a deliberação do CSMP que suspendeu a sua promoção ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 243.º do EMP, em virtude de contra ela pender processo disciplinar. E a A. alegava na acção que o CSMP deveria de ter determinado o levantamento do efeito suspensivo ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 243.º do EMP, por aplicação do princípio da proporcionalidade, uma vez que o processo disciplinar enfermava de ilegalidade, o que consubstanciava um dos fundamentos de ilegalidade da decisão impugnada.

Sobre este vício imputado ao acto impugnado sustentou-se no acórdão agora recorrido que a alegada ilegalidade do processo disciplinar e da pena nele aplicada eram objecto de apreciação no processo que correria termos neste Tribunal sob o n.º 6/21.6BALSB e que, nessa medida, a proporcionalidade ou desproporcionalidade da não aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 243.º do EMP, na parte em que era reclamado um juízo sobre a eventual ilegalidade do processo disciplinar, ficava prejudicado pela pendência da referida acção. Acrescia que, no restante, a solução adoptada na decisão recorrida não se revelava desproporcionada, por a suspensão corresponder à regra decorrente do n.º 1 do artigo 243.º, ou seja, por ser a ponderação, por defeito, efectuada pelo legislador para a adopção de medidas decorrentes da pendência de processos disciplinares.

Ora, a leitura do acórdão recorrido no trecho em que se cuidam dos aspectos antes mencionados é suficiente para se compreender que inexiste a alegada omissão de pronúncia, pois a questão colocada pela A. foi directamente enfrentada na decisão agora recorrida. Assim, a haver algum vício que pudesse ser imputado ao acórdão recorrido, teria sempre de configurar-se como erro de julgamento e não como omissão de pronúncia; incluindo a referência à não apreciação da legalidade do processo disciplinar face à pendência de outra acção com esse objecto.

2.2. Em segundo lugar, a A. imputa ainda nulidade ao acórdão recorrido por excesso de pronúncia (conclusões V a XIV), alegando que o mesmo “excedeu os limites interpretativos do acto administrativo, retirando ao mesmo sentidos e significados que não tinham correspondência com o elemento literal”, reportando-se, novamente, à referência que no aresto recorrido se faz ao proc. 6/21.6BALSB.

Mas, uma vez mais, sem razão, pois a referência àquele processo limitou-se a sustentar a decisão de não considerar procedente a invocada ilegalidade do acto recorrido com fundamento na desproporcionalidade da não decisão de suspensão da medida disciplinar face à alegada imputação de nulidade ao processo disciplinar. E a referência ao dito processo 6/21.6BALSB consubstancia um facto de que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, pelo que não carece de alegação, nos termos do n.º 2 do artigo 412.º do CPC. Acresce ainda que a dita referência não se traduz no conhecimento de qualquer questão que não tivesse sido suscitada pela A.. Pelo contrário, é um fundamento da decisão que justifica, precisamente, a resposta à questão suscitada pela A. a respeito de uma das alegadas causas de invalidade por desproporção do acto impugnado. Assim, novamente, qualquer ilegalidade imputável a este fundamento da decisão teria sempre de reconduzir-se a um erro de julgamento.

Improcede, pelas razões avançadas, também o fundamento de nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia.

2.3. Nas conclusões XV e XXIII a XL a Recorrente contesta os factos dados como assentes por acordo, alegando que o mesmo não existiu. E, em concreto, argumenta que existe erro no julgamento da matéria de facto quanto ao ponto 19, uma vez que não existiu acordo e dos elementos constantes do processo não se pode dar como provado que tenha sido efectuado o interrogatório complementar da arguida e realizadas as diligências instrutórias por ela requeridas. Contudo, o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo apenas conhece de matéria de direito (artigo 12.º, n.º 3 do ETAF), pelo que não se conhece deste segmento do recurso.

2.4. A Recorrente alega também a existência de erro de julgamento a propósito da interpretação do n.º 4 do artigo 243.º do EMP (conclusões XLI a LVIII). No essencial, a Recorrente argumenta que o CSMP interpretou erradamente aquela norma ao considerar que o levantamento da suspensão, previsto no n.º 4 do dito artigo 243.º do EMP, só poderia ter lugar se o magistrado tivesse sido promovido e que o Tribunal a quo reiterou aquela interpretação.

Mas sem razão.

Nem um tal sentido se retira das palavras da Ex.ma Senhora Procuradora-Geral da República transcritas na conclusão XLI, nem o acórdão recorrido sufragou tal entendimento.

O que se retira da interpretação da norma feita pelo CSMP e pelo Tribunal a quo é que a suspensão determinada ex vi lege pelo n.º 1 do artigo 243.º do EMP pode ser levantada em casos devidamente fundamentados, desde que, previamente, o Magistrado do Ministério Público contra quem esteja pendente o processo disciplinar (ou criminal) tenha sido graduado para promoção ou nomeação e tenha ficado suspenso o respectivo acto de promoção ou nomeação, pois se tal não tiver ocorrido, também não teria sentido falar no “levantamento da suspensão”. É, aliás, esse o sentido que se retira, expressamente, da seguinte passagem do acórdão recorrido: “(…) Pois, repete-se, o que se notou ali é que, para um eventual levantamento da suspensão da promoção era, logicamente, necessário aplicar antes a suspensão da promoção (que não constava, e devia constar, do projeto do Movimento) (…)”.

Trata-se de uma interpretação correcta da norma e conforme ao respectivo teor literal. No fundo, a solução legislativa, da qual resulta automaticamente uma resolução do conflito entre a pendência de um processo disciplinar (ou criminal) e a prática, durante essa pendência, de um acto de graduação para promoção ou nomeação de um Magistrado do MP, é a de que essa graduação não fica prejudicada, nem prejudicada fica a promoção ou graduação, havendo apenas lugar a um diferimento temporal da mesma até à decisão final do respectivo processo, mediante a suspensão daquele acto (de promoção ou nomeação) e a reserva da respectiva vaga. Complementarmente, prevê-se ainda a possibilidade de em situações devidamente fundamentadas (segundo um juízo de oportunidade a cargo do CSMP e fundado no direito) ser admitido o levantamento daquela suspensão (decorrente do n.º 1 do preceito legal) e, consequentemente, a promoção ou a nomeação do magistrado na pendência do processo disciplinar ou criminal.

Improcede, portanto, o alegado erro de julgamento quanto à interpretação do disposto no n.º 4 do artigo 243.º do EMP e aos respectivos pressupostos de direito e de facto.

2.5. A Recorrente alega ainda erro de julgamento a respeito da interpretação e aplicação in casu do princípio da proporcionalidade. No fundo, a Recorrente entende que o não levantamento da suspensão neste caso, nos termos do n.º 4 do artigo 243.º do EMP, consubstancia uma violação do princípio da proporcionalidade (conclusões LIX a XCIII). E sustenta essa violação no facto de o processo disciplinar em causa estar ferido de ilegalidade.

Ora, o Tribunal a quo considerou que a argumentação tinha de improceder na medida em que a suspensão não podia considerar-se, em si, desproporcionada e ainda que o fundamento alegado pela A. para sustentar a desproporcionalidade da medida, que era a ilegalidade do processo disciplinar, não podia ser conhecido nesta sede, até por, desde logo, estar a ser objecto de apreciação em outro processo pendente no Tribunal. E a solução a que chega a decisão recorrida não merece censura. Vejamos.

Tem razão a decisão recorrida quando considera que a medida de suspensão, tal como está prevista e regulada no n.º 1 do artigo 243.º do EMP, é, em si, adequada e proporcional, porquanto harmoniza - segundo um juízo óptimo de concordância prática - os interesses em conflito. A saber: o interesse do Magistrado do MP, que não perde a chance da promoção ou nomeação em razão da pendência do processo disciplinar ou crime (sendo promovido uma vez terminado aquele com uma decisão que não obste a esse resultado) e que vê ainda salvaguardados os eventuais prejuízos financeiros decorrentes daquele diferimento (veja-se o n.º 2 do artigo 243.º do EMP acautela, também, os efeitos remuneratórios com eficácia desde a data em que a promoção ou nomeação poderia ter tido lugar), e o interesse institucional em obstar à promoção ou graduação de um magistrado sobre o qual recaem indícios de violação de deveres profissionais ou de haver cometido um ilícito criminal.

Tem também razão a decisão recorrida quando considera que dos elementos de facto constantes dos autos não se infere que tivessem existido razões ponderosas que justificassem o levantamento daquela suspensão, uma vez que a alegada ilegalidade do processo disciplinar não era evidente e estava até em apreciação em outro processo pendente no Tribunal, pelo que não se podia dizer que o não uso daquela medida pelo CSMP se pudesse considerar desadequado ou excessivo face aos elementos dados como provados nos autos – a saber: a efectiva pendência de um processo disciplinar e o carácter controvertido da sua alegada ilegalidade (atenta a pendência de um processo em que a mesma estava a ser analisada) impedia o tribunal, no âmbito deste processo, de adentrar no mérito da legalidade ou ilegalidade do dito processo disciplinar.

Em outras palavras, o aresto recorrido considerou que, estando verificados os pressupostos de facto do n.º 1 do artigo 243.º do EMP, não avultavam dos autos razões adequadas para sustentar a ilegalidade do não levantamento da suspensão prevista naquela norma. Pelo contrário, afigurava-se totalmente infundada no plano jurídico a pretensão da Recorrente para o Tribunal a quo julgar procedente o argumento da desproporcionalidade da “decisão” de não levantamento da suspensão com base na argumentação expendida pela A. a propósito da ilegalidade do processo disciplinar, em apreciação em outro processo.

2.6. Também não procede o alegado erro de julgamento por falta de ponderação na decisão recorrida do interesse público subjacente à falta de magistrados do MP (conclusões LXXIII a LXXVI), uma vez que um tal juízo, primeiro, não consta da decisão recorrida e, em segundo lugar, extrapola o âmbito dos poderes de sindicância dessa decisão no âmbito do presente recurso e o mesmo é válido para o enquadramento de um tal argumento no âmbito de uma violação do princípio da justiça, previsto no artigo 6.º do CPA (conclusão XCIV).

2.7. Por último, contrariamente ao que defende a Recorrente, a questão recursiva aqui em apreço limita-se à correcta aplicação ou não ao circunstancialismo do caso do disposto no artigo 243.º do EMP, mais precisamente, na parte em que o CSMP não decidiu levantar a suspensão do n.º 1 do artigo 243.º do EMP nos termos do disposto no n.º 4 do mesmo artigo. E tal como concluiu a decisão recorrida, pelas razões antes aduzidas, o não levantamento da suspensão não merece a censura que a A. e aqui Recorrente lhe pretende atribuir, pois o não accionamento daquela faculdade, atenta a factualidade apurada, não se revela desproporcionado.

No mais, cai fora do âmbito do presente recurso o conhecimento da questão da conformidade jurídica ou não dos actos praticados no âmbito do processo disciplinar que dá causa à suspensão prevista no n.º 1 do artigo 243.º do EMP, por se tratar de uma questão diferente e que, como também se afirmou na decisão aqui recorrida, corre os seus termos em outro processo pendente neste Tribunal. Por essa razão, não cabe conhecer dos segmentos recursivos em que se questiona a legalidade daquele processo.

III. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes do Pleno do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 24 de Novembro de 2022. - Suzana Maria Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - José Francisco Fonseca da Paz - Ana Paula Soares Leite Martins Portela - Cláudio Ramos Monteiro.