Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01301/12
Data do Acordão:01/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:DERRAMA
SOCIEDADES COLIGADAS
Sumário:I - À luz do nº 1 do artigo 14º da Lei de Finanças Locais de 2007, derrama municipal autoliquidada por uma sociedade sujeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), incide sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram.
II - O artigo 14º, n.º 8, da Lei das Finanças Locais, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 57º da Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) é uma norma inovadora e não interpretativa.
Nº Convencional:JSTA00068060
Nº do Documento:SA22013012301301
Data de Entrada:11/23/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., SGPS, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL - DERRAMA
Área Temática 2:IRC - DERRAMA
Legislação Nacional:CIRC01 ART115 ART3 N1 A ART69 ART71 ART70
L 2/2007 DE 2007/01/15 ART14 N1 N8
L 64-B/2011 DE 2011/12/30
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0909/10 DE 2011/02/02; AC STA PROC0309/09 DE 2011/06/22; AC STA PROC0234/12 DE 2012/05/02; AC STA PROC0265/12 DE 2012/07/05; AC STA PROC01302 DE 2013/01/09
Referência a Doutrina:ANSELMO TORRES FISCALIDADE N38 FLS159
SALDANHA SANCHES FISCALIDADE 38 PAG137/138
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial que A……., SGPS. SA efectuou do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação do IRC e derrama do exercício de 2010.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
I – Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela A…….SGPS, SA, na sequência do indeferimento de reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação de IRC e derrama referente ao exercício de 2010;
II – Conclui a douta sentença que o pedido formulado pela impugnante deve proceder, considerando que no âmbito de aplicação do RETGS, quando o n.º 1 do art.14° da Lei nº 2/2007 de 15 de Janeiro faz referência a “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas”, apenas se poderá estar a referir ao lucro resultante de soma de lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais (resultado agregado), uma vez que apenas este se encontra sujeito a IRC.
III – A Derrama surge como corolário do ditame constitucional que determina a necessidade das autarquias locais - enquanto instrumento principal para a descentralização administrativa - serem dotadas dos meios necessários à sua tendencial e desejada autonomia, não só administrativa, mas também financeira, consubstanciando um instrumento colocado à disposição dos municípios para a realização das suas tarefas no âmbito da sua autonomia local;
IV – Com a entrada em vigor da Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro (LFL), operou-se uma modificação de fundo no modo de cálculo da derrama, ao passar a ter como base o lucro tributável, e não já, a colecta;
V – Esta alteração legislativa consubstanciou uma verdadeira mudança de paradigma da derrama, tendo esta perdido o seu carácter de acessoriedade - que até aqui vinha mantendo face ao IRC -, passando a tratar-se de um imposto autónomo.
VI – A Derrama tem a natureza de imposto geral, ordinário, directo, real, periódico e no estadual, e, considerando-se impostos acessórios aqueles que existem ou dependem de outros — denominados principais — há que reconhecer que face à nova Lei das Finanças Locais, a derrama deixou de assumir natureza acessória, pois deixou claramente de atender, quer à matéria colectável, quer à própria colecta de IRC enquanto pressupostos da sua aplicabilidade;
VII - Relativamente aos Grupos de Sociedades e ao seu regime especial de tributação (RETGS), dado que a derrama passou a ter como base o lucro tributável, ou seja, uma incidência de mais montante que anteriormente, deverão ser acolhidas as regras do CIRC até ao momento de determinação do lucro tributável, porque, seguidamente, aplicar-se-ão as regras próprias da derrama (aplicação da taxa);
VIII – No RETGS não se determina a colecta de cada uma das sociedades do perímetro, (pelo que a questão não se colocava antes à luz da lei anterior), todavia, tendo passado a base de cálculo da derrama a ser o lucro tributável (e não já a colecta), e existindo, e sendo necessária, a determinação do lucro tributável de cada uma das sociedades do grupo, da aplicação do nº 1 do art. 14 da LFL - que dispõe que a derrama é lançada “sobre o lucro tributável sujeito e isento de imposto das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica - resultará a aplicação da taxa correspondente da derrama cada um dos lucros tributáveis de cada uma das sociedades dominadas;
IX – Uma vez que é determinado um lucro tributável, sujeito e não isento para efeitos de IRC, a liquidação da derrama, passa a reger-se pelas regras próprias, nos termos do disposto no n.º 1 do art.14° da LFL, não existindo qualquer impossibilidade de liquidar a derrama individual de cada sociedade, uma vez que o “objecto” da sua incidência foi alterado da colecta do IRC para o lucro tributável sujeito a imposto, sendo que esse lucro tributável existe, o que não acontecia com a colecta;
X – No caso concreto das sociedades abrangidas pelo RETGS, é inegável que cada uma das sociedades que integram o perímetro é sujeito passivo de IRC, sendo igualmente incontestável que todas elas geram rendimentos sujeitos a IRC, constituindo pois, situações patentes de sujeição pessoal e real, de cada uma daquelas sociedades, e respectivos rendimentos;
XI – Sendo que em momento algum é consagrada qualquer situação de não sujeição, de isenção, ou de exclusão de tributação para estas sociedades ou os seus rendimentos.
XII – A LFL, ao determinar a incidência da derrama sobre o lucro tributável dos sujeitos passivos para efeitos de IRC, não convocando as regras do RETGS, acolhe as regras do CIRC, mas apenas até ao momento da determinação do lucro tributável de cada sujeito passivo, antes do cálculo do lucro tributável do grupo;
XIII – Será esta a forma mais directa de fazer corresponder a receita da derrama ao Município onde o correspondente rendimento é efectivamente gerado;
XIV – No âmbito do RETGS, os lucros tributáveis de certas sociedades podem ser absorvidos pelos prejuízos de outras, sendo que, determinado município onde se instalou determinada sociedade que teve lucro tributável pode deixar de auferi-lo se o grupo, no seu conjunto, apresentar prejuízo
XV – Os superiores valores colectivos gerais que motivaram a introdução do RETGS, não coincidem com os valores subjacentes ao lançamento da derrama;
XVI - Sendo que, os impostos estaduais têm por fundamento a existência de necessidades colectivas gerais e destinam-se à criação e aplicação de meios de satisfação de tais necessidades (devendo caber a todos os cidadãos o dever contributivo) enquanto que os impostos municipais baseiam-se em necessidades exclusivamente locais, cabendo o dever contributivo aos cidadãos a que tais necessidades respeitem;
XVII - A consideração da derrama como um imposto autónomo, não obstante a partilha de alguns elementos com o IRC, ao nível da incidência e determinação do lucro tributável, acarretará, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a não consideração daquele especial regime de tributação de IRC para efeitos de derrama;
XVIII – É esta a interpretação que melhor se coaduna com o espírito da lei, e a melhor forma de conferir exequibilidade ao instrumento de financiamento dos municípios que se consubstancia na derrama;
XIX — Mais recentemente, o art.° 57° da Lei – B/2011 de 30 de Dezembro, procedeu à alteração do art.° 14 da Lei n.º 2/2007 de 15 de Janeiro, passando, o n.º 8 do referido normativo legal a dispor que quando seja aplicável o RETGS, a derrama incidirá sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo;
XX – Considerando que a qualificação duma norma como interpretativa não se encontra dependente da atribuição de tal carácter pelo legislador (não sendo indispensável que legislador o tivesse feito expressamente), é nossa opinião, que a norma supra, não assume carácter inovador.
XXI – A posição agora (melhor) definida pelo legislador, visou apenas esclarecer a controvérsia jurídica existente quanto à matéria, dissipando eventuais incertezas, não se verificando uma verdadeira alteração da posição do legislador sobre o assunto, mas tão só, uma clarificação do pensamento legislativo anterior;
XXII – Perante a eventual existência de dúvidas relativamente ao espírito da Lei, ter-se-á o legislador encarregado, de as dissipar por completo, esclarecendo que, quando for aplicável o RETGS, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo.
XXIII – A douta sentença ora recorrida revela inadequação e desconformidade com as disposições supra mencionadas, pelo que, não deverá manter-se na ordem jurídica;

1.2. Nas contra-alegações., a recorrida conclui o seguinte.
1. O presente recurso foi interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida no âmbito do processo de Impugnação n.º 2219/11,0 BELRS do Tribunal Tributário de Lisboa em que a recorrida impugnou a ilegalidade do acto de autoliquidação, na parte que se refere à derrama, com referência ao exercício de 2010 no valor total de € 6.273.212,71 e, bem assim, a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida contra aqueles actos de liquidação, por despacho da Senhora Directora de Finanças Adjunta Da Direcção De Finanças de Lisboa, ao abrigo de poderes subdelegados, de 31 de Outubro de 2011;
II. A douta Sentença recorrida considerou procedente a impugnação deduzida pela ora recorrida, por não concordar com o entendimento da Administração Tributária de acordo com o qual os lucros tributáveis são calculados individualmente, devendo considerar-se que tais lucros individuais não têm efeitos na liquidação de imposto, mas apenas efeitos declarativos e de controlo do lucro tributável apurado e comunicado pela sociedade dominante do grupo:
III. Neste sentido, entendeu a douta sentença recorrida, e bem, que a existência de um regime de especial tributação terá de vigorar em toda a linha, e nesse sentido, a pretensão, da ora recorrida, mereceu acolhimento (cfr. pagina 7 e 8 da sentença recorrida);
IV. Ora, não pode a recorrida concordar, com as pretensões da recorrente, desde logo, porque, não obstante as alterações preconizadas pela LFL, a derrama contínua a ter a natureza de imposto acessório, devendo, por isso, atender-se, conforme tem vindo a ser reconhecido pela jurisprudência, ao princípio acessorium seguitor principale;
V. Com efeito, com a alteração da LFL a derrama passou a ser considerado com um adicionamento (uma vez que passou a ser calculada sobre a matéria colectável) sendo sempre (antes e depois da entrada em vigor da Lei das Finanças Locais) um imposto acessório relativamente ao IRC, na medida em que a existência da derrama depende da existência da relação tributária de IRC;
VI. Assim, no que ao cálculo da derrama no caso de tributação de acordo com o REGTS diz respeito, resulta da análise comparativa da redacção do artigo 14° da “nova” LFL face à anterior redacção do artigo 18.° da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, que a única alteração introduzida se reporta ao facto de a derrama passar a incidir sobre o lucro tributável, ao invés de incidir sobre a colecta, pelo que a alteração se prendeu unicamente com o facto de, passando este tributo a incidir sobre o lucro tributável apurado pelos sujeitos passivos, deixam de ser relevantes os prejuízos fiscais relativos a exercícios anteriores;
VII. Neste contexto, o entendimento veiculado pela Administração no Ofício-Circulado n.° 20 132, de 14 de Abril de 2008, nos termos do qual o cálculo da derrama não deve ter em consideração os prejuízos fiscais apurados, nesse exercício, é ilegal porquanto resulta da conjugação do disposto no REGTS e na LFL que os prejuízos fiscais apurados nesse exercício, pelas entidades que compõem o perímetro do Grupo abrangido pelo REGTS, mais não são do que resultados fiscais negativos que concorrem para o apuramento do lucro tributável sujeito a imposto - o lucro tributável do Grupo;
VIII. Com efeito, resulta do disposto no artigo 70.° do Código do IRC que, não obstante o facto de cada uma das sociedades integrantes do Grupo se encontrar obrigada à submissão de uma declaração individual, a liquidação de imposto é efectuada junto da sociedade dominante, sendo o lucro tributável do Grupo, para efeitos de liquidação de IRC, aquele que resulta da soma dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados individualmente:
IX. Em face do exposto, impõe-se, conforme reconhecido na sentença recorrida, a restituição da diferença entre o valor de derrama apurado tendo por base o lucro consolidado do grupo e o valor da derrama pago com a autoliquidação.
X. Por outro lado, entende a recorrida, em conformidade com o entendimento do tribunal arbitral na análise da norma ora em apreço, não poder ser acolhido o entendimento da recorrente segundo o qual a alteração legislativa do artigo 14.° da Lei n.º 2/2007 não assume carácter inovador, porquanto nada aponta no sentido de a referida norma configurar uma norma interpretativa;
XI. Neste âmbito, tendo a recorrida baseado o preenchimento da sua Declaração de Rendimentos — IRC — Modelo 22 –, relativa ao exercício 2010, nas instruções constantes do Ofício-Circulado n.° 20 132, de 14 de Abril de 2008, divulgado pela Administração Tributária, está preenchido o requisito da verificação de erro imputável aos serviços”, sendo por isso, devidos juros indemnizatórios;
XII. Por fim, subsidiariamente, e ao abrigo do disposto no artigo 684.°-A, do Código de Processo Civil, a recorrida, se tal se mostrar necessário, pretende que se conheça também do argumento que, em função das conclusões do tribunal a quo, não chegou a ser conhecido - falta de fundamentação do Despacho de indeferimento da reclamação graciosa;
XIII. Com efeito, da leitura do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, a ora recorrida, não logrou obter qualquer esclarecimento, designadamente, quanto às motivações que levaram a Administração Tributária a não acolher o entendimento expresso e vertido no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administração, no âmbito do Processo n.º 0909/10, cuja junção ao processo de reclamação graciosa, foi oportunamente requerida pela ora recorrida;
IV. Na verdade, neste âmbito a Administração Tributária limitou-se a informar que se encontra vinculada às orientações genéricas constante dos ofícios circulados que estiveram em vigor no momento do facto tributário.
XV. Ora, não pode a recorrida aceitar que uma Informação emitida por um organismo da Administração Tributária a sancionar um entendimento da mesma Administração Tributária, possa ser entendido como conferindo um maior grau de legitimidade, uma vez que se trata do mesmo órgão a confirmar um entendimento que já é, ab initio (só) seu.
XVI. Em face do exposto, a pretensa “fundamentação” do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, viola pois, frontalmente, quer a Constituição da Republica Portuguesa - cfr. Artigo 268°, n.º 3 -, quer o artigo 77.° da Lei Geral Tributária, o que se invoca para todos os efeitos legais, devendo ser anulado, em conformidade com o artigo 135.° do Código de Procedimento Administrativo.

1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

2. A sentença deu como assentes os seguintes factos:
a) No exercido de 2010, a impugnante era a sociedade dominante de uma grupo de sociedades, que optaram pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (cfr. fls. 45 a 52 do processo administrativo apenso);
b) A impugnante apresentou declaração de rendimentos, modelo 22 de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas do ano de 2010 do grupo de sociedades, tendo apurado derrama no valor de € 7.854.875,M, que teve por base o lucro tributável de cada uma das sociedades do grupo (cfr. fls. 45 a 52);
c) A impugnante autoliquidou derrama correspondente ao somatório das derramas calculadas e indicadas individualmente por cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, de acordo com as orientações genéticas da Administração Tributária, emitidas através do oficio circulado n° 20132, de 14 de Abril de 2008, da Direcção de Serviços do IRC (cfr. campo 364, quadro 10, do modelo 22 - fls. 50);
d) A declaração anual modelo 22 relativa ao exercício de 2010 deu origem à liquidação de IRC no 2011 25203S5742, no montante de € 12.022.916,86, a reembolsar à impugnante (cfr. fls. 53);
e) Em 12/09/2011 a impugnante deduziu reclamação graciosa “e autoliquidação de IRC do grupo de sociedades, vertida na declaração de rendimentos modelo: 22 de IRC, referente ao exercício de 2910, na parte relativa ao apuramento da derrama (cfr. fls. 2 e segs. do procedimento de reclamação graciosa apenso);
f) Notificada a impugnante para exercício de audição prévia apresentou a resposta de fia. 125 a 128, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
g) Em 31/10/2011, por despacho da Directora de Finanças Adjunta, foi a reclamação graciosa indeferida, com a fundamentação constante do projecto de decisão, informação datada de 31/10/2011 e pareceres na mesma exarados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cfr. fls. 114 a 123 e 140 a 149 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
h) Em 07/11/2011, através do ofício com a referência 096159, de 04/11/2011, a impugnante foi notificada da decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa (cfr. fls. 191 e 192 do procedimento anexo);
i) Em 22/11/2011 a impugnante deduziu a presente impugnação (cfr. carimbo de fia. 2 dos presentes autos);

3. A única questão que vem em recurso consiste em saber se a derrama municipal relativa ao exercício de 2010, autoliquidada pela recorrida, uma sociedade sujeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), incide sobre o lucro tributável do grupo ou sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram.
Esta questão foi discutida na doutrina e julgada na jurisprudência até à recente alteração do artigo 14º da Lei 2/2007 de 15 de Janeiro (Lei das Finanças Locais), levada a efeito pela Lei nº 64-B/2011 de 30/12, que acrescentou àquele artigo um número 8, respondendo, de forma inequívoca, à questão nos seguintes termos: «Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedade do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115º do Código do IRC».
A necessidade que o legislador teve de criar uma norma com esse sentido evidencia bem a dificuldade que anteriormente existia em responder de forma segura a tal questão. Desde logo, porque não havendo norma que, através do recurso às regras da hermenêutica, pudesse conduzir àquela solução, a Administração Tributária avançou com o Ofício-Circulado nº 20132 de 14 de Maio de 2008, segundo o qual, no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a “derrama deverá ser calculada individualmente por cada uma das sociedade e inscrita na sua declaração individual”.
A posição da administração tributária assentava na circunstância de as diferentes sociedades que compõem um determinado grupo fiscal terem que entregar declarações individuais nas quais, ainda que as mesmas não apresentem colecta, poderão evidenciar lucro tributável, pelo que deverá ser este a base do apuramento da derrama do grupo. Ou seja, a derrama deverá recair sobre o lucro tributável individual, porque esse decorre do preenchimento da declaração individual que cada sociedade está obrigada a submeter. Dessa forma, evita-se que a derrama deixe de ser liquidada, quando existam prejuízos fiscais reportáveis de exercícios anteriores, um dos mais importantes objectivos da nova lei de finanças locais.
Não foi, porém, nesse sentido que a maioria da doutrina e a jurisprudência interpretou o nº 1 do artigo 14º da Lei nº 2/2007, onde se dispõe que «os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território”.
O Supremo Tribunal Administrativo, antes alteração operada pela Lei nº 64-B/2011, interpretou esta norma no sentido de que, no caso dos grupos societários sujeitos ao RETGS, a derrama incide sobre o lucro consolidado em sede de IRC.
Esta jurisprudência, constante dos acórdãos de 2/2/2011 (rec. nº 0909/10), de 22/6/2011 (rec. nº 0309), de 2/5/2012 (rec nº 0234/12), de 5/7/2012 (rec nº 265/12) e de 9/1/2013 (rec. nº 1302), parte do princípio doutrinalmente assente de que a derrama, de acordo com a actual Lei de Finanças Locais de 2007, é um imposto autónomo em relação ao IRC, uma vez que “todos os seus elementos estruturantes ora resultam da lei (sujeito activo, margem de taxas) ou obedecem à intervenção da autarquia local (tributação ou não, taxas concretas), apenas comungando, para efeitos do seu cálculo e por simplicidade de gestão, de uma incidência objectiva comum (v. Saldanha Sanches, in revista citada, p. 137 e 138)”.
Mas como a base de incidência da derrama passou a coincidir com a do IRC, no que respeita aos sujeitos passivos que exerçam a título principal actividade comercial, industrial ou agrícola, quer sejam residentes ou não residentes que exerçam tal actividade através de estabelecimento estável situado em território português (artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CIRC), com excepção dos lucros sujeitos mas isentos de IRC, considerou-se que, apesar da referida autonomização do imposto, a derrama continuou a depender do regime do IRC, em todos os outros campos que definem a sua relação jurídico tributária.
Argumenta-se num daqueles acórdãos que, “além de remeter expressamente para o IRC na definição da sua base de incidência e dos seus sujeitos passivos, o regime da derrama é omisso quanto a regras próprias de determinação da matéria colectável, liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias, para elencar apenas aquelas em que tradicionalmente se analisa a relação jurídica tributária. Ora, como sustenta Manuel Anselmo Torres, a propósito da relevância dos prejuízos fiscais na matéria colectável da derrama, in Fiscalidade n.º 38, a fls. 159, a única via para integrar essas lacunas consiste em aplicar à derrama o regime previsto para o IRC. Na verdade, como refere o autor citado, só o CIRC nos permite concluir, por exemplo, que a derrama deve ser objecto de autoliquidação e paga até ao fim do 5.º mês seguinte ao fim do período de tributação. E o mesmo deverá, quanto a nós, suceder no caso de grupos de sociedades. Prevendo o CIRC, nos seus artigos 69.º a 71.º, um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, situação em que se encontra a impugnante, ora recorrida, e tendo esta optado, como a lei lhe faculta, pela aplicação desse regime para determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo. E, assim determinado o lucro tributável para efeito de IRC, está necessariamente encontrada a base de incidência da derrama”.
Não só se concorda com esta posição, como se entende que os argumentos invocados pela recorrente não são coerentes com a lógica da tributação agregada das sociedades a que se aplica o RETGS. Com efeito, o nº 1 do artigo 14º, a única norma que dava resposta a este problema antes de se lhe acrescentar o número 8, é suficientemente claro no sentido de que a derrama incide «sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas».
Ora, no caso do grupo de sociedades que optaram pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, o artigo 64º do IRC (actual artigo 70º), o lucro tributável «sujeito» a IRC «é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo».
Portanto, o regime de RETGS assenta numa lógica de tributação agregada segundo a qual o grupo societário é tributado, para efeitos de IRC, pelo seu resultado agregado, como se de uma só entidade se tratasse. Não havendo regras específicas de apuramento da base de incidência da derrama, ao remeter-se para a base de incidência do IRC, tem que se aceitar necessariamente a base de incidência prevista para quem é tributado segundo o RETSG, sob pena de se criar uma excepção não prevista na lei à lógica da tributação agregada em que assenta esse regime.
O argumento segundo o qual as sociedade que compõem o grupo apresentam declarações individuais, as quais deveriam servir de base de incidência da derrama, não tem qualquer apoio na letra do nº 1 do artigo 14º, porque os lucros individuais constantes dessas declarações não têm efeitos de liquidação do imposto, apenas servem para efeitos de controle do lucro tributável consolidado que foi apurado e comunicada pela sociedade dominante do grupo fiscal.
É que a opção pelo RETGS traduz-se precisamente na determinação do lucro tributável do grupo com base na soma algébrica dos lucros e prejuízos fiscais apurados na declaração periódica de cada uma das sociedades que o integram, opção esta que se funda no princípio da capacidade contributiva, ao fazer prevalecer a capacidade do grupo sobre a capacidade contributiva individual das empresas que o integram. Ora, se a base de incidência da derrama tivesse por referência o lucro de cada uma das sociedades que o integram, seria atingido o princípio da capacidade contributiva do grupo, um dos fundamentos do RETGS.
A norma do nº 8 do artigo 14º, introduzida pela lei do orçamento de Estado para 2012, não de pode aplicar ao caso dos autos porque, pela interpretação que se acaba de fazer, não é uma norma interpretativa que se possa integrar no sentido e âmbito do nº 1 do mesmo artigo. A natureza inovadora da norma já foi objecto de jurisprudência no recente acórdão de 2/5/2102, acima referido, onde se, se a lei fosse interpretativa «por certo o legislador não deixaria de o fazer constar do respectivo texto, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa. Mas não o fez, nem se surpreende no texto da Lei do Orçamento de 2012 ou no referido nº 8º do art. 14º da Lei das Finanças Locais qualquer referência ao carácter interpretativo da norma ou a qualquer controvérsia gerada pela solução de direito anterior. Trata-se certamente de opção legislativa diversa, quiçá motivada pela necessidade de arrecadar receitas imposta pela conjuntura económica, dado que a interpretação possível da norma na sua redacção anterior, acolhida pela jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal Administrativo, tinha como consequência uma poupança fiscal significativa para os grupos de sociedades em que co-existissem sociedades com lucro tributável e sociedades com prejuízo fiscal».
Sendo uma norma inovadora, que afronta a lógica do RETGS, a alteração que introduz apenas vigora de 2012 em diante, pelo que o caso dos autos deve ser julgado em função do sentido que vinha sendo dado à norma do nº 1 do artigo 14º da Lei das Finanças Locais de 2007, o que conduz á improcedência do recurso.

4. Nestes termos acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando o julgado recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2013. - Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.