Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01894/17.6BEBRG
Data do Acordão:03/10/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:NULIDADE
LICENCIAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:Nos casos em que a licença urbanística é declarada nula e posteriormente é emitido um novo acto de licenciamento, a pretensão indemnizatória do sujeito passivo dos tributos apenas pode recair sobre a taxa suportada com a emissão da licença que é declarada nula. Em relação à taxa devida pela “licença-legalizadora” inexiste nexo de causalidade com o acto nulo (i. e. com o facto lesivo).
Nº Convencional:JSTA00071421
Nº do Documento:SA12022031001894/17
Data de Entrada:06/30/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE FAFE
Recorrido 1:A.............– INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ART. 04.º DL n.º 48051, de 21/11/1967
ART. 70.º, n.º 1, RJUE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1. …… – Investimentos Imobiliários S.A., propôs no Tribunal Administrativo de Braga [de ora em diante TAF de Braga] acção administrativa, contra o Município de Fafe, na qual pediu a condenação deste no pagamento à Autora de uma indemnização igual ao valor das novas taxas urbanísticas pagas no âmbito do procedimento de legalização da operação urbanística, cuja licença primitiva foi declarada nula pelo Réu, no montante de 315.719,98€, acrescido dos juros de mora, desde 4 de Julho de 2017, até efectivo e integral pagamento.

2. Por sentença do TAF de Braga de 6 de Dezembro de 2019, foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, o Réu foi condenado no pagamento à Autora de uma indemnização no valor de 315.719,98€, ao qual acrescem os juros de mora, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

3. Inconformado, o Município de Fafe recorre da sentença do TAF de Braga para o Tribunal Central Administrativo Norte [de ora em diante TCAN] que, por acórdão de 19 de Março de 2021, negou provimento ao recurso.

4. É dessa decisão que o Município de Fafe veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo [de ora em diante STA], a qual foi admitida, por acórdão de 09 de Junho de 2021, essencialmente pelas seguintes razões:
“[…] A autora e aqui recorrida accionou o município recorrente para dele obter uma indemnização de € 315.719,98 (e juros moratórios), correspondendo essa importância às taxas urbanísticas que teve de pagar na sequência da legalização camarária, em 2016, de um edifício que ela adquirira inacabado e que finalizara mediante uma «licença especial» emitida em 2014. E tal legalização aconteceu após o inicial licenciamento do edifício (datado de 2006) ter sido declarado nulo pela câmara municipal em 2015, por violação do PDM vigente «in hoc tempore».
As instâncias convieram na procedência quase completa da acção, pois a autora apenas decaiu quanto ao «dies a quo» da contagem dos juros de mora.
Na sua revista, o município recorrente recusa a existência de um efectivo nexo causal entre o acto ilícito - o licenciamento da construção em 2006, titulado por alvará de 2007, ofensivo do PDM e declarado nulo em 2015 — e os «quanta» das taxas exigidas no subsequente processo de legalização (só realizável porque o PDM fora, entretanto, alterado). Assim, e na óptica do recorrente, este processo de legalização teria independência relativamente ao licenciamento nulo, parecendo inexplicável que a autora pudesse activá-lo sem pagar as respectivas taxas. Até porque a dita licença de 2006 já caducara aquando da compra do edifício inacabado pela autora - como se depreende do pormenor de ela haver precisado de uma «licença especial» para concluir a obra.
Todo esse circunstancialismo, atrás sumariamente descrito, denota a complexidade jurídica do assunto. E é discutível se a solução das instâncias, embora unânime, é realmente a exacta. Com efeito, parece excessivo dizer-se - como fez o TAF — que a causa exclusiva da legalização foi o licenciamento nulo; e é anómalo inserir — como fez o TCA — numa acção de indemnização, um argumento tirado do instituto do enriquecimento sem causa. Mas, por outro lado, a passagem da «licença especial» também representa uma fidelidade da câmara ao acto nulo por si praticado «circa» oito anos antes.
Justifica-se, portanto, uma reapreciação do caso, que tenderá à definição precisa da lesividade inerente às condutas licenciadoras cuja nulidade só depois seja detectada; para, a partir daí, se apurar em que medida a exigência das taxas urbanísticas relativas à legalização corresponde a um efeito típico e normal da actuação camarária ilícita e lesiva.
Acresce dizer que este género de problemas, sequencial à nulidade de licenciamentos de obras, surge em juízo com frequência, colocando quase sempre dificuldades carecidas de esclarecimento.
Assim, e atendendo também ao montante pecuniário envolvido, impõe-se que o assunto seja transferido para o Supremo, a fim de se garantir a solução adequada «in casu» e se um obter um novo «apport» decisório neste tipo de «themata»
[...]”.

5. A Entidade Demandada, ora Recorrente, alegou tendo concluído do seguinte modo:
«[…]
I. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, que negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo TAF de Braga, que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu no pagamento à Autora, de uma indemnização, no valor de €315.719,98, à qual acrescem juros de mora, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
II. A Autora configurou a presente acção de responsabilidade civil extra-contratual do Município Réu, resultante do exercício da actividade administrativa, alegando como acto ilícito eventualmente gerador de responsabilidade a decisão do Senhor Presidente da Câmara do Município Réu, de 6 de Outubro de 2006, deferindo o projecto de arquitectura, no proc. de licenciamento n° 409/PC/06, com a emissão, em 19 de Março de 2007, do respectivo alvará de licença de construção número 133/07, autorizando 6 pisos acima e 2 abaixo da cota de soleira, em nome de “B………….., Limitada”.
III. O cerne do presente recurso é precisamente o de saber se o referido acto licenciador, declarado nulo, consubstanciando um facto ilícito e culposo, é gerador de danos na esfera jurídica da Autora e se existe ou não nexo de causalidade entre o facto e o dano que a Autora peticiona, de valor igual ao da taxação paga pelo novo licenciamento/legalização das obras inicialmente licenciadas por acto nulo, entretanto caducado, em consequência da declaração de insolvência da titular inicial do processo de licenciamento.
IV. O Município Réu ora recorrente concorda com o regime legal aplicável ao caso dos autos, sumariado na sentença do TAF de Braga: artigo 22.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), DL n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967 (RCEEP), e do Código Civil, no que este último seja omisso, bem como o artigo 70.° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), na redacção em vigor em 6 de Outubro de 2006, ou seja na redacção originária do DL n.° 555/99, de 16 de Dezembro, artigo este que configura um regime especial em matéria urbanística, convivente com o regime geral, que se aplica em tudo o que não se mostre previsto no regime especial.
V. Atenta a matéria de facto provada, a nossa discordância com o douto Acórdão recorrido tem a ver com a sua errada subsunção jurídica, quanto à verificação do nexo causalidade entre o acto licenciador de 6 de Outubro de 2006, declarado nulo, e o dano indemnizável peticionado, no valor das taxas urbanísticas pagas para a legalização da mesma operação urbanística.
VI. A ilicitude configura a violação de direitos subjectivos do lesado, que aconteceriam sempre na esfera jurídica do titular originário do processo, houvesse ou não, depois do acto, a transmissão desse direito, para terreiros, por título legítimo.
VII. De referir ainda que a licença especial para concluir obras inacabadas, de acordo com o regime previsto no n.° 1 do artigo 88.° do RJUE, não consubstancia a renovação de licença caducada, conclusão que nos é facultada pelo próprio texto legal, tratando-se, assim, da concessão, ex-novo, de uma licença especial, para acabar obras inacabadas, antes executadas na vigência de alvará caducado.
VIII. A caducidade importou a extinção, ex nunc, do licenciamento, que não se renovou por via da emissão da licença especial para o acabamento da obra, razão por que, em bom rigor, não se poderia sequer extinguir, ex tunc, o acto licenciador, por via da declaração de nulidade.
IX. Importará assim averiguar quais foram os direitos ou interesses legalmente protegidos da titular inicial do processo de licenciamento violados com a prolação, pelo Município Réu, em 6 de Outubro de 2006, do acto licenciador ilegal, que caducou por causa da declaração da sua insolvência, depois transmitidos à Autora, por via da aquisição do prédio constituído já em propriedade horizontal.
X. Adoptando um conceito de ilicitude que aproxima a responsa­bilidade do Estado e demais entidades públicas [por actos de gestão pública] da responsabilidade civilística, exige-se que a ilegalidade se traduza na violação de direitos subjectivos do lesado.
XI. Entendemos, porém, no caso sub judice, que do acto licenciador, de 6 de Outubro de 2006, não resultaram danos indemnizáveis.
XII. O facto ilícito susceptível de produzir um dano indemnizável foi o despacho licenciador, de 6 de Outubro de 2006, que concedeu à requerente o direito de construir um prédio com 6 pisos acima e dois abaixo da cota de soleira, entretanto caducado, quando, pela interpretação que veio a prevalecer das normas do Regulamento do pdm em vigor à data do licenciamento, só eram permitidos cinco pisos acima da cota de soleira.
XIII. Construção essa que, mercê da tempestiva revisão do Regulamento do pdm de Fafe, voltou a ser licenciada (legalizada), com os mesmos pisos e características do licenciamento inicial declarado nulo, em processo titulado pela Autora.
XIV. A requerente inicial do licenciamento, não fora o acto nulo, teria visto indeferida a projectada construção de um prédio com seis pisos acima da cota de soleira, pelo que, na altura, caso não impugnasse essa decisão, só poderia licenciar novo projecto com cinco pisos acima da cota de soleira.
XV. Em vez de um dano indemnizável, do acto nulo em causa resultou uma manifesta vantagem para a requerente do licenciamento, que se transmitiu para a esfera patrimonial da Autora, ficando enriquecida em relação à situação em que ficaria se o projecto apresentado tivesse sido indeferido, o que obrigaria a requerente a reduzir um piso.
XVI. O pagamento das taxas pelo novo licenciamento não é um dano ressarcível, pois não é resultado directo da inexistência do acto nulo, mas sim do acto que o revogou e obrigou à apresentação de novo processo de licenciamento, pelo que não se verifica nexo causal entre o facto (licenciamento nulo) e o prejuízo (pagamento das taxas do novo licenciamento), segundo a teoria da causalidade adequada, consagrada no artigo 563.° do C. Civil.
XVII. À luz da referida teoria, como concluíram ambas as instâncias, “não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas, tão-só, os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele estejam numa relação de adequação causal”.
XVIII. A douta sentença confirmada pelo Acórdão recorrido explicita “que, em bom rigor, o dano peticionado pela Autora decorre directamente da decisão que declarou a nulidade do licenciamento de 2006, titulado pelo alvará de 2007”, acabando, porém, por estabelecer um nexo de causalidade diferente do alegado (entre o dano e o acto licenciador, de 6 de Outubro de 2006), sabendo-se que o dano alegado decorre de outro facto, precisamente a decisão que declarou a nulidade do licenciamento, datada de 9 de Julho de 2015.
XIX. O que contraria o decidido, em situação idêntica, pelo Acórdão do STA, relatado pela Conselheira Maria do Céu Neves, de 16-02-2017, processo n.° 01167/16, onde se afirma que os danos indemnizáveis são apenas todos os gastos ou prejuízos que a autora não teria feito se o seu pedido de licenciamento tivesse sido desde logo indeferido, excluindo dos danos ressarcíveis o pagamento de taxas devidas pelo novo licenciamento.
XX. Contrariamente ao que decidiu o Tribunal recorrido, a situação dos presentes autos não difere da decidida no referido Acórdão, havendo, em um e outro caso, a mesma titularidade do processo inicial de licenciamento, sendo os direitos indemnizatórios da requerente inicial agora da Autora, que adquiriu, por título legítimo, o direito de propriedade do prédio objecto da operação urbanística licenciada pelo alvará caducado, a quem foi concedida uma licença especial para concluir as obras inacabadas.
XXI. Ao abrigo da teoria da diferença, a Autora só poderia pedir uma indemnização, se houvesse diferença desfavorável entre a sua situação patrimonial na data mais recente que pudesse ser atendida pelo Tribunal (a construção de um prédio com seis pisos acima da cota de soleira) e a que teria em 6 de Outubro de 2006, se o projecto apresentado tivesse sido indeferido (a construção de um prédio com cinco pisos acima da cota de soleira), e manifestamente não há.
XXII. Não existe nexo de causalidade entre o facto (acto licenciador de 6 de Outubro de 2006) e o dano (taxas urbanísticas que a Autora teve que suportar por via do novo licenciamento, que se desdobram nos dois valores indicados supra (€193.493,44 e €122.336,42), no valor total de €315.729,86.
XXIII. O Acórdão recorrido fez assim um errado julgamento, face à matéria de facto provada, que subsume ao direito aplicável, dando por verificados os pressupostos não só do facto, da ilicitude, da culpa e do dano, mas também do nexo de causalidade, todos de verificação cumulativa, indispensáveis à alegada responsabilidade do Réu pelos prejuízos causados pelo acto declarado nulo, no caso o acto licenciador de 6 de Outubro de 2006, cuja falta impõe o julgamento de improcedência do pedido indemnizatório, que tem por objecto o valor das taxas urbanísticas que a Autora sempre tinha que pagar, na decorrência da declaração de nulidade do acto licenciador, mesmo que caducado.
XXIV. A sentença recorrida viola assim os preceitos legais referidos nas conclusões supra.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que por Vossas Excelências, Venerandos Conselheiros, serão supridos, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, e, por via disso, ser revogado o douto Acórdão recorrido, julgando-se a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição do Município Réu do pedido, assim se fazendo inteira JUSTIÇA.
[…]».

6. A Autora, aqui Recorrida, apresentou contra-alegações que terminou com as seguintes conclusões:
«[…]
Por outro lado,
5. E da mesma forma, é evidente a improcedência do recurso, atentos aqueles erros de raciocínio identificados no Acórdão do TCANorte em revista.
6. O Primeiro erro: o Recorrente ensaia uma irrelevância do facto essencial de a Autora ter adquirido (num processo judicial) o imóvel edificado e licenciado, com alvará emitido e, portanto, com taxas urbanísticas já pagas;
7. Ora, por causa da prática do ato constitutivo de direitos posteriormente declarado nulo, a Autora adquiriu uma edificação em desconformidade e foi obrigada a requerer a legalização do edificado, pagando (de novo) as taxas urbanísticas (apesar das primitivas taxas, que permitiram a edificação adquirida pela Autora, estarem já pagas há muito);
8. Esta especificidade do caso concreto torna-o totalmente distinto da situação dirimida no Acórdão do STA invocado pelo Recorrente, que assim não tem qualquer paralelo e aplicação ao caso sub judice, sob pena de haver um enriquecimento sem causa do Município, que relativamente à mesma edificação auferiu por duas vezes as respetivas taxas urbanísticas, ainda para mais quando, quantos às segundas, lhe deu exclusiva causa...
9. O Segundo erro: o Recorrente constrói todo o recurso com base na pretensão de aplicação, tout court, do disposto no regime geral aprovado pelo DL 48051, de 21 de novembro de 1967, olvidando que a base legal da responsabilidade direta do Município é outra, uma norma especial.
10. A responsabilidade civil em causa nos autos resulta do disposto no artigo 70.° do RJUE, regime especial salvaguardado no artigo 1.º daquele “antigo” regime geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública.
11. In casu, estamos perante ato de gestão pública urbanística, cuja base legal de responsabilidade civil extracontratual é o disposto no artigo 70.° RJUE, o que obriga a uma articulação entre as normas em atuação, e não a uma aplicação, “pura e simples”, do DL n.º 48051, como pretende o Recorrente.
12. É que a causa de pedir formulada na presente ação assenta em que o ato de licenciamento era um ato constitutivo de direitos que, ao ser revogado por invalidade tem de qualificar-se como ilícito, gerador de danos para a Autora e, consequentemente, de responsabilidade civil para o Município, numa responsabilidade direta e especial prevista expressamente naquele normativo.
13. Assim, o regime aplicável tem algumas decisivas especificidades, resultando da articulação deste artigo 70.º do RJUE (base da responsabilidade civil em apreço) com as demais normas tendentes a regular a responsabilidade extracontratual das entidades públicas, constantes designadamente do DL n.º 48051 (aqui aplicável) e do Código Civil, ao invés do que é feito no recurso.
14. Ora, desta articulação resulta claramente “nesta matéria uma opção legislativa acentuadamente especializada relativamente ao regime geral da responsabilidade civil, que se traduz na “deslocalização” da responsabilidade civil do acto desfavorável para o acto favorável ao “lesado”. Na realidade, no caso, trata-se de um acto de licenciamento que não era lesivo, mas pelo contrário, constitutivo de um direito na esfera jurídica dos Autores.”, pelo que é evidente o acerto do Acórdão do TCANorte (e da sentença da Primeira Instância), que deve, assim, manter-se.
15. Note-se que este regime do artigo 70.º do RJUE não é absolutamente inovatório, antes representa o desenvolvimento duma opção legislativa que já vinha (pelo menos) do artigo 52.º, n.º 5 do Dec.-Lei n.º 445/91, de 20/11 e, portanto, há muito que o legislador concebeu uma norma especial a partir da qual é possível, nestes casos, fazer derivar a responsabilidade da autarquia.
16. Temos, pois, que no caso de ter concedido um licenciamento com violação das prescrições legais ou de um PDM, a autarquia fica constituída na obrigação de indemnizar o construtor «pelos prejuízos causados», in casu a necessidade de iniciar um procedimento de legalização e pagar (de novo) taxas urbanísticas.
17. Ora, é exatamente esse ato de licenciamento que gerou uma edificação em desconformidade com as normas legais e regulamentares (o qual veio muito posteriormente, já em 2015, a ser declarado nulo) e obrigou, consequentemente, a Autora a ter de iniciar um procedimento de legalização e pagar novas taxas urbanísticas para legalizar o edificado (que havia já dado origem a pagamento de taxas para tal).
18. Portanto, estando verificados todos os requisitos da responsabilidade civil por atos de gestão pública urbanística prevista no artigo 70.º do RJUE, deve manter-se integralmente o Acórdão do TCANorte, pois é inquestionável que a causa da nulidade do ato constitutivo de direitos aqui em apreciação é exclusivamente imputável à omissão de “redobrados cuidados” do Município, no exercício das suas competências e num caso em que os titulares dos órgãos municipais procederam, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles que se achavam obrigados em razão do cargo, num juízo de censurabilidade manifesto.
19. A edificação já existia quando foi declarada a nulidade da licença, pelo que foi a desconformidade do edificado ao abrigo dessa licença que obrigou à necessidade da sua legalização e pagamento de novas taxas, sendo evidente que “Caso o Réu não tivesse cometido a ilegalidade, a Autora nunca teria que ter suportado as taxas urbanísticas, cujo montante reclama nos presentes autos.”.
20. Em suma, foi o Município, com os seus sucessivos atos constitutivos de direitos, que criou uma situação de confiança justificada da Autora e, em desenvolvimento, ou como “efectivação desse investimento de confiança” (Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, in “Lições de Direito Administrativo”, p. 117) deu azo a que esta (e sua antecessora) construísse o prédio licenciado em desconformidade com o PDM, obrigando, posteriormente, por causa disso, à sua legalização e pagamento de novas taxas.
21. Não tivesse praticado o ato ilegal, a Autora não teria de pagar novas taxas, sendo esse o seu dano indemnizável.
22. Sob pena de, corroborando uma tese como a que o Recorrente apresenta, estarmos perante uma interpretação inconstitucional do artigo 70.º do RJUE, por violação do artigo 22.º da CRP, o que desde já se alega, para e com todos os efeitos legais.
23. Em suma, é evidente, in casu, a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por atos de gestão pública urbanística, ao abrigo do artigo 70.º do RJUE.
24. Não se vislumbra o mínimo de suporte à tese do Recorrente, seja do ponto de vista jurídico, seja do ponto de vista da Justiça, sendo evidente que (1) o Município não se pode locupletar com o pagamento de duas taxas sob um edifício já construído ao abrigo das “primeiras e (2) foi o Município que deu causa exclusiva à “necessidade de um processo de legalização e consequente pagamento de novas taxas (as segundas sob o mesmo imóvel).
25. Por razões de economia processual, dá-se aqui como totalmente reproduzido tudo quanto se alegou nas contra-alegações apresentadas junto do TCANorte, em resposta ao recurso jurisdicional interposto nestes autos pelo Município, que repete exatamente as mesmas questões que ora, em sede de revista, pretende novamente visitar
26. É, portanto, de manter o douto Acórdão do TCANorte objeto da presente revista, que termina de forma elucidativa: “Caso o Réu não tivesse cometido a ilegalidade, a Autora nunca teria que ter suportado as taxas urbanísticas, cujo montante reclama nos presentes autos”.
Termos em que o recurso de revista deve ser considerado não admissível ou, caso seja aceite, ser totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a condenação do Município Réu nos termos do Acórdão do TCANorte e da decisão da Primeira Instância.
[…]».

7 – O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.


II – Fundamentação

II.1. De facto
Na decisão recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:
1. Em 31/08/2006, a sociedade B………… Lda., requereu ao Réu um licenciamento para a construção de um edifício misto de habitação e comércio, no prédio urbano sito na Rua ……., n.º …. de Fafe, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o número ….. e com o artigo matricial n.º ……, com um total de 8 pisos, tendo dado origem ao processo de licenciamento n.º 409/PC/06 - cfr. fls. 37 e 38 do Processo Administrativo (PA), cujo teor de dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Em 02/10/2006, no âmbito do processo supra referido, pelo Diretor da DPGU do Réu, foi emitida a seguinte informação:
«(…)
1 - O projeto não respeita o estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 52.º do regulamento do PDM, conforme referido na informação técnica de 21/09/06, em virtude de exceder o número máximo de cinco pisos permitido.
O requerente defende que o edifício projetado possui uma cércea voltada para o recinto da feira e cinco pisos e que os restantes são caves, cumprindo por isso no seu entender o Regulamento do PDM. De facto, como já referi no parecer de 14/09/06, o alçado voltado para o recinto da feira tem os cinco pisos acima da cota do passeio referidos pelo Requerente. Mas, simultaneamente, o edifício também possui seis pisos acima da cota do passeio no alçado voltado para o cruzamento denominado Sacor/Galp.
(…)
3 - (...)
a)- (...) o local insere-se no conceito de área consolidada definida no PDM.
b) (...)
c) - O facto de se tratar de uma área consolidada, não significa que se possa ocupar toda a área, (...) já que há outros aspetos regulamentares que têm de ser verificados e que se agravam à medida que aumenta a área de implantação, sendo certo que cabe sempre à Câmara definir os alinhamentos que urbanisticamente venham a ser entendidos como os mais adequados.
d) - Por outros lado, questão que não se coloca em mais ou menos um piso e muito menos em e perder ou ganhar o que quer que seja nas áreas de construção, já que não existe projeto aprovado. É sabido que a cércea de cinco pisos admitida para o projeto que foi aprovado para o local, se deveu já à área cedida para a reformulação do cruzamento da Sacor.
(...)». - cfr. fls. 78 e 79 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Em 06/10/2006, na sequência da informação supra referida, pelo Presidente da Câmara do Réu, foi emitida a seguinte decisão:
«Atendendo a que há uma cedência superior a 1000m2 ao domínio público, para requalificação urbana e do tráfego (...). Atendendo a que não há objeções relevantes do ponto de vista estético do projeto e, por isso, deve manter na sua conceção.
Atendendo a que o que se refere como piso a mais, não é mais do que uma parte desenterrada da cave, fruto da diferença de cotas (...) situação muito frequente no licenciamento com estas características, (...);
Atendendo a que inquestionavelmente, a área é área consolidada e, portanto, tecnicamente admite construção em toda a parcela, o que não acontece e, por isso, desse ponto e vista é verdade o invocado pelo Requerente;
Atendendo a que se é certo que o Regulamento do PDM limita o n° de pisos nas áreas consolidadas, é omisso quanto às alturas na área não impedindo pisos com 6 ou 7 metros;
Atendendo ainda a que o PDM pretendeu nas áreas consolidadas limitar os pisos à realidade do centro urbano e o agora proposto respeita a envolvente da Av. …… que tem mais uma realidade ainda;
Atendendo a que, por fim, o mesmo regulamento do PDM no seu art. 52.º, n.º 3 d) admite (...) maior n.º de pisos por razões de qualificação urbana e tráfego, como é claramente o caso, defiro o presente projeto de arquitetura (...)». - cfr. fls. 79 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. Em 19/03/2007, no âmbito do processo referido em 1), foi emitido o alvará de licença administrativa de obras de construção n.º 133/07, do qual consta o seguinte:
«titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito no Gaveto da Rua ………. com a …….., da freguesia de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe, sob o n.º …… (...).
As obras aprovadas, por despacho do Senhor Presidente da Câmara de 2006/11/30, respeitam o disposto no Plano de Diretor Municipal (...).
(...)
N. ° de pisos autorizados: 6 acima e 2 abaixo da soleira.
Cércea: 21.2 m.
(...)» - cfr. fls. 335 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. Em 09/05/2013, a Câmara Municipal do Réu, declarou a caducidade da licença, titulada pelo alvará referido na alínea anterior - cfr. fls. 446 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Em 20/05/2014, a Autora adquiriu, no âmbito do processo de insolvência n.º 986/12.2TBFAF, da Sociedade identificada no ponto 1), o prédio, em regime de propriedade horizontal, também identificado no ponto 1) - cfr. docs. 1, 2 e 3, juntos com a p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6. Em 20/05/2014, o prédio referido no ponto 1) encontrava-se em fase avançada de construção - cfr. docs. 4 e 5 juntos com a p.i..
7. Em 16/06/2014, a Autora requereu, junto do Réu, no âmbito do processo referido no ponto 1, «a prorrogação do alvará de licença de construção pelo período de 18 meses, a partir da presenta data, tempo que estimamos necessário para a conclusão das obras» - cfr. fls. 512 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. Em 19/06/2014, a Câmara Municipal do Réu, na sequência do pedido referido na alínea anterior, decidiu «emitir licença especial» para a conclusão das obras que incidem sobre o prédio identificado no ponto 1) «tendo em conta o auto de vistoria de folhas 472 constante do processo e o interesse público envolvido» - cfr. fls. 513 e 547 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. Em 03/07/2015, no âmbito do processo referido no ponto 1), pelo Vereador do Urbanismo do Réu, foi emitida uma informação com o seguinte teor:
«Em cumprimento do despacho proferido por Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado da Administração Local, em 1 de abril de 2015, e na sequência da Inspeção Geral das Finanças (IGF) que considerou que o licenciamento do processo de obras particulares 409/PC/06, é nulo por violação do Regulamento do PDM, sou a remeter à Câmara Municipal o presente processo, para que declare a nulidade do despacho proferido em 6 de outubro de 2006 (...) e bem assim declare igualmente nulos todos os atos posteriores e decorrentes deste ato de licenciamento, designadamente os despachos de 6 de março de 2007 e de 19 de março de 2007 (...) e ainda os despachos relativos às prorrogações de 2 de abril de 2009, 23 de março de 2010 e 29 de outubro de 2010». - cfr. fls. 554 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. Em 09/07/2015, na sequência da informação referida na alínea anterior, a Câmara Municipal do Réu, deliberou «declarar a nulidade do licenciamento da operação urbanística em causa nos termos propostos pelo Sr. Vereador» - cfr. fls. 552 e 553 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. Da deliberação referida na alínea anterior foi dado conhecimento ao Secretário da Administração Local, à Inspeção Geral das Finanças, à Procuradoria da República do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e à Autora - cfr. fls. 559, 560 e 562 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12. Em 04/09/2015, no âmbito do processo referido no ponto 1), pelo Chefe de Divisão de PGU do Réu, foi emitida informação com o seguinte teor: «Face à deliberação da Câmara de 16/09/2015, que declarou a nulidade do licenciamento desta edificação, deverá proceder-se aos procedimentos subsequentes de forma a proceder-se à regularização da operação urbanística de forma a adequá-la aos instrumentos urbanísticos aplicáveis, no prazo de 30 dias». - cfr. fls. 567 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13. Em 07/09/2015, na sequência da informação supra referida, o Vereador do Réu emitiu decisão no sentido de «Concordo» - cfr. fls. 568 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14. Em 15/09/2015, foi elaborado o ofício n.º 4669/2015, dirigido à Autora, dando conta do despacho referido na alínea anterior, concordante com a informação transcrita no ponto 13) - cfr. fls. 570 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15. Em 24/11/2015, no âmbito do procedimento de legalização de operação urbanística n.º 164/2015, decorrente do referido nos pontos 13) a 15), pelo Chefe da DPGU do Réu, foi emitida informação com o seguinte teor:
«O presente projeto reporta-se à legalização de um edifício cujo licenciamento decorreu pelo processo n. ° 408/2006 P-PC, mas que foi declarado nulo (...) por violação do PDM.
O pedido de legalização do edifício agora solicitado, fundamenta-se no art. ° 102-A do RJUE, que regula a legalização de operações urbanísticas em determinadas condições, designadamente as declaradas nulas, como a presente.
(...)
1 - Relativamente ao projeto de arquitetura, tem-se a informar o seguinte:
a) O projeto apresentado, mantém a mesma altura, n.º de pisos, que motivou a nulidade do anterior licenciamento por violação do PDM em vigor à data.
A proposta fundamenta-se nos n.º 3 do Art.° 19.º e n.º 3 do Art.º 66 do novo regulamento do PDM.
(...)
O edifício que agora se pretende legalizar, localiza-se numa área central da cidade, consolidada e resultou da demolição de um edifício existente (...) pelo que entendemos que estão verificados os pressupostos para que a Câmara considere a exceção estipulada no n.º 3 do Art.º 66.º do RPDM
(...)
4- Estamos na presença de um edifício com impacto semelhante a uma operação de loteamento, pelo que em cumprimento do n.º 4 do art.º 44.º do RJUE e Art.º 31 Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação (RMUE), deverá o requerente pagar uma compensação ao município resultante da sua aplicação.
No projeto licenciado foi cedida uma parcela com 1000,00m2 (...) mas não foram cedidas parcelas de terreno para a instalação de Zonas Verdes, nem para Equipamentos de utilização Coletiva.
Daí que deverá ser aplicado o artigo 31.º do RMUE (...).
Para o efeito do n.º 5 e 6 do artigo 57.º do Dec.- lei 555/99 (...) conjugado com o seu n.º 4 do Art.º 44.º e Art.º 31.º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação, resulta o pagamento de uma compensação no montante de 193.493,44€, que o requerente deverá pagar ao município pelo licenciamento da operação urbanística em causa». - cfr. fls. 244 A 246 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16. Em 03/12/2015, na sequência da informação referida na alínea anterior, a Câmara Municipal do Réu, decidiu «concordar com o parecer técnico e admitir a título excecional a Cércea prevista no projeto de construção» - cfr. fls. 247 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17. Em 03/12/2015, pelo Vereador do Réu, foi emitida decisão com o seguinte teor:
«Ponto 4 - Concordo com o parecer técnico. Devemos, no entanto, ter em conta que a questão em causa está decidida, uma vez que não foi posto em crise pela IGF, o despacho proferido pelo Senhor Presidente da Câmara de então (...) e que se passa a transcrever “(...)
4 - É, portanto, aplicável a este caso a cedência de terrenos ou a compensação em género ou espécie.
(...)
11 - Assim, não me parece poder haver outro entendimento que não seja considerar-se a já referida cedência de 1000 m2, a operar-se com o licenciamento e a integrar o domínio público, para requalificar o cruzamento, como compensação para os efeitos legais.
(...)
17 - Assim, defiro o pedido considerando compensado o Município pela cedência do terreno (...)”
(...) não pode a Câmara tributar novamente o atual proprietário, senão estaria a praticar ato ilegal, por dele resultar uma dupla tributação.
Também não é possível reverter a situação de forma a ficarmos em posição de decidir de forma diversa. Com efeito, os 1000 m2 foram integrados no domínio público, neles foi construída a rotunda fronteira ao prédio, construção essa levada a efeito por este município. Não é, por isso, possível restituir os referidos 1000 m2, pelo que a solução única possível é manter tudo conforme foi então superiormente decidido pelo Presidente da Câmara à época.
Assim sendo, considero válido o despacho do então presidente da Câmara (...) e em consequência mantenho a compensação já prestada através da cedência de 1000,00m2 de terreno, em substituição da compensação em dinheiro.
Face a todo o exposto aprovo o pedido de legalização (...)». - cfr. fls. 249 a 252 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18. Em 11/02/2016, no âmbito do processo referido no ponto n.º 16), foi emitida a taxação, tendo por base uma área de 2045.79m2, no valor de €315.729,86 - cfr. fls. 299 do PA.
19. Em 15/02/2016, pelo Vereador do Urbanismo do Réu, na sequência do referido no ponto anterior, foi emitida informação com o seguinte teor:
«(...) não me parece que seja possível liquidar as taxas devidas pela construção do prédio, uma vez que as mesmas já foram liquidadas pelo anterior proprietário e requerente originário. Acresce que a Câmara Municipal deferiu um pedido de licença para acabamentos e o requerente pagou as respetivas taxas. Não sei o que se pretende agora, que não seja criar problemas. Já toda a gente sabe que não pode haver dupla tributação. Assim, o que deve ser calculado são as eventuais alterações, passíveis de liquidação de taxas e não as taxas de construção de um prédio que já estava construído há muito». -
cfr. fls. 301 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20. Em 19/02/2016, pelo Chefe de Divisão da PGU, na sequência da informação referida no ponto anterior, foi emitida informação com o seguinte teor:
«O presente projeto reporta-se à legalização de um edifício cujo licenciamento decorreu pelo processo n.º 409/PC/2006, mas que foi declarado nulo pela Câmara (...).
O pedido de legalização do edifício agora solicitado, fundamenta-se no art.º 102.º-A do RJUE, que regula a legalização de operações urbanísticas em determinadas condições, designadamente as declaradas nulas, como a presente.
A tabela de taxas nada refere quanto à isenção da TMU, para o licenciamento de processo nestas condições.
Em minha opinião a nulidade do ato de licenciamento titulado pelo alvará n.º 133/07 (...) implica também a nulidade do ato de liquidação das taxas cobradas à data no montante de 60.938,97, resultante da aplicação do regulamento de taxas em vigor à data. Por esta razão os serviços terem procedido ao cálculo das taxas do processo de licenciamento agora apresentado, aplicando a tabela de taxas hoje em vigor, por ser esse o procedimento que se entende aplicável ao presente processo». - cfr. fls. 302 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
21. Em 19/02/2016, na sequência do referido no ponto anterior, pelo Vereador do Réu, foi emitida informação com o seguinte teor:
«face à questão controversa que se encontra aqui em análise, uma vez que o prédio em causa foi devidamente licenciado à data e pagas as respetivas taxas municipais, sou do entendimento de que agora nada se pode cobrar a mais, uma vez que nenhuma construção nova existe. Acresce que a Inspeção Geral de Finanças, nunca colocou nenhuma questão relativa à ilegalidade das taxas ou das compensações validando, por isso, nessa parte, tudo quanto havia sido decidido pelo anterior executivo. Acresce que concedeu uma licença especial para acabamentos, o que só por si diz tudo.
Não se estava na fase inicial de uma operação urbanística, mas sim na sua fase final. Foi cobrada a respetiva taxa de licença especial para acabamentos. Julgo que o que consta da informação técnica agora apresentada, não ajuda a resolver um problema que se pretende ver concluído. Acresce que este Município pode ter que arcar com as responsabilidades inerentes ao facto de ter sido declarado nulo um licenciamento, cujo autor foi o anterior Presidente de Câmara. O atual proprietário nada tem que ver com isso. Face a tudo quanto temos em presença, impõe-se que o Senhor Diretor do Departamento Administrativo Municipal dê parecer jurídico com a máxima urgência, para que se possa tomar decisão final». - cfr. fls. 303 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
22. Em 23/02/2016, na sequência do referido no ponto anterior, pelo Diretor do Departamento Administrativo do Réu, foi emitida informação com o seguinte teor:
«(...) julgamos que não pode ser outra a conclusão senão a que tendo sido declarada a nulidade de um ato de licenciamento urbanístico deve considerar-se também nulo o ato de liquidação consequente, devendo, por isso, ser restituído o valor das taxas pagas em cumprimento do ato de liquidação.
No caso em apreciação, nas taxas estará também um valor referente a TUM (Taxa Urbanística Municipal) que julgo ter sido paga em espécie (cedência de terrenos para o domínio público) e já incorporada ou ocupada por infraestruturas levadas a efeito pelo Município. Também estas deverão, no nosso entender, ser tidas em conta para efeitos de restituição.
Havendo um licenciamento novo de idêntico edifício, somos do parecer que em vez da sua restituição, deverão as mesmas taxas serem tidas em conta para o novo licenciamento, até porque aquelas que o foram em espécie dificilmente poderiam ser restituídas ou, a sê-lo, acarretaria danos irreparáveis para o Município.
Não se trata de uma legalização, mas de um novo licenciamento e como tal não tem enquadramento ou fundamento no artigo 102.-A do RJUE, pelo que, entre outras coisas, o prazo deve ser, no mínimo aquele que consta dos elementos do projeto (...).
Concluindo, somos de parecer que todas as taxas pagas referentes ao licenciamento declarado nulo, e como explicamos acima, acarretando também a nulidade do consequente ato de liquidação, deverão ser restituídas ao promotor, ou então, face ao novo pedido de licenciamento da operação urbanística serem tidas em conta no novo licenciamento, com os acertos se a eles houver lugar, em consequência da atualização da Tabela de Taxas ou alterações de projeto a esta data». - cfr. fls. 304 a 306 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
23. Em 25/02/2016, na sequência do referido no ponto anterior, pelo Vereador do Urbanismo do Réu, foi emitida informação com o seguinte teor:
«Considerando o parecer jurídico com o qual concordo, o que por isso tem de ser aplicado, relativamente aos valores taxados deve ser tido em conta os valores já anteriormente pagos e no anterior licenciamento. Assim, tem que se ter em conta as taxas que foram pagas por forma a imputar tal valor ao valor atual e verificar se existe algum montante a pagar. Tal como refere o parecer jurídico, no essencial o que tem que ser apurado é se existem acertos a fazer, em consequência da atualização da Tabela de Taxas ou alterações que tenham sido efetuadas ao projeto e que interferiram nos valores a cobrar. De referir, que a TUM, como muito bem refere o parecer foi também cobrada à data, ainda que o tenha sido em espécie, pela cedência de terrenos. E como igualmente refere o parecer a restituição no caso das cedências de terrenos que foram efetuadas, teriam custos irreparáveis para o Município, pelo que tal hipótese não a podemos sequer colocar.
Em face de todo o exposto e do parecer jurídico formulado pelo Senhor Dr. …………, entendo que deve ser apreciado exclusivamente, eventuais diferenças a cobrar, tendo em conta a data em que o licenciamento declarado nulo foi efetuado e consequentemente cobradas as taxas e os montantes cobráveis nos dias de hoje, à luz da Tabela de Taxas atualmente em vigor e ainda relativamente a eventuais alterações à edificação, que motivasse o acréscimo de taxas (...)». - cfr. fls. 307 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
24. Em 26/02/2016, na sequência do referido no ponto anterior, pelo Chefe de Divisão de PGU, foi emitida informação com o seguinte teor:
«(...) o valor das taxas cobrado no processo inicialmente licenciado (...) foi de 60.938,97€.
O montante devido pela aplicação da atual tabela de taxas e determinado na informação dos serviços de 11/02/2016 é de 315.729,98.
Aplicando o entendimento referido no despacho de V. Ex.a de 25/02/2016, resulta o montante de 254.791,01.
Por último, apenas de referir que contrariamente ao referido no parecer do Sr. Diretor do DAM, a TUM, não foi paga em espécie, nem tal é ou era possível». - cfr. fls. 308 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
25. Em 03/03/2016, na sequência do referidos nos pontos 20) a 25), o Vereador do Réu, emitiu informação com o seguinte teor:
«No âmbito do processo de legalização (...) a que corresponde o processo LE-EDI 164-2015, foi proposto pelo Chefe da DPGU, o pagamento das taxas e licenças devidas pela operação urbanística em causa, o montante global de 315.729,98€.
(...)
Esta Câmara Municipal (...) decidiu, ela própria declarar nulos os atos de licenciamento inicial e aditamentos do processo 409/PC/09.
Quer a posição da IGF, quer a da Câmara Municipal, surgem na sequência de um ato administrativo de licenciamento praticado pelo anterior Presidente da Câmara, com vício de violação de lei, in casu, violação do PDM, em concreto da norma relativa à cércea máxima por este permitida.
Não se pode, pois, imputar a declaração de nulidade ao promotor originário da operação urbanística em causa e nem àquele que lhe sucedeu, por compra do prédio no âmbito do processo de insolvência.
Daí que no meu entender, a culpa é desta edilidade e não do particular.
(...)
Na minha opinião esta Câmara Municipal não pode exigir o pagamento de novas taxas ao requerente.
Em primeiro lugar, porque o procedimento atualmente previsto no artigo 102.º do RJUE, não existia previsto na lei, até à publicação e entrada em vigor do dec-lei n.º 136/2014, de 9 de setembro. Isto é, o RJUE não tinha previsto um procedimento para a reposição da legalidade urbanística, como passou a suceder com a reforma última do regime jurídico da urbanização e da edificação.
Em consequência também, a nossa tabela de taxas e o nosso regulamento municipal não preveem a taxação e nem a regulamentação a aplicar a estes procedimentos.
É por isso, um caso omisso na tabela de taxas, que não pode ser integrado, uma vez que tal configuraria uma ilegalidade, pois apenas se pode taxar nos termos legal e regularmente previstos à data da entrada do pedido.
Até à data de hoje, a nossa tabela de taxas, omite por completo esta situação, uma vez que ainda não incorporou as alterações introduzidas ao RJUE (...). E tal incorporação tem que ser efetuada, como decorre do n.º 7 do artigo 102.º do RJUE.
Por outro lado, a operação urbanística em causa concretizou-se à luz de uma tabela de taxa, que motivou uma liquidação e um pagamento.
Em suma, as taxas devidas pela operação urbanística foram pagas, seja ela a relativa ao licenciamento, seja ela relativa à T.U.M (...) no montante de 60.918,97€ e pela guia n.º 341, de 19 de fevereiro de 2007. E a verdade é que a operação urbanística decorreu, quer ao abrigo do licenciamento anterior, quer no tempo em que a tabela de taxas manteve os critérios anteriormente previstos, não tendo sido elaborada com os fundamentos estipulados no n.º 5 do artigo 116.º do RJUE.
Hoje a tabela de taxas possui critérios diversos, um deles o relativo à sua localização.
Como sabemos, a T.U.M visa compensar a Câmara pela realização, manutenção e reforço das infraestruturas, sejam elas relativas às águas, às águas pluviais, ao saneamento, à eletricidade, aos arruamentos.
Concluída que estava a construção do prédio, nessa sua componente essencial, a tabela de taxas mantinha a sua filosofia, pelo que a operação urbanística ao tempo, não sofreu alterações, que implicassem um aumento de construção e um consequente novo pagamento de taxas, por aumento de sobrecarga das infraestruturas.
Daí que e, no meu entendimento, se passou a ter a esse nível uma situação consolidada, pelo que aplicar à legalização em causa, uma nova taxação, é ilegal.
Por último, esta Câmara Municipal, por unanimidade deliberou conceder ao requerente uma licença especial para acabamentos, antes de declarar nulos os atos de licenciamento.
Na minha opinião, comprometeu-se com o licenciamento anterior. Validou-o e implicitamente deliberou que nada mais havia a pagar pelo requerente.
Em face de todo o referido, considero que, não havendo, como não houve sobrecarga das infraestruturas, por força da legalização em apreciação e que as sobrecargas estabilizaram, ainda no período que vigorava a anterior tabela de taxas, não é admissível querer cobrar hoje o que já foi pago.
No que respeita à taxa de licenciamento, essa deve ser cobrada de acordo com os valores previstos na tabela de taxas. Como nada se prevê para este tipo de procedimento, entendo que não é igualmente possível cobrar qualquer taxa, sendo que, também nada deve ser devolvido em consequência da declaração de nulidade.
Aliás, em momento algum a IGF questiona as taxas que foram liquidadas no âmbito do procedimento urbanístico em causa». - cfr. fls. 348 a 352 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
26. Em 07/03/2016, na sequência da informação anterior, pelo Presidente da Câmara Municipal do Réu, foi emitida decisão com o seguinte teor:
«Sr. Vereador
Peça Parecer à Procuradoria-Geral da República e instrua o processo». - cfr. fls. 352 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
27. Em 08/03/2016, na sequência da decisão referida na alínea anterior, foi emitida decisão pelo Vereador do Réu, com o seguinte teor:
«Emita licença de construção, mediante depósito caução de 315.719,98. Posteriormente remeta-se novamente o processo, para que possa instruir um pedido de parecer à Procuradoria-Geral da República, como resulta do despacho do Senhor Presidente da Câmara». - cfr. fls. 353 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
28. Em 08/03/2016, pela Autora, foi emitido, em nome do Réu, um cheque no valor de €315.719,98, e entregue, na tesouraria da Ré, via multibanco, o montante de €252,58 - cfr. doc. 12 junto com a p.i..
29. Em 09/03/2016, pelo Réu, foi emitido «Documento de Receita», com o «Estado do Documento» «Recebida», e data de recebimento nessa mesma data, com a identificação da Autora, com observações «Caução prestada para emissão do alvará de licença referente ao processo NLE-FDI-164/2015», no valor total de €315.972,56, sendo €315.719,98, respeitantes a «Cauções - Loteamento e obras e €252,58 a título de Imposto de Selo - cfr. fls. 354 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
30. Em 09/03/2016, no âmbito do processo referido no ponto 16), foi emitido o alvará de licenciamento de obras de construção n.º 32/2016, tendo como titular a Autora, que titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio identificado no ponto 1), aí constando que as obras «respeitam o disposto no Plano de Diretor Municipal» e que «A receita deste ALVARÁ foi cobrada pela guia n.º 24, 09-03-2016, no total de €315.972,56 (caução)» - cfr. fls. 356 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
31. Em 08/04/2016, pela Procuradoria da República do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, foi emitida a seguinte decisão:
"Iniciaram-se os autos na sequência da participação da IGF (...) por se considerar que se verifica a nulidade do licenciamento da obra a que se refere o processo n.º 409/PC/06, nos termos do art. 68.° do REJUE.
(...) foi requerido o licenciamento para construção de edifício com subcave, semicave, rés-do-chão, e quatro andares, sendo os dois primeiros afetos a estacionamento, os dois seguintes a comércio e os quatro superiores a apartamentos de habitação. E ainda autorização para a demolição da construção existente no prédio onde se pretendia implantar aquela edificação.
O prédio localizava-se nas cartas do PDM de Fafe em espaço urbano aglomerado da cidade de Fafe.
O Projeto de arquitetura foi aprovado autorizando a construção de oito pisos, dois dos quais enterrados no solo e destinados a estacionamento, o piso seguinte destinado a comércio apresentava-se na fachada principal do edifício virada para o arruamento e rotunda, totalmente acima da cota da soleira (cota do passeio) e na parte posterior do prédio enterrado face à cota do recinto da feira.
Contemplava mais um piso destinado a comércio e quatro destinados a habitação.
Os serviços técnicos da Câmara numa primeira análise pronunciaram-se negativamente, por entenderem que a cércea do prédio excedia a cércea da área de consolidação, não se enquadrando na morfologia urbana dominante.
O projeto foi aprovado por despacho de 06/10/2006, com o justificativo (...) designadamente que o piso a mais era parte da cave desenterrada, fruto da diferença de cotas; o proposto respeitava a envolvente da Avenida ………., onde havia prédios com mais um recuado, não existiam objeções do ponto de vista estético e o RPDM previa a possibilidade de um maior número de pisos por razões de qualificação urbana e de tráfego.
O DGPU manteve a sua posição de considerar o edifício em violação do PDM, por entender que o edifício possui uma cércea de seis pisos, atenta a fachada principal voltada para o espaço público (rua principal) onde se encontram as entradas do edifício e ser esse o critério uniforme daquele serviço que dirige.
O Presidente da Câmara considera, no exercício do contraditório e entre outros argumentos, que para avaliar a envolvente consolidada relativamente ao prédio em causa se devem considerar os edifícios existentes na Avenida ……… com a cércea de quatro pisos, mais um recuado, relativamente aos quais não existente desconformidade notória.
A IGF considera que apesar de poder existir alguma subjetividade na definição do conceito de envolvente consolidada e dos espaços a considerar, o certo é que o art. 52.º, n.º 2 do RPDM impõe como limite da cércea os cinco pisos, considerando não ter aplicação no caso dos autos a exceção do art. 52.º, n.º 3 d) do mesmo diploma (...).
Face ao teor do relatório em causa, ouvimos a Câmara Municipal de Fafe, no sentido de saber se mantinha a posição já referenciada supra, tendo sido remetida a deliberação 9/7/2015 onde foi deliberado aprovar a proposta de declaração de nulidade do despacho de 6/10/2006, e os restantes atos consequentes praticados naquele processo de obras (...).
Prosseguimos no acompanhamento de eventual legalização da mesma obra na sequência da anterior declaração de nulidade, tendo sido informado nos autos que o dono da obra foi notificado para requerer a sua legalização à luz do PDM revisto (...) dando início ao processo n.º LE EDI 164/2015 onde foi proferido despacho a 25/1/2016 a legalizar a obra (...).
Temos, assim, que à decisão da CM de declarar a nulidade dos despachos em causa, se verifica terem sido adotados os comportamentos necessários à reposição da legalidade relativamente a todas as situações comunicadas na participação remetida pela IGF, pelo que não se justifica a adoção de qualquer procedimento por parte do Ministério Público». - cfr. fls. 579 a 582 do PA (409/2006), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
32. Em 10/05/2016, no âmbito do processo referido no ponto 16), foi emitido, em nome da Autora, em relação ao prédio identificado em 1), o alvará de utilização n.º 51/2016, para «Habitação» e «Garagens» - cfr. fls. 860 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
33. Em 23/02/2017, na sequência do referido nos pontos 25) e 26), pela IGF, foi emitida a informação n.º 2017/246, com o seguinte teor:
«(...)
Sempre se dirá, desde logo, que a declaração de nulidade constitui o reconhecimento de que o ato de licenciamento não produziu efeitos jurídicos ab initio (...). Por outro lado, o ato de liquidação das respetivas taxas, apesar de constituir um ato autónomo encontra-se incindivelmente ligado à licença, pelo que, tendo sido declarada a nulidade de um ato de licenciamento urbanístico, deve considerar-se também nulo o ato de liquidação consequente, devendo, por isso, ser restituído o montante das taxas pago, como consequência da declaração de nulidade, ressalvando-se, contudo, algum montante devido apenas pela apreciação dos processos, pago independentemente da decisão sobre o pedido de licenciamento).
Acresce que, tanto quanto parece resultar da exposição, a licença especial para a conclusão de obras, emitida ao novo proprietário, terá assentado nos mesmos pressupostos de facto e de direito (...) que a licença de construção inicial. Desconhece-se se é o caso e se esta licença também foi declarada nula pela Câmara Municipal, como seria suposto e devido. Nessa sequência, os efeitos seriam semelhantes aos da licença inicial, devendo ter sido restituídas as respetivas taxas liquidadas e cobradas (...).
No âmbito do último licenciamento (legalização), por se tratar de um novo procedimento, deverão ser liquidadas e cobradas as taxas devidas e demais encargos em função dos regulamentos municipais aplicáveis (...)». - cfr. fls. 1025 a 1027 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
34. Em 18/05/2017, na sequência do referido no ponto anterior, pelo Diretor da DAM, foi emitida informação com o seguinte teor:
«Tendo em conta o parecer da Direção Geral das Finanças (...) deve mandar pôr fim à caução prestada, devendo o valor em caução entrar para a receita municipal nos termos do cálculo do licenciamento (...) emitido (...)» - cfr. fls. 1031 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
35. Em 04/07/2017, na sequência do referido no ponto anterior, pelos serviços do Réu, foi emitida informação com o seguinte teor:
«Sr. Vereador,
Considerando (...) que o valor da caução a restituir é rigorosamente igual ao valor da guia de recebimento, manifestando o titular do processo que este movimento se pudesse efetuar por “compensação” solicita-se autorização para proceder conforme referido. Em termos contabilísticos tal significa o pagamento em numerário, dinheiro de 315.719,98 Euros e igual valor de recebimento também em numerário». - cfr. fls. 1213 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
36. Na mesma data, pelo Vereador do Réu, foi exarada decisão no sentido de «Concordo, agir em conformidade» - cfr. fls. 1213 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
37. Ainda na mesma data, foi emitido, em nome da Autora, em relação ao prédio identificado no ponto 1), alvará de autorização de utilização n.º 70/2017 para «Comércio/Serviços» - cfr. fls. 1216 e 1218 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
38. Também na mesma data, foi emitido, pelo Réu, «Documento de Receita», com a identificação da Autora, com «Estado do Documento» «Recebida», no valor de 315.719,98€ - cfr. fls. 1219 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
39. Em 24/07/2017, a Autora, apresentou um requerimento, junto do Réu, no sentido de lhe ser restituído o valor de 315.719,98€, por si pago, a título de taxas, no âmbito do processo referido no ponto 16), por entender que tal lhe é devido a título de indemnização por danos decorrentes de uma atuação ilícita do Réu - cfr. fls. 1230 a 1235 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
40. Em 13/09/2017, na sequência do requerimento referido na alínea anterior, pelo Vereador do Réu, foi emitida decisão com o seguinte teor: «Indeferido com base nos pareceres apresentados, nomeadamente o da IGF» - cfr. fls. 1240 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.”



II. 2. De direito

2.1. Discute-se no presente recurso a existência ou não de erro de julgamento do acórdão recorrido, que, mantendo a decisão do TAF de Braga, considerou que a A. tinha direito a uma indemnização pela declaração de nulidade do acto de licenciamento das obras de construção praticado em 2007 e que essa indemnização deveria corresponder ao valor das taxas suportadas pela A. pelo acto de licenciamento/legalização, respeitante ao mesmo edifício, praticado em 2016.

2.1.1. Em relação ao preenchimento dos pressupostos do dever de indemnizar
O Recorrente alega, no essencial, que não estão verificados os pressupostos legais do dever de indemnizar, porquanto não existe facto ilícito e culposo nem nexo de causalidade entre o alegado dano (custos suportados com a emissão da licença de edificação no âmbito do procedimento de legalização) e o alegado facto ilícito (a declaração de nulidade da licença de edificação emitida em 2007 e declarada nula por deliberação da Câmara Municipal em 2015 – factos 3 e 10 do probatório), uma vez que, nas suas palavras “o pagamento das taxas pelo novo licenciamento não é um dano ressarcível, pois não é resultado directo da inexistência do acto nulo, mas sim do acto que declarou aquela nulidade e obrigou à apresentação de um novo processo de licenciamento”. Vejamos cada um dos argumentos.

O Recorrente alega em primeiro lugar que não existe ilicitude, na medida em que, como sustenta desde a p. i., a nulidade por violação das regras do PDM que acabaria por ser reconhecida pela Câmara Municipal e que conduziu à declaração de nulidade do acto de licenciamento praticado em 2007 não era evidente, antes resultava de uma determinada interpretação jurídica do disposto nas normas do regulamento do PDM. Assim, o que verdadeiramente deu origem à declaração de nulidade daquele acto de licenciamento foi a interpretação que a IGF fez do art. 52.º, n.ºs 2 e 3 do RPDM, a qual divergia daquela que o Requerente inicial do licenciamento e o Município faziam das mesmas normas.
Ora, para este efeito – de apurar a existência ou não de ilicitude do acto de licenciamento – é indiferente a alegada divergência interpretativa que esteve na origem da declaração de ilegalidade. Basta o reconhecimento pelo Município da existência dessa ilegalidade e a consequente declaração de nulidade do acto de licenciamento que havia sido praticado, para que se considere preenchido o pressuposto da ilicitude, ou seja, para que se considere verificada a actuação ilícita do Município correspondente à prática do acto cuja nulidade veio a ser declarada.

E o mesmo é válido para a determinação do pressuposto da culpa, pois, como bem se explica na sentença recorrida, pese a circunstância de o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48051 não consagrar uma solução jurídica semelhante à que consta do actual n.º 2 do artigo 10.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (presunção de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos), a verdade é que os factos assentes revelam que a Entidade Demandada se conformou com a interpretação das normas do Regulamento do PDM veiculada pela IGF e, sem questionar a correcção jurídica daquela decisão, declarou a nulidade do acto de licenciamento. Assim, resulta daí evidente o reconhecimento pela Entidade Demandada de que a interpretação anterior, face a esta actuação, não se afigurava como igualmente válida, mas sim errada, Cumpre, pois, inferir, com base num silogismo lógico, que o Município reconheceu que a solução jurídica que adoptara era ilegal e, consequentemente, que os serviços, ao terem-na sustentado, actuaram com uma diligência inferior ao normal, ou seja, pelo menos com culpa leve. Está, por isso, como bem conclui a sentença do TAF de Braga, igualmente preenchido in casu o requisito da culpa.

O Recorrente alega, em terceiro lugar, que não pode considerar-se verificado o nexo de causalidade entre o dano (pagamento das taxas urbanísticas correspondentes à emissão do acto de legalização) e o acto ilícito culposo (a prática em 2007 do acto de licenciamento nulo).
Com efeito, apoiando-se no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Fevereiro de 2017 (proc. 01167/16), o Recorrente alega que a obrigação de indemnização que decorre do n.º 1 do artigo 70.º do RJUE, segundo a jurisprudência firmada naquela decisão, abrange apenas, a título de danos indemnizáveis, “todos os gastos ou prejuízos que a autora não teria feito se o seu pedido de licenciamento tivesse sido desde logo indeferido”, prejuízos que ali se identificam da seguinte forma: “os gastos que a autora não teria efectuado se o seu pedido de licenciamento tivesse sido desde logo indeferido, ou seja, os que são causados pelo acto nulo - o que pode ser ressarcido é o dano, ou danos resultantes da confiança na legalidade do acto de licenciamento”. No aresto acabado de referir, as taxas suportadas com o “novo licenciamento” são excluídas do conceito de danos indemnizáveis por se considerarem “danos [que] não são resultado directo da inexistência do acto nulo, mas sim do acto que o revogou e obrigou à alteração do projecto de construção”.
Assim, o Recorrente invoca aquela decisão do STA para sustentar, no essencial, que os custos com o acto de licenciamento-legalização são também neste caso resultantes do acto que declarou a nulidade da licença de 2007 (ou seja, da deliberação da Câmara Municipal de 2015) e não do acto nulo.
Mas sem razão neste particular, pois se é verdade que é o acto que declara a nulidade é que desencadeia os efeitos a verdade é que esses efeitos lesivos só se produzem em decorrência do vício do acto que é declarado nulo.

Acresce que neste caso não foi solicitada qualquer indemnização por dano da confiança: nem isso é alegado e peticionado nem foi produzida prova sobre a matéria, a questão centra-se, exclusivamente, no dano emergente do acto que é declarado nulo e é nesse enquadramento que tem de ser decidida.

Por último, o que está aqui em causa é um pedido de devolução a título de indemnização por acto ilícito do montante pago a título de tributo bilateral.
Ora, colocando a questão no plano do direito tributário, tendo em conta que estamos a analisar os danos emergentes da declaração de nulidade de um acto (o acto de licenciamento) que é pressuposto de facto das taxas urbanísticas, ou seja, que é a situação da vida que legitima a exigibilidade daqueles tributos pelo município, concluímos que a declaração de nulidade do acto acarreta consigo a obrigação de devolução do montante exigido a título de tributo. Trata-se de um tributo bilateral, ou seja, de um tributo cuja existência e medida repousa na contraprestação pública que lhe serve de fundamento e causa, e sendo declarado nulo o acto jurídico que lhe serve de fundamento e causa – o que acarreta, como acarretou aqui, a falta de título legítimo para a edificação erigida – o sujeito passivo daquele tributo, que perder a contraprestação (o título administrativo que legitimava a construção), readquire o direito ao valor pago a título de tributo, pois este tributo passou a ser ilegitimamente exigido.
E não se nos afigura que o facto de as taxas urbanísticas terem sido suportadas em 2007 por pessoa diversa da A. impeçam que este efeito se produza na sua esfera jurídica, pois ele sucedeu na posição jurídica do autor ao adquirir o prédio ao qual havia sido atribuída a licença urbanística que posteriormente foi declarada nula. As licenças urbanísticas incorporam-se nos prédios licenciados e são transmitidas com estes, não ficando na titularidade dos requerentes. As edificações são transmitidas e, com elas, são transmitidos os direitos edificatórios adquiridos por via dos licenciamentos urbanísticos, assim como os respectivos vícios. De não ser assim, também nunca poderia ter sido oponível à A. a nulidade do acto de licenciamento de 2007.
Deste modo, não temos dúvida de que à A. poderia ser atribuída uma indemnização no valor correspondente à licença originalmente paga e que depois foi declarada nula e totalmente improdutiva. Aliás, tanto assim é que a A. teve que solicitar “nova licença”.

Porém, a pretensão que a A. formula nos autos é a de que lhe seja atribuído o valor correspondente ao da taxa devida pelo novo acto de licenciamento que teve de suportar a título de licença legalizadora. Mas neste caso inexiste nexo de causalidade com o acto de licenciamento nulo. Não pode dizer-se que a necessidade de emissão da nova licença é uma causa adequada do acto ilícito nulo, pois a causa da emissão da nova licença é a possibilidade de se licenciar a edificação em decorrência da alteração do PDM. Com efeito, o acto de licenciamento-legalização assenta num pressuposto jurídico diferente daquele em que assentava o acto declarado nulo e não tem uma relação de causalidade adequada com aquele.
No aresto deste STA de 16 de Fevereiro de 2017 (proc. 01167/16) afirma-se que o lesado pelo acto urbanístico inválido tem de ser colocado na situação em que estaria se o acto nulo não tivesse sido praticado. Ou seja, vertendo essa jurisprudência para o caso dos autos diremos que a A. tem de ser colocada na situação em que estaria se em 2007 lhe tivesse sido negado o direito a edificar por a sua pretensão ser desconforme com o PDM. Ora, neste caso, o custo que a A. poderia imputar a esse acto seria apenas o suportado com a emissão da licença originalmente emitida, pois, no demais, os custos com a licença de legalização são aqueles que sempre teriam de ser suportados para licenciar a edificação aqui em crise em conformidade com o “novo PDM”.

Em suma, o pedido formulado nos autos e que constitui um limite ao poder de cognição deste tribunal cinge-se à condenação da Entidade Demandada no pagamento do valor das taxas (e respectivos juros) que o mesmo suportou pela legalização do edifício, um valor que, pelas razões supra referidas, não é devido.
Falham, assim, os pressupostos do dano e do nexo de causalidade, soçobrando em decorrência da pretensão indemnizatória deduzida pela A..



III. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, julgando a presente ação administrativa totalmente improcedente.

Custas no Supremo e nas instâncias a cargo da A./recorrida.

Lisboa, 10 de Março de 2022. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - Ana Paula Soares Leite Martins Portela.