Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:056/20.0BEBRG
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PEDRO MACHETE
Descritores:IFAP - IP
ELEGIBILIDADE
DESPESAS
SÓCIO
CASAMENTO
QUOTA SOCIAL
Sumário:I - A circunstância de uma sociedade por quotas beneficiária de um subsídio europeu – cuja disciplina é concretizada por uma portaria nacional – que tenha como únicas sócias e gerentes pessoas casadas, sob o regime da comunhão de adquiridos, com os sócios e gerentes de uma sociedade por quotas fornecedora de bens e serviços no âmbito da atividade subsidiada não é, por si só (automaticamente), suficiente para que as despesas realizadas com as aquisições desses bens e serviços sejam consideradas não elegíveis com fundamento em estarem em causa transações realizadas entre cônjuges (relações pessoais), e não transações comerciais realizadas entre pessoas coletivas.
II - Com efeito, a desconsideração da personalidade coletiva opera com base em exigências decorrentes do princípio da boa-fé, contrariando atuações abusivas ou fraudulentas, pelo que envolve sempre a formulação de um juízo de censura à concreta conduta do(s) sócio(s), em razão da verificação de condutas fraudulentas ou abusivas.
III - Também o artigo 10.º, n.º 2, do CPA determina que o cumprimento das regras da boa-fé seja apreciado em concreto, ou seja, com referência a uma dada situação, o que é concretizado, por exemplo, no artigo 168.º, n.º 4 do mesmo Código (possibilidade de anulação administrativa de atos constitutivos de direitos num prazo mais alargado que o geral – cinco anos em vez de seis meses – quando «o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à obtenção da sua prática»).
IV - In casu, todavia, a fundamentação do ato impugnado, na parte referente à consideração como inelegíveis das despesas correspondentes aos mencionados fornecimentos, é omissa quanto à sua desnecessidade ou desrazoabilidade e não formula qualquer juízo de censura das sócias e gerentes da recorrida, em virtude de as mesmas serem casadas com os sócios e gerentes da sociedade fornecedora; tão pouco o mesmo ato refere estar em causa uma desconsideração da personalidade jurídica daquelas duas sociedades nem aduz qualquer facto que justificasse tal desconsideração (tendo o argumento referido supra em I. surgido apenas na contestação do IFAP, IP, à ação de impugnação que lhe foi movida).
V - A mesma circunstância relativa às sócias da sociedade beneficiária do subsídio referida supra em I. não justifica que as despesas realizadas com a aquisição dos bens e serviços em causa sejam consideradas não elegíveis em virtude de resultarem de transações entre pessoas coletivas com relações de participação e sócios comuns.
VI - Desde logo, porque a eventual existência de sócios comuns que sejam pessoas singulares não é condição suficiente de relações de participação entre pessoas coletivas; para que este tipo de relações entre pessoas coletivas exista, é necessário que pelo menos uma delas seja membro ou sócia da outra.
VII - Além disso, a doutrina (jus-comercialista) e a jurisprudência maioritárias entendem, essencialmente com base no artigo 8.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, que o que integra a comunhão conjugal, por força do regime de bens, não é a participação social em si, mas apenas o seu valor ou vertente patrimonial (“quota-valor”).
VIII - Acresce que, mesmo para os autores (em especial jus-civilistas) e a orientação jurisprudencial que consideram que a própria participação social também pode integrar, por força do regime de bens, a comunhão conjugal, sendo por conseguinte ambos os cônjuges sócios, o citado preceito do Código das Sociedades Comerciais, ao considerar apenas um dos cônjuges como sócio, dispõe simplesmente sobre a administração da participação social comum e da correspondente legitimidade para o exercício dos direitos sociais: isto é, diz somente quem deve ser considerado como sócio para efeitos do exercício dos poderes que, pela sua própria natureza, envolvem a relação com a sociedade.
IX - Assim, quer se entenda que a solução consagrada no artigo 8º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais é uma expressão da não comunicabilidade da qualidade de sócio, quer se entenda que se trata de uma específica restrição ao efeito da comunicabilidade, o que releva em termos práticos é que o cônjuge não é tratado como sócio, pelo que, em relação à sociedade, o cônjuge não, podendo exercer os poderes de sócio, também não pode influenciar internamente a atuação daquela.
X - Deste modo, é certo que, face à sociedade beneficiária do subsídio, os cônjuges das únicas sócias desta não são seus sócios (interpretação maioritária); ou, sendo-o por via do regime de bens do casamento (interpretação minoritária), não têm legitimidade para exercer os direitos sociais correspondentes, pelo que também não devem relevar como sócios comuns face à teleologia da norma aplicável da portaria nacional (prevenir que a influência ou peso dos sócios comuns às duas sociedades – a beneficiária do subsídio e a fornecedora – distorça os termos das transações entre ambas).
Nº Convencional:JSTA000P31860
Nº do Documento:SA120240201056/20
Recorrente:INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. (IFAP)
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I. Relatório

1. Nos presentes autos de recurso de revista vindos do Tribunal Central Administrativo Norte (“TCAN”), vem o IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. (“IFAP”), recorrer do acórdão daquele Tribunal datado de 15.07.2021, que, negando provimento à sua apelação, manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (“TAF de Braga”) pela qual foi julgada parcialmente procedente a ação de impugnação de ato administrativo contra si intentada por A..., LDA., tendente à anulação do despacho de 15.10.2019 do Presidente do seu Conselho Diretivo, o qual, no âmbito do Processo n.º ..../20017/PR/DEV do programa “PRODER/Ação 3.1.1 – Diversificação de Atividades de Exploração Agrícola” decidiu promover uma alteração unilateral do contrato de financiamento celebrado entre a autora e o réu e exigir àquela a restituição do montante de € 31 151,64, correspondente a parte do apoio recebido no âmbito da Operação n.º ...35 do citado programa, por considerar que o mesmo foi indevidamente recebido.

2. A autora, ora recorrida, propôs a mencionada ação de impugnação de ato administrativo alegando, para tanto e em síntese, que, desde o momento da sua constituição, são sócias e gerentes da mesma AA, casada com BB e CC, casada com DD, em ambos os casos no regime da comunhão de adquiridos.
A autora foi constituída com o único propósito de sustentar a candidatura ao apoio comunitário apresentado no âmbito do concurso 17/3.1.2 do PRODER, tendo-lhe sido concedido o subsídio de € 46 909,40, num investimento de € 93 818,47, e assinado o respetivo contrato de financiamento.
A autora executou todos os trabalhos previstos no projeto aprovado, o que foi controlado e validado pelo IFAP, IP que pagou a ajuda concedida em três momentos distintos, o último em 31/01/2015. 
Procedeu, inclusivamente à criação de um posto de trabalho, que foi assumido pela sócia-gerente CC, que passou desde então a realizar todas as tarefas relacionadas com a execução do projeto, auferindo a partir de 8.06.2015, a remuneração definida em assembleia de sócias.
Sucede que, em finais de 2017, na sequência de uma ação de controlo, a autora foi notificada para efeitos de audiência prévia, da intenção do IFAP, IP reclamar a restituição de parte da ajuda financeira concedida, no valor de € 9 381,85, com fundamento em incumprimento da legislação aplicável por não ter promovido a criação de um posto de trabalho, uma vez que o posto de trabalho relativo à gerente CC já existia aquando do início do projeto.
A autora, nessa sequência, exerceu o direito de defesa, mas não obteve resposta.
Cerca de um ano após, a autora foi novamente notificada de um projeto de decisão, para audiência prévia, em que, para além da questão relativa ao posto de trabalho, que o IFAP manteve não ter sido criado pela autora, se invocou a existência de despesas não elegíveis, correspondentes a um conjunto de faturas do fornecedor B..., Lda., pelo facto desta sociedade ser detida pelos cônjuges dos sócios da beneficiária (autora), e tal revelar a existência de relações especiais nessas transmissões, tornando inelegíveis as respetivas despesas.
A autora exerceu o respetivo direito de defesa, vindo, porém, a decisão final a considerar que foram praticadas as duas apontadas irregularidades.
A autora, para além de invocar a prescrição da obrigação de restituir as quantias reclamadas, sustentou que o ato impugnado assentou em pressupostos erróneos, invocando, por um lado, que procedeu à efetiva criação de um posto de trabalho, não sendo essa circunstância invalidada pelo facto de a pessoa abrangida ser gerente da sociedade e, por outro lado, que em nenhuma das normas constantes do regulamento de aplicação das ações do tipo ao abrigo do qual foi atribuído o financiamento se estabelece a ligação entre relações especiais e inelegibilidade da despesa.
Citado, o IFAP contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, que a decisão impugnada é legal, uma vez que a autora não procedeu à criação líquida de um posto de trabalho, tendo simplesmente deliberado remunerar a gerência e, por outro lado, atendendo às relações especiais existentes com o fornecedor B..., Lda., à luz do regulamento da medida, impunha-se que as despesas relativas a esse fornecedor fossem consideradas não elegíveis, dado que existem sócios comuns em ambas as entidades.
Sustentou ainda que não ocorreu qualquer prescrição do procedimento, atendendo às causas de interrupção e ao prazo concretamente aplicável.

3. Em 28.02.2021, o TAF de Braga, proferiu sentença em que julgou parcialmente procedente, por provada, a ação administrativa de impugnação do ato, sendo o seu dispositivo do seguinte teor:
«a) Anulo o ato administrativo impugnado nestes autos, somente na parte em que considerou não elegíveis as despesas apresentadas pela autora relativas às faturas emitidas pela sociedade B..., Lda., no âmbito da operação n.º ...35 do PRODER/Ação 3.1.1 - Diversificação de Atividades de Exploração Agrícola;
b) Mantenho a decisão administrativa no que respeita à devolução da quantia relativa à não criação de um posto de trabalho.».

4. Inconformado com esta decisão, o réu, ora recorrente, interpôs recurso de apelação para o TCAN, o qual, por acórdão de 15.07.2021 – o acórdão ora recorrido –, decidiu negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão então recorrida.

5. De novo não conformado, veio o réu interpor o presente recurso de revista, formulando no final da sua alegação as seguintes conclusões:
«1ª No caso em presença estão em causa despesas consideradas inelegíveis por terem resultado de elegíveis transações entre sociedades detidas por cônjuges casados no regime de comunhão e bens adquiridos;

2ª Salvo melhor entendimento, afigura-se ao IFAP que a melhor análise e dilucidação da questão jurídica em apreço no presente recurso – saber se o caso concreto em presença constitui um caso de relações especiais geradora da inelegibilidade de despesas para efeitos de regularidade dos pagamentos de subsídios – se mostra claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pois tal questão coloca-se diariamente ao IFAP na gestão dos Fundos, cujos pagamento lhe cabe processar;

3ª Nessa medida, o IFAP considera que a questão trazida a juízo no presente recurso, sendo, tanto quanto se sabe, nova, revela-se de fundamental relevância jurídica e social, relevando para efeitos aplicabilidade a outros casos concretos que extravasam os limites da situação singular em apreço;

4ª Daí que se afigure ao IFAP que o presente recurso de revista excepcional deva ser admitido, conhecido e decidido;

5ª A respeito da questão, resulta dos autos que o capital social da «B..., Lda» é detido por pessoas casadas, sob o regime de comunhão de bens adquiridos, com as detentoras do capital social da A./Recorrida – “relações pessoais” essas, que a própria A./Recorrida admite em 20. da sua Pronúncia de 06/02/2019 (fls. 12 a 23 do PA);

6ª Como consta da Decisão Final contenciosamente impugnada, a realidade substantiva e material das relações especiais em causa, traduz-se na circunstância de o capital social da «B..., Lda», sendo detido por pessoas casadas, sob o regime de comunhão de bens adquiridos, com as detentoras do capital social da A./Recorrida;

7ª Nessa medida, tal circunstância configura objetivamente uma desconsideração pelo IFAP da personalidade jurídica das pessoas coletivas em causa e, por isso, também configura “relações pessoais” estabelecidas entre cônjuges, das quais resultaram as transações documentadas pelas faturas em causa.

8ª Por outro lado, tal fundamento do ato administrativo contenciosamente impugnado – "Despesas que resultem de transações entre cônjuges, parentes e afins em linha reta, entre adotantes e adotados e entre tutores e tutelados” previstos no ponto 3) do Anexo III do Regulamento de Aplicação - acha-se provado nos autos (Facto Provado 22);

9ª Ora, mostrando-se provado nos autos que
• a entidade emitente das facturas ...24, ...25, ...26, ...62, ...02, ...92, ...17, ...21, ...95, ...02 – «B..., Lda», era detida pelos cônjuges das sócias da A.;
e
• que o capital social da «B..., Lda» é detido por pessoas casadas, sob o regime de comunhão de bens adquiridos, com as detentoras do capital social da A. – “relações pessoais” essas, que a própria A. admite em 20. da sua Pronúncia de 06/02/2019 (fls. 12 a 23 do PA) não haverá dúvida alguma que as despesas documentadas nas facturas ...24, ...25, ...26, ...62, ...02, ...92, ...17, ...21, ...95, ...02, emitidas à A. (A... Lda) por «B..., Lda», resultaram de “transações entre pessoas coletivas com relações de participação e com sócios comuns” – os cônjuges – não podendo ser elegíveis para o financiamento da Operação por força do disposto no art° 10° do Regulamento de Aplicação aprovado pela Portaria n° 520/2009, de 14 de Maio, na redação dada pela Portaria n° 149/2013, de 18 de Abril, pelo que, como tal, tais despesas teriam de se considerar “não elegíveis” nos termos prescritos em tal Regulamento de Aplicação;
[10]ª Nessa medida, o Tribunal a quo, ao ter negado provimento à apelação do IFAP com fundamento na circunstância de que o IFAP não desconsiderara a personalidade jurídica das pessoas coletivas em causa […] errou na apreciação da factualidade provada e na subsunção do direito a tal factualidade provada em violação do disposto no artº 10º do Regulamento de Aplicação aprovado pela Portaria n° 520/2009, de 14 de Maio, na redação dada pela Portaria n° 149/2013, de 18 de Abril.»

A autora ora recorrida, notificada da interposição do recurso de revista, não contra-alegou.

6. O presente recurso foi admitido por acórdão de 27.01.2022, proferido nos termos do artigo 150.º, n.º 6, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), tendo a formação de apreciação preliminar fundamentado a sua decisão com base nas seguintes ordens de razão:
«Como se vê as instâncias decidiram no mesmo sentido e o acórdão recorrido está proficientemente fundamentado, através de um discurso consistente, quanto às questões submetidas pelo Recorrente à sua apreciação sobre a inelegibilidade das despesas aqui em causa.
No entanto, as questões que o Recorrente suscita nos autos sobre a relevância das relações entre sociedades que têm como únicos sócios e gerentes, pessoas, casadas entre si, em regime de comunhão de adquiridos, para efeitos da elegibilidade, ou não, de despesas (face ao disposto nas alíneas 3) e 4) do Regulamento de Aplicação), tem inegável relevância jurídica, não sendo isenta de dúvidas, e, podendo repetir-se em operações do mesmo tipo, o que aconselha que este STA sobre as mesmas se debruce para uma melhor dilucidação das mesmas».

7. O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso. Tendo sido dado conhecimento do mesmo às partes ao abrigo do n.º 2 daquele preceito, estas nada disseram.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Fundamentação

A) De facto

8. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«1. A autora foi constituída em 20.05.2013, tendo como sócias e gerentes AA e CC, cada uma com uma participação de 50% no respetivo capital social, prosseguindo o objeto de cultura de frutos de casca rija e turismo no espaço rural - cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial;

2. A AA é casada desde .../.../1999 com BB, no regime de comunhão de adquiridos - cf. certidão do registo civil, consultada mediante o código de acesso constante do documento de ref.ª ...02;

3. E a CC é casada desde .../.../2004 com DD, no regime de comunhão de adquiridos - cf. certidão do registo civil, consultada mediante o código de acesso constante do documento de ref.ª ...01;

4. Por sua vez, os referidos DD e BB são sócios e gerentes, desde 1994, da sociedade que gira sob a firma “B..., Lda" NIPC ...43 - cf. certidão permanente junta aos autos sob a ref.ª ...43;

5. Em 31.05.2013, a autora apresentou candidatura no âmbito do subprograma n.º 3 “Dinamização das Zonas Rurais”, do PRODER - Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, em concreto quanto à ação “3.1.1 Diversificação da Economia e Criação de Emprego”, à qual foi atribuída o número ...35 - cf. documentos de fls. 52 a 69 do processo administrativo integrado nos autos;

6. Nessa candidatura, a autora declarou, entre o mais, o seguinte, no campo “3 - Fundamentação do Pedido de Apoio”:
“(...)
3 - Fundamentação do Pedido de Apoio (...)
Informações Complementares
Este investimento vai criar um posto de trabalho a tempo inteiro. Essa pessoa ficará com o encargo da manutenção e limpeza da casa e jardins, de receber os turistas e atender aos seus pedidos, e encaminhá-los para os programas, de gerir as reservas. Promoverá o serviço de compras e preparação de pequenos-almoços. Irá elaborar os programas de oferta turística, fará avaliações da atividade e integração estratégica potenciadora de ocupação turística. Ficará a cargo de promover no site e redes sociais [o] empreendimento.
(...)

3.2.2 Objetivos Específicos
Aumentar a capacidade de alojamento: estabelecer parcerias com associações culturais da freguesia propondo 3 atividades por ano; estabelecer parcerias com empresas de animação turística criando atividades de animação 1 vez por semana; parceria com estabelecimentos de restauração da região com oferta de pratos típicos; edição de 1000 panfletos para divulgação da casa de agroturismo; parcerias com empresas rent-a-car; dinamizar e divulgar percursos e trilhos pedestres; manter uma mostra de produtos artesanais e locais para venda em parceria com artesãos e produtores agrícolas; divulgar o património natural e cultural; criar um posto de trabalho a tempo inteiro; atingir uma taxa de ocupação liquida de 30%.
(...)";
Cf. documento de fls. 57 do processo administrativo integrado nos autos;

7. Ainda da mesma candidatura, resulta que o período de execução da mesma teria início em 30.10.2013 e termo em 31.12.2014 - cf. documento de fls. 62 do processo administrativo integrado nos autos;

8. Na sequência da aprovação desta candidatura, foi firmado entre a autora e o IFAP documento escrito designado “contrato de financiamento n.º ...”, no qual se pode ler nomeadamente o seguinte:

“(...)
Cláusula 2ª - Valor (Euros), Forma e Financiamento dos Apoios
1 - Tendo em vista a execução da Operação são concedidos ao Beneficiário os seguintes apoios até o valor de:
Investimento Total (Euros): 93,818.47
Investimento Elegível (Euros): 93,818.47
Tipologia:
Componente:
(...)
Cláusula 4ª - Prazos
1 - A execução material da Operação tem início e termina nas datas aprovadas a seguir indicadas, sem prejuízo, quando previsto, dos prazos fixados nas “Condições Específicas” do presente contrato:
- Data de Início 2013-05-03
- Data Fim 2014-12-31
2. Para efeitos deste contrato considera-se que o termo da operação ocorre na seguinte data: 2019-02-28
3. No caso de prorrogação da Data de Fim, referida no ponto 1, o prazo referido no n.° 2. considera-se automaticamente prorrogado por igual período.
(...)
3 - Condições Gerais (...)

B - Obrigações Gerais
Sem prejuízo de outras, designadamente de natureza legal ou regulamentar, e sempre que aplicável, constituem obrigações do Beneficiário;
B.1 Aplicar integralmente o apoio para os fins para que foi concedido, cumprindo pontualmente os compromissos e as obrigações previstas neste contrato, no regulamento específico e na demais legislação aplicável;
B.2 Assegurar os demais recursos financeiros necessários, cumprindo pontualmente as obrigações para o efeito contraídas junto de terceiros, de forma a não perturbar a cabal realização dos objetivos previstos;
B.3 Manter integralmente os requisitos de concessão do apoio objeto deste contrato, bem como as condicionantes que forem estabelecidas;
B.4 Comunicar à Autoridade de Gestão, por escrito, no prazo de dez dias sobre a sua ocorrência, todos os factos suscetíveis de interferir na normal execução da operação nos termos aprovados;
B.5 Dispor de um processo relativo à operação, com toda a documentação relacionada com a apresentação e a decisão do pedido de apoio e a respetiva execução, devidamente organizada, assim como manter o arquivo de todos os documentos que respeitem à execução da operação, incluindo os originais ou as cópias autenticadas dos documentos comprovativos de despesa, registos contabilísticos e extratos bancários, por prazo não inferior a 10 anos, nos termos da lei;
B.6 Aplicar aos fins da operação os bens co-financiados e não os ceder, não alienar, não locar ou por quaisquer formas onerar sem prévia autorização da Autoridade de Gestão, até ao termo da operação;
B.7 Solicitar, por escrito, à Autoridade de Gestão, previa e fundamentadamente, com o devido suporte documental e obter desta autorização expressa para todas as alterações aos investimentos ou à operação;
B.8 Publicitar, quando seja devido, o co-financiamento do projeto no local da sua realização, a partir da data da celebração deste contrato;
B.9 Cumprir os preceitos legais a que se encontra obrigado no que respeita à realização da despesa e sempre que aplicável, comprovando-a com documentos fiscalmente aceites e sem prejuízo do cumprimento das regras relativas à contratação pública;
B.10 Efetuar todos os movimentos financeiras relativos ao projeto (pagamentos e recebimentos) exclusivamente através da conta indicada neste contrato, mediante transferência bancária, ou, se especialmente previsto no regulamento específico do apoio, através de cheque até ao montante aí fixado;
B.11 Apresentar à Autoridade de Gestão, nos prazos fixados, os relatórios de execução que forem obrigatórios nos termos do regulamento específico do apoio
B.12 Cumprir as obrigações fiscais a que está sujeito, designadamente, declarando e contabilizando os apoios auferidos pelo presente contrato;
B.13 Remeter à Autoridade de Gestão, anualmente, certidão comprovativa de não ter havido alteração de regime perante o IVA, sempre que este imposto tenha sido considerado elegível e financiado;
B.14 Cumprir os normativos nacionais e comunitários em matéria de ambiente, higiene e bem-estar animal;
B.15 Por si, ou através dos seus representantes legais ou institucionais, permitir o acesso aos locais de realização das operações e àqueles onde se encontrem os elementos e os documentos necessários, nomeadamente os de despesa, assim como proporcionar as condições adequadas para os fins de acompanhamento, de fiscalização e de controlo da operação, nas suas componentes material, financeira e contabilística;
B.16 Fornecer todos os elementos necessários à caracterização e à quantificação dos indicadores de realização e de resultado, quando exigíveis, das operações apoiadas;
B.17 Respeitar as disposições fixadas em regulamento específico, nomeadamente as relativas à perenidade das operações relacionadas com investimentos;
B.18 Procederá reposição dos montantes objecto de correcção financeira decididos pelas entidades competentes, nos termos definidos pelas mesmas e que constarão, discriminadamente, da notificação formal da constituição de dívida.
(...)
E. Resolução e Modificação do Contrato
E.1 No caso de incumprimento pelo Beneficiário de qualquer das suas obrigações ou compromissos, ou da inexistência ou desaparecimento, que lhe seja imputável, de qualquer dos requisitos da concessão do apoio, o IFAP pode resolver unilateralmente o contrato;
E.2 O IFAP pode proceder apenas à modificação unilateral do contrato, nomeadamente quanto ao montante dos apoios, desde que tal se justifique face às condições concretamente verificadas na execução da operação;
E.3 Em caso de incumprimento, por facto não imputável ao beneficiário e ponderadas as circunstâncias concretamente verificadas na execução do projeto, o IFAP pode não exigir a reposição dos apoios.
(...)";
Cf. documento de fls. 40 a 49 do processo administrativo integrado nos autos;

9. A CC assumiu, de forma exclusiva, todas as tarefas relacionadas com a execução do projeto de turismo no espaço rural, tendo passado a receber desde 08.06.2015 a remuneração definida em assembleia de sócias, entregando a autora as respetivas contribuições à segurança social - facto não controvertido;

10. Com efeito, nesse dia 08.06.2015 a assembleia geral da autora, estando presentes as sócias AA e CC, deliberou sobre a remuneração da gerência, tendo sido aprovada por unanimidade a atribuição da remuneração de € 700,00 à sócia-gerente CC - cf. documento n.º 10 junto com a petição inicial;

11. O último pedido de pagamento, no valor de € 8.584,15, foi submetido pela autora em 11.11.2014 - facto não controvertido [cf. ainda documento n.º 9 junto com a contestação];

12. Ao abrigo do referido contrato, o IFAP pagou à autora as seguintes quantias: € 25.551,14, em 30.05.2014; € 6.637,15, em 30.09.2014; e € 7.974,57, em 31.01.2015 - facto não controvertido [cf. ainda documento de fls. 41 do processo administrativo integrado nos autos];

13. Na execução do sobredito contrato, a autora contratou a sociedade acima referida “B..., Lda.” para realizar todos os trabalhos indicados no projeto sob a tipologia 65 - capítulos 6 (carpintarias), 9 (revestimentos de pavimentos) e 11 (revestimento de tetos), a qual executou esses trabalhos, descritos nas faturas n.º ...24, ...25, ...26, ...62, ...92, ...17, ...21, ...95 e ...04 - facto não controvertido;

14. Durante o ano de 2017, o IFAP encetou a realização de controlo de qualidade ao C..., tendo sido elaborada ficha de individual de controlo de qualidade da operação relativa à aqui autora, sob o n.° ...24, do qual consta nomeadamente o seguinte

“U
Proposta de Atuação
Plano de ação Validação PT - verificação da AG PDR2020 - recontratação para retificação da majoração do Incentivo, considerando a ausência de criação de 1 PT.
Nº de PT mês anterior à 1ª fatura - 0 PT;
Nº de PT 6 meses após a submissão do último PP - 0 PT.
Nº de postos de trabalho em 08/2016 0 PT
A gerente passou de não remunerada a remunerada, sendo que a remuneração não releva para o exercício das funções, que se manteve, pelo que não é possível validar a criação de PT.
(...)";
Cf. documento de fls. 33 do processo administrativo integrado nos autos;

15. No âmbito do mesmo controlo de qualidade, foi elaborada outra ficha individual de controlo de qualidade da operação relativa à autora, identificada pelo número 7791, do seguinte teor:
“(...)
Proposta de Atuação
Reanálise efetuada na sequência do CQ 7424
Plano de ação Validação PT - verificação da AG PDR2020 - recontratação para retificação da majoração do incentivo, considerando a ausência de criação de 1 PT.
Nº de PT mês anterior à 1ª fatura - 0 PT;
Nº de PT 6 meses após a submissão do último PP - 0 PT.
Nº de postos de trabalho em 08/2016 é 0 PT
Em 06/2015 a sócia-gerente, com vista à obtenção da majoração do incentivo, passa de não remunerada a remunerada, sendo que o exercício de funções ocorre desde a constituição da empresa, não relevando a sua remuneração, Não é passível de validação enquanto criação de PT.
Adicionalmente, verifica-se a validação indevida de despesa não elegível, relativa a faturas do Fornecedor B..., Lda, detida pelos cônjuges das sócias da beneficiária fatura ...24, ...25, ...26, ...62, ...02, ...92, ...17, ...21, ...95, ...02, e a ausência de indicação da existência de relações especiais nestas transmissões.
(...)”;
Cf. documento de fls. 31 do processo administrativo integrado nos autos;

16. Por ofício de referência .../2017 DAI-UREC, expedido por correio registado, recebido em finais de 2017, foi a autora notificada pelo IFAP nos seguintes termos:
“(...)
1 - Na sequência da ação de controlo administrativo, nomeadamente em sede de verificação das condições que determinaram a aprovação da taxa de financiamento de 50%, com majoração, constatou-se uma situação de incumprimento da legislação aplicável à Ação “3.1.1 - Diversificação de Atividades na Exploração Agrícola/Diversificação de Atividades na Exploração Agrícola” do PRODER - Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, que se enquadra no Regulamento (CE) n° 1698/2005, de 20 de setembro, regido a nível nacional pela Portaria n° 520/2009, de 14 de maio, e subsequentes alterações.
2 - Com efeito, e em conformidade com a legislação que regulamenta a ação, o apoio previsto e aprovado, foi calculado à taxa de 50%, por prever a criação de pelo menos 1 posto trabalho, sendo a taxa de apoio base, de 40%, nas operações sem criação de postos de trabalho.
3 - Neste contexto, considera-se haver criação líquida de postos de trabalho, quando há um aumento efetivo do número de trabalhadores vinculados à entidade empregadora, decorrente da execução da operação, aferida pela diferença entre o número total de trabalhadores antes do início da execução do projeto e até 6 meses, após a apresentação do último pedido de pagamento.
4 - Concretamente, foi executado um montante total de investimento elegível, de €93.818,47, que correspondeu a um montante de subsídio de €46.909,24, por aplicação da taxa majorada de 50%.
5 - Todavia, atendendo a que foi confirmada a não criação do posto de trabalho subjacente ao apoio majorado concedido, e que a execução financeira apresentada corresponde a um subsídio no valor de €37.527,39, por aplicação da taxa de 40%, há lugar à devolução da diferença, no valor de €9.381,85.
6 - Com efeito, verificou-se que a empresa foi constituída em 20/05/2013, no entanto a sócia-gerente passou a ser remunerada a 08/06/2015. Assim, uma vez que o posto de trabalho já existia aquando do início do projeto, o mesmo não é considerado para efeitos de atribuição da majoração do apoio.
7 - Face ao exposto, procedeu-se à reanálise do projeto, considerando a devolução de ajudas indevidamente recebidas, no valor de € 9.381,85, correspondente ao ajuste do montante de subsídio aprovado, por força da adequação da taxa de financiamento.
8 - Nestes termos, importa referir que o n° 2 do artigo 12°, da Portaria n° 520/2009, de 14 de maio, determina o nível dos apoios a conceder, bem como as Cláusulas E.2 e F.2. das Condições Gerais, determinam, respetivamente, que em caso de incumprimento, o IFAP pode proceder à modificação unilateral do contrato, com a consequente exigência de devolução das ajudas indevidamente recebidas.
9 - Assim, e para os efeitos do disposto nos art. 121° e 122° do Código do Procedimento Administrativo, fica notificado da intenção deste Instituto determinar a modificação contratual e a devolução do montante abaixo discriminado, podendo informar por escrito sobre o que se lhe oferecer, no prazo máximo de dez dias úteis, contados a partir da data de receção do presente ofício ou, supletivamente, contados a partir do terceiro dia após a data constante no carimbo dos CTT.
(...)";
Cf. documento n.º 11 junto com a petição inicial, e que consta do processo administrativo a fls. 29/30;

17. Tendo a autora respondido, mediante a apresentação de requerimento escrito datado de 02.01.2017 - cf. documento n.º 12 junto com a petição inicial, e que consta do processo administrativo a fls. 27/28;

18. Seguidamente, foi a autora novamente notificada pelo IFAP, por ofício de referência .../2018 DAI-UREC, recebido por aquela em 24.01.2019, nos seguintes termos:
“(...)
I - Questão Prévia
1. A coberto do nosso ofício de Audiência Prévia, n° ...17, de 15-01-2018, foi notificado da intenção de decisão deste Instituto, no sentido da modificação do contrato de atribuição de ajudas e da consequente recuperação da quantia de 9.381,85 €, paga no âmbito da operação supra.
2. Aquela intenção decorre da não criação de um posto de trabalho previsto no pedido de apoio aprovado, implicando a eliminação da majoração de 10% sobre o investimento elegível, atribuída e paga.
3. Porém, reapreciado o processo foi detetada nova irregularidade, existindo assim uma nova matéria de facto e de direito, pelo que cumpre revogar o ato administrativo primário ao abrigo dos artigos 165° e seguintes do Código de Procedimentos Administrativo (CPA) e, emitir nova audiência prévia, o que se faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
II - Nova Audiência Prévia (nos termos do Art. 121.° e 122° do CPA)
1. Em resultado de uma ação de controlo de qualidade, à operação supra, verificaram-se situações de incumprimento da legislação aplicável a esta Ação que se enquadra no Regulamento (CE) n° 1698/2005, de 20 de Setembro e, a nível nacional, no Regulamento de Aplicação aprovado pela Portaria n° 520/2009 de 14 de maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n° 905/2009 de 14 de agosto e subsequentes alterações.
2. Em conformidade com a legislação que regulamenta a ação, o apoio aprovado e pago, foi calculado à taxa de 50%, por prever a criação de pelo menos 1 posto trabalho (PT), sendo a taxa de apoio base, de 40%, nas operações sem criação de postos de trabalho.
3. Neste contexto, considera-se haver criação líquida de PT, quando há um aumento efetivo do número de trabalhadores vinculados à entidade empregadora, decorrente da execução da operação, aferida pela diferença entre o número total de trabalhadores antes do início da execução do projeto (abr2013) e até 6 meses, após a apresentação do último pedido de pagamento (jun 2015).
4. Sucede que o referido PT, correspondente à sócia-gerente CC, não tem enquadramento na majoração a atribuir, por se tratar de uma função já exercida anteriormente. Embora os mapas de descontos para a Segurança Social reflitam o PT, relativo à sócia-gerente, esta já desempenhava a função na empresa, ainda que não remunerada, pelo que não pode considerar-se a criação de um novo PT. Nestes termos, há que suprimir a majoração de 10% do investimento elegível.
5. Acresce que, veio a ser detetada, posteriormente, a existência de despesas não elegíveis, correspondentes às faturas n°s ...24, ...25, ...26, ...62, ...02, ...92, ...17, ...21, ...95 e ...04, no valor total de 54.424,48 €, do fornecedor B..., Lda. Com efeito, sendo esta sociedade detida pelos cônjuges dos sócios da beneficiária, existem relações especiais naquelas transmissões, pelo que as referidas despesas são inelegíveis, conforme determina o regulamento de aplicação da medida 3.1.
6. Nestas condições, uma vez excluídas aquelas despesas, o investimento elegível corrigido é de 39.393,99 € (93.818,47- 54.424,48), a que corresponde um subsídio de 15.757,60 €, por aplicação da taxa de 40%, não majorada, pelos motivos referidos nos pontos 2 a 4. Tendo sido pagos 46.909,24 € de subsídio, há 31.151,64 € a devolver (46.909,24 - 15.757,60).
7. Assim, e para os efeitos do disposto nos artigos 121° e 122° do Código do Procedimento Administrativo, fica notificado da intenção deste Instituto de determinar a modificação unilateral do contrato de financiamento, com a consequente devolução de 31.151,64 €, podendo informar por escrito sobre o que se lhe oferecer, no prazo máximo de dez dias úteis, contados a partir da data da receção do presente ofício ou, supletivamente, contados a partir do terceiro dia após a data constante no carimbo de expedição dos CTT.
(...)";
Cf. documento n.º 13 junto com a petição inicial, e que consta do processo administrativo a fls. 24/26;

19. A autora respondeu igualmente a este ofício, apresentando requerimento escrito que foi recebido no IFAP em 06.02.2019 - cf. documento n.º 14 junto com a petição inicial, e que consta do processo administrativo a fls. 12 a 23;

20. Após o que o IFAP dirigiu nova comunicação à autora por ofício de referência .../2019 DAI-UREC, datado de 25.09.2019, do seguinte teor:
“U
1. A coberto do nosso ofício de Audiência Prévia, n° ...18, de 21-01-2019, foi notificado da intenção de decisão deste Instituto, no sentido da modificação do contrato de atribuição de ajudas e da consequente recuperação da quantia de 31.151,64 €, paga no âmbito da operação supra.
2. Aquela intenção decorre de duas irregularidades verificadas em controlo de qualidade: (i) a não criação de um posto de trabalho (PT), previsto no pedido de apoio aprovado, implicando a eliminação da majoração de 10% sobre o investimento elegível, atribuída e paga (9.381,85 €) e (ii) a exclusão de 54.424,48 € de despesas (fornecimentos da B..., Lda, detida pelos cônjuges dos sócios da beneficiária), consideradas inelegíveis por corresponderem a relações especiais. A este montante correspondem 21.769,79 € de subsídio (40%).
3. No que respeita à primeira irregularidade, estão em análise os elementos fornecidos (DMR), a nosso pedido, relativos ao PT criado.
4. Quanto à questão das relações especiais, o referido ofício de audiência prévia não mencionava com rigor qual a disposição legal que sustenta a inelegibilidade. Razão pela qual se faz o presente aditamento, esclarecendo que as referidas exclusões estão referidas nas alíneas 3) e 4), introduzidas pela Portaria 149/2013, de 15 de abril, no ponto 3 - Despesas não elegíveis comuns - do Anexo III, da Portaria 520/2009, de 14 de maio, com as alterações introduzidas pela Portaria 814/2010, de 27 de agosto.
5. Não obstante a sua resposta, por carta de 06-02-2019, tem a oportunidade de contestar, ainda em audiência prévia, com novo prazo de 10 dias.
6. Assim, e para os efeitos do disposto nos artigos 121° e 122° do Código do Procedimento Administrativo, fica notificado da intenção deste Instituto de determinar a modificação unilateral do contrato de financiamento, com a consequente devolução de 31.151,64 €, podendo informar por escrito sobre o que se lhe oferecer, no prazo máximo de dez dias úteis, contados a partir da data da receção do presente ofício ou, supletivamente, contados a partir do terceiro dia após a data constante no carimbo de expedição dos CTT.
(...)”;
Cf. documento de fls. 10/11 do processo administrativo integrado nos autos;

21. E a autora apresentou, em resposta, novo requerimento escrito, recebido no IFAP a 08.10.2019 - cf. documento de fls. 5 a 9 do processo administrativo integrado nos autos;

22. Após o que o IFAP tomou decisão que comunicou à autora por ofício de referência .../2019 DAI-UREC, do seguinte teor:
“U
2. A necessidade de devolução decorre de duas irregularidades verificadas em controlo de qualidade: (i) a não criação de um posto de trabalho (PT), previsto no pedido de apoio aprovado, implicando a eliminação da majoração de 10% sobre o investimento elegível, atribuída e paga (9.381,85 €) e (ii) a exclusão de 54.424,48 € de despesas (fornecimentos da B..., Lda, detida pelos cônjuges dos sócios da beneficiária), consideradas inelegíveis por corresponderem a relações especiais. A este montante correspondem 21.769,79 € de subsídio (40%).
3. Veio contestar, por cartas de 06-02-2019 e 08-10-2019, com alegações para cada uma das irregularidades, às quais passamos a responder:

Não criação de Posto de Trabalho
4. Nos pontos 10 a 14, da sua 1ª carta, defende que o PT foi criado, uma vez que a sócia-gerente da sociedade promotora, iniciou funções e passou a ser remunerada, apenas após arranque do projeto.
5. Esclarecemos, porém, que o PT, associado a uma função, tem que ser efetivamente criado. Ora, de facto, a sócia-gerente já desempenhava funções na empresa, anteriormente ao projeto, apesar de ter passado a auferir remuneração a partir do início da exploração, pelo que não pode considerar-se a criação de um novo PT.

Inelegibilidade de despesas provenientes de relações especiais com o fornecedor
6. Apesar da argumentação contida nos pontos 15 a 25 da sua 1ª carta e nos pontos 8 a 17, da 2ª, as faturas a excluir, representam aquisições da sociedade A..., Lda, cujas sócias e detentoras da totalidade do capital social, são cônjuges dos sócios detentores da maioria do capital social da B..., Lda, fornecedora dos bens/serviços em causa.
7. Ora, como referido no nosso ofício n° ...19, as referidas exclusões enquadram-se nas alíneas 3) e 4), introduzidas pela Portaria 149/2013, de 15 de abril, no ponto 3 - Despesas não elegíveis comuns - do Anexo III, da Portaria 520/2009, de 14 de maio, com as alterações introduzidas pela Portaria 814/2010, de 27 de agosto.
8. Sem embargo da exclusão destas despesas estar coberta pelo normativo em vigor (ponto anterior), sem que seja imposta a verificação da razoabilidade dos preços, lembramos que as referidas despesas foram apresentadas a pagamento, sem qualquer justificação relativa à alegada razoabilidade, situação que se manteve em audiência prévia.
9. Mas, na sua carta, vem alegar a prescrição do direito de exigir a restituição da verba em causa, por terem decorrido mais de quatro anos sobre o recebimento das mesmas. Face a esta sua alegação, cumpre informar que não estão reunidas as condições para prescrição da dívida, nos termos do artº 3º do Regulamento (CE) n° 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro.
10. Assim, não sendo a sua pretensão atendível pelos motivos expostos e nos termos do artigo 11°, do Decreto-Lei n° 37-A/2008, de 5 de março, na sua atual redacção, determina-se a devolução de 31.151,64 €, indevidamente recebidos.
(...)";
Cf. documento n.º 1 junto com a petição inicial, e que consta do processo administrativo a fls. 2 a 4.».

B) De direito

9. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da respetiva alegação (artigos 144º, n.º 2, do CPTA e 608º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (“CPC”) ex vi artigo 140º, n.º 3, do CPTA), pelo que, uma vez admitida a revista, importa decidir se o acórdão recorrido enferma de erro na interpretação e aplicação das alíneas 3) e 4) do ponto 3 do anexo III ao “Regulamento de Aplicação das Ações n.ºs 3.1.1, ‘Diversificação de Atividades na Exploração Agrícola’, 3.1.2, ‘Criação e Desenvolvimento de Microempresas’, e 3.1.3, ‘Desenvolvimento de Atividades Turísticas e de Lazer’, da Medida n.º 3.1, ‘Diversificação da Economia e Criação de Emprego’, integrada no subprograma n.º 3, ‘Dinamização das zonas rurais’, do Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, abreviadamente designado por PRODER”, aprovado em anexo à Portaria n.º 520/2009, de 14 de maio (“Regulamento”).
O Regulamento estabelece o regime de aplicação de diversas ações no âmbito do PRODER, entre elas a ação n.º 3.1.1 (cfr. o respetivo artigo 1.º), em que se inscreve o contrato de financiamento celebrado entre a ora recorrida e o ora recorrente.
O mencionado anexo III ao Regulamento concretiza as despesas elegíveis e não elegíveis a que se refere o artigo 10.º deste último (na redação dada pela Portaria n.º 814/2010, de 27 de agosto), segundo o qual:
«1 - São despesas elegíveis as que se mostrem necessárias e indispensáveis à correta execução do pedido de apoio.
2 - As despesas elegíveis e não elegíveis são, designadamente, as constantes do anexo III ao presente Regulamento.».

Na sequência das alterações a tal anexo introduzidas pela Portaria n.º 149/2013, de 15 de abril, passaram a ser despesas não elegíveis comuns (ponto 3):
«3) Despesas que resultem de transações entre cônjuges, parentes e afins em linha reta, entre adotantes e adotados e entre tutores e tutelados;
4) Despesas que resultem de transações entre pessoas coletivas com relações de participação e com sócios comuns, desde que exerçam funções de gerência ou detenham uma participação no capital social superior a 20%, entre uma pessoa coletiva e um sócio, nos casos de sócios singulares, seus cônjuges, parentes ou afins em linha reta;».

Conforme decorre do n.º 22 dos factos provados, o ato impugnado, na parte relativa à inelegibilidade de despesas, fundamentou-se na existência de relações especiais entre a autora, ora recorrida (A..., Lda.), e o fornecedor B..., Lda., em virtude de as únicas sócias e gerentes da primeira serem casadas, sob o regime de comunhão de adquiridos, com os sócios e gerentes da segunda, relações especiais essas que seriam subsumíveis às mencionadas alíneas 3) e 4) do ponto 3 do anexo III ao Regulamento.
Nem a sentença do TAF de Braga nem o acórdão recorrido reconheceram a existência de relações dessa natureza.
Daí as questões jurídicas a decidir no presente recurso:
i. Saber se a circunstância de uma sociedade por quotas beneficiária de um subsídio concedido ao abrigo do Regulamento que tenha como únicas sócias e gerentes pessoas casadas, sob o regime da comunhão de adquiridos, com os sócios e gerentes de uma sociedade por quotas fornecedora de bens e serviços no âmbito da atividade subsidiada é, por si só, suficiente para que as despesas realizadas com as aquisições desses bens e serviços sejam consideradas não elegíveis, nos termos e para os efeitos da alínea 3) do ponto 3 do anexo III ao citado Regulamento (cfr. as conclusões 5.ª a 8.ª das alegações de recurso apresentadas pelo recorrente);
ii. Saber se a mesma circunstância justifica que tais despesas sejam consideradas como resultantes de «transações entre pessoas coletivas com relações de participação e com sócios comuns – os cônjuges – não podendo ser elegíveis para o financiamento», por força da alínea 4) do ponto 3 do anexo III ao Regulamento (cfr. a conclusão 9.ª das alegações de recurso apresentadas pelo recorrente).

i. Quanto à não elegibilidade das despesas por as mesmas resultarem de transações entre cônjuges (alínea 3) do ponto 3 do anexo III ao Regulamento)

10. Do n.º 13 dos factos provados, resulta que as despesas cuja elegibilidade foi excluída pelo ato administrativo impugnado resultam de bens e serviços adquiridos pela autora – a A..., Lda. – à B..., Lda. (cfr. também o n.º 2 do ato impugnado, transcrito no n.º 22 dos factos provados). Estão em causa, portanto, transações comerciais realizadas entre duas pessoas coletivas, não entre pessoas singulares. Daí que o recorrente, com base apenas nas relações entre os sócios e gerentes de tais sociedades – os de uma são casados com os da outra, sob o regime de comunhão de adquiridos – venha defender justificar-se «objetivamente uma desconsideração […] da personalidade jurídica das pessoas coletivas em causa», configurando aquelas transações como «”relações pessoais” estabelecidas entre cônjuges» (cfr. a conclusão 7.ª das suas alegações; itálicos acrescentados). O advérbio de modo “objetivamente” vale aqui por “automaticamente” ou “de per si”.
O acórdão recorrido rejeitou – e bem – este automatismo:
«3.5.4. Para que as referidas despesas pudessem ser consideradas como realizadas entre cônjuges, pelo facto das referidas sociedades serem detidas por sócios, que embora distintos, são casados entre si, teria que verificar-se uma situação em que se afirmasse a desconsideração da personalidade jurídica das referidas sociedades comerciais, o que apenas poderia suceder caso se provasse a existência de utilização da personalidade coletiva que fosse ou passasse a ser instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social destas, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, e depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam.
[…]
3.5.6. Observe-se que embora a lei não contenha uma referência expressa à figura da desconsideração, a justificação da sua atuação, pelo menos em grande parte dos casos, emerge da exigência do princípio da boa-fé cuja dimensão é aflorada, no essencial, pelo art.° 762°, n° 2, concatenado com o art.° 334°, ambos do CC.».

11. É conhecida a origem jurisprudencial da figura da desconsideração da personalidade jurídica, como válvula de segurança para permitir a responsabilização dos sócios de sociedades de capitais em casos de instrumentalização destas por aqueles. E, como assinala CATARINA SERRA, o caráter excecional e subsidiário da figura continua a justificar-se dada a dificuldade em fixar com precisão os pressupostos da sua aplicação: recorre-se à mesma «para o efeito de evitar a produção de resultados injustos e iníquos e quando não exista uma solução (legal) mais determinada (v. Autora cit., “Desdramatizando o Afastamento da Personalidade Jurídica (e da Autonomia Patrimonial)” in Julgar n.º 9 (2009), p. 112 e ss, p. 114; no mesmo sentido, v. o Ac. do STJ de 26.06.2007, P. n.º 07A1274: o recurso à desconsideração da personalidade jurídica «é possível quando ocorram situações de responsabilidade civil assentes em princípios gerais ou em normas de proteção, nomeadamente dos credores, ou em situações de abuso do direito e não exista outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar, ou seja, a desconsideração tem caráter subsidiários»).
A doutrina alemã procurou tornar mais precisa a determinação das situações em que a figura é aplicável, sistematizando os respetivos casos típicos (Fallgruppen) e distinguindo dois grupos de casos: os casos de imputação (Zurechnungsdurchgriff) e os de responsabilidade (Haftungdurchgriff ou Durchgriffshaftung) (cfr. CATARINA SERRA, ob. cit., p. 114). No caso sub iudicio, estaria em causa, segundo tal tipologia, um “caso de imputação” integrado no grupo de «casos em que determinados conhecimentos, qualidades ou comportamentos dos sócios são imputados à sociedade e vice-versa» (cfr. idem, ibidem).
Mas, em qualquer um desses grupos, a desconsideração da personalidade coletiva opera com base em exigências decorrentes do princípio das boa-fé, contrariando atuações abusivas ou fraudulentas. Nessa medida, é exemplar o sumário do Ac. STJ de 30.11.2010, P. 1148/03.5TVLSB.S1, transcrito no n.º 3.5.7 do acórdão recorrido:
«A desconsideração ou levantamento da personalidade coletiva das sociedades comerciais – disregard of legal entity – tem na sua base o abuso do direito da personalidade coletiva, ou seja, deve ser usado o instituto em causa quando, a coberto do manto da personalidade coletiva, a sociedade ou sócios excederem, ou utilizarem, a autonomia societária em relação a terceiros, para exercerem direitos de forma que contraria os fins para que a personalidade coletiva foi atribuída, haja em vista o princípio da especialidade.
A desconsideração, como instituto assente no abuso do direito – art. 334.° do CC –, tem em si abrangida a violação das regras da boa fé no interagir com terceiros, implica a existência de uma conduta censurável que só foi possível alcançar mediante a separação jurídica do ente societário – através da personalidade jurídica que a lei lhe atribui – e a pessoa dos sócios, para assim almejar um resultado contrário a uma reta atuação.».

No mesmo sentido, v. os Acs. STJ de 7.11.2017, P. 919/15.4T8PNF.P1.S1, de 29.03.2022, P. 1953/18.8T8CTB.C1.S1, e de 17.01.2023, P. 1728/21.7T8BRG.G1.S1, todos com amplas referências doutrinais e jurisprudenciais.
Em suma, a desconsideração da personalidade coletiva envolve sempre um juízo de reprovação sobre a concreta conduta do agente, ou seja, envolve sempre a formulação de um juízo de censura à conduta do sócio, que deve revelar-se ilícita, impondo verificar se ocorre uma postura de fraude à lei ou de abuso do direito (cfr. o sumário do citado Ac. STJ de 29.03.2022).

12. A aplicabilidade do abuso do direito às relações administrativas é há muito pacífica, fundada na ideia de que o artigo 334.º do Código Civil consagra um princípio geral de direito (cfr., entre muitos, os Acs. STA de 27.09.2001, P. 047649, de 15.01.2002, P. 047781 e de 12.11.2009, P. 0764/08). Mas, ultimamente, têm-se retirado consequências da evolução juspositiva do direito administrativo, como, por exemplo, no Ac. STA de 18.02.2021, P. 03288/06.0BELSB (n.º 12):
«[O] respeito pelo princípio da boa-fé no âmbito das relações jurídico-administrativas deve ser aferido à luz do quadro normativo próprio do direito administrativo, sem necessidade de recurso ao Código Civil e aos seus desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais – neste sentido, v. Pedro Moniz Lopes, Contratos administrativos e boa-fé, AAFDL, Lisboa, 2019, em especial pp. 41 ss..
O princípio da boa-fé é, hoje, um princípio retor da atividade administrativa, nos termos consagrados no número 2 do artigo 266.º da CRP, encontrando-se concretizado, no plano infraconstitucional, no artigo 10.º do CPA 2015 (artigo 6.º-A do CPA 1991, na sua revisão de 1996).»

Acresce que, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), o cumprimento das regras da boa-fé é sempre apreciado em concreto, isto é, com referência a uma dada situação:
«No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte peça atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida».

Uma concretização da exigência de cumprimento das regras da boa-fé encontra-se no artigo 168.º, n.º 4, alínea a), do CPA: a possibilidade de anulação administrativa de atos constitutivos de direitos num prazo mais alargado que o geral – cinco anos em vez de seis meses – quando «o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à obtenção da sua prática» (itálico acrescentado; recorde-se que numa das notificações para efeitos de audiência prévia – cfr. o facto provado n.º 18 – é feita referência expressa «aos artigos 161.º e seguintes do [CPA]»).

13. In casu, todavia, a fundamentação do ato impugnado, na parte referente à consideração como inelegíveis das despesas correspondentes aos fornecimentos da B..., Lda., é omissa quanto à sua desnecessidade ou desrazoabilidade e não formula qualquer juízo de censura das sócias e gerentes da recorrida, em virtude de as mesmas serem casadas com os sócios e gerentes daquela sociedade fornecedora. Tão pouco o mesmo ato refere estar em causa uma desconsideração da personalidade jurídica daquelas duas sociedades nem aduz qualquer facto que justificasse tal desconsideração.
Não operando esta última automaticamente ou sem base em factos que permitam concluir pela existência de um abuso da utilização da personalidade coletiva, de modo a alcançar fins que, sem a ilegítima separação do ente societário – através da personalidade jurídica que a lei lhe atribui – da pessoa de cada um dos sócios, não seria possível atingir, a invocada desconsideração da personalidade jurídica é inoperante. Assim sendo, verifica-se que as despesas cuja elegibilidade foi excluída no ato administrativo impugnado não resultam de transações entre cônjuges, razão por que a situação em apreço não é enquadrável na alínea 3) do ponto 3 do anexo III ao Regulamento.
Deste modo, improcedem as conclusões 5.ª a 8.ª das alegações do recorrente.

ii. Quanto à não elegibilidade das despesas, por as mesmas resultarem de transações entre sociedades com relações de participação e com sócios comuns

14. No que se refere a esta questão objeto da conclusão 9.ª das alegações do recurso de revista, o ora recorrente repete ipsis verbis o que já antes enunciara na conclusão 7.ª do recurso de apelação: a relação conjugal entre as sócias da ora recorrida – a A..., Lda. – e os sócios da B..., Lda., determina, devido ao regime de bens dos dois casamentos – a comunhão de adquiridos – e ao momento em que foi constituída a recorrida – 20.05.2013, portanto, já na constância dos mencionados casamentos (cfr. os n.ºs 1 a 3 dos factos provados) – que os cônjuges maridos também sejam sócios da ora recorrida. Ou seja, no entender do recorrente, as aquisições de bens e serviços feitas pela recorrida à B..., Lda., são transações entre pessoas coletivas com relações de participação e com sócios comuns. Daí que as despesas da recorrida resultantes de tais transações devam ser consideradas como não elegíveis, em razão da alínea 4) do ponto 3 do anexo III ao Regulamento.

15. Como se refere no acórdão recorrido:
«3.6.3. Nos termos do disposto na alínea 4) do ponto 3 - Despesas não elegíveis comuns, do Anexo III “Despesas elegíveis e não elegíveis” da Portaria n.º 520/2009, de 14 de maio, alterada pela Portaria n.º 149/2013, de 15 de abril, são consideradas como despesas não elegíveis as despesas que resultem de transações entre pessoas coletivas com relações de participação e com sócios comuns, desde que exerçam funções de gerência ou detenham uma participação no capital social superior a 20%.
3.6.4. Logo, de acordo com essa previsão legal, para que uma determinada despesa seja considerada não elegível [– abstraindo da segunda hipótese prevista na mesma alínea 4), mas não aplicável in casu, de transações entre uma pessoa coletiva e sócios da mesma que sejam pessoas singulares, seus cônjuges, parentes ou afins em linha reta –] são exigíveis dois pressupostos cumulativos, como se verifica pela utilização do vocábulo “e”. Assim, a despesa tem de resultar de transações entre pessoas coletivas: a) com relações de participação e b) com sócios comuns, desde que exerçam funções de gerência ou detenham uma participação no capital social superior a 20%.» (itálico acrescentado).

Com efeito, a finalidade prosseguida por este segmento da alínea 4) do ponto 3 do anexo III ao Regulamento é prevenir que os termos das transações entre as pessoas coletivas (e as despesas daí resultantes suportadas pela entidade beneficiária dos apoios em causa) sejam distorcidas devido à influência e ao peso do ou dos sócios comuns nas sociedades com relações de participação. É certo que a mera existência de sócios comuns, sobretudo se forem gerentes ou detiverem participações elevadas nas sociedades em causa, já poderia ser suficiente para influenciar o rumo de tais sociedades, mas o certo é que a norma exige cumulativamente a relação de participação.

16. Contudo e, desde logo, a existência de sócios comuns não implica relações de participação entre pessoas coletivas (ou entre sociedades). É condição necessária de tal tipo de participação que pelo menos uma das pessoas coletivas seja membro ou sócio da outra. Assim, e no que respeita às duas sociedades em causa nos presentes autos, só existiria uma relação de participação entre ambas se a ora recorrida detivesse uma ou mais quotas da B..., Lda., ou esta daquela ou, ainda, se ambas detivessem uma ou mais quotas uma da outra.
Não sendo esse o caso, inexiste qualquer relação de participação, o que, só por si já afasta a aplicabilidade da citada alínea 4) ao presente caso.

17. Em segundo lugar, um sócio comum tem de deter participações em várias pessoas coletivas, exigindo a relevância para efeitos da alínea 4) do ponto 3 do anexo III ao Regulamento que tais sócios comuns «exerçam funções de gerência ou detenham uma participação no capital social superior a 20%».
In casu, o recorrente parece partir da premissa de que os sócios e gerentes da B..., Lda. (cfr. o n.º 4 dos factos provados), por via do casamento no regime da comunhão de adquiridos com as únicas sócias e gerentes da recorrida, também são sócios desta última (cfr. supra o n.º 14), com uma participação no capital social de 50%. Ou seja, os cônjuges maridos das sócias da recorrida são, no entender do recorrente, simultaneamente sócios da sociedade beneficiária dos apoios, e que pagou as faturas que titulam as despesas consideradas não elegíveis, e sócios da B..., Lda., a sociedade fornecedora de certos bens e serviços e que emitiu tais faturas à sociedade beneficiária dos apoios.
O acórdão recorrido, assumindo a “tese da quota-valor”, considerou a este respeito:
«3.7.1. […] Nada de mais errado. É consabido que a quota social, nos regimes de bens do casamento, só é comunicável quanto ao seu valor económico. A qualidade de sócio de uma sociedade por quotas não se comunica ao seu cônjuge, mesmo que casados sob o regime de comunhão geral de bens, já que é apenas um associado ou agregado a essa quota. Pese embora a quota possa ser um bem comum, o sócio é apenas aquele em cujo nome a quota se encontra titulada.» (itálico acrescentado)

18. A questão prende-se, no essencial, com a compreensão do próprio conceito de participação social, em especial enquanto elemento do património comum dos cônjuges, e a melhor interpretação do artigo 8.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) – questões muito debatidas na doutrina civilista e comercialista e na jurisprudência.
As participações sociais – entre elas a quota social – são conjuntos ideais e unitários de direitos e obrigações, próprios da posição de sócio (cfr., COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. II, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, p. 195. De acordo com a sua função, os direitos emergentes da participação social podem ser classificados como direitos de participação (nas deliberações sociais e em órgãos de administração e fiscalização), direitos patrimoniais (direito de quinhoar nos lucros, direito de preferência, direito à quota de liquidação) e direitos de controlo (direito de informação, direitos de ação judicial) (cfr. idem, ibidem, p. 196).
Uma participação social, que seja um bem comum do casal, pode, por isso, dar origem a uma série de perturbações na vida social em caso de conflito entre os cônjuges. Daí que o legislador tenha estatuído preventivamente no citado artigo 8.º, n.º 2, do CSC:
«Quando uma participação social for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, será considerado como sócio, nas relações com a sociedade, aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, no caso de aquisição posterior ao contrato, aquele por quem a participação tenha vindo ao casal.»

Conforme se afirma no Ac. STJ de 26.01.2021, P. 325/18.9T8VNG.P1.S1,
«Identifica-se no alcance da norma um propósito que pode ir desde a ideia de facilitar ou agilizar a comunicação entre o titular da participação social e a sociedade, até uma ideia de preservação do ente societário a situações de discórdia entre os cônjuges contitulares da participação social (como se entendeu no supra referido acórdão do STJ, de 19.06.2008, relatado por Serra Baptista). Efetivamente, se o cônjuge do sócio tiver o poder para fazer refletir na vida da sociedade as suas crises conjugais, pedindo informações a qualquer momento, tal constituirá, tipicamente, um fator de perturbação do normal funcionamento da sociedade.
Este claro propósito legislativo é ainda reforçado pelo que se estabelece no n.3 do art.8º, nos termos do qual só a título excecional (por impossibilidade do titular da participação social) pode o seu cônjuge relacionar-se com a sociedade.».

No mesmo sentido, veja-se a síntese de EVARISTO MENDES, “Participação social e comunhão conjugal. Qualidade de sócio e poder de dispor. Algumas questões” in Revista de Direito Comercial, 2023, p. 675 e ss., pp. 683-687:
«Segundo o entendimento generalizado, o preceito em análise destina-se, sobretudo, dentro da naturalmente limitada eficácia prática do Direito, a “imunizar o ente societário” das possíveis “dissensões familiares”, promovendo a estabilidade da vida social e evitando uma perturbação do normal funcionamento da sociedade. Mais especificamente, observa João Labareda: i) atualmente, a organização matrimonial assenta no princípio da igualdade dos cônjuges, o que faz avultar enormemente os riscos de as vicissitudes da vida conjugal se refletirem no seio da sociedade, com os inerentes custos; ii) a norma em apreço é predominantemente pragmática, visando “imunizar o ente societário às dissensões familiares, que poderiam dificultar seriamente a vida da sociedade, criando obstáculos ao seu funcionamento e desenvolvimento”; iii) o que está em jogo é “defender a sociedade contra a eventualidade d(estas) dissensões e desavenças familiares, as quais, dificultando ou mesmo impedindo o exercício dos direitos inerentes à participação do casal, suscetibilizariam a injustificada afetação da unidade empresarial, criadora de riqueza, em que a sociedade normalmente se traduz, com a vasta e complexa cadeia de interesses que agrupa, merecedores de especial cuidado e tutela”; e procura-se conseguir esse objetivo sem atingir o assinalado princípio da igualdade – a lei limita-se a estabelecer regras de organização e repartição de poderes no âmbito da relação conjugal (como o faz noutras áreas); iv) mais latamente (como observou António Caeiro), há um conflito entre os interesses da família e o interesse da sociedade ou, correspondentemente, entre o Direito da Família e o Direito Societário, dadas as distintas finalidades prosseguidas e a diversidade das realidades a que se aplicam, que com a disposição em apreço se pretende resolver .
[…]
Note-se, porém, que o seu âmbito de aplicação alargado também pode querer dizer que, vendo bem, um dos interesses envolvidos, a merecer devida consideração, será o do cônjuge que adquire a participação pelos modos que, segundo o direito societário, levam a sociedade a reconhecê-lo como sócio; mormente quando ele é um sócio empresário ou profissional, exercendo de forma associada a liberdade que lhe está assegurada pelos arts. 47.°, n.º 1, e 61.º, n.º 1, da Constituição e pelo art. 1677.º-D do CC. Com efeito, ele pode possuir um legítimo interesse em exercer tal liberdade sem ter o cônjuge como associado, com independência em relação a este (inclusive para preservação da própria relação familiar); e o seu dever de lealdade para com a sociedade e os seus consócios (ou fidelidade ao fim comum) parece ir na mesma direção. Mais ainda: na determinação dos fins prosseguidos e interesses acautelados pelo preceito, relevantes para determinar o seu sentido e alcance, não deve ignorar-se o cônjuge meeiro: também ele pode ter um legítimo interesse, económico, profissional, reputacional, etc., em não aparecer ligado à sociedade de que o cônjuge é sócio, pelo menos como membro da mesma (pense-se em eventuais incompatibilidades, requisitos de independência profissional e na imagem necessária para o exercício de certas profissões, cargos públicos e políticos, etc.).»

Coloca-se, em todo o caso, a questão de saber o que é que, por força do regime de bens, integra a comunhão conjugal: se a participação social em si – caso em que ambos os cônjuges são sócios –, se apenas o seu valor ou vertente patrimonial – caso em que sócio será tão-somente o cônjuge “que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, no caso de aquisição posterior ao contrato, aquele por quem a participação tenha vindo ao casal”.
Conforme resulta do estudo exaustivo levado a cabo por EVARISTO MENDES, «uma parte da doutrina – sobretudo autores jus-comercialistas, em que se salienta Ferrer Correia –, e a maioria da jurisprudência, apenas o cônjuge que interveio no negócio ou processo aquisitivo da participação social (com eficácia em relação à sociedade), isto é, aquele através do qual a participação veio ao casal, tem a qualidade de sócio.» (v. ob. cit., p. 688). A comunhão restringe-se, assim, apenas ao valor patrimonial dessa participação social (quota-valor), não assistindo ao cônjuge ‘não considerado como sócio’ – o cônjuge meeiro – qualquer direito ou faculdade relativamente à sociedade, designadamente a possibilidade de requerer a prestação de contas, de requerer a anulação de deliberações sociais ou a necessidade de prestar consentimento para atos de administração extraordinária. Na jurisprudência, v., por exemplo, os Acs. STJ de 31.03.1998, P. 97A791 (citado no acórdão recorrido); de 28.11.2000 (in BMJ 501-300 ou CJ-STJ 2000/III, pp. 142-145); de 30.10.2001 (in CJ-STJ 2001/III, pp. 98-100); de 29.06.2004, P. 04A2062; e de 19.09.2019, P.14148/17.9T8SNT.L1.S1.
Mas, como nota o mesmo Autor, «para outro setor doutrinal, o que integra a comunhão conjugal é a própria participação social, em si; e, por conseguinte, tendo subjacente a mesma conceção, que a identifica com a posição de sócio, conclui-se que ambos os cônjuges são sócios.» (v. ob. cit., pp. 695-696). De acordo com este entendimento, o que o artigo 8.º, n.º 2, do CSC significa, ao considerar apenas um dos cônjuges como “sócio”, nas relações com a sociedade, «é a atribuição ao mesmo da legitimidade para o exercício dos direitos sociais, ou seja, da administração da participação social, derrogando a regra geral da coincidência entre a titularidade de um direito (no caso, a participação social, com os respetivos direitos) e a legitimidade para o seu exercício; sendo deste modo que, sem excesso de meios, se alcança o fim visado. [Assim,] o preceito em análise apenas dispõe acerca da administração da participação e/ou da correspondente legitimidade para o exercício dos direitos sociais. À titularidade comum da participação corresponde, no plano societário, uma legitimidade individual, privativa do cônjuge considerado sócio.» (v. ob. cit., pp. 697-698).
Nesta perspetiva, afirma-se no já mencionado Ac. STJ de 26.01.2021:
«O n.2 do art. 8º do CSC não estabelece, assim, qualquer desvio às regras de contitularidade dos bens previstas no art. 1724º, alínea b) do CC. O seu propósito não é o de dispor sobre a titularidade das participações sociais, mas apenas o de regular (restringindo) a relação dos titulares das participações sociais com a sociedade. Esta norma não determina, para todo e qualquer efeito, quem é o titular da participação social, ou quem a pode administrar em geral. Diz apenas quem deve ser considerado como sócio para efeitos do exercício dos poderes que, pela sua própria natureza, envolvem a relação com a sociedade.».

19. De todo o modo, e como também se reconhece neste acórdão do STJ, «[q]uer se entenda que a solução consagrada no art. 8º, n.2 é uma expressão da não comunicabilidade da qualidade de sócio, quer se entenda que se trata de uma específica restrição ao efeito da comunicabilidade, o que releva ao nível da realização judicativa do direito é que para os efeitos previstos nesta norma o cônjuge não é tratado como sócio.», isto é, no que releva em relação à sociedade, o cônjuge não, podendo exercer os poderes de sócio, também não pode influenciar internamente a sua atuação (cfr. supra o n.º 15)
E, por ser assim, torna-se inútil, para a decisão do presente recurso, continuar a aprofundar a questão em apreço, uma vez que é certo que, face à ora recorrida, os cônjuges das únicas sócias desta não são seus sócios ou, sendo-o por via do regime de bens do casamento, não têm legitimidade para exercer os direitos sociais correspondentes. Em qualquer dos casos, mantém-se a conclusão do acórdão recorrido quanto a esta questão:
«3.7.6. Não se encontram abrangidas [pela norma da alínea 4) do n.º 3 do anexo III ao Regulamento] as relações do tipo das estabelecidas entre a sociedade autora e a “B..., Lda”, ou seja, entre sociedades em que os sócios detentores do capital de uma delas são casados no regime de comunhão de adquiridos com as sócias detentoras do capital social de uma outra sociedade.».

Improcede, assim, igualmente a conclusão 9.ª das alegações do recorrente.


III. Decisão

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 1 de fevereiro de 2024. – Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete (relator) - Cláudio Ramos Monteiro – José Augusto Araújo Veloso.