Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:042/13
Data do Acordão:02/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
ACTO LESIVO
SUSPENSÃO DA VENDA
Sumário:I - Podem ser objecto de reclamação, ao abrigo do disposto no art. 276º do CPPT, quaisquer actos praticados no processo de execução fiscal pela Administração Tributária desde que sejam lesivos.
II - O despacho proferido pelo Órgão da Execução Fiscal que se limita a informar o reclamante que o procedimento de suspensão da venda por quinze dias depende do pagamento do valor mínimo de 20% do valor da dívida, nos termos do disposto no art. 264º, nº 4, do CPPT, sendo desprovido de conteúdo inovador ou perceptivo nada decidido ou alterando a esfera jurídica do recorrente, não preenche o requisito da lesividade, sendo inimpugnável.
Nº Convencional:JSTA00068091
Nº do Documento:SA220130206042
Data de Entrada:01/14/2013
Recorrente:A.....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - RECURSO JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPPT99 ART264 N4 ART276
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLI 5ED PAG647 E SEGS.
VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 11ED ALMEDINA 2011 PAG183.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A….., identificado nos autos, reclamou do despacho do Órgão de Execução Fiscal, de 3 de Julho de 2012, proferido na sequência de um pedido de suspensão da venda de imóvel por leilão electrónico, no Tribunal Tributário de Lisboa, que decidiu absolver da instância a Fazenda Pública.

2. Não se conformando, o então reclamante veio interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões das suas alegações:
“1. O presente recurso tem por objecto a decisão proferida, pela 1.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa, que decidiu julgar improcedente a Reclamação Judicial apresentada, pelo Recorrente, solicitando a anulação do despacho emitido, pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras, no âmbito do procedimento de venda do prédio urbano propriedade do Recorrente, sito na ……., ……., Lote ……. inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ……., concelho de Torres Vedras, sob o artigo 9449, descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva, na ficha 6966/20070215.
2. O Recorrente possui uma divida, perante a Autoridade Tributária, respeitante a IRS, referente aos anos de 2008 e 2009, no montante de €101.612,02, a qual se lhe encontra a ser exigida em processo de execução fiscal.
3. O Recorrente apresentou pedido para pagamento a prestações da mencionada divida, no âmbito do mencionado processo de execução fiscal, tendo apresentado, como garantia real, um imóvel sua propriedade devidamente identificado nos autos - cfr. ponto 7 a fls. 322 da douta sentença recorrida.
4. Foi deferido, ao Recorrente, o pedido para pagamento prestacional da dívida, o qual o Recorrente não conseguiu cumprir.
5. A Autoridade Tributária decidiu avançar, no âmbito do referido processo de execução fiscal, para a venda do imóvel identificado no ponto 1 das presentes conclusões, face ao incumprimento do plano prestacional, por parte do Recorrente.
6. O imóvel em apreço já se encontrava onerado com três hipotecas legais, constituídas por instituições financeiras, aquando do registo da hipoteca constituída pela Autoridade Tributária.
7. As hipotecas legais constituídas, pelas instituições financeiras, perfazem um valor total de € 1.066.523,27.
8. A hipoteca constituída, pela Autoridade Tributária, foi a última a ser registada.
9. O valor base de venda do imóvel em apreço, no âmbito do procedimento iniciado pela Autoridade Tributária, ascende a € 82.803,00.
10. Já após iniciado o procedimento de venda do mesmo, o Recorrente apresentou pedido para suspensão do procedimento de venda do imóvel.
11. Em resposta, a Autoridade Tributária emite um despacho, no qual não se pronuncia sobre o pedido do Recorrente, limitando-se a citar a legislação aplicável.
12. Na senda de Diogo Freitas do Amaral, no seu Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 4ª reimpressão, 2004, entende-se por acto administrativo negativo aquele que consiste na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica, nomeadamente o silêncio voluntário perante um pedido apresentado à Administração por um particular.
13. À luz da definição mencionada no ponto anterior, conclui-se que o despacho em apreço constitui um acto administrativo negativo, por omissão de pronúncia da Autoridade Tributária, ao pedido efectuado pelo Recorrente.
14. Em resultado, o Recorrente presumiu o indeferimento do pedido mencionado no ponto 10 das presentes conclusões.
15. Por se tratar de um acto administrativo decisório, o mesmo é passível de sindicância judicial.
16. Não concordando com o indeferimento do seu pedido, o Recorrente apresentou Reclamação Judicial.
17. Para o efeito, alegou que a Autoridade Tributária carecia de interesse em agir dado que a venda do imóvel não lhe permitiria recuperar o montante em divida, em face da preferência das hipotecas previamente constituídas.
18. De facto, conforme acima alegado, o valor das hipotecas preferenciais, face à da Autoridade Tributária, representam 1287% do valor base pelo qual o imóvel irá ser vendido.
19. O valor € 1.066.523,27 respeita somente às hipotecas constituídas pelas instituições financeiras e não considera a divida perante a Autoridade Tributária, a qual só seria liquidada após a satisfação das restantes hipotecas preferenciais.
20. Em face do exposto no ponto anterior, não se pode considerar plausível que a venda do imóvel, pelo valor base de € 82.803,00, gerasse uma receita superior a €1.066.523,27 - valor necessário para liquidar totalmente a dívida perante as instituições financeiras - para satisfação da divida do Recorrente, para com a Autoridade Tributária.
21. O conceito doutrinário de interesse em agir consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção tendo em vista a satisfação de uma necessidade actual que, só através da via utilizada, é possível dirimir e dai retirar uma certa utilidade.
22. Os Senhores Professores ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA falam, inclusivamente, numa “necessidade justificada, razoável, fundada” de lançar mão do processo e/ou fazer prosseguir a acção.
23. Na presente situação, verifica-se que não existe qualquer necessidade que cumpra tal definição. Não se justifica o uso do processo de venda do imóvel, nem o seu uso se apresenta como razoável ou fundado considerando os argumentos expostos nas conclusões 8 a 12 acima.
24. Assim, inexiste interesse em agir no processo de venda de um imóvel em que o Executante de tal venda — a Autoridade Tributária — possui apenas a quarta hipoteca sobre o imóvel, existindo três hipotecas preferenciais que consumirão qualquer receita obtida com a venda do referido imóvel.
25. Pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a decisão recorrida, sendo declarado anulado o despacho recorrido, bem como o procedimento de venda do imóvel no âmbito do qual foi emitido.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverão V. Exas. julgar procedente o presente recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, declarando anulado o despacho recorrido, bem como o procedimento de venda do imóvel no âmbito do qual foi emitido.

3. Não houve contra-alegações.

4. Admitido o recurso para este STA, o Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido do provimento do recurso, conforme o seguinte parecer:
“(…) A nosso ver o recurso merece provimento.
A questão controvertida consiste em saber se a acto sindicado praticado pela AT é um acto decisório lesivo, susceptível de impugnação contenciosa.
Estabelecendo o direito do acesso à justiça tributária os artigos 9.°/2 e 95.°/1 da LGT estabelecem o direito dos interessados impugnarem os actos lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
A título exemplificativa o normativo do artigo 95.°/2 da LGT enuncia alguns tipos de actos que podem ser lesivos.
Entre eles, na alínea j), indica os actos praticados na execução fiscal.
Para além dos referidos actos serão impugnáveis contenciosamente “…todos os actos que sejam susceptíveis de afectar negativamente a esfera jurídica dos particulares, quer retirando-lhes direitos ou obrigações, quer recusando-lhe o reconhecimento dos direitos ou a satisfação de pretensões.
Devem considerar-se lesivos os actos administrativos que tenham repercussão negativa imediata na esfera jurídica dos seus destinatários, quando a sua lesividade não puder ser diferida por meios administrativos de impugnação” (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, II volume, página 28.)
Conforme resulta do probatório e dos autos (fls. 219), em 2 de Julho de 2012, o recorrente endereçou um mail à A. T. solicitando a suspensão da venda do bem imóvel por mais 15 dias a contar do dia 18 de Julho de 2012 (data agendada par a venda), alegando que pretende liquidar a dívida, sendo certo que, para o efeito, necessita de concluir o processo de venda de diversos bens actualmente em curso.
A essa pretensão, expressamente, formulada pelo recorrente respondeu a AT, através do mau, que faz fls. 220 e do seguinte teor “No seguimento do mail de 02/07, e conforme já foi referido nos vários contactos telefónicos efectuados, a suspensão do procedimento da venda apenas poderá ser efectuada mediante o pagamento de um mínimo de 20% do valor da dívida instaurada, conforme n.° 4 do art. 24.° do CPPT”.
Ora, salvo melhor opinião, o acto atrás referido é um acto de indeferimento, pelo menos implícito, da formulada pretensão de suspensão da venda do imóvel.
De facto, ao decidir como decidiu, isto é, que a suspensão da venda tem como pressuposto básico, o pagamento de 20% do valor da dívida, situação que não se verifica, indeferiu a pretensão do recorrente
Qualquer declaratário normal colocado na posição do recorrente não deixaria de tirar essa ilação.
Portanto, o acto em causa, que recusando a satisfação da pretensão do recorrente é um acto lesivo pare efeitos de impugnação contenciosa.
Não podemos, pois, estar de acordo, com a sentença recorrida, quando sustenta a falta de lesividade/inimpugnabilidade do acto em causa, no entendimento de que se trata de um acto informativo/não decisório.
A sentença recorrida deve, pois, ser revogada.
Nos termos do estatuído nos artigos 726.° e 715.° nº 2 do CPC, uma vez que se mostra fixada a atinente factualidade, parece-nos que, salvo melhor juízo, deve o STA, em substituição do tribunal recorrido, conhecer da questão de mérito, para o que deverão as partes ser, previamente, ouvidas pelo prazo de 10 dias.
Todavia, desde já avançamos que quanto ao mérito da causa, pelas razões constantes do parecer do MP junto da 1ª instância, exarada a fls. 315/316, cujo discurso fundamentador, com a devida vénia, se subscreve, o recorrente não tem razão, pelo que deve ser julgada improcedente a reclamação, mantendo-se o acto sindicado na ordem jurídica.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar-se a sentença recorrida e, em substituição do tribunal recorrido, conhecer-se da questão de mérito, depois de ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, julgando-se improcedente a reclamação e mantendo-se o acto sindicado na ordem jurídica”.

5. Com dispensa de vistos, por o processo ser urgente, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1. DE FACTO
A sentença recorrida deu como assente a seguinte factualidade:
“1. Pende no Serviço de Finanças de Torres Vedras a execução fiscal n°1589200901091867, instaurada a 23 de outubro de 2009, em que é Executado o Reclamante, A……., tido como residente na ……. ……., ………, ………, …….. [2560], Torres Vedras, visando a cobrança coerciva de dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2008, no montante de €14.284,36, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 30 de setembro de 2009, bem como visando a cobrança do seu acrescido.
2. A esse processo executivo foi associado um outro com o n°1589201101018370, visando-se aqui a cobrança coerciva de dívida proveniente do mesmo Imposto e seu acrescido, mas referente ao ano de 2009 e no montante de €86.031,41 e, ainda, visando a cobrança de juros compensatórios no valor de €1.296,25, tendo os respetivos prazos de pagamento voluntário terminado a 3 de março de 2011.
3. Em 20 de maio de 2011 o Reclamante foi citado para os termos desses processos.
4. E, nessa mesma data, o Órgão de Execução Fiscal procedeu à penhora do imóvel que lhe pertence, um prédio urbano destinado a habitação, sito na ………, ……… lote ……., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …….., concelho de Torres Vedras, sob o art.9449° [cujo valor patrimonial é de €118.290, segundo avaliação nos temos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis], descrito na Conservatória respetiva na ficha 6966/20070215.
5. Aquela penhora foi levada ao Registo a 1 de junho de 2011, quando sobre o imóvel pendiam já registadas as seguintes hipotecas:
a. voluntária, de 24 de julho de 2009, a favor de Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), S. A., garantindo valor até €344.553,17;
b. voluntária, de 19 de novembro de 2010, a favor daquele Banco, garantindo valor até €64.207;
c. voluntária, de 8 de agosto de 2011, a favor de Brazil Capital Partners, Ltd., garantindo valor até €657.293,10.
6. O Reclamante formularia a 22 de julho de 2011 um pedido no sentido de poder pagar a dívida no número máximo de prestações legalmente admissível, pedido esse! que depois ter sido considerado devidamente instruído, lhe foi deferido por despacho de 9 de agosto de 2011, em 36 prestações mensais e sucessivas, sob condição de prestar garantia idónea, em quinze dias, para a qual foi indicado o valor de €134.077,66, do que o Reclamante foi notificado a 24 desse mês.
7. A 7 de setembro seguinte o Reclamante apresentou requerimento em que, expondo não conseguir prestar garantia bancária, caução ou seguro caução, pediu que a penhora dos autos servisse para esse efeito, oferecendo ainda com essa finalidade hipoteca sobre o prédio de sua pertença na mesma localidade, inscrito na mesma matriz predial urbana sob o art.9457°, e descrito na respetiva Conservatória pela ficha n°6969/20070215.
8. Por despacho de 11 de outubro de 2011 o Órgão de Execução Fiscal constituiu hipoteca legal sobre os bens descritos, e ainda sobre um outro imóvel situado na mesma localidade e outros três, dois rústicos e um urbano, situados em …….., Loulé, todos também do Reclamante e já então onerados com hipotecas.
9. Perante a ausência de uma garantia suficiente que pudesse acompanhar a execução do plano prestacional autorizado, dado encontrar-se o património penhorado e hipotecado já onerado com hipotecas anteriores, considerando ainda o total incumprimento desse plano até então, por despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, foi decidido em 23 de março de 2012 prosseguir os termos da execução, vendendo aqueles imóveis, despacho de que o Reclamante tomou conhecimento a 23 de abril de 2012.
10. Realizada que foi a penhora dos bens que ainda só tinham sido hipotecados, como referido no ponto 8., o Órgão de Execução Fiscal emitiu despacho em 16 de maio de 2012, determinando a venda do bem referido no ponto 4., definindo como termo do leilão o dia 18 de julho de 2012, 15h30m, o que foi notificado ao Reclamante a 4 de junho de 2012.
11. No dia 2 de julho de 2012 foi recebido requerimento em nome do Reclamante, no sentido de ser suspensa a venda do imóvel, por 15 dias mais a contar de 18 de julho de 2012, enquanto ele providenciava pela venda de outros, no sentido de reunir liquidez para poder liquidar as dívidas exequendas.
12-. No dia seguinte, em resposta, o Órgão de Execução Fiscal informou que a suspensão do procedimento de venda apenas poderia ter lugar, por 15 dias, mediante o pagamento de 20% do valor da dívida pendente, conforme dispõe o art.264° n°4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
13. A 13 de julho de 2012 o Reclamante expediu via postal a petição de Reclamação na origem destes autos, que deu entrada neste Tribunal a 16 desse mês, reencaminhada ao Serviço de Finanças mencionado”.

2. DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

Resulta do probatório que pende no Serviço de Finanças de Torres Vedras a execução fiscal n°1589200901091867, em que é Executado o ora recorrente, visando a cobrança coerciva de dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2008, no montante de €14.284,36, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 30 de Setembro de 2009, bem como a cobrança do seu acrescido. A este processo executivo foi associado um outro com o n°1589201101018370, com vista à cobrança coerciva de dívida proveniente do mesmo Imposto e seu acrescido, mas referente ao ano de 2009 e no montante de €86.031,41 e, ainda, a cobrança de juros compensatórios no valor de €1.296,25.
No âmbito do processo de execução fiscal nº 1589200901091867, em fase de venda, por meio de leilão electrónico, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 9449 da freguesia de ……., concelho de Torres Vedras, o ora reclamante solicitou (via mail) junto do Serviço de Finanças de Torres Vedras a suspensão do processo de venda, por meio de leilão electrónico, até lhe ser possível regularizar a dívida.
Em resposta ao pedido, o Chefe do Serviço de Finanças de Torres Vedras comunicou também via mail que a suspensão do procedimento de venda apenas poderia ser efectuada mediante o pagamento de um mínimo de 20% da dívida instaurada, nos termos do estatuído no nº 4 do art. 264º do CPPT (cfr. fls. 220 dos autos despacho de 3 de Julho de 2012).
Contra esta resposta o recorrente apresentou reclamação, ao abrigo dos arts. 276º e ss. do CPPT, tendo por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, de 15 de Outubro de 2012, sido absolvida a Fazenda Pública da instância, com base essencialmente na seguinte fundamentação:
· “(…) acerca da apontada falta de interesse em agir por parte da Administração Tributária, enquanto interesse que no recurso ao meio processual executivo possa exercitar-se e nele se expresse, é patente: são consensual e reconhecidamente pendentes de satisfação as dívidas exequendas, sendo que o processo de execução fiscal é notoriamente o adequado à sua cobrança coerciva, arts.148° n° l corpo e alínea a), 149°, 152°n°l do Código de Procedimento e de Processo Tributário.(…)
· “(…) dispõe o art.276° do Código de Procedimento e Processo Tributário que são reclamáveis as decisões do Órgão de Execução Fiscal proferidas no processo de execução fiscal que afetem direitos e interesses legítimos do executado ou de outrem. Ora, inexistindo um conteúdo decisório no despacho reclamado, segue-se que o presente processo é falho de objeto no sentido ali definido e previsto e cuja sindicância, com útilidade e sentido, possa ser pedida ao Tribunal.
· “Assim, nos termos preditos, e sem necessidade de mais alongado excurso, na inimpugnabilidade do despacho do Órgão de Execução Fiscal posto em causa pela presente Reclamação, ao abrigo do disposto no citado art.276° ora a contrario citado, arts.493° n° l, 494° corpo, 495° e 288° n°1 corpo e alínea e) do Código de Processo Civil, ex vi do disposto no art.2° corpo e alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, absolvemos da presente instância a Fazenda Pública (…)”.
Contra este entendimento se insurge o recorrente, argumentando, em síntese, que:
· “(…) o despacho em apreço constitui um acto administrativo negativo, por omissão de pronúncia da Autoridade Tributária, ao pedido efectuado pelo Recorrente”, tendo o recorrente presumido o seu indeferimento e por se tratar de “um acto administrativo decisório, o mesmo é passível de sindicância judicial”.
· “(…) a Autoridade Tributária carecia de interesse em agir dado que a venda do imóvel não lhe permitiria recuperar o montante em divida, em face da preferência das hipotecas previamente constituídas.
· “(…) De facto, conforme acima alegado, o valor das hipotecas preferenciais, face à da Autoridade Tributária, representam 1287% do valor base pelo qual o imóvel irá ser vendido.
· “(…) O valor € 1.066.523,27 respeita somente às hipotecas constituídas pelas instituições financeiras e não considera a divida perante a Autoridade Tributária, a qual só seria liquidada após a satisfação das restantes hipotecas preferenciais.
· “(…) Assim, inexiste interesse em agir no processo de venda de um imóvel em que o Executante de tal venda - a Autoridade Tributária - possui apenas a quarta hipoteca sobre o imóvel, existindo três hipotecas preferenciais que consumirão qualquer receita obtida com a venda do referido imóvel”.
Em face das conclusões que, nos termos dos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, delimitam o âmbito e o objecto do presente recurso, a questão a decidir traduz-se em saber se a Mmª Juíz “a quo” incorreu em erro de julgamento ao absolver a Fazenda Pública da instância com fundamento na inimpugnabilidade do acto reclamado.


2. 2. Da análise do erro de julgamento quanto à inimpugnabilidade do acto reclamado

1.Resulta do probatório e dos autos que, em 2 de Julho de 2012, o recorrente endereçou um mail à Administração Tributária solicitando a suspensão da venda do bem imóvel por mais 15 dias a contar do dia 18 de Julho de 2012 (data agendada para a respectiva venda), alegando que pretendia liquidar a dívida, necessitando para o efeito de concluir o processo de venda de diversos bens actualmente em curso.
A esta pretensão, expressamente formulada pelo recorrente, respondeu a Administração Tributária igualmente através de email (cfr. fls. 220) com o seguinte teor:
“No seguimento do mail de 02/07, e conforme já foi referido nos vários contactos telefónicos efectuados, a suspensão do procedimento da venda apenas poderá ser efectuada mediante o pagamento de um mínimo de 20% do valor da dívida instaurada, conforme n.° 4 do art. 24.° do CPPT”.
A questão central gira em torno de saber se o teor deste email integra o conteúdo de um acto administrativo lesivo e, como tal, susceptível de reclamação.
Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de Dezembro de 2011, proc nº 925/10, no seguimento da anotação de JORGE LOPES DE SOUSA ao art. 276º do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. I, 5ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, pp. 647 ss. anotação 4) “apesar de o texto do art. 276º do CPPT referir «decisões» do órgão da execução fiscal e outros órgãos da Administração Tributária como possíveis objectos de reclamação, o nº 2 do art. 103º da LGT faz referência a «actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária» e a Lei nº 41/98, de 4/8 (que autorizou o Governo a aprovar a LGT) reconhece um «direito dos particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo» [al.29 do art. 2º daquela Lei]. «Por isso, em face da supremacia da LGT, reconhecida no art. 1º deste Código, e da necessidade de conformação dos preceitos daquela com a lei de autorização legislativa que é condição da sua constitucionalidade orgânica, em matérias que têm a ver com as garantias dos contribuintes [arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP], deve ser reconhecido o direito global de os interessados reclamarem para o juiz de todos os actos que os lesem, tenham ou não a configuração ou a designação de «decisões». Na mesma linha, os arts. 95º, nº 2, alínea j), e 101º, alínea d), da LGT, nas redacções iniciais, confirmam que é assegurado o direito de recurso de actos praticados na execução fiscal e não apenas daqueles que mereçam a quantificação de «decisões».
Aliás, o próprio CPPT refere entre os meios contenciosos o «recurso», no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal» [art. 97º, nº 1, alínea n), e no art. 278º, nº 3], vem confirmar a correcção desta interpretação, ao prever que sejam objecto de reclamação actos que não configuram ou são independentes de qualquer decisão em sentido formal, mas são meros actos de execução que afectam os direitos do interessado, designadamente actos que concretizam a penhora (inadmissibilidade da penhora de bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada»).
O ETAF de 2002 fornece uma nova confirmação desta interpretação, ao estabelecer a competência dos tribunais tributários para o conhecimento de acções de impugnação «dos actos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal» e para a «impugnação de actos lesivos…nos processos de execução fiscal» [art. 49º, nº1, alínea a), subalínea iii) e a línea d)], não limitando a impugnabilidade a «decisões». Assim, tem de concluir-se que é reconhecido um direito global de os particulares solicitarem a «intervenção do juiz no processo», através da reclamação prevista no art. 276º do CPPT, relativamente a quaisquer actos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária que tenham potencialidade lesiva.»”
Em suma, da doutrina mencionada resulta que podem ser objecto de reclamação, ao abrigo do disposto no art. 276º do CPPT, quaisquer actos praticados pela Administração Tributária, no processo de execução fiscal, desde que sejam lesivos.
Aplicando o acabado de expor ao caso em apreço, adianta-se, desde já, que se figura assistir razão à Mmª Juíza “a quo” quando conclui que o despacho reclamado é desprovido de conteúdo decisório e, por conseguinte, de lesividade.

Vejamos.

2. Para melhor compreensão da situação, importa recordar os principais momentos que culminaram com a emanação do despacho em causa.
Em termos sintéticos, o que se passou foi o seguinte:
No âmbito do respectivo processo de execução, o Órgão de Execução Fiscal procedeu à penhora de um imóvel do recorrente, sendo que sobre o mesmo já pendiam com registo anterior hipotecas voluntárias constituídas a favor de entidades bancárias.
Em 22 de Julho de 2011 o ora recorrente formulou um pedido no sentido de poder pagar a dívida no número máximo de prestações legalmente admissível, que foi deferido por despacho de 9 de Agosto de 2011, em 36 prestações mensais e sucessivas, sob condição de prestar garantia idónea, em quinze dias, para a qual foi indicado o valor de €134.077,66, do que o Reclamante foi notificado a 24 desse mês.
Em 7 de Setembro, o ora recorrente apresentou requerimento em que, expondo não conseguir prestar garantia bancária, caução ou seguro caução, pediu que a penhora dos autos servisse para esse efeito, oferecendo ainda com essa finalidade hipoteca sobre o prédio de sua pertença na mesma localidade, inscrito na mesma matriz predial urbana sob o art.9457°, e descrito na respectiva Conservatória pela ficha n°6969/20070215.
Perante a ausência de garantia suficiente que pudesse acompanhar a execução do plano prestacional autorizado, dado encontrar-se o património penhorado e hipotecado já onerado com hipotecas anteriores, e considerando ainda o total incumprimento desse plano até então, o Director de Finanças Adjunto de Lisboa, por despacho de 23 de Março de 2012, decidiu prosseguir os termos da execução, com a venda aqueles imóveis.
Resulta do probatório que o reclamante, ora recorrente, tomou conhecimento desse despacho a 23 de Abril de 2012.
Em 16 de Maio de 2012, o Órgão de Execução Fiscal emitiu despacho determinando a venda do imóvel penhorado definindo como termo do leilão o dia 18 de Julho de 2012, 15h30m, o que foi notificado ao Reclamante a 4 de Junho de 2012.
No dia 2 de Julho de 2012 do Reclamante enviou email a pedir a suspensão da venda do imóvel, por 15 dias mais a contar de 18 de Julho de 2012, enquanto ele providenciava pela venda de outros, no sentido de reunir liquidez para poder liquidar as dívidas exequendas.
No dia seguinte, em resposta, o Órgão de Execução Fiscal informou que a suspensão do procedimento de venda apenas poderia ter lugar, por 15 dias, mediante o pagamento de 20% do valor da dívida pendente, conforme dispõe o art. 264º, nº 4, do CPPT.
Análise atenta do conteúdo do despacho do Órgão de Execução Fiscal verifica-se que o mesmo se limita de facto a informar o recorrente que, nos termos da lei (art. 264º, nº 4, do CPPT), a suspensão do procedimento de venda por quinze dias está dependente do pagamento do valor mínimo de 20% do valor da dívida.
Atento o teor do referido despacho, assiste, desta forma, razão à Mmª Juíza “a quo” quando conclui que “aquele despacho nada decide, limitando-se a prestar informação acerca do teor de um preceito legal vigente para certa situação, o que faz em colaboração com e em resposta a um pedido de suspensão da venda do imóvel que lhe havia sido formulado”. E mais adiante, pondera-se que “(…) sendo ele um despacho do Órgão de Execução Fiscal não decisório, logo por isso é qua tale insuscetível de lesar ou fazer perigar os direitos ou os interesses legítimos do Reclamante - ou de outrem -, uma vez que se limita a dar uma informação acerca de qual o conteúdo de certa norma jurídica para determinado fim ou situação processual. Assim sendo, por essa mesma razão, esse despacho não é suscetível de Reclamação”.
Na verdade, como refere VIEIRA DE ANDRADE (Cfr. A Justiça Administrativa, 11º ed., Almedina, Coimbra, 2011, p. 183.), no conceito de acto administrativo impugnável, porque lesivo, só cabem as “decisões administrativas com eficácia externa, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 51º, nº 1) - devendo entender-se que actos com eficácia externa são os actos administrativos que produzam ou constituam (que «visem constituir, que sejam capazes de constituírem efeitos nas relações jurídicas administrativas externas (…)” incluindo-se neste conceito, segundo o Autor, seguramente, “as decisões que, por si, já produzem os efeitos jurídicos designadamente ablatórios…”.
No caso em apreço não se vislumbra que efeitos jurídicos foram produzidos ou constituídos com o despacho objecto de reclamação quando o mesmo se apresenta desprovido de conteúdo inovatório ou preceptivo nada decidindo ou alterando na esfera jurídica do recorrente.
Realce-se que a Administração Fiscal não recusou nem deixou de recusar suspender o processo de venda por quinze dias, tendo-se limitado a informar que para tal o recorrente teria de pagar os 20% da dívida em conformidade com o exigido por lei.
Logo, perante aquela informação, para ver satisfeita a sua pretensão bastaria ao recorrente agir em conformidade com a mesma.
Acresce, aliás, que o recorrente, que não devia ignorar a existência do art. 264º, nº 4, do CPPT, se quisesse de facto usar da faculdade conferida pelo referido preceito deveria ter feito acompanhar o pedido inicial do pagamento do valor mínimo de 20% da dívida. Acontece que o recorrente, em vez de actuar em conformidade com a informação que lhe foi prestada de boa fé pela Administração Tributária, decidiu apresentar reclamação daquele despacho bem sabendo que assim ganharia muito mais tempo, ainda que à custa de um mau uso do processo de reclamação.
Com efeito, na realidade, como é salientado na sentença recorrida, o recorrente não pretende impugnar o referido despacho, pois toda a argumentação apresentada vai dirigida contra o facto de a Administração Tributária ter avançado contra a venda do imóvel por o mesmo já se encontrar onerado com três hipotecas no valor total de €1.066.532,27, quando o valor base de venda do imóvel no âmbito do procedimento iniciado pela Administração Tributária ascende a €82.803,00. Na óptica do recorrente, não permitindo a venda do imóvel que a Administração Fiscal recuperasse o montante da dívida, a mesma careceria de interesse em agir para prosseguir com a execução e venda.
Mas a ser assim, o que o recorrente claramente deveria ter impugnado, por ser esse o acto lesivo (dado que alterou a sua situação em termos desfavoráveis), seria o despacho do Director de Finanças Adjunto, de 23 de Março de 2012, que determinou o prosseguimento do processo de execução, na sequência do incumprimento do plano de pagamento em prestações.
Acontece que o recorrente, que não impugnou aquele despacho, esse sim lesivo por se ter traduzido numa alteração da sua situação jurídica com efeitos desfavoráveis, pretende agora ficcionar um acto lesivo com a tese de que a Administração Tributária não se pronunciou sobre o seu pedido para a suspensão do procedimento de venda do imóvel, o que se traduz numa recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica consubstanciando um “acto negativo” e, como tal, susceptível de impugnação.
A partir do momento em que o despacho de 23 de Março de 2012, que determinou o prosseguimento do processo de execução, se consolidou na ordem jurídica, ficando salvaguardado pelo caso decidido ou resolvido, não pode agora o recorrente ficcionar a existência de um acto lesivo, com vista a reabrir a via judicial, sobretudo quando pretende atacar um acto anterior que já está estabilizado na ordem jurídica.
Em conclusão, o despacho impugnado não integra o conceito de acto lesivo, nos termos e para os efeitos da reclamação prevista nos art. 276º do CPPT, motivo por que a sentença recorrida que assim decidiu não merece qualquer reparo devendo ser confirmada.
As alegações do recorrente não merecem acolhimento, pelo que deve improceder o presente recurso.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 6 de Fevereiro de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.