Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0559/18
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
DESPACHO DE REVERSÃO
REVOGAÇÃO
PRAZO
Sumário:I - O art. 208º do CPPT, sob a epígrafe “Autuação da petição e remessa ao tribunal”, dispõe, no seu nº 1, que, “Autuada a petição, o órgão da execução fiscal remeterá, no prazo de 20 dias, o processo ao tribunal de 1ª instância competente com as informações que reputar convenientes. No seu nº 2 pode ler-se que “No referido prazo, (…) o órgão da execução fiscal poderá pronunciar-se sobre o mérito da oposição e revogar o acto que lhe tenha dado fundamento”.
II - Decorrido esse prazo de 20 dias e remetido o processo ao tribunal tributário para apreciação da oposição, o poder de revogação do autor do acto fica precludido, atenta a primazia que a lei concede à autoridade judicial para apreciar o fundamento da anulabilidade do acto e dirimir o conflito de interesses em jogo no âmbito do processo de oposição à execução fiscal.
III - O vício de ilegalidade que inquina o acto de revogação, proferido em violação do disposto no nº 2 do artigo 208º do CPPT, é fundamento bastante para a sua anulação, a qual tendo sido peticionada pela pessoa lesada com o acto, se impõe que seja decretada pelo tribunal.
Nº Convencional:JSTA00070787
Nº do Documento:SA2201807120559
Data de Entrada:06/06/2018
Recorrente:A......
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DO PORTO
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Área Temática 2:INTERESSE EM AGIR
Legislação Nacional:ARTIGO 208º DO CPPT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A……….., melhor identificada nos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou verificada a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir e por conseguinte absolveu a Fazenda Pública da instância.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«i. Vem o presente recurso interposto da nova sentença que julgou novamente a reclamação apresentada pela Recorrente contra o acto do Chefe de Finanças de Vila do Conde, de 25-08- 2016 que lhe foi notificado em 30-08-2016, pelo qual decide que «Reanalisada a situação, admitindo-se que possa existir no despacho de reversão alguma deficiência formal de fundamentação e dado que é possível e a lei permite proferir um novo acto de reversão, expurgado dos vícios de forma, revogo a decisão proferida em 05-04-2016, que deu origem à oposição judicial n.º 1450/16. 6BEPRT» (cfr. doc. n.º 1 da petição de reclamação), praticado no processo de execução fiscal n.º 1902201001038125 e apensos.
ii. A factualidade relevante para a decisão é a seguinte:
a. A Reclamante foi citada, em 08-04-2016, pelo ofício n.º GPS 2016 5 000047192, para o processo de execução fiscal, por reversão contra esta operada por despacho de 05-04- 2016, dado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde, para cobrança coerciva da quantia de €93.381,83 (noventa e três mil trezentos e oitenta e um euros e oitenta e três cêntimos), originalmente instaurados contra a sociedade B…… LDA, com o NIF ……(cfr. doc. n.º 2 da petição e facto provado 1., 2. e 3.).
b. Por discordar do acto de reversão praticado e da responsabilização que ali lhe era atribuída por obrigações tributárias da devedora originária, a Reclamante apresentou, em 09-05-2016, oposição àquela reversão (cfr. doc. n.º 3 da petição e facto provado 4).
c Em 30-08-2016, a Reclamante foi notificada, pelo ofício com o n.º 133264 de 26-08- 2016, do despacho de 25-08-2016, ora reclamado, pelo qual aquele Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde decide: «Reanalisada a situação, admitindo-se que possa existir no despacho de reversão alguma deficiência formal de fundamentação e dado que é possível e a lei permite proferir um novo acto de reversão, expurgado dos vícios de forma, revogo a decisão proferida em 05-04-2016, que deu origem à oposição judicial n.º 1450/16.6BEPRT.» (cfr. doc. n.º 1 da petição e facto provado 6 e 7).
d. O que o órgão de execução fiscal praticou tal acto sem que tivesse analisado efectivamente todos o vícios invocados pela Reclamante contra o acto de reversão - contrariamente ao que se diz na sentença recorrida pois que naquele despacho não são, desde logo, analisados os vícios invocados quanto à falta dos pressupostos substanciais para a reversão desde logo, sem que tivesse analisado os vícios invocados quanto à falta dos pressupostos substanciais para a reversão (cfr. doc. n.º 1 da petição e factos provados 6 e 7).
e. Aquele despacho de revogação do acto de reversão apenas foi proferido depois da própria reclamação ter já sido apresentada a juízo, por proposta que terá sido formulada ao órgão de execução fiscal pela própria Representação da Fazenda Pública no presente processo de reclamação (cfr. facto provado 6.).
f. Aquele despacho de revogação do acto de reversão apenas foi proferido depois da própria reclamação ter já sido apresentada a juízo, por proposta que terá sido formulada ao órgão de execução fiscal pela própria Representação da Fazenda Pública no presente processo de reclamação (cfr. facto provado 6.).
g. A Reclamante reagir contra aquele acto de revogação da reversão com os fundamentos constante da petição (cfr. petição e facto provado 9).
h. O Tribunal começou por julgar verificada a mesma excepção inominada de falta de interesse em agir que agora julga verificada na sentença que constituiu objecto do presente recurso.
i) Por discordar daquela sentença a Reclamante apresentou da mesma recurso, que viu a ser julgado procedente por douto acórdão proferido por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo de 15-03-2017, de fls. 292 a 307, julgando verificada a nulidade de violação do princípio do contraditório, ordenando que fosse dada oportunidade à Reclamante de se pronunciar sobre tal excepção antes da mesma ser objecto de conhecimento pelo Tribunal a quo e julgando prejudicadas as demais questões invocadas naquele recurso.
j. Efectivamente o Tribunal a quo notificou a Reclamante para se pronunciar sobre a referida excepção inominada de falta de interesse em agir.
k. O que a Reclamante fez por requerimento apresentado nos autos em 19-05-2017, nos termos que daquele constam.
Foi proferida nova sentença em que, uma vez mais, é julgada verificada a mesma excepção inominada de falta de interesse em agir, cujo conteúdo era, praticamente ipsis verbis o conteúdo da primeira sentença proferida e anulada por aquele douto acórdão deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo.
m. Nessa nova sentença, o Tribunal a quo julgou prejudicadas todas as outras questões a decidir no âmbito da presente reclamação.
n. Por discordar daquela nova sentença, a Reclamante apresentou da mesma recurso, que viu ser julgado procedente por douto acórdão proferido por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo de 21-02-2018, de fls. 471 a 488, que julgou verificada a nulidade de omissão de pronúncia e ordenou a baixa dos autos à 1.ª Instância para que aí de procedesse à reforma da sentença, pronunciando-se o Tribunal a quo quanto à invocada violação do disposto no art. 208.º do CPPT pelo despacho reclamado.
o. Foi, agora, proferida outra sentença em que, uma vez mais, julga verificada a mesma excepção inominada de falta de interesse em agir - apesar da pronúncia quanto à violação do prazo previsto no art. 208.º, ainda que daí se não tirem as conclusões devidas.
iii. Prevê o art. 125.º do CPPT e 615.º n.º 1 d) e n.º 4 do CPC que constituiu fundamento de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
iv. A Reclamante, na sua reclamação, invocou expressamente que o acto reclamado violava o prazo previsto no art. 208.º do CPPT e daí resultava a sua anulabilidade, com todas as consequências que daí advêm, não podendo, assim, o despacho de revogação manter-se na ordem jurídica - o que peticionou.
v. Como se viu, o douto acórdão proferido por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo de 21-02-2018, de fls. 471 a 488, julgou verificada a nulidade de omissão de pronúncia e ordenou a baixa dos autos à 1.ª Instância para que aí de procedesse à reforma da sentença, pronunciando-se o Tribunal a quo quanto à invocada violação do disposto no art. 208.º do CPPT pelo despacho reclamado, pois que entendia que, contrariamente ao que havia decidido o Tribunal a quo, nas anteriores sentenças proferidas e anuladas, aquela questão não ficava prejudicada pela pronúncia feita pelo Tribunal recorrido.
vi. Aquele acórdão deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo de 21-02- 2018, de fls. 471 a 488, entendia, muito doutamente:
«Como se constata dos autos o objecto da reclamação das decisões do órgão da execução fiscal deduzida pela ora recorrente, a fls. 122/137 do primeiro volume, era o despacho do Chefe de Finanças de Vila do Conde de 25.08.2016 que revogou o anterior despacho de reversão proferido em 05.04.2016 o qual dera origem à oposição à execução fiscal nº1450/16. 6BEPRT.
E a reclamante invocada que tal despacho fora proferido já depois de esgotado o prazo que o órgão de execução fiscal dispunha para praticar tal acto, em violação do disposto no artº 208º do CPPT, o que, em seu entender implicava alegadamente, a anulabilidade de tal despacho — cf Pontos 8, 9 e 10 da reclamação a fls. 124/125.
Ora essa questão não estava prejudicada pela apreciação que a sentença recorrida faz do interesse em agir.
É até pressuposto desse interesse a avaliação da validade ou não validade do despacho revogatório sindicado.
Por sua vez a sentença recorrida conheceu apenas da invocada excepção peremptória do interesse em agir mas nada disse quanto à alegada e expressamente invocada anulabilidade do aludido despacho revogatório.
Parece pois, claro que, não obstante a recorrente ter invocado nos pontos 8,9 e 10 e conclusão VI da sua reclamação (de acto do órgão de execução fiscal) que o despacho revogatório fora proferido já depois de esgotado o prazo que o órgão de execução fiscal dispunha para praticar tal acto, em violação do disposto no artº 208º do CPPT, a implicar, alegadamente, a sua anulabilidade, o tribunal a quo, pura e simplesmente, não tomou posição sobre tal questão, que não estava prejudicada pelo conhecimento dos demais vícios invocados, e, nomeadamente, não decidiu explicitamente que dela não podia tomar conhecimento.
A sentença recorrida enferma, pois, de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos estatuídos no artigo 615.º n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, pelo que o recurso merece provimento, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.» (sic).
vii. Foi, agora, proferida nova sentença em que, uma vez mais, se julga verificada a mesma excepção inominada de falta de interesse em agir, o que foi decidido apesar de, nesta nova sentença, o Tribunal a quo se pronuncia quanto à violação do prazo do art. 208.º do CPPT, declarando, efectivamente, que aquele prazo foi violado pelo despacho reclamado e que tal prazo não é meramente ordenados, mas, outrossim, com consequências invalidantes:
«Entende-se assim que, esgotado o prazo para o órgão de execução fiscal proferir o ato secundário de revogação (prazo de 20 dias), após a autuação da oposição, e sobretudo depois da remessa ao Tribunal da mesma, não pode mais aquele órgão interferir na relação jurídica processual, no sentido de alterar os pressupostos de facto e de direito que cristalizou em pronúncia administrativa anterior, sob pena de praticar um ato inválido.
[...]
Neste sentido, quando a legalidade de um ato administrativo em matéria tributária seja jurisdicionalmente discutida, em sede de oposição à execução fiscal, poderá a AT promover a anulação/revogação do ato até ao decurso do prazo de 20 dias a contar da autuação, findo o qual se encontra esgotada tal possibilidade. Tendo o ato revogatório ora em crise sido praticado em afronta desse limite temporal, o mesmo encontra-se eivado de ilegalidade e, tratando-se ele próprio de um ato administrativo em matéria tributária, é anulável.» (sic).
viii. Apesar daquela análise feita quanto à violação do prazo previsto no art. 208.º do CPPT, o Tribunal a quo, em lugar de concluir julgando anulado o acto reclamado (tal como expressamente peticionado), abstém-se de anular aquele despacho por (confirmada) violação daquela norma, porquanto, em lugar disso, absolve a Fazenda Pública da instância por julgar verificada a mesma excepção de falta de interesse da reclamante em agir (tanto que nada mais conta na parte dispositiva da sentença recorrida).
ix. Ao assim proceder, pronunciando-se quanto à violação do prazo previsto naquela norma e, não obstante confirmar a sua violação e consequência invalidantes daí decorrentes, o Tribunal a quo abstém-se de anular o acto reclamado, incorrendo em vício de omissão de pronúncia o que constitui nulidade que impede que a sentença recorrida se mantenha na ordem jurídica (arts. 125.º do CPPT e 615.º n.º 1 d) e n.º 4 do CPC).
x. Quando assim não se entenda, sempre se haveria de concluir que aquela sentença padece de nulidade de contradição entre fundamentos e decisão (art. 125.º do CPPT e 615.º n.º 1 c) do CPC), porquanto, não obstante confirmar que o despacho reclamado viola o prazo previsto no art. 208.º do CPPT e que tal violação tem consequências invalidantes daquele acto, não declara anulado o mesmo.
xi. Na sentença recorrida afirma-se:
«Feito este apontamento, cumpre agora ponderar os reflexos da ilegalidade que constitui o ato lesivo de revogação ilegal e a eventual presença/ausência do interesse em agir nos presentes autos, de modo a saber se a reclamante carece de tutela jurisdicional que peticiona, o que conforme revelador, contende com a questão de saber se o ato porá impugnado é lesivo e em que medida.
[...]
Em todo o caso, mesmo que se pondere que o mesmo foi produzido para além do prazo previsto para o exercício da competência de revogação, tal também não é suficiente para o constituir como ato lesivo, atendendo à vantagem obtida pela Reclamante à luz do despacho ora impugnado: a extinção da execução quanto a si.» (sic).
xii. Assim decidindo, a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia (art. 215.º do CPPT e art. 615.º n.º 1 d) do CPC) na medida em que, apesar de reconhecer consequências invalidantes do acto reclamado decorrentes da violação do prazo previsto no art. 208.º do CPPT (sem anular o acto).
xiii. Ao mesmo tempo, a sentença padece de vicio de erro de julgamento na medida em que, apesar daquele entendimento quanto à invalidade do acto reclamado, refere laconicamente que mesmo que se pondere que o mesmo foi produzido para além do prazo previsto para o exercício da competência de revogação, tal também não é suficiente para o constituir como ato lesivo, atendendo à vantagem obtida pela Reclamante à luz do despacho ora impugnado: a extinção da execução quanto a si.», quando, manifestamente, tal entendimento pressupõe a atribuição de efeitos ao acto ilegal, sem que o Tribunal se tenha pronunciado sobre essa ilegalidade.
xiv. A sentença recorrida, padece, também, de nova nulidade por contradição entre fundamentos e decisão (art. 125.º n.º 1 do CPPT e 615.º n.º 1 c) do CPC), na medida em que o Tribunal a quo, reconhecendo que o acto reclamado padece de vício de que decorre a sua invalidade, decidi no pressuposto a atribuição de efeitos àquele mesmo acto que entendeu ser ilegal.
SEM PRESCINDIR
xv. Na oposição à reversão como é manifesto, a Recorrente invocou muito mais do que a mera falta de fundamentação formal do despacho de reversão (atacando também aquele despacho de reversão pela invocação de vícios de fundo (materiais, nomeadamente a falta de verificação de pressupostos factuais e jurídicos) e vícios contra o procedimento que lhe subjaz, e o despacho de revogação aqui reclamado fundamenta-se, meramente, no reconhecimento de que o despacho pretendido revogar padece de vício de forma correspondente a “falta de fundamentação formal”, abstraindo-se em absoluto dos restantes vícios invocados contra a reversão, que não foram analisados
xvi. Se o órgão de execução fiscal se tivesse pronunciado quanto ao mérito da oposição em toda a sua extensão (como prevê o art. 208.º n.º 2 do CPPT), e, com tal fundamento revogasse o acto de reversão, por reconhecer a falta de verificação dos seus pressupostos, só então teria dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do art. 208.º do CPPT, pelo que foi violado o disposto no art. 208.º n.º 2 do CPPT como expressamente invocado na reclamação apresentada pela Recorrente, e o Tribunal a quo simplesmente desconsiderou o que a tal propósito foi invocado pela Recorrente nada dizendo na sentença recorrida quanto à invocada violação do disposto no art. 208.º do CPPT no acto reclamado - daí que, porque o Tribunal a quo estava obrigado a pronunciar-se sobre tal matéria, a sentença recorrida incorra em novo vício de omissão de pronúncia, a implicar a nulidade desta (art. 615.º n.º 1 d) e n.º 4 do CPC), bem como incorre, também, em vício de violação daquela norma do art. 208.º n.º 2 do CPPT, sempre a implicar a revogação da sentença recorrida (art. 639.º n.º 2 do CPC).
Sempre SEM PRESCINDIR
xvii. Nos termos em que o acto reclamado foi proferido (fundamentado apenas no reconhecimento de que foi violada a obrigação de fundamentação formal do acto, abstraindo-se de todos os restantes vícios invocados, a Recorrente não viu tutelados os direitos que invocou em sede de oposição na sua extensão máxima, da forma mais estável e eficaz - o que é manifesto considerando que, se o Serviço de Finanças tivesse reconhecido a invocada falta de verificação dos pressupostos para a reversão (em lugar de se ter quedado na análise de apenas um dos vícios formais apontados), não mais poderia ser repetido o despacho de reversão, e, bem diversamente, nos termos em que o Serviço de Finanças limitou a sua análise, nada impediria, em teoria, que o órgão de execução viesse, novamente, a proferir aquele acto de reversão (como, aliás, fez constar na decisão proferida e ora reclamada).
xviii. O oponente tem direito a ver a procedência do pedido formulado, em primeira linha, com fundamento nos vícios cuja procedência determine a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos, nos termos previstos do art. 124.º do CPPT, n.º 2 a) e b) ex vi art. 211.º n.º 1 do CPPT, art. 2.º a) do CPPT e art. 2.º b) da LGT, como a AT está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam colocados pelo contribuinte, estando obrigada a proferir decisão que haverá de conhecer de tudo quanto seja por aquele invocado (art. 56.º n.º 1 da LGT), pelo que quer o Tribunal, quer o órgão de execução fiscal (por aplicação subsidiária bem como directamente, ao abrigo das invocadas normas), tem obrigação de conhecer todos os vícios invocados contra a reversão, a começar por aqueles cuja procedência tutele de modo mais estável e eficaz a sua posição jurídica - o que não ocorreu com o mero conhecimento da anulabilidade do despacho de reversão por falta de fundamentação formal (É este, aliás, o entendimento da nossa doutrina e jurisprudência: «Trata-se, na verdade, de uma regra que só se pode justificar quando o reconhecimento da existência de um vício impeça definitivamente a renovação do acto, pois, se esta for possível em face do vício reconhecido, será necessário apreciar os restantes, uma vez que o conhecimento destes poderá levar à anulação com base num vício que impeça tal renovação.» (sic Jorge Lopes de Sousa “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, 6.ª Ed. Áreas Editora, 2011, vol. II, pág. 340, anotação 17 ao art. 124.º do CPPT e, no mesmo sentido, idem, nota 19 ao mesmo art. 124.º do CPPT, pág. 142);
xix. Na sentença recorrida, a tal propósito, pode ler-se: «Feito este enquadramento cumpre ainda referir atender a uma outra causa de invalidade, que a Reclamante dedica uma forte enfâse, e que se trata do regime previsto no artigo 124.º do CPPT, ao defender que, tal como sucede co o Tribunal, também a Administração Tributário está compelida a conhecer os vícios que melhor tutelam a posição jurídica da Impugnante, e que, de forma imprópria, como veremos, a Reclamante associa a um qualquer dever genérico de, em todos os casos e sem adequação ao caso concreto, se impor a preferência pela apreciação e conhecimento dos vícios materiais substantivos, em detrimento dos vícios formais do ato.
Em primeiro lugar, a norma processual que impõe o conhecimento lógico dos vícios, no sentido de o órgão judicial dever dar preferência ao conhecimento dos vícios que determinam uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos, preterindo o conhecimento prioritário dos vícios formais, não é aplicável à administração tributária em sede de procedimento administrativo nem assim no processo executivo. Nem tal obrigação resulta do artigo 56.º da LGT, contrariamente ao que vem assegurado pela Reclamante. Este último preceito consagra o princípio do dever de decisão da Administração Tributária sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados (dever de pronúncia) e não impõe qualquer ordem de conhecimento sobre os concretos assuntos /questões que lhe sejam colocadas, em nada se assemelhando ao comando previsto no artigo 124. º CPPT.
Mas, retomando a atenção dada ao artigo 124.º do CPPT, cumpre precisar que se trata de uma norma que se encontra prevista na fase da sentença e não se impõe em igual medida à Administração Tributária quando aprecia requerimentos dirigidos pelos particulares, mesmo que no seio da execução fiscal, independentemente dos vícios que estes estruturam nos seus articulados. Na verdade, analisadas as normas processuais previstas no CPA que tratam da anulação administrativa, a lei procedimental administrativa atribui (poder dever) à administração a competência para reconhecer a invalidade de um ato por si praticado com o objectivo de extinguir os seus efeitos, podendo os serviços administrativos vislumbrar a presença de apenas um vício — seja ele formal ou substantivo - o que é suficiente para decretar a anulação do ato por si praticado, aliás, sendo tal imposto pelo princípio da legalidade. Com efeito, a verificação do cumprimento — ou não cumprimento - do dever de fundamentação é ainda uma das condições impostas pela orem jurídica para os atos tributários produzirem os efeitos que especialmente se lhes associam e a Administração poderá aferir de tal cumprimento, bastando a constatação da sua existência para poder anular o ato.
Deferentemente sucede a nível jurisdicional.
Em resumo, entende-se que a Administração não está obrigada, nos precisos termos, ao conhecimento dos vícios pela ordem ou extensão exigida por força do disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável apenas ao Tribunal, e ainda, assim, atenta a configuração dada pelo vício pela Reclamante e reconhecida pela Administração, de uma absoluta falta de fundamentação, afigura-se como plausível que seja esse o único vício conhecido, dado revelar uma falta de ponderação das normas com a realidade apreendida, que impõe uma atuação diversa da Administração e poderá no limite a justificar a ausência de renovação do despacho reclamado.»
xx. Isto é, o Tribunal a quo entende que não é aplicável o art. 124.º do CPPT ao órgão de execução fiscal, quando esteja a agir no âmbito do processo de execução (cuja natureza é judicial - art. 103.º n.º 1 da LGT), como entende que a obrigação de pronúncia da AT quanto a todas as questões que lhe seja levantadas (nos termos previstos no art. 56.º da LGT), permitiria à Administração apenas pronunciar-se quanto a parte das questões invocadas - quando entendesse que essas eram bastante para revogar um declarar anulado o acto sob análise.
xxi. O Tribunal a quo olvidou que o despacho reclamado não se pronuncia sobre todos os vícios apontados pela Reclamante quanto à reversão, reconhecendo apenas verificar-se vício de fundamentação, e, mais ainda, decide assim sem sequer afirmar que resultariam prejudicadas todos os demais vícios invocados pela Recorrente
xxii. Por outro lado, o Tribunal a quo pretender retirar do facto de, actualmente, ainda não ter sido proferido novo acto de reversão, um sinal de que tal acto não seria renovado — o que não é compreensível na medida em que, estando pendente a presente reclamação, pelo menos por ora, sempre seria muito discutível que o órgão de execução fiscal pudesse proferir novo acto de reversão, sem sequer estar consolidada na ordem jurídico o acto que revogou o anterior.
xxiii. Assim sendo, como se viu, o despacho reclamado violava o disposto no art. 124.º do CPPT, n.º 2 a) e b), aplicável à oposição segundo o art. 211.º n.º 1 do CPPT e, ao caso dos autos, pelo art. 2.º a) do CPPT, bem como pelo art. 2.º b) da LGT, mais violando o disposto no art. 56.º n.º 1 da LGT, vício em que incorre também a sentença proferida que, assim, padece de erro de julgamento por violação também daquelas normas, a implicar a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que não padeça de tal vício.
xxiv. A sentença recorrida olvida que o processo de execução fiscal é um processo de natureza judicial (art. 103.º n.º 1 da LGT), do que resulta serem aplicáveis aos actos praticados pelo órgão de execução fiscal naquele processo, como foi o acto reclamado, as normas respeitantes aos actos jurisdicionais, pelo que, também por isso, o órgão de execução fiscal, na prática do acto reclamado, estava vinculado ao disposto no art. 124.º do CPPT, n.º 2 a) e b), ex vi art. 211.º n.º 1 do CPPT bem como art. 2.º a) do CPPT, com o que a sentença recorrida viola, também, aquelas normas (desde logo o art. 103.º n.º 1 da LGT), a impor a sua revogação.
xxv. Invocado que foi vício decorrente da violação do art. 103.º n.º 1 da LOT, porque o Tribunal a quo não se pronuncia sobre qualquer desses vícios invocados, a sentença recorrida padece de omissão de pronúncia o que constitui nulidade que impede que esta se mantenha na ordem jurídica (arts. 125.º do CPPT e 615.º n.º 1 d) e n.º 4 do CPC).
Sempre SEM PRESCINDIR
xxvi. A sentença recorrida julgou procedente a excepção de falta de interesse da Recorrente em agir, invocando como fundamentos para tal que «Assim sendo, e no rigor dos conceitos deixou pura e simplesmente de existir execução contra a Reclamante, pois o despacho de reversão é o que legitima a citação da Reclamante para os termos da execução. […] e que «Ora, resulta dos factos provados que nenhuma tutela jurídica necessita a Reclamante pois tendo esta exercido o seu direito de deduzir oposição, viu administrativamente alcançada a sua pretensão , assim sendo, foram apreciadas as suas razões as quais foram suficientes para que a sua pretensão fosse alcançada. […] (sublinhado e destaque nossos). quando nem a Recorrente «viu administrativamente alcançada a sua pretensão» nem « apreciadas as suas razões (foram apreciados todos os vícios que invocou contra a reversão, nem ficou em circunstância de não ser possível à AT praticar novo acto de reversão - o que era o que pretendia e foi invocado na presente reclamação) do que resulta que não se verifica de nenhum dos fundamentos invocados pelo Tribunal a quo para decidir como decidiu com o que o Tribunal a quo incorreu, em erro de julgamento a implicar a revogação da sentença recorrida, bem como incorreu em vício de fundamentação com idênticas consequências para a sua revogação.
xxvii. Mais a mais, ocorre erro de julgamento na medida em que a decisão recorrida pressupõe a atribuição de efeitos a um acto relativamente ao qual o próprio Tribunal a quo reconhece ter sido praticado em violação de norma cuja consequência é invalidante do mesmo, o que constitui, além do mais, também, vício de fundamentação.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu parecer a fls. 542 e seguintes, o qual, na parte relevante, se transcreve:
«(…..) afigura-se-nos que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento que lhe é imputado pela Recorrente.
Com efeito, não oferece dúvidas que o prazo de 20 dias previsto no nº 1 do artigo 208º do CPPT é o momento em que o órgão de execução fiscal tem competência para a revogação do ato de reversão. E justifica-se que assim seja porque a oposição é apresentada no serviço de finanças onde corre termos a execução fiscal - nº1 do art. 207º do CPPT -, altura em que o órgão de execução fiscal toma conhecimento do teor da oposição deduzida pelo revertido e momento próprio para que a decisão de chamamento possa ser revertida com fundamento em qualquer vício do ato que constitua fundamento para a sua anulabilidade (situação que no processo de impugnação judicial corresponde ao momento da contestação da FP e da organização do processo administrativo - art. 111º do CPPT). Decorrido esse prazo e remetido o processo ao tribunal tributário para apreciação da oposição, o poder de revogação do autor do ato fica precludido, atenta a primazia que a lei concede à autoridade judicial para apreciar o fundamento da anulabilidade do ato e dirimir o conflito de interesses em jogo.
Ora, o vício de ilegalidade que inquina o ato de revogação, proferido em violação do disposto no nº 2 do artigo 208º do CPPT, é fundamento bastante para a sua anulação, a qual tendo sido peticionada pela pessoa lesada com o ato, se impõe que seja decretada pelo tribunal.
Todavia, considera o tribunal “a quo” que a Recorrente não tem “interesse em agir” ao vir pedir a anulação do ato revogatório, por pretensamente o mesmo ter produzido efeitos positivos na sua esfera jurídica e nessa medida não revestir caráter lesivo.
No acórdão do STA proferido em 21/02/2018 entendeu-se que a decisão sobre a validade ou invalidade do despacho revogatório constitui pressuposto da decisão sobre o interesse em agir, ou seja, segundo percebemos o raciocínio ali vertido, a questão do interesse em agir só revelaria pertinência se o tribunal concluísse sobre a validade do despacho revogatório, pois só neste caso haveria que considerar os seus efeitos sobre a posição jurídica do revertido/reclamante. Já no caso contrário, concluindo o tribunal pela invalidade do ato revogatório, impor-se-ia a sua anulação, deixando de existir qualquer efeito por este produzido, motivo pelo qual deixaria de ter qualquer pertinência a invocação da “falta de interesse em agir” do reclamante com base nesses efeitos.
Com o devido respeito não acompanhamos tal raciocínio.
Na verdade, o que subjaz ao entendimento sufragado na sentença recorrida é uma pré-avaliação sobre o interesse em agir da Reclamante ao peticionar a anulação do referido despacho, o qual configurando um pressuposto processual, constitui motivo para considerar prejudicado o conhecimento das demais questões. E é por esse motivo que consideramos que a sentença recorrida não incorreu no vício de omissão de pronúncia.
Daí que embora tenha concluído pela verificação de invalidade suscetível de conduzir à anulação do referido despacho, considerou o tribunal “a quo”, contudo, que a reclamante carecia de interesse em agir para peticionar essa anulação.
É certo que o tribunal “a quo” incorreu numa aparente contradição, como vem alegado pela Recorrente, pois embora tenha concluído pela invalidade do ato revogatório, não retirou dessa invalidade as consequências devidas. Mas o que subjaz a essa situação é o facto de a apreciação dessa invalidade ter sido imposta pelo anterior acórdão do STA, insistindo, contudo, o tribunal “a quo” na relevância da falta de interesse em agir a reclamante.
Mas, salvo o devido respeito, sem razão.
Como já se deixou mencionado em anterior parecer do Ministério Público, o “interesse em agir”, como pressuposto processual, afere-se em função da utilidade da tutela judicial manifestada e pretendida pelo sujeito processual. O interesse em agir, conforme se deixou exarado no acórdão do STJ de 18/10/2000, Proc. 2116/00-3, “consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado que precisa de tutela e só por essa via se logra obtê-la. Portanto o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo. Trata-se, portanto, de uma posição objectiva perante o processo que é ajuizada a posteriori”.
Por outro lado é à própria reclamante/Recorrente que compete decidir qual é a melhor forma de tutelar os seus direitos e interesses. Ora, tendo o ato revogatório sido proferido com base em vício formal (falta de fundamentação), sempre o órgão de execução fiscal poderá suprir a invalidade, expurgando o vício e renovar o ato (como é reconhecido pelo tribunal “a quo”) e nesse caso o revertido, que deduziu oposição à execução fiscal, tenha todo o interesse em que o tribunal competente para a sua apreciação conheça de outros vícios e fundamentos por si invocados. Ora, é essa situação que vem configurada nos autos, pois como o próprio tribunal “a quo” deu como assente e resulta da petição de oposição junta aos autos, a reclamante/Recorrente arguiu outros vícios e invocou outros fundamentos para além do vício formal reconhecido pelo órgão de execução fiscal no ato revogatório (Que aliás é ambíguo a esse propósito, já que se limita a considerar a existência de alguma falta de fundamentação, sem precisar os termos da mesma.), designadamente a sua ilegitimidade substantiva, que servem de fundamento à sua pretensão de extinção da instância executiva em relação à sua pessoa. E neste caso é de todo o interesse da revertida que o tribunal aprecie esses vícios e fundamentos, de modo a que a sua situação fique juridicamente mais consolidada, ou seja, que constitua obstáculo à possibilidade de renovação do ato de reversão. Daí que não seja indiferente para a reclamante a anulação do ato revogatório, pois a sua manutenção conflituaria com o seu interesse em ver apreciadas pelo tribunal as demais questões suscitadas na oposição à execução fiscal e que lhe garantem uma mais eficaz tutela dos interesses alegadamente ofendidos (Na medida em que constituiria fundamento de inutilidade da lide em sede de oposição).
Por outro lado, o órgão de execução fiscal não pode servir-se do instituto da revogação para, com base num juízo sobre eventual vício formal do despacho de reversão, pôr cobro à ação judicial de oposição com vista a suprir as lacunas e deficiências do despacho de reversão (entendimento que parece estar subjacente à sentença recorrida).
Entendemos, assim, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, o que constitui fundamento para a sua revogação, e em substituição julgar-se procedente a reclamação apresentada pela Recorrente e determinar-se a anulação do ato de revogação do despacho de reversão, por ter sido excedido o prazo de 20 dias previsto no artigo 208º, nº1 e 2, do CPPT, julgando-se dessa forma procedente o recurso.»

4 – Com dispensa de vistos, cumpre apreciar e decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou como provado os seguintes factos com interesse para a decisão:
1. O processo de execução fiscal nº 1902201001038125 e aps. foi instaurado contra a sociedade “B………, Lda.”, para cobrança de dívidas tributárias - por acordo entre as partes e informação de fls. 141 do processo físico;
2. A 05 de Abril de 2016 foi proferido despacho de reversão contra a Oponente - cfr. fls. 53 a 56 do processo físico;
3. A reclamante foi citada a 08 de Abril de 2016 pelo ofício 20165000047192, por reversão, para proceder ao pagamento da quantia de €93.381,83 - cfr. fls. 26 e 27 do processo físico, documento junto com a p.i.
4. A Reclamante deduziu oposição à reversão a 09 de Maio de 2016- cfr. fls. 58 a 112 do processo físico;
5. A oposição referida em 5) foi autuada no TAF do Porto sob o nº 1450/16.6BERPRT - consulta no SITAF e fls. 58 do processo físico;
6. Após análise, o representante da Fazenda Pública, propôs a revogação do despacho de reversão contra a aqui reclamante, ao que o Chefe de Serviço de Finanças, concordou revogando o ato por despacho de 25 de Agosto de 2016, o qual se considera aqui integralmente reproduzido - cfr. informação de fls. 141 e fls. 145 a 151 do processo físico;
7. Pelo ofício 133264 de 26 de Agosto de 2016 foi a reclamante notificada do despacho referido em 6 - cfr. fls. 152 e 152 verso do processo físico;
8. No processo referido em 4), foi proferida sentença a 13 de Setembro de 2016, a declarar a inutilidade superveniente da lide, atenta a revogação do despacho de reversão a qual foi objeto de recurso a 27 de Setembro de 2016 dirigido ao STA, tendo sido admitido por despacho de 13 de Outubro - cfr. fls. 174 a 179 do processo físico;
9. Os presentes autos deram entrada a 09 de setembro de 2016, considerando-se aqui reproduzido todo o seu teor - cfr. fls. 7 do processo físico.

6. Do objecto do recurso

As questões a decidir reconduzem-se a saber:

a) Se a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 5 de abril de 2018, exarada a fls. 495/514, que absolveu a Fazenda Pública da instância e decidiu julgar por verificada a exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir do recorrente, padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia (artigos 615º, nº1, alíneas c) e d) do CPC e 125º nº 1 do CPPT).
b) Se a sentença recorrida padece também de erro de julgamento no entendimento de que inexiste interesse em agir por parte da recorrente.

6.1 A questão da nulidade da sentença recorrida

Alega a recorrente que o tribunal “a quo”, apesar de ter concluído pela violação, por parte do órgão de execução fiscal, do prazo previsto no artº 208º, nº 2, para a revogação do despacho de reversão, não retirou quaisquer consequências dessa violação, abstendo-se de anular o acto reclamado, o que no seu entendimento configura omissão de pronúncia e consubstancia vício de nulidade previsto nos artigos 215º do CPPT, e 615º, nº1, alínea d), do CPC.
Do mesmo passo considera a Recorrente que a sentença impugnada incorreu em vício de nulidade por omissão de pronúncia, ao não ter apreciado a questão por si suscitada sobre a apreciação dos demais vícios imputados do despacho de reversão (para além do vício de falta de fundamentação).
Neste segmento do recurso invoca o recorrente que «Se o órgão de execução fiscal se tivesse pronunciado quanto ao mérito da oposição em toda a sua extensão (como prevê o art. 208.º n.º 2 do CPPT), e, com tal fundamento revogasse o acto de reversão, por reconhecer a falta de verificação dos seus pressupostos, só então teria dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do art. 208.º do CPPT, pelo que foi violado o disposto no art. 208.º n.º 2 do CPPT como expressamente invocado na reclamação apresentada pela Recorrente» e que «o Tribunal a quo simplesmente desconsiderou o que a tal propósito foi invocado pela Recorrente nada dizendo na sentença recorrida quanto à invocada violação do disposto no art. 208.º do CPPT no acto reclamado

Esta argumentação, relativa à omissão de pronúncia, não é, porém, de acolher.
Vejamos.
Preceitua o artº 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil que ocorre omissão de pronúncia susceptível de demandar a nulidade de sentença ou acórdão, quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questão submetida pelas partes à sua apreciação e decisão e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras.
No caso em apreço, como já se deixou escrito no acórdão exarado a fls. 471/488, o objecto da reclamação das decisões do órgão da execução fiscal deduzida pela ora recorrente, a fls. 122/137 do primeiro volume, era o despacho do Chefe de Finanças de Vila do Conde de 25.08.2016 que revogou o despacho de reversão proferido em 05.04.2016, o qual dera origem à oposição à execução fiscal nº 1450/16.6BEPRT.

Resulta dos autos que no âmbito da execução fiscal nº 1902201001038125, instaurada contra a sociedade B………., Lda.”, foi proferido em 05/04/2016 despacho de reversão contra a aqui Recorrente, na qualidade de responsável subsidiária.
E na sequência da sua citação em 08/04/2016, veio a mesma deduzir oposição à execução fiscal em 09/05/2016, que deu origem ao processo nº 1450/16.6BEPRT, a correr termos no TAF do Porto.
Sucede que em 25/08/2016, já depois de o processo de oposição ter sido remetido ao tribunal tributário e a Fazenda Pública ter sido notificada para deduzir contestação, o órgão de execução fiscal proferiu despacho na execução fiscal nº 1902201001038125, nos termos do qual determinou a revogação do anterior despacho de reversão.
Sendo este despacho revogatório do despacho de reversão o objecto da reclamação, a sentença recorrida, na sequência do acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de fls. 471/488 (Acórdão 1193/17 de 21.02.2018), que havia declarado a nulidade de anterior decisão por omissão de pronúncia, apreciou a questão da validade de tal acto de revogação, tendo concluído, que o mesmo foi proferido para além do prazo de 20 dias previsto no º 2 do artigo 208º do CPPT.
Concluiu a decisão recorrida que o órgão de execução fiscal podia proceder à revogação do despacho de reversão até ao termo do prazo de 20 dias previsto no citado normativo, mas como foi ultrapassado este prazo, o acto de revogação é ilegal, o que constitui fundamento da sua anulação – vide § 2º de fls. 23 da sentença e fls. 506 dos autos.
Considerou contudo o tribunal “a quo” que o órgão de execução fiscal não está sujeito à disciplina do artigo 124º do CPPT, o qual é apenas dirigido ao juiz. Mais entendeu o tribunal “a quo” que o vício de falta de fundamentação imputado ao despacho de reversão pelo revertido era de tal forma abrangente que justificava a opção tomada pelo órgão de execução fiscal de anulação de tal acto apenas com base em tal vício («… atenta a configuração dada pelo vício pela Reclamante e reconhecida pela Administração, de uma absoluta falta de fundamentação, afigura-se-nos como plausível que seja esse o único vício conhecido, dado revelar uma falta de ponderação das normas com a realidade apreendida, que impõe uma atuação diversa da Administração e poderá no limite justificar a ausência de renovação do despacho de reversão» - 2º parágrafo de fls.29 da sentença).
E, por fim, após enunciar a questão a dirimir no processo como sendo a de «saber se a mera constatação de que foi praticado um ato que padece de ilegalidade, por ter sido exercido para além do prazo estabelecido, mas que, ainda assim, reconheceu a falta de fundamentação do acto anteriormente praticado e extinguiu a vigência de anterior despacho de reversão que chamara a Reclamante para a execução, é suficiente para demonstrar um interesse em agir e afirmar o seu carácter lesivo», concluiu-se na decisão sindicada que «mesmo que se pondere que o mesmo (acto revogatório) foi produzido para além do prazo previsto para o exercício da competência de revogação, tal também não é suficiente para o constituir como ato lesivo, atendendo à vantagem obtida pela Reclamante à luz do despacho ora impugnado: a extinção da execução quanto a si.»

Em suma a sentença recorrida pronunciou-se sobre as suscitadas questões, sendo que a apreciação que faz da invalidade do acto revogatório intempestivo, e suas consequências, designadamente o facto de não determinar a respectiva anulação, não pode ser configurada como omissão de pronúncia, devendo, antes e se for caso disso, reconduzir-se a um erro de julgamento.
É, pois, nesta perspectiva que se apreciarão as questões atrás elencadas pela recorrente e relativas às consequências da violação, por parte do órgão de execução fiscal, do prazo previsto no artº 208º, nº 2 do CPPT para a revogação do despacho de reversão, bem como da invocada não apreciação dos demais vícios imputados do despacho de reversão (para além do vício de falta de fundamentação).

Pelo que fica dito improcede, nesta parte, o recurso.

6.2 Sustenta ainda o recorrente que o tribunal errou ao entender que o despacho de revogação não era lesivo, por partir do pressuposto da produção de efeitos do acto inválido, o que no seu entendimento configura igualmente nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art. 615º, nº1, al. c), do CPC.

Acontece que o vício apontado não se identifica com a invocada nulidade – oposição entre a fundamentação e a decisão (nulidade que se verifica quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a resultado oposto ao expresso na decisão) - mas sim com um eventual erro de julgamento (de que se conhecerá mais à frente).
Na verdade, o que o recorrente impugna é a leitura jurídica que a decisão sindicada faz da invalidade do acto revogatório intempestivo, e suas consequências, vício que, traduzindo-se num erro de interpretação e de aplicação da lei, não constitui motivo de nulidade (alínea c) do nº 1 do artº 615º do CPC), antes deve ser qualificado como erro de julgamento.
Assim, também nesta parte (quanto à arguida nulidade), não se pode dar razão à recorrente.

6.2 A questão do erro de julgamento

Neste segmento do recurso invoca a recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento no entendimento de que inexiste interesse em agir por parte da recorrente.
Isto porque, como alega, se entendeu que «nenhuma tutela jurídica necessitava a Reclamante pois tendo esta exercido o seu direito de deduzir oposição, viu administrativamente alcançada a sua pretensão, assim sendo, foram apreciadas as suas razões as quais foram suficientes para que a sua pretensão fosse alcançada» quando nem a recorrente viu administrativamente alcançada a sua pretensão, nem foram apreciados todos os vícios que invocou contra a reversão, nem ficou em circunstância de não ser possível à AT praticar novo acto de reversão - o que era o que pretendia e foi invocado na presente reclamação, do que resulta que não se verifica de nenhum dos fundamentos invocados pelo Tribunal a quo para decidir como decidiu.
Mais invoca erro de julgamento na medida em que a decisão recorrida pressupõe a atribuição de efeitos a um acto relativamente ao qual o próprio Tribunal a quo reconhece ter sido praticado em violação de norma cuja consequência é invalidante do mesmo.

Neste ponto procederá a alegação da recorrente.
Passemos à apreciação.
O art. 208º do CPPT, sob a epígrafe “Autuação da petição e remessa ao tribunal”, dispõe, no seu nº 1, que, “Autuada a petição, o órgão da execução fiscal remeterá, no prazo de 20 dias, o processo ao tribunal de 1ª instância competente com as informações que reputar convenientes. No seu nº 2 pode ler-se que “No referido prazo, (…) o órgão da execução fiscal poderá pronunciar-se sobre o mérito da oposição e revogar o acto que lhe tenha dado fundamento”.
Embora a petição de oposição seja apresentada aos serviços da administração tributária, competente para o seu conhecimento é o Tribunal Tributário da área onde correr o processo de execução fiscal [art. 151º, nº1, do CPPT e 49º, nº1, alínea d), e 49º-A, nºs 1, alínea c), 2, alínea c), e 3, alínea c), do ETAF].
Assim, mesmo que seja decidida a revogação do acto que tenha dado fundamento à oposição (no caso o despacho de reversão) o processo terá de ser enviado ao Tribunal Tributário, pois é a este que cabe proferir a respectiva decisão (artº 151º, nº 1 do CPPT) (Neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.02.2012, recurso 98/12 e Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume III, pag.).
Ora no caso em apreço resulta dos autos que 5 de Abril de 2016 foi proferido despacho de reversão contra a recorrente, tendo a mesma sido citada a 8 de Abril de 2016 para proceder ao pagamento da quantia exequenda de € 93.381,83.
A Recorrente deduziu oposição à reversão a 9 de Maio de 2016, e, após análise, o representante da Fazenda Pública, propôs a revogação do despacho de reversão proferido a 5 de Abril, ao que o Chefe de Serviço de Finanças concordou revogando o ato por despacho de 25 de Agosto de 2016 - cf. pontos 2 a 6 do probatório.
É portanto manifesto que aquele despacho foi proferido em violação do disposto no artº 208º, nº 2 do CPPT.
Perante tal constatação a sentença recorrida acabou por concluir que o acto de revogação do despacho de reversão era ilegal por ter sido violado o disposto no artigo 208º nº 1 e 2 do CPPT, ao ter sido proferido após o decurso do prazo de 20 dias ali previsto e já depois de o processo ter sido remetido ao tribunal “a quo” e ter sido notificada a Fazenda Pública para contestação.
Todavia, pese embora tenha chegado a essa conclusão, a decisão sindicada continuou a não dar relevância aos efeitos invalidantes de tal ilegalidade, pois no seu entendimento as supostas vantagens que esse mesmo acto inválido produzem na esfera jurídica da reclamante, e aqui recorrente, constituem fundamento bastante para justificar a recusa pelo tribunal da tutela que almeja.
Também aqui voltou a decidir mal a primeira instância.
Com efeito, e como bem assinala o Ministério Público no seu parecer, decorrido esse prazo de 20 dias e remetido o processo ao tribunal tributário para apreciação da oposição, o poder de revogação do autor do acto fica precludido, atenta a primazia que a lei concede à autoridade judicial para apreciar o fundamento da anulabilidade do acto e dirimir o conflito de interesses em jogo no âmbito do processo de oposição à execução fiscal.
Sendo que o vício de ilegalidade que inquina o acto de revogação, proferido em violação do disposto no nº 2 do artigo 208º do CPPT, é fundamento bastante para a sua anulação, a qual tendo sido peticionada pela pessoa lesada com o acto, se impõe que seja decretada pelo tribunal.

Acresce que, anulado o despacho revogatório do acto de reversão, se mantém na ordem jurídica o despacho de reversão, cujos fundamentos hão-de ser conhecidos no processo de oposição à execução fiscal.
Sendo certo que, como é sabido e vem afirmando a doutrina e a jurisprudência, a reacção contra um acto que ordena a reversão deve efectuar-se através da oposição à execução fiscal e não através da reclamação prevista no artº 276º do CPPT (vide, neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28.10.2009, recurso 578/09, de 20.01.2010, recurso 989/09, de 24.02.2011, recurso 105/11, e Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volumes III, pag. 551 e IV, pag. 276).
Ora, como resulta do probatório e da petição de oposição junta fls. 59/112 dos autos, a Recorrente, na sequência do despacho de reversão, arguiu em sede de oposição outros vícios e invocou outros fundamentos para além do vício formal reconhecido pelo órgão de execução fiscal no acto revogatório, designadamente a sua ilegitimidade substantiva por inexistência dos pressupostos que legitimam a reversão, os quais servem de fundamento à sua pretensão de extinção da instância executiva em relação à sua pessoa.
Portanto, a recorrente tem claro interesse em agir na anulação do acto revogatório ilegal, uma vez que, obtendo vencimento de causa e mantendo-se na ordem jurídica aquele despacho de reversão, necessita de tutela judicial efectiva com vista à obtenção de decisão que a ilibe da responsabilidade subsidiária pelo pagamento da dívida exequenda, o que pode, em teoria, obter com o processo de oposição à execução fiscal (Sendo certo que a decisão que julgou extinta a instância de oposição à execução fiscal por inutilidade superveniente da lide foi também anulada por Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 19.04.2017, proferido no recurso 1479/16.) deduzido na sequência do despacho de reversão.
A sentença recorrida incorreu, pois, no erro de julgamento que lhe é imputado o que constitui fundamento para a sua revogação.
7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, determinando-se a anulação do despacho reclamado por ter sido excedido o prazo de 20 dias previsto no artigo 208º, nº1 e 2, do CPPT.

Custas pela Fazenda Pública, salvo quanto à taxa de justiça neste recurso, uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 12 de Julho de 2018. – Pedro Delgado (relator) - Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.