Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0873/08
Data do Acordão:02/04/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
INCIDÊNCIA
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
CONTABILIDADE
PRINCÍPIO IN DUBIO CONTRA FISCUM
Sumário: O registo contabilístico não é o único e exclusivo factor legalmente relevante (artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e e) do CIMI) para se poder concluir se os terrenos se destinam ou não para construção, antes se definindo como mero elemento indiciador, formal, para esse efeito, a considerar pelo julgador com os demais elementos de facto.
Nº Convencional:JSTA00065533
Nº do Documento:SA2200902040873
Data de Entrada:10/10/2008
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO E A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IMI.
Legislação Nacional:CIMI03 ART9 N1 D E N2.
CCA88 ART10 N1 E F N2.
LGT98 ART75 N1.
CPPTRIB99 ART100.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC21076 DE 1999/02/24.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1- A Exmª Magistrada do Ministério Público e “A…” não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida por esta última contra a liquidação de IMI, do exercício de 2005, no montante de € 8.595,64, dela vêm interpor o presente recurso.
A Exmª Magistrada do Ministério Público formula as seguintes conclusões:
1ª- Os requisitos exigidos para a não sujeição a IMI durante o período de tempo previsto na alínea d) do n° 1 do art. 9° do CIMI são os seguintes:
- que o sujeito passivo seja uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda;
- que o sujeito passivo faça constar, do seu activo, a aquisição de um terreno para construção;
- que ao prédio não seja dada diferente utilização;
- que o sujeito passivo comunique, ao serviço de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 60 dias, o preenchimento da hipótese fáctica constante do n° 1, al. d) do art. 9° do CIMI.
2ª- O facto «12. A impugnante contabilizou os imóveis na conta 31.2 – Mercadorias”, constante do probatório da sentença recorrida, não é, só por si, relevante para efeito de afastamento da aplicação do disposto no n° 1, al. d) do art. 9° do CIMI, pois registo contabilístico efectuado consubstancia a inclusão desse imóvel “no activo” da empresa.
3ª- A conta da classe 3 – Existências, é uma conta do activo, não decorrendo do art. 9º, al. d) do CIMI qualquer pormenorização que restrinja “activo” a uma das sub-contas dessa conta, não sendo correcto o juízo, feito na sentença recorrida, de que não se mostram preenchidos todos os requisitos legalmente exigidos para a não sujeição a IMI pelo período previsto nesse preceito legal.
4ª- A factualidade apurada revela que se trata de imóveis adquiridos por uma empresa que tem por objecto a construção de edifícios para venda e que a impugnante comunicou ao serviço de finanças, dentro do prazo de 60 dias a contar da data da afectação, a inclusão, no seu activo, dos dois imóveis em causa, que são “lotes de terreno para construção”, pelo que está totalmente preenchida a hipótese fáctica constante do n° 1, al. d) do art. 9° do CIMI.
5ª- Por outro lado, consta da sentença que o objecto social da impugnante inclui igualmente a venda de imóveis: «ao ter procedido à contabilização dos terrenos em questão na conta de “Mercadorias” a ora impugnante está a afirmar que os terrenos em questão não se destinam à construção de imóveis, mas sim à revenda dos mesmos, até porque tal é também um dos escopos sociais da impugnante”.
6ª- Todavia, a mesma sentença não teve em consideração que, também no caso “em que um prédio tenha passado a figurar no activo circulante de uma, empresa que tenha por objecto a sua venda”, a lei contempla uma não sujeição temporária a IMI, nos termos da alínea e) do n° 1 do art. 9º do CIMI.
7ª- Questão diferente se colocaria se, no probatório da sentença, tivesse ficado apurado, o que não sucede in casu, que aos imóveis foi dada diferente utilização, não constante de nenhuma das alíneas, d) ou e) do n° 1 do art. 9º do CIMI, pois, nesse caso sim, o IMI deveria ser liquidado “por todo o período decorrido” desde a aquisição do prédio, nos termos do n° 2 do mesmo artigo.
8ª- A sentença recorrida errou na aplicação do direito aos factos provados, tendo violado o disposto no art. 9°, n° 1, als, d) e e) , n° 2 e n°4 do art. 9º do CIMI.
9ª- Deve ser revogada e substituída por outra que julgue preenchido o condicionalismo legalmente imposto para que a impugnante possa beneficiar da hipótese fáctica constante da al. d) do n° 1 do art. 9º do CIMI, nos termos da qual o IMI é devido a partir do quarto ano seguinte àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no activo de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda.
10ª- A não se entender assim, sempre estará preenchido o condicionalismo legalmente previsto para que a impugnante possa beneficiar da hipótese fáctica constante da al. e) do n° 1 do art. 9° do CIMI, nos termos da qual o IMI é devido a partir do terceiro ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no activo circulante de uma empresa que tenha por objecto a sua venda.
Por sua parte, a recorrente “A…”, conclui do seguinte modo:
1ª A alínea d) do n° 1 do art. 9 do CIMI, aliás em redacção praticamente idêntica à que anteriormente se contemplava no art. 10 do CA, apenas exige que o prédio em causa passe a figurar no activo de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda, pelo que tal preceito apenas estipula dois requisitos de incidência: que o prédio figure no activo e que a empresa tenha por objecto social a construção de edifícios para venda;
2ª O pedido formulado pela agravante enquadra-se no fundamento legal, tendo junto os necessários documentos para o efeito, ou seja demonstrou que tem por objecto social a construção de edifício para venda e que o prédio em causa constitui activo da empresa, não lhe sendo exigível qualquer outra prova ou condição, pelo que a sentença recorrida, salvo o devido respeito, não fez correcta interpretação da alínea d) do n° 1 do art. 9 do CIMI;
3ª Aliás a conta de Matérias-Primas, subsidiárias e de consumo têm, no POC, o mesmo tratamento que a conta de Mercadorias, contribuindo ambas para o cômputo do Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas. Na verdade na conta 31 compras lança-se o custo das aquisições de matérias-primas e de bens aprovisionáveis destinados quer a consumo quer à venda, ou seja quer o que se destina à partida ao consumo quer o que se destina a venda, sem prejuízos de umas e outras virem a ter destino diferente, designadamente mercadorias utilizadas no processo de fabrico/alteração e matérias-primas vendidas sem qualquer transformação, sem que tal facto altere a qualificação de que ambas constituem activo da empresa;
4ª Acresce ainda que a liquidação impugnada foi emitida em 10 de Novembro de 2006, quando é certo que a decisão de indeferimento da isenção requerida pela agravante apenas teve lugar em 21 de Março de 2007, ou seja mais de quatro meses após a emissão da liquidação impugnada;
5ª Assim não terá sido tal decisão a que determinou a elaboração da liquidação em causa, pelo que e sendo certo que a Fazenda Publica sustentou a legalidade da liquidação impugnada na decisão de 21/03/2007, conclui-se que tal liquidação é ilegal, porquanto a ausência de decisão de indeferimento, prévia ao contemporânea, da data da liquidação, 10/11/2006, determina a sua ilegalidade, formal e de substancia, por violação do art. 9 do CIMI e artigos 8, 54, 56 e 77 todos da LGT;
6ª Sendo julgadas procedentes as conclusões anteriores deve a decisão recorrida ser revogada, por violação da alínea e) do n° 1 do art. 9 do CIMI e artigos 8, 54, 56 e 77 todos da LGT, substituindo-se por outra que julgando procedente a impugnação deduzida, determine a nulidade da liquidação impugnada, pois só assim se fará Justiça.
2- A recorrida Fazenda Pública não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
3- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1. Em 23/07/2004, a impugnante deu início de actividade indicando como actividade a construção de edifícios (cfr. doc. junto a fls. 24 do processo instrutor junto aos autos);
2. Em 10/11/2004, a impugnante requereu a não sujeição a Imposto Municipal sobre Imóveis do lote de terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 11 571, ao abrigo do disposto no nº 4 do art. 9º do CIMI, afirmando que o mesmo passou a figurar do seu activo em 20/09/2004 (cfr. doc. junto a fls. 9 dos autos);
3. O lote de terreno identificado no ponto anterior passou a ter o artigo matricial urbano 11943 (admitido por acordo);
4. Em 20/02/2006, a impugnante requereu a não sujeição a Imposto Municipal sobre Imóveis do lote de terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 11990, ao abrigo do disposto no nº 4 do art. 9º do CIMI, afirmando que o mesmo passou a figurar do seu activo em 22/12/2005 (cfr. doc. junto a fls. 8 dos autos);
5. Em 10/11/2006, foi liquidado o Imposto Municipal sobre Imóveis referente aos prédios urbanos, inscritos na matriz predial de Odivelas, sob os artigos urbanos nº 11943 e 11990, referente ao ano de 2005, cuja data limite de pagamento era 31/12/2006 (cfr. doc. junto a fls. 7 dos autos);
6. Em 16/02/2007, foi proposto o indeferimento do pedido de não sujeição da IMI formulado pela impugnante e identificado nos pontos 2 e 3 do probatório, tendo por fundamento o facto de: “(...) o imóvel se encontrar contabilizado na conta 31.2 (Mercadorias) quando deveria estar contabilizado na conta 31.6 (Matérias primas)(...)” (cfr. doc. junto a fls. 11 do processo instrutor junto aos autos);
7. A impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia (cfr. docs. juntos a fls. 12 do processo instrutor junto aos autos)
8. Por despacho de 21/03/2007, foi o pedido identificado no ponto 2 do probatório indeferido (cfr. doc. junto a fls. 13 do processo instrutor junto aos autos);
9. Em 16/02/2007, foi proposto o indeferimento do pedido de não sujeição da IMI formulado pela impugnante e identificado no ponto 4 do probatório, tendo por fundamento o facto de: “(...) o imóvel se encontrar contabilizado na conta 31.2 (Mercadorias) quando deveria estar contabilizado na conta 31.6 (Matérias primas)(…)” (cfr. doc. junto a fls. 15 do processo instrutor junto aos autos);
10. A impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia (cfr. doc. junto a fls. 16 do processo instrutor junto aos autos)
11. Por despacho de 21/03/2007, foi o pedido identificado no ponto 4 do probatório indeferido (cfr. doc. junto a fls. 17 do processo instrutor junto aos autos);
12. A impugnante contabilizou os imóveis na conta 31.2 - Mercadorias;
4- A sentença sob recurso julgou improcedente a impugnação judicial deduzida da liquidação de IMI do exercício de 2005, no montante de € 8.595,64, fundando-se, em suma, no entendimento de que “ Ao ter procedido à contabilização dos terrenos em questão na conta de”Mercadorias”a ora impugnante está a afirmar que os terrenos em questão não se destinam à construção de imóveis, mas sim à revenda dos mesmos, até porque tal é também um dos escopos sociais da impugnante”.
Ao perfilhar este entendimento, a sentença impugnada acompanhou a Administração Tributária que considerou inverificado um dos requisitos exigidos para a não sujeição a IMI dos lotes de terreno que passaram a figurar no acto da recorrente “A...”, já que, tendo sido formulado um pedido nesse sentido ao abrigo da alínea d) do artigo 9.º do CIMI, da incorrecta contabilização desses lotes na conta de “ Mercadorias” do Plano Oficial de Contabilidade e não na de “Matérias Primas” resultava que os mesmos não se destinavam à construção, mas sim à revenda.
Vejamos.
O artigo 9.º do CIMI estatui no seu n.º 1, alínea d), que o imposto é devido do quarto ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no activo de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda.
Daí decorre que, na verdade, a isenção em causa depende, para além dos outros requisitos, dos terrenos serem destinados a construção.
Sendo assim, a questão essencial que se coloca prende-se em saber se para efeitos desse normativo é decisivo o que consta da contabilidade da empresa, como se entendeu na sentença, por forma a poder afirmar-se que os terrenos que aí constam como mercadorias necessariamente têm de ser consideradas como destinadas a revenda e não para construção, sem que essa conclusão possa ser contrariada por outros elementos de prova.
A este propósito seguiremos de perto o acórdão do Pleno da Secção de 24-2-99, no recurso n.º 21.076, que se apreciou idêntica questão na vigência do anterior CCA, sendo certo que os dispositivos legais aí visados (n.ºs 1, alíneas e) e f) e 2 do artigo 10.º) têm uma redacção em tido coincidente com a actualmente constante dos n.ºs 1, alíneas d) e e) e 2 do artigo 9.º do CIMI.
Ora, a resposta a essa questão assenta na consideração de que o registo contabilístico não pode constituir o único factor legalmente relevante para se poder concluir que os terrenos de destinam ou não para construção, antes se definindo como um mero instrumento formal para esse efeito, nos estritos limites de um índice evidenciador.
De facto, a demonstração de que assim é logo se encontra na própria lei, mais em concreto no n.º 2 do aludido artigo 9.º onde se prevê que “ Nas situações previstas nas alíneas d) e e) do número anterior, caso ao prédio seja dado diferente utilização, liquida-se o imposto por todo o período decorrido desde a sua aquisição”, e daí que se torne irrelevante a “destinação objectivada nas intenções da empresa e na escrituração que não venha a ter realização”, posto que se o registo contabilístico valesse em exclusivo então nunca a “diferente utilização” relevaria para efeitos de liquidação do tributo por todo o período decorrido desde a sua aquisição.
Na situação “sub judicio”, não obstante do registo contabilístico inferir-se que os terrenos ao ser qualificados como mercadoria seriam destinados a revenda, o certo é que a ora recorrente “A...” no pedido de isenção que formulou assevera que os lotes de terreno são para construção, o que é credivelmente compaginável com o facto de no inicio de actividade ter indicado como actividade a construção de edifícios (1. do probatório).
Neste contexto, suscitando-se dúvidas quanto à destinação dos lotes de terreno, sendo inquestionável que a AT sempre tem ao seu dispor o instrumento de correcção da verdade tributária conferido pelo n.º 2 do artigo 9.º do CIMI, essas dúvidas deverão ser valoradas em termos de protecção do contribuinte e nunca do fisco, sabido, como é, que cabe à administração o ónus a prova da verificação dos pressupostos da tributação (cfr artigo 75.º, n.1 da LGT e 100.º do CPPT).
Impõe-se, portanto, a anulação da liquidação de IMI objecto da presente impugnação, ficando prejudicado o conhecimento da matéria levada à conclusão 10.ª do recurso do Ministério Público e não se apreciando a constante das conclusões 4.ª e 5.ª do recurso da recorrente “A...”, por se tratar de questão nova que não foi objecto de conhecimento na sentença impugnada e não é de conhecimento oficioso.
Termos em que se acorda conceder provimento aos recursos, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, na procedência da impugnação anula-se a liquidação de IMI relativa ao exercício de 2005, no montante de €8.595,64.
Sem custas neste STA, ficando na 1.ª instância a cargo da Fazenda Pública, com procuradoria de 1/8.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2009. - Miranda de Pacheco (relator) - Pimenta do Vale - Lúcio Barbosa.