Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0398/18
Data do Acordão:07/05/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
CONCURSO
PROPOSTA
FUNDAMENTAÇÃO DA AVALIAÇÃO
DOCUMENTO
Sumário:I - A fundamentação dos actos administrativos traduz a exigência de dar a conhecer as razões ou motivos da decisão administrativa, visando habilitar o destinatário a reagir de forma eficaz contra o acto lesivo.
II - A avaliação das propostas apresentadas num concurso tem-se por fundamentada desde que se mostrem vertidas na grelha classificativa previamente elaborada pelo júri as valorações atribuídas a cada “item”, e, posteriormente, consignada a pontuação atribuída, sem necessidade de justificar aquela pontuação, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação.
III - Se os documentos em língua estrangeira apresentados por concorrente não integram o acervo de documentos exigidos, visto não serem documentos caracterizadores dos atributos da proposta ou os referentes a termos ou condições não sujeitas à concorrência, exigidos pelo procedimento, sendo, documentos adicionais que podiam não ter sido juntos, ao não poderem ser relevados, é indiferente se eles cumprem ou não as normas concursais quanto à língua em que estão redigidos, não violando a sua apresentação o disposto no art. 58º, nº 1 do CCP e nos arts. 14º, nº 2 e 31º do Programa do Procedimento.
Nº Convencional:JSTA000P23505
Nº do Documento:SA1201807050398
Data de Entrada:05/17/2018
Recorrente:A......, S.A.
Recorrido 1:SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ....... E B......, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A……… S.A, propôs contra a Santa Casa da Misericórdia de …………, acção de contencioso pré-contratual, impugnando a Deliberação, datada de 14 de Março de 2017, proferida pela Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de …………, que adjudicou à sociedade B…………, S.A. a empreitada de requalificação do Lar ………… da Santa Casa da Misericórdia de …………, no âmbito de concurso limitado por prévia qualificação.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.
Notificada da sentença, A……….. S.A, recorreu para o TCA Norte que manteve a decisão do TAF de Braga.

É deste acórdão, proferido pelo TAC Norte, em 02.02.2018, que, o agora recorrente, vem interpor recurso apresentando alegações com o seguinte quadro conclusivo:
“a) A decisão aqui em recurso incorre em manifesto erro de apreciação e de julgamento da qualificação jurídica da factualidade submetida à apreciação jurisdicional.
b) Na verdade, tanto a douta Sentença prolatada como o Acórdão ora sob apreciação divergem frontalmente, no que toca às exigências de fundamentação da avaliação das propostas, com a Jurisprudência uniforme deste Venerando Tribunal quanto a essa matéria.
c) Afigura-se-nos, neste quadro, ser de relevante importância para o restabelecimento da certeza e paz jurídica e estabilização jurisprudencial nesta matéria, a Douta Pronúncia deste Supremo Tribunal Administrativo quanto à correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 146, n°1 e 148º (aplicáveis ex vi artigo 162°) e 70.º, n°1, todos do Código dos Contratos Públicos, bem como dos artigos 151°, n°1, alínea d), 152° e 153° do Código do Procedimento Administrativo no que toca às exigências de fundamentação da avaliação das propostas no quadro de um procedimento de formação de contrato público.
d) Verificam-se, nestes autos, os pressupostos de que depende a admissibilidade do presente Recurso de Revista, o qual deve funcionar como uma válvula de segurança do sistema, estando reservado a este Colendo Tribunal, enquanto órgão de cúpula da jurisdição administrativa, o exercício de uma importante função orientadora em relação aos demais Tribunais Administrativos.
e) O Douto Acórdão recorrido decidiu no sentido da suficiência da fundamentação da avaliação das propostas apesar de reconhecer que a grelha classificativa que integra o modelo de avaliação é “universal” ou, dito de outro modo, que a grelha classificativa que descreve os parâmetros de avaliação em cada um dos subfactores em que se densifica o factor “Valia Técnica da Proposta” é exactamente a mesma para cada um daqueles subfactores.
f) Perante esta decisão, que não acompanha a Jurisprudência Uniforme estabelecida no Acórdão 2/2014, de 21-02-2014, afigura-se-nos ser de manifesta necessidade, e da mais relevante importância, que este Colendo Tribunal se pronuncie sobre esta matéria.
g) Esta questão versa sobre uma problemática jurídica de alcance geral, que é a de saber quais as consequências da falta, ou insuficiência, da fundamentação da avaliação das propostas sempre que esta se sustenta exclusivamente na atribuição de uma classificação quantitativa; ou, dito de outro modo, até que ponto e em que medida se pode considerar suficientemente fundamentada uma avaliação quantitativa que se sustenta numa grelha classificativa “universal” para todos os subfactores em avaliação, dentro do critério, uniformizado por aquele Douto Acórdão deste Venerando Tribunal, que determina que essa avaliação será suficiente se a grelha classificativa se mostrar “suficientemente densa”.
h) Trata-se uma questão susceptível de repetir-se, nos mesmos termos, e em situações semelhantes, e que assumem consequências práticas importantes no regime de formação dos Contratos Públicos, com significativos reflexos na racionalidade final deste regime.
i) Impõe-se, assim, para o restabelecimento da certeza e paz jurídica e estabilização jurisprudencial nesta matéria, a alta Pronúncia deste Supremo Tribunal Administrativo.
j) As circunstâncias do caso concreto contêm uma questão, típica, bem caracterizada, nos seus contornos, passível de se repetir no futuro.
k) A Decisão ora sob recurso padece de manifesto erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo incorrido em violação dos preceitos legais invocados, concretamente, do disposto nos artigos 146, n°1 e 148° (aplicáveis ex vi artigo 162°) e 70°, n°1, todos do Código dos Contratos Públicos, bem como dos artigos 151°, n° 1, alínea d), 152° e 153° do Código do Procedimento Administrativo.
l) A Decisão recorrida padece igualmente de erro de julgamento quanto entende não ocorrer violação de lei no que toca à apresentação, na proposta da Contra Interessada, de documentos redigidos em língua estrangeira sem que esteja acompanhados de tradução legalizada, por ofensa do disposto no artigo 58° do CCP e do artigo 14° do programa do procedimento, na medida em que, como adiante melhor se explicitará, olvidou que as determinações do programa do procedimento a esse respeito são imperativas sempre que essa peça expressamente estabeleça a obrigação da apresentação de tradução para a língua portuguesa.
m) Que se justifica plenamente a intervenção deste Tribunal Supremo, dado que a orientação que será transmitida por este Colendo Tribunal, para além de fixar um sentido decisório na presente lide, constituirá um critério reitor para futuros casos análogos, ademais frequentes, ou do mesmo tipo, contribuindo, assim, para a clarificação e previsibilidade na aplicação do Direito.
n) Mostram-se preenchidos os pressupostos previstos no n° 1 do art° 150.º do CPTA, pelo que deve o presente Recurso de Revista ser admitido e, em consequência, conhecido o seu mérito
o) Entendeu o Tribunal a quo que a inexistência de parâmetros diferenciadores para cada um dos subfactores visível na grelha classificativa não assume relevância jurídica pelo facto de a Recorrida ter “definido os (...) subfactores densificadores do exercício avaliativo, por referência com os documentos exigidos no programa do procedimento”, olvidando-se, porém, na Decisão em recurso que o critério de adjudicação e, subsequentemente, o modelo de avaliação deve ser claro, explícito e auto-suficiente.
p) O modelo de avaliação deve conter de forma exaustiva todos os elementos, qualquer que seja a sua natureza, que permitam aos concorrentes compreender quais os atributos das suas propostas que serão sujeitos a avaliação e quais são os parâmetros de cada um desses atributos que permitirão diferenciar, na pontuação, o conteúdo das propostas.
q) Na Douta Decisão em recurso implicitamente reconhece-se a insuficiência do modelo de avaliação no que toca à parametrização da pontuação dos vários subfactores em avaliação; e tanto é assim que nela se invoca, como putativo “elemento interpretativo” do modelo de avaliação, os documentos exigidos no programa do procedimento como referência “fundamentadora” do alegado conhecimento, pelos concorrentes, dos atributos em avaliação.
r) Tal asserção revela-se equivocada, não apenas porque não se trata, in casu, de conhecer os atributos em avaliação mas antes o conteúdo da parametrização da pontuação a atribuir a cada subfactor — que forçosamente teria de ser específica para cada um dos subfactores em avaliação, como igualmente por “necessitar”, para legitimar o modelo de avaliação, de se socorrer a elementos externos a esse modelo, como são os documentos da proposta que contêm os aspectos submetidos à concorrência no procedimento.
s) Enferma igualmente de erro de julgamento a apreciação do Tribunal a quo quanto à alegada suficiência da grelha classificativa constante do modelo de avaliação em causa nestes autos.
t) O Tribunal a quo sustenta a conformidade da grelha classificativa com a Jurisprudência Uniformizada pelo Acórdão 2/2014 exclusivamente no que respeita à sua decomposição — mas não quanto ao seu conteúdo, enquanto grelha “universal” para todos os subfactores em avaliação.
u) Muito inversamente ao que se sustenta na Decisão em recurso, a racionalidade da avaliação residirá, não na padronização (ou uniformização) dos parâmetros de pontuação, mas antes na sua perfeita e rigorosa especificação em conformidade com o subfactor a que a grelha classificativa diz respeito.
v) Tal racionalidade deverá forçosamente, pois, pressupor a diferenciação da parametrização da avaliação — e não o inverso, como muito inadmissivelmente se sustenta na Decisão em recurso, e só essa racionalidade — geradora de diferenciação — poderá assegurar a percetibilidade do iter cognitivo percorrido pelo avaliador, dessa forma cumprindo-se as exigências de fundamentação legais e densificadas por este Colendo Tribunal.
w) Muito inversamente ao que se conclui na Decisão recorrida, as operações aritméticas em que se alicerça a classificação atribuída às propostas são manifestamente insuficientes para que se afirme estarem cumpridas as exigências de fundamentação, tendo em conta o conteúdo vago e genérico da grelha de avaliação “universal” fixada para todos e qualquer dos subfactores no critério de avaliação.
x) A utilização da mesma grelha para todos os subfactores de avaliação manifestamente impede que da mesma se extraiam os parâmetros diferenciadores, para cada um dos subfactores, da avaliação das propostas.
y) Forçoso seria, para que a avaliação das propostas se considerasse suficiente mediante a atribuição de uma pontuação meramente quantitativa, que, por exemplo, no subfactor “Memória Descritiva” do factor “Valia Técnica da Proposta”, que ao mesmo tivesse sido fixada uma grelha classificativa própria, adequada ao atributo a avaliar, sustentada, designadamente, no nível de pormenor que apresente, na coerência da descrição dos trabalhos, na explicitação do modo de execução dos trabalhos e na descrição dos processos construtivos — reflectida numa escala de pontuação descendente por cada patamar, atribuível em conformidade com o grau de qualidade da proposta avaliada nesse subfactor.
z) Já não assim será, contrariamente ao que desacertadamente se sustenta na Decisão recorrida, se a grelha classificativa aplicável aos subfactores em avaliação é a mesma para cada um deles - mais ainda tratando-se de, nada mais, nada menos do que nove subfactores em avaliação (cinco no factor “Garantia de Boa Execução e quatro no factor “Valia Técnica”), todos absolutamente distintos entre si na natureza dos atributos das propostas a que dizem respeito.
aa) A grelha classificativa em análise não distingue ou autonomiza, nos descritores que a integram, os diferentes atributos das propostas que serão avaliados nos diferentes subfactores, como impõe o n°3 do artigo 139° do CCP.
bb) Não podendo, por tudo, deixar de se censurar a apreciação desta matéria que resulta da Decisão Recorrida, que por isso viola o disposto nos artigos 146, n° 1 e 148° (aplicáveis ex vi artigo 162°) e 70°, n° 1, todos do Código dos Contratos Públicos, bem como dos artigos 151°, n° 1, alínea d), 152° e 153° do Código do Procedimento Administrativo.
cc) A Decisão recorrida convoca — como de resto igualmente a Recorrente o fez na sua p.i. e nas suas Alegações junto do Tribunal a quo -, a jurisprudência uniformizada que resulta do Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Administrativo (Acórdão do STA de 21/1/2014, processo n° 1790/13), na qual se conclui que a avaliação das propostas apresentadas num concurso tem-se por fundamentada através da valoração por elas obtida nos vários itens de uma grelha classificativa suficientemente densa.
dd) Da fundamentação deste Acórdão Uniformizador extrai-se, na verdade, a conclusão inversa à sustentada pelo Tribunal a quo, porquanto aquele Colendo Tribunal define, na motivação daquele Aresto, em termos precisos e rigorosos os casos em que se deverá considerar suficientemente fundamentada uma avaliação baseada apenas na valoração numérica obtida nos vários items.
ee) Como se extrai deste excerto do Aresto em análise, nele parte-se da premissa de uma densificação tal dos items da grelha que permite uma mera pontuação dos mesmos sem, por isso, deixar de revelar a respectiva motivação.
ff) O terceiro modo de “enfrentar o vício de forma”, nos dizeres que resultam daquele Aresto, foi o elemento orientador da jurisprudência que, após a prolação deste Acórdão Uniformizador, veio a considerar insuficiente a fundamentação da avaliação sempre que as grelhas classificativas não se mostrem suficientemente densas, acompanhando assim, a contrario, a doutrina plasmada naquele Acórdão Uniformizador.
gg) O Tribunal a quo ostensivamente errou na qualificação jurídica da factualidade submetida à sua apreciação, violando o disposto nos artigos 139°, 146, n° 1 e 148° (aplicáveis ex vi artigo 162°) e 70°, nº1, todos do Código dos Contratos Públicos, bem como dos artigos 151°, n° 1, alínea d), 152° e 153° do Código do Procedimento Administrativo.
hh) A apresentação opcional de documentos, para além dos exigidos no programa do procedimento, acha-se expressamente prevista no artigo 57°, n° 3 do CCP.
ii) Tais documentos, quando redigidos em língua estrangeira, ficam sujeitos à disciplina do artigo 58°, em cujo n°3 se determina que “Os documentos referidos no n.° 3 do artigo anterior podem ser redigidos em língua estrangeira, salvo se o programa do procedimento dispuser diferentemente” (realces nossos) — que é efectivamente o que sucede in casu.
jj) Nos termos que expressamente se consagraram no programa do procedimento, era obrigatório para os concorrentes apresentar todos e quaisquer documentos, fossem obrigatórios ou opcionais, em língua portuguesa ou, se apresentados em língua estrangeira, acompanhados de tradução legalizada.
kk) Ora, perante o exposto, forçoso é concluir que também neste segmento o Tribunal a quo errou clamorosamente na qualificação dos factos.
ll) Sendo certo que, em conformidade com o disposto no artigo 58°, nº 3 conjugado com o que dispõe o artigo 146°, nº 2, alínea e), ambos do CCP não poderia o Tribunal a quo, deixar de decidir, como peticionado pela aqui Recorrente, pela exclusão da proposta apresentada pela Contrainteressada B……….
NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que Vossas Excelências, Colendos Conselheiros, doutamente suprirão, requer-se:
(i) A admissão do presente Recurso de Revista;
(ii) Que o mesmo seja julgado totalmente procedente, revogando-se o Acórdão recorrido,
COMO É DE JUSTIÇA”.

A Recorrida Santa Casa da Misericórdia de ………… apresentou contra-alegações que apresentam conclusões do seguinte teor:
I. A Recorrida — Santa Casa da Misericórdia de ………… — é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, fundada em maio de 1885, e pessoa coletiva sem fins lucrativos.
II. Por deliberação da Comissão da Recorrida, tomada na reunião de 20 de outubro de 2016, foi aberto um processo contratual na modalidade de Concurso Limitado por Prévia Qualificação, o qual teve por objeto a empreitada de Requalificação do Lar …………, propriedade da Recorrida.
III. O STA, e por referência ao seu Acórdão 2/2014, de 21 de janeiro de 2014, no Processo n.° 1790/13 — Pleno da 1.ª Secção, publicado no DR, 1.ª Série, de 21 de março de 2014, veio uniformizar a Jurisprudência nos seguintes termos: “A avaliação das propostas apresentadas em concurso tem-se por fundamentada através da valoração por elas obtida nos vários itens de uma grelha classificativa suficientemente densa.”,
IV. Nos termos da Jurisprudência consolidada do STA, o recurso de revista só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
V. O conceito “relevância jurídica fundamental” está preenchido quando a questão seja de elevada complexidade jurídica ou quando o tratamento da matéria tenha suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina.
VI. A Recorrente o que pretende é que o Supremo Tribunal Administrativo defina o que é “uma grelha suficientemente densa.” Ora, como se compreenderá, não há uma fórmula mágica, que possa ser universal e aplicável em todos os procedimentos, já que a densidade variará consoante a complexidade do procedimento e o grau de detalhe dos vários fatores e subfactores a concurso.
VII. O Acórdão Uniformizador do STA 2/2014, veio resolver de forma substancial a questão de mérito, sem prejuízo, naturalmente, da suficiência ou da Insuficiência e da densidade, ou falta dela, da grelha de avaliação ser feita caso a caso.
VIII. O TCA Norte, no Acórdão sob censura, seguiu a orientação jurisprudencial desse Supremo Tribunal. Pelo que não se alcança a invocada necessidade de “restabelecimento da certeza e paz jurídica e estabilização jurisprudencial...” quando em nada o Acórdão, em recurso, contradiz (antes aplica) a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal Administrativo.
IX. Decorre, igualmente, do Artigo 150.°, n.° 1 do CPTA, que é admissível a admissão do recurso (de revista) quando seja claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.
X. No que concerne à alegada apresentação, na proposta da Contrainteressada, de documentos não exigidos pelo Programa de Procedimento em língua estrangeira sem acompanhamento de tradução legalizada, não se verifica a necessidade de uma melhor aplicação do direito.
Xl. O critério reitor que a Requerente solicita para as situações de apresentação de documentos não exigidos pelo Programa de Procedimento em língua estrangeira sem acompanhamento de tradução legalizada, está já perfeitamente estabelecido e está já adequadamente definido, como melhor decorre das decisões superiores invocadas nestas contra-alegações.
XlI. Não se mostram evidenciados os requisitos que decorrem do Artigo 150.°, n.° 1 do CPTA, pelo que deve ser recusada a admissibilidade do Recurso de Revista.
XIII. A utilização de um concurso justifica-se, designadamente, pela necessidade de escolher o parceiro mais idóneo, de aproveitar os mecanismos de concorrência, de procurar a melhor gestão e de legitimar a escolha final do cocontratante particular.
XIV. Os esquemas concursais permitem ainda assegurar a funcionalidade do negócio, em face dos fins de interesse público que lhe presidem, garantir a publicidade dos motivos da entidade que promoveu o concurso e salvaguardar princípios de gestão (uma vez que a disciplina inerente aos concursos não é indiferente à garantida da sanidade financeira da entidade adjudicante nem à obtenção de good value for money).
XV. Conforme ao Direito a consagração de instrumentos de avaliação que façam apelo à intervenção de uma margem de discricionariedade — não de arbitrariedade — da Administração.
XVI. Tais Instrumentos de avaliação são aceitáveis em função do concreto objeto contratual e em que há lugar a valorações feitas pela Administração, num espaço apreciativo que lhe é próprio, desde que respeitados os princípios fundamentais da contratação pública e da atuação administrativa — designadamente os da igualdade, da concorrência, da imparcialidade, da transparência, da publicidade e da boa-fé.
XVII. O Anexo III do Programa do Procedimento definia que a adjudicação seria feita à proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, tendo como base os seguintes fatores (critérios) e respetivas ponderações: (a) Garantia de Boa Execução (GBE): 36%; (b) Valia Técnica da Proposta (VTP): 34% e (c) Preço Global (PG): 30%.
XVIII. O fator Garantia de Boa Execução (GBE) (36%) era avaliado em cinco subfactores: Plano de trabalhos (30%), Memória do Plano de trabalhos (20%), Plano de mão-de-obra afeta (20%), Plano de equipamento afeto (20%) e Cronograma Financeiro (10%).
XIX. O fator Valia Técnica da Proposta (34%) era avaliado mediante quatro subfactores: Memória Descritiva da forma de execução da obra (50%), Sistema de Gestão e Controlo de Qualidade (10%), Sistemas de Gestão de Segurança (20%) e Sistema de Acompanhamento Ambiental (20%).
XX. Cada um dos subfactores, quer do fator Garantia de Boa Execução quer do fator Valia Técnica da Proposta, tinha associada uma grelha face ao nível do detalhe e coerência da informação que resultava dos documentos instrutores da proposta.
XXI. A grelha de avaliação estava estruturada em cinco patamares: Descrição muito detalhada, completa e coerente (16 a 20 pontos); Descrição detalhada e com coerência dos trabalhos a executar (12 a 15 pontos); Descrição suficiente e com coerência dos trabalhos a executar (8 a 11 pontos); Descrição muito sucinta ou pouco detalhada dos trabalhos a executar (4 a 7 pontos) e Descrição Insuficiente dos trabalhos a executar (0 a 3 pontos).
XXII. Quanto aos dois fatores que envolviam um maior grau de subjetividade na análise, existiu o cuidado de os desagregar em subfactores (no caso, cinco e quatro, cada um deles com a definição da percentagem com a qual contribuíam para a avaliação) e para cada um desses subfactores foi fixada uma grelha com cinco patamares de avaliação.
XXIII. O invocado pela Recorrente não traduz de forma correta o modelo de avaliação definido nas peças do procedimento, nomeadamente no Programa do Procedimento.
XXIV. A Recorrida fixou os critérios de avaliação das propostas, definindo os respetivos subfactores densificadores do exercício avaliativo, por exata correspondência com os documentos exigidos no Programa do Procedimento.
XXV. Não se verificou qualquer alteração dos fatores ou subfactores de ponderação previstos ab initio no Anúncio e no Programa de Procedimento, nem a fixação de novos fatores ou subfactores, nem tão pouco alteração dos seus “pesos” globais e parciais.
XXVI. A avaliação das propostas é a “fase crucial” do procedimento em que cada declaração contratual é hierarquizada e ordenada, de acordo com o peso relativo que a entidade adjudicante atribuiu a cada fator e subfactor elementar do critério de adjudicação, para resposta às diversas necessidades de interesse público que subjazem ao contrato.
XXVII. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.° 2/2014 (Processo n.° 1790/13 — Pleno da 1.ª Secção), publicado no Diário, da República, 1.ª Série, de 21 de março de 2014, procedeu à uniformização da jurisprudência no que concerne à fundamentação na avaliação das propostas.
XXVIII. No sentido de uniformizar a jurisprudência, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que: “A avaliação das propostas apresentadas em concurso tem-se por fundamentada através da valoração por elas obtida nos vários itens de uma grelha classificativa suficientemente densa.”.
XXIX. O Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal Administrativo plasmou a linha argumentativa que tinha vindo a ser maioritariamente seguida — quer pela jurisprudência quer pela doutrina — advogando a suficiência da fundamentação através da valoração de cada proposta nos vários itens de uma grelha de classificação suficientemente densa.
XXX. Os dois fatores de avaliação que necessitavam de ser preenchidos com alguma dose de subjetividade, foram desagregados em vários subfactores e para cada um desses subfactores foi definida uma grelha com cinco níveis de detalhe (Conclusão XIX a XXI).
XXXI. Não foi feito uso de grelhas com uma escala polarizada em dois extremos, mas sim através da fixação de pontuações intermédias, com cinco patamares de avaliação.
XXXII. Houve o cuidado de se densificar de forma completa o modo como o Júri devia balizar a sua avaliação em cada um dos subfactores.
XXXIII. A grelha de avaliação é densa o suficiente para permitir avaliar o detalhe, a coerência e o grau de completude das propostas, tendo por isso total aplicabilidade in casu o cumprimento do dever de fundamentação como melhor decorre do Acórdão Uniformizador do STA.
XXXIV. Foram fixados intervalos classificativos de valia próxima (4 pontos), evitando, assim, gap ou buracos” classificativos que pudessem originar uma discricionariedade acima do nível aceitável.
XXXV. A padronização das grelhas permite a correta perceção do racional seguido, o qual foi, sempre, o mesmo, no caso a avaliação do detalhe, completude e coerência da proposta, sempre aferida pela mesma bitola, tendo em conta os cinco patamares de avaliação.
XXXVI. O Júri promoveu a concatenação dos documentos exigidos no Programa do Procedimento com os fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação.
XXXVII. Não se descortina em que medida o Acórdão do TCA, sob recurso, contradiz a jurisprudência uniformizada do STA, bem como não se descortina em que medida o Tribunal a quo errou na qualificação jurídica da matéria de facto.
XXXVIII. O Artigo 29.°, ainda do Programa do Procedimento, com a epígrafe “Documentos da Proposta”, não faz qualquer referência à apresentação de catálogos, pelo que a sua apresentação foi puramente opcional, não tendo sido objeto de qualquer avaliação de mérito.
XXXIX. Se a falta de um dado documento não origina a exclusão da proposta (precisamente porque a entidade adjudicante nunca exigiu a sua apresentação), tão-pouco a sua apresentação em desconformidade com as formalidades previstas na lei ou nas peças do procedimento deve conduzir a tal exclusão.
XL. A ratio legis do Artigo 58.°, n.° 1 do CCP não se consubstancia na ideia de que a utilização de um mero documento, totalmente adicional ao conteúdo da proposta, viola necessariamente o preceituado naquela norma, que determina que os documentos da proposta devem ser redigidos obrigatoriamente em língua portuguesa.
XLI. A ratio Iegis daquela norma aponta, antes, no sentido de que todas as condições, termos, atributos ou elementos essenciais dos documentos da proposta sejam redigidos em português, para que o seu conteúdo não suscite quaisquer dúvidas aos interessados - a entidade adjudicante e os demais concorrentes no procedimento concursal (cfr, neste contexto, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves e Oliveira in, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011. pp. 594 e 595).
XLII. Acórdão do TCA Norte fez uma correta interpretação do Artigo 58.° do CCP pois este normativo visa a exclusão de propostas que não cumpram substancialmente com o requisito de redação dos documentos da proposta em português, inviabilizando, por essa forma, a sua completa e integral Inteligibilidade e compreensão (o que não é manifestamente o caso!).
XLIII. Penalizar a proposta da Contrainteressada pela eventual desconformidade de documentos que não eram de apresentação obrigatória seria claramente desproporcionado.
NESTES TERMOS, e nos mais de direito, do douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser:
a) Recusada a admissão do Recurso, na medida que não se mostram como cumpridos os requisitos que decorrem do Artigo 150.°, n.° 1 do CPTA;
b) Admitido o Recurso, ao mesmo deve ser negado provimento mantendo-se in totum o Acórdão do Tribunal a quo, assim se fazendo JUSTIÇA!”

A Contra-interessada, B…….., S.A, apresentou as suas contra-alegações que culminam nas seguintes conclusões:
1. Da inadmissibilidade da Revista
A - Nos termos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, as decisões proferidas em 2.° grau de jurisdição apenas são susceptíveis de recurso excepcional de revista, quando se verifique um dos seguintes requisitos: a) importância jurídica fundamental; b) importância social fundamental; c) clara necessidade de intervenção do STA com vista a uma melhor aplicação do direito.
B - A decisão recorrida, proferida pelo TCA Norte, negou provimento ao recurso jurisdicional instaurado pela ora Recorrente, confirmando a sentença do TAF de Braga, a qual julgou a acção totalmente improcedente.
C - Considera a Recorrente que o entendimento do TAF de Braga e do TCA Norte, quanto às exigências de fundamentação da avaliação das propostas, diverge frontalmente com a Jurisprudência fixada do STA e, nessa medida, pretende ver esclarecida a questão de saber o que há-de entender-se por uma “grelha classificativa suficientemente densa”, considerando que a utilização do que considera ser uma “grelha universal” não satisfará tais exigências de fundamentação.
D - Esta questão não se reveste de importância jurídica fundamental ou apresenta qualquer especial relevância social, na medida em que, foi já amplamente apreciada e discutida, quer pela nossa Doutrina, quer pela Jurisprudência, tendo, inclusive, sido alvo de pronúncia pelo STA no Acórdão n.° 2/2014, de 21 de Janeiro, no qual foi uniformizada Jurisprudência do seguinte modo: “A avaliação das propostas apresentadas em concurso tem-se por fundamentada através da valoração por elas obtida nos vários itens de uma <grelha classificativa suficientemente densa” — do que resulta, estar já a questão devidamente aplanada e estabilizada, razão pela qual, ainda que se considere ser suscetível de vir a repetir-se, nos mesmos termos e em situações semelhantes, sempre há-de entender-se existir já uma suficiente orientação para a resolução de futuros casos.
E - A questão em apreço também não evidencia qualquer erro manifesto ou de tal modo grave que exija a intervenção do STA com vista a melhor aplicação do Direito ou, como entende a Recorrente, para o ‘restabelecimento da certeza e paz jurídica e estabilização jurisprudencial” o que é evidenciado, desde logo, pela concordância das decisões do TAF de Braga e do TCA Norte.
F - A que acresce uma fundamentação jurídica que, não só é plausível mas, como adiante se verá, é a única objectivamente certa e, bem assim, está em perfeita consonância com o entendimento do STA plasmado no Acórdão uniformizador.
G - Por outro lado, considera ainda a Recorrente justificar-se a intervenção do STA para efeitos de fixação de um “critério reitor”, o qual, no seu entender, servirá de orientação para os casos de apresentação de documentas não exigidos pelo Programa do Procedimento em língua estrangeira, sem acompanhamento de tradução devidamente legalizada.
H - Acontece que, o aludido “critério reitor” está já plenamente consagrado, o que se conclui pela unanimidade e estabilidade jurisprudencial nesta matéria, razão pela qual, se há-de entender que, a verificarem-se futuros casos análogos, os mesmos encontram já sólida orientação.
I - Do exposto resulta, a nosso ver com bastante clareza, que a questão objecto do presente recurso (i) não se reveste de importância jurídica (ii) ou social fundamental, (iii) não carece da intervenção do STA com vista a uma melhor aplicação do direito.
J - Pelo que, atenta a falta de verificação dos pressupostos estatuídos no artigo 150.° do CPTA, não deve ser admitido o presente recurso excepcional de revista
Sem prescindir,
I -Do mérito do Recurso
K - Em todo o caso, e sem prescindir do exposto relativamente à inadmissibilidade da revista, entende ainda a Recorrida que o presente recurso não merece provimento, atenta a manifesta improcedência das alegações da Recorrente.
Senão vejamos:
L - Começa por alegar a ora Recorrente que, o TCA Norte incorreu em manifesto erro de julgamento quanto à apreciação da factualidade controvertida nos presentes autos e, bem assim, em erro de julgamento quanto à alegada suficiência da grelha classificativa constante do modelo de avaliação das propostas,
M - Desde logo, por reconhecer a insuficiência do modelo de avaliação das propostas no que respeita parametização da pontuação dos vários factores e subfactores em avaliação, na medida em que, no seu entender, o TCA Norte invoca como “elemento interpretativo” do modelo de avaliação os documentos exigidos pelo Programa do Procedimento.
N - Ora, o Júri do procedimento ao apreciar e valorar as propostas apresentadas, por referência a uma grelha de avaliação, previamente fixada — com a previsão de cinco itens valorativos, os quais indicam que o processo decisório passa pela avaliação do grau de descrição dos trabalhos a executar, dos documentos a produzir ou controle a efectuar para cumprimento das disposições constantes das peças do procedimento, bem como da sua coerência, detalhe e completude da referida descrição — e, posteriormente, ao fazer constar do Relatório as classificações apuradas, exprimiu, sem margem para dúvidas, a valia de cada uma das propostas, resultando evidente e manifesto encontrarem-se satisfeitas as exigências de fundamentação por ser susceptível de esclarecer qualquer destinatário dos motivos das pontuações atribuídas.
O - Ao que acresce, a circunstância de a entidade adjudicante, ao elaborar o Procedimento, ter estabelecido uma perfeita e absoluta correspondência/coerência entre os documentos da proposta e os atributos objecto de avaliação, ao definir os subfactores que densificam o critério de avaliação das propostas por exacta correspondência e em consonância com os documentos exigidos na Cláusula 29.ª do Programa do Procedimento, conferindo, dessa forma, uma maior segurança aos concorrentes, na medida em que saberiam que documentos continham os atributos da proposta alvo de avaliação no procedimento e, bem assim, uma maior transparência na relação entre os atributos das propostas e os documentos.
P - Face ao exposto, resulta evidente a manifesta e reiterada falta de compreensão, por parte da Recorrente, das peças do Procedimento, circunstância que, inquinando todo o seu raciocínio, a leva consecutivamente a pugnar pela insuficiência da metodologia da avaliação das propostas e, bem assim, pelo erro de julgamento das instâncias, fazendo uma errada subsunção do grau de densificação da grelha classificativa exigida pela Jurisprudência, presente no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA, n.° 2/2014, datado de 21 de Janeiro de 2014.
Q - Por outro lado, não assiste razão à Recorrente quando considera ter o TCA Norte incorrido em erro na qualificação dos factos, no que respeita à apresentação na proposta da Contra-Interessada de documentos redigidos em língua inglesa, desacompanhados de tradução para português, na medida em que, tratando-se de documentos de apresentação facultativa (artigo 57.°, n.° 3 do CCP) estarão sujeitos ao regime previsto no n.° 3 do artigo 58.° do CC do qual resulta poderem tais documentos ser redigidos em língua estrangeira, salvo se o programa dispuser diferentemente — o que não sucede in casu.
R. - Do que resulta não existir razão à Recorrente ao considerar que o Tribunal a quo errou clamorosamente na qualificação dos factos e, nessa medida, incorreu em erro de julgamento, não se vislumbrando como poderia o TCA Norte ter decidido em sentido diferente.
Nestes termos, e nos mais de Direito, sempre com mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser considerado improcedente, por falta de fundamento, devendo, em consequência, ser mantido o acórdão recorrido, e não admitida a revista, Assim se fazendo JUSTIÇA”

Na formação preliminar, a que se refere o art. 150º, nº 5 do CPTA, foi admitida a revista por acórdão de 26 de Abril de 2018.

A Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, de fls 756 a 759 no sentido de que seja negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

2. Os Factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1 - Por anúncio publicado no Diário da República, nº 206, 2. Série, de 26 de Outubro de 2016, a Santa Casa da Misericórdia de …………, abriu o concurso limitado por prévia qualificação nº 6791/2016 para “Empreitada de Requalificação do Lar …………”;
2 - O Concurso referido em 1) tem como peças do procedimento o Caderno de Encargos e o Programa do Concurso, os quais se dão aqui por inteiramente reproduzidos.
3 - Foram admitidas para apresentação das propostas para execução da empreitada “A………., S.A.” e “B……….., S.A.”, cujas propostas se dão aqui por inteiramente reproduzidas.
4 - Em 21 de Fevereiro de 2017, o Júri do concurso emitiu Relatório Preliminar, onde propôs “...a adjudicação à empresa B…………, S.A. (...) .“, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido.
5 - Foram as concorrentes notificadas para, no prazo de cinco dias úteis, se pronunciarem, por escrito, para efeitos de audiência prévia.
6 - Pronunciou-se a concorrente/Autora, pedindo que “...o Júri proceda à explicitação, precisa e rigorosa, das razões de facto e de direito que determinaram as classificações quantitativas atribuídas àquelas propostas nos vários subfactores em que se densifica o critério de adjudicação (...)“.
7 - Em 13 de Março de 2017, o júri emitiu Relatório Final e propôs a adjudicação à concorrente B……………, S.A., o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido.
8 - Em 14 de Março de 2017, a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de …………, mediante Deliberação, aprovou o relatório final apresentado pelo júri do concurso e adjudicou à sociedade B…………., S.A. a empreitada de requalificação do Lar ………… da Santa Casa da Misericórdia de …………, pelo preço de €1.630.470,41, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida.
9 - O Contrato de Empreitada foi celebrado em 24 de Abril de 2017.


3. O Direito
Vem interposto recurso do acórdão do TCA Norte de 2 de Fevereiro de 2018 que negou provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Braga que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual, na qual a Autora, aqui Recorrente, impugna a Deliberação, datada de 14 de Março de 2017, proferida pela Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de …………, que adjudicou à sociedade B…………., S.A. a empreitada de requalificação do Lar ………… da Santa Casa da Misericórdia de …………, no âmbito de concurso limitado por prévia qualificação.
Alega a Recorrente que o acórdão recorrido padece de erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo incorrido em violação dos artigos 139º, 146º, nº 1 e 148º (aplicáveis ex vi art. 162º) e 70º, nº 1, todos do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), bem como dos artigos 151º, nº 1, alínea d), 152º e 153º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Alega igualmente que a decisão recorrida padece de erro de julgamento quando entende não ocorrer violação de lei no que toca à apresentação, na proposta da Contra Interessada, de documentos redigidos em língua estrangeira sem que esteja acompanhados de tradução legalizada, por ofensa do disposto no art. 58º do CCP e do artigo 14º do programa do procedimento, sendo que as determinações do programa do procedimento a esse respeito são imperativas sempre que essa peça expressamente estabeleça a obrigação da apresentação de tradução para a língua portuguesa.

Vejamos os pertinentes preceitos do Código dos Contratos Públicos (CCP), do procedimento concursal e do Código do Procedimento Administrativo (CPA):
A acção de contencioso pré-contratual dos autos respeita a um concurso, tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, no qual a Autora, ora Recorrente ficou posicionada em 2º lugar.
Trata-se de um Concurso Limitado por Prévia Qualificação, nos termos do disposto no art. 162º do CCP, tendo por objecto a contratação de trabalhos de empreitada, nos termos do art. 1º do Programa do Procedimento (cfr. respectivo art. 2º).

Prescreve o art. 162º, nº 1 do CCP que o concurso por prévia qualificação se rege, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos seguintes.
O art. 70º, nº 1 do CCP prevê que: “As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições”.
O art. 74º prevê quais os critérios de adjudicação, sendo o escolhido no caso presente “o da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante” - alínea a) do nº 1 do art. 70º e 26º do programa do procedimento, dispondo este último que [tal critério], “(…) terá como base o modelo de avaliação definido no Anexo III do presente Programa do Procedimento”.
O art. 139º do CCP, sob a epígrafe Modelo de avaliação das propostas, dispõe o seguinte:
“1 – No caso de o critério de adjudicação adoptado ser o da proposta economicamente mais vantajosa, o modelo de avaliação das propostas deve ser elaborado de acordo com o disposto nos n.ºs 2 a 4.
2 – A pontuação global de cada proposta, expressa numericamente, corresponde ao resultado da soma das pontuações parciais obtidas em cada factor ou subfactor elementar, multiplicadas pelos valores dos respectivos coeficientes de ponderação.
3 – Para cada factor ou subfactor elementar deve ser definida uma escala de pontuação através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos susceptíveis de serem propostos para o aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos.
4 – Na elaboração do modelo de avaliação das propostas não podem ser utilizados quaisquer dados que dependam, directa ou indirectamente, dos atributos das propostas a apresentar, com excepção dos da proposta a avaliar.
(…)”.
Os artigos 146º, nº 1 e 148º, nº 1 do CCP respeitam, respectivamente, ao relatório preliminar (destinado à proposta de ordenação das propostas ou à sua exclusão nos termos do nº 2) e relatório final do júri (mantendo ou alterando o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda propor a exclusão de qualquer proposta) os quais devem ser fundamentados.
Por sua vez, o art. 58º, nº 1 do CCP, prescreve que “os documentos que constituem a proposta são obrigatoriamente redigidos em língua portuguesa”.
Dispondo os nºs 2 e 3 do mesmo preceito sobre a admissibilidade de alguns documentos, em função da especificidade técnica das prestações objecto do contrato a celebrar, e referidos nas alíneas b) e c) do nº 1 do art. 57º serem redigidos em língua estrangeira, indicando os idiomas admitidos, podendo os indicados no nº 3 do referido art. 57º ser igualmente redigido em língua estrangeira, salvo se o programa do procedimento dispuser diferentemente.

Dispõe, por sua vez, o art. 31º, nº 2 do Programa do Procedimento que, “Os documentos que instruem a proposta devem ser redigidos em língua portuguesa ou, não o sendo, devem ser acompanhados de tradução devidamente legalizada e em relação à qual o concorrente declara aceitar a prevalência, para todos os efeitos, sobre os respectivos originais.
O art. 29º do Programa do Procedimento dispõe no seu nº 1 que “A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo V do presente Programa do Procedimento, do qual faz parte integrante;
b) Declaração com indicação do preço contratual, elaborada de acordo com o Anexo VII do Programa do Procedimento;
c) Lista de Preços unitários (considera-se cumprido este requisito com a apresentação da lista disponibilizada na plataforma) acompanhada do respetivo ficheiro informático com a extensão”*.xls” devidamente preenchido e permitindo a sua utilização sem restrições de cálculo;
c) Nota justificativa do preço proposto pelo concorrente;
d) Plano de Trabalhos incluindo:
e1) Diagramas do Faseamento da Obra que deverá ser detalhado , tendo como escala de tempo a semana e sob a forma de Diagrama de Barras (Diagrama de GANTT). Este Plano deverá conter:
i) Data de início, final, e duração, em dias de calendário, de cada atividade;
ii) Indicação das precedências das atividades, com a colocação de uma coluna de Plano de Trabalhos, contendo a designação das respetivas precedências;
iii) Memória descritiva do Plano de trabalhos onde fique explanada a metodologia de trabalho proposta pelo concorrente, rendimentos da Mão-de-obra e equipamentos empregues e abordagem da sequência de atividades por forma a cumprir o prazo proposto.
e2) Plano de Mão-de-Obra a utilizar, contendo:
i) Distribuição no tempo da mão-de-obra necessária para cada Atividade especificada no Plano de Trabalhos;
ii) Indicação da quantidade de horas semanais x homem previstas por cada categoria profissional a empregar na obra.
e3) Plano de Equipamentos a utilizar que deverá ter distribuído no tempo os Equipamentos necessários para cada atividade especificada no Plano de Trabalhos;
e4) Plano de Pagamentos e Cronograma Financeiro que deverá conter a previsão, quantificada e escalonada no tempo, do valor dos trabalhos a realizar pelo Empreiteiro, na periodicidade definida para o pagamento a efetuar pelo dono da obra, de acordo com o plano de trabalhos a que diga respeito.
e) Memória Descritiva e Justificativa do modo de execução da obra, indicando a organização para a execução dos trabalhos previstos, bem como a descrição dos métodos construtivos a aplicar e os aspetos técnicos ligados aos trabalhos demolições e de restauro ou outros que sejam considerados essenciais à execução da empreitada. Nesta memória, o Concorrente especificará os aspetos técnicos que considere essenciais na sua proposta e cuja rejeição implicaria a sua ineficácia;
f) Memória Descritiva sobre a implementação em obra do Sistema de Gestão de Segurança e compilação Técnica a implementar na execução da empreitada, o qual deverá estar elaborado tendo como base o sistema de gestão descrito no PSS da fase projeto.
g) Memória Descritiva sobre a implementação em obra do Sistema de Acompanhamento Ambiental para a obra, com particular destaque para os trabalhos de demolições e destino final a dar aos produtos da demolição.
i) Condições de pagamentos propostas;
(…)”.
O Anexo III do Programa do Procedimento (a que se refere o art. 26º do Programa do Procedimento acima transcrito) define no seu nº 1 que:
A adjudicação será feita à proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante conforme a alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º do Código dos Contratos Públicos, e terá como base as seguintes variáveis de apreciação e respetivas ponderações:
i. Garantia de Boa Execução (GBE): 36%
ii. Valia Técnica da Proposta (VTP): 34%
iii. Preço Global (PG): 30%.
2 A avaliação final de cada proposta, de acordo com a metodologia referida em 1, resultará do somatório das pontuações obtidas nesses fatores, de acordo com a seguinte fórmula:
(…)
Sendo que:
a) O valor GBE, será avaliado nos seguintes subfactores que densificam o critério de avaliação:
i. Plano de Trabalhos (PT) - 30%
ii. Memória do Plano de Trabalhos (MPT) - 20%
iii. Plano de mão-de-obra afeta (PMO) - 20%
iv. Plano de equipamento afeto (PEQ) - 20%
v. Cronograma Financeiro (CF) -10%,
pela aplicação da seguinte fórmula:
(…)
b) O valor VTP, será avaliado nos seguintes subfactores que densificam o critério de avaliação:
i. Memória Descritiva da forma de execução da obra (MDE) - 50%
ii. Sistema de Gestão e Controlo de Qualidade (SGCQ) - 10%
iii. Sistemas de Gestão de Segurança (SGS) -20%
iv. Sistema de Acompanhamento Ambiental (SAA) - 20%
pela aplicação da seguinte fórmula:
(…)
Antes da aplicação desta fórmula será verificada a lista de preços unitários de cada concorrente e retificado o respetivo custo final quando se verificarem erros.
Estabelece-se igualmente que cada um dos subfactores, quer do factor Garantia de Boa Execução quer do factor Valia Técnica da Proposta, é avaliado numa escala de zero a vinte, de acordo com o conteúdo objecto de avaliação, associada a uma grelha face ao nível do detalhe e coerência da informação que resulta dos documentos instrutores da proposta.
A grelha de avaliação está estruturada em cinco patamares: Descrição muito detalhada, completa e coerente (16 a 20 pontos); Descrição detalhada e com coerência dos trabalhos a executar (12 a 15 pontos); Descrição suficiente e com coerência dos trabalhos a executar (8 a 11 pontos); Descrição muito sucinta ou pouco detalhada dos trabalhos a executar (4 a 7 pontos) e Descrição Insuficiente dos trabalhos a executar (0 a 3 pontos).

Por fim, o art. 151º, nº 1, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) determina que uma das menções que deve constar do acto administrativo é “a fundamentação quando exigível”.
O art. 152º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma, obriga a que os actos administrativos que, total ou parcialmente, neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, devem ser fundamentados
Preceituando o art. 153º o seguinte:
1 – A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
2 – Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
3 – (…)”.

Alega a recorrente que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento tendo incorrido em violação dos artigos 139º, 146º, nº 1 e 148º (aplicáveis ex vi art. 162º) e 70º, nº 1, todos do CCP, bem como dos artigos 151º, nº 1, alínea d), 152º e 153º do CPA, considerando que no dito acórdão “implicitamente reconhece-se a insuficiência do modelo de avaliação no que toca à parametrização da pontuação dos vários subfactores em avaliação; e tanto é assim que nela se invoca, como putativo “elemento interpretativo” do modelo de avaliação, os documentos exigidos no programa do procedimento como referência “fundamentadora” do alegado conhecimento, pelos concorrentes, dos atributos em avaliação”. Conclui que “…enferma de erro de julgamento a apreciação do mesmo Tribunal quanto à suficiência da grelha classificativa”.

O acórdão recorrido expendeu, nomeadamente, o seguinte:
Como se refere, e bem, na decisão recorrida: Assim, constata-se que para avaliação dos subfactores que densificam o critério de adjudicação, o Júri, in concreto, socorreu-se de uma grelha de avaliação das propostas com a previsão de cinco itens valorativos, os quais indicam que o processo decisório passa pela avaliação do grau de descrição dos trabalhos a efetuar para cumprimento do Programa do Procedimento e do Caderno de Encargos, bem como da coerência, detalhe e completude desta mesma discrição. Desta forma, a utilização desta grelha, com cinco patamares de avaliação devidamente concretizados na mesma, seguida das operações aritméticas que permitiram ao Júri quantificar as propostas da Autora e da Contra-interessada em cada subfactor expressamente referido e que, consequentemente, permitiram a graduação destas no procedimento concursal, exprime e comunica a valia de cada uma das propostas, bem como o motivo da classificação atribuída pelo Júri a cada uma delas, ou seja, permite esta grelha que as concorrentes saibam qual o grau de descrição que foi atribuído à sua proposta e avaliação da mesma.
Mais referindo “…que o invocado pela Recorrente não traduz de forma cabal o modelo de avaliação definido nas peças do procedimento, mormente no Programa do Procedimento, já que descura aspectos atinentes aos atributos das propostas, designadamente a densificação feita em tal Programa do Procedimento relativamente ao conteúdo dos documentos que deveriam conter os atributos, e que correspondiam expressamente aos subfactores de avaliação fixados no Programa do Procedimento.
E quanto à alegação da recorrente sobre a não existência de “parâmetros diferenciadores, expressamente especificados para cada um dos subfactores consoante o atributo da proposta a que cada um se reporta”, considera o seguinte:
…, quanto a este segmento, há que ter presente a circunstância de a ora Recorrida ter fixado os critérios de avaliação das propostas definindo os respectivos subfactores densificadores do exercício avaliativo, por correspondência com os documentos exigidos no Programa do Procedimento, tendo, para cada um desses documentos, definido, de forma detalhada, os elementos que os mesmos deviam contemplar. Pelo que, havendo correspondência – entre o que estava sujeito à concorrência e os documentos a apresentar – os concorrentes sabiam exactamente os atributos da proposta que estariam em avaliação.
Tal leva a concluir que não existe violação das normas legais invocadas pela Recorrente…”.

Diremos, desde já, que não assiste razão à Recorrente na censura que faz ao acórdão recorrido.
Quanto à violação dos preceitos indicados pela recorrente, supra mencionados, reconduz-se ao vício de falta de fundamentação em que teria incorrido o acto impugnado, vício que o acórdão recorrido não considerou verificado.
Com efeito, o único vício que se poderia vislumbrar com a violação dos preceitos acima indicados seria o vício de forma por falta (ou insuficiência) de fundamentação, não concretizando a recorrente qualquer outro fundamento para se considerar que os preceitos dos arts. 139º, 146º, nº 1 e 148º (aplicáveis ex vi art. 162º) e 70º, nº 1, todos do CCP, foram violados. Tanto mais que é certo que a invocação que se faz dos artigos 151º, nº 1, alínea d), 152º e 153º do CPA, inculca a ideia de que estamos apenas, segundo a recorrente, perante uma falta de fundamentação.
Ora, a fundamentação dos actos administrativos traduz a exigência de dar a conhecer as razões ou motivos da decisão administrativa, visando habilitar o destinatário a reagir de forma eficaz contra o acto lesivo.
«Um acto estará, assim, devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da mesma, e optar conscientemente entre a aceitação do acto e o accionamento dos meios legais de impugnação» (cfr. acórdão deste STA de 03.04.2003, proc. nº 01126/02, e acórdão do Pleno de 16.03.2001, rec. 40618, naquele indicado).
No caso dos autos estaria em causa, segundo a recorrente, a insuficiência do modelo de avaliação das propostas no que concerne à parametrização da pontuação dos vários subfactores em avaliação, por entender que o acórdão recorrido invocou como “elemento interpretativo” do modelo de avaliação, os documentos exigidos no Programa do Procedimento.
Mas da análise do modelo de avaliação das propostas constantes do Anexo III do Programa do Procedimento, resulta que a entidade adjudicante fixou os atributos das propostas no critério de avaliação através dos seguintes factores: i. Garantia de Boa Execução (GBE); ii. Valia Técnica da Proposta (VTP) e iii. Preço Global (PG).
Para o factor GBE definiu uma avaliação em cinco subfactores: Plano de trabalhos (30%), Memória do Plano de trabalhos (20%), Plano de mão-de-obra afeta (20%), Plano de equipamento afeto (20%) e Cronograma Financeiro (10%).
Para o factor VTP a avaliação fez-se mediante quatro subfactores: Memória Descritiva da forma de execução da obra (50%), Sistema de Gestão e Controlo de Qualidade (10%), Sistemas de Gestão de Segurança (20%) e Sistema de Acompanhamento Ambiental (20%).
Cada um dos subfactores, quer do factor GBE quer do factor VTP, tinha associada uma grelha a aplicar ao nível do detalhe e coerência da informação que resultava dos documentos instrutores das propostas.
Esta grelha de avaliação estava dividida em cinco graus: Descrição muito detalhada, completa e coerente - 16 a 20 pontos; Descrição detalhada e com coerência dos trabalhos a executar - 12 a 15 pontos; Descrição suficiente e com coerência dos trabalhos a executar - 8 a 11 pontos; Descrição muito sucinta ou pouco detalhada dos trabalhos a executar - 4 a 7 pontos e Descrição Insuficiente dos trabalhos a executar - 0 a 3 pontos.
Isto é, conforme refere a Recorrida, quanto aos dois factores que envolviam um maior grau de subjectividade na análise, foram subdivididos em subfactores (no caso, cinco e quatro, respectivamente, cada um deles com a definição da percentagem com a qual contribuíam para a avaliação) e para cada um desses subfactores foi fixada uma grelha com cinco níveis de avaliação.
O que significa que a entidade adjudicante expressou quais os elementos que cada um dos subfactores deveria integrar, sem que se suscitem dúvidas relativamente ao preenchimento de cada um dos subfactores e a percentagem com que eram valorizados, estabelecendo uma correspondência e coerência entre os documentos da proposta exigidos pelo Programa do Procedimento e os atributos submetidos a avaliação.

Por outro lado, defende a Recorrente que a utilização da mesma grelha para todos os subfactores de avaliação manifestamente impede que da mesma se extraiam os parâmetros diferenciadores, para cada um dos subfactores, da avaliação das propostas.
Não se vislumbra porque motivo a utilização da mesma grelha impede que se extraiam os parâmetros diferenciadores para cada um dos subfactores.
Com efeito, estabelecido que cada um dos subfactores, dos factores GBE e VTP, era avaliado numa escala de zero a vinte, de acordo com o conteúdo objecto de avaliação e, face ao nível do detalhe e coerência da informação que resultava dos documentos instrutores da proposta, os termos da grelha permitem estabelecer (quantificando), graduar e dar a conhecer a valia das propostas, ou seja, permite que as concorrentes saibam qual o grau de descrição que foi atribuído à respectiva proposta e a avaliação da mesma, como consideraram as instâncias.

Defende, igualmente, a Recorrente que esta decisão, não acompanha a Jurisprudência Uniforme estabelecida no Acórdão 2/2014, de 21-02-2014, considerando que deste aresto se extrai uma conclusão inversa à do acórdão recorrido.
Também aqui sem qualquer razão.
O acórdão de uniformização deste Supremo Tribunal referido, foi proferido em 21.01.2014, no proc. 01790/13, e, na análise a que procedeu com vista a determinar se existia oposição entre o acórdão aí recorrido e o acórdão fundamento refere, entre o mais, o seguinte:
«(…). Já dissemos que o acórdão recorrido decidiu que a classificação final das propostas apresentadas no concurso dos autos não estava fundamentada. E importa agora acrescentar que esse juízo arrancou da ideia de que a fundamentação não podia cingir-se à mera pontuação obtida pelas propostas nos diversos factores e subfactores constantes da grelha classificativa previamente estabelecida; pois impor-se-ia um esclarecimento factual complementar, que expusesse os raciocínios que integraram as propostas em cada item, de modo a explicar a ponderação que elas receberam. Note-se ainda que esta posição do acórdão recorrido, que repete a da sentença, não se baseou no pressuposto de que os itens daquela grelha, por uma insuficiente densidade discriminativa, seriam «ab origine» inaptos para explicar as pontuações e as classificações globais. Esta não foi, com efeito, a perspectiva das instâncias, que simplesmente confluíram na exigência de que, às diversas operações de subsunção de cada proposta nos vários constituintes da grelha classificativa – cuja bondade a autora não questionara – haveria de seguir-se um discurso que as explicasse e justificasse.
O acórdão fundamento, por seu turno, considerou que, nos procedimentos concursais, «considera-se satisfeito o dever de fundamentação da classificação operada desde que se mostrem vertidas na grelha classificativa previamente elaborada pelo júri as valorações atribuídas a cada “item”, e que, posteriormente, seja consignada em acta a pontuação atribuída, sem necessidade de se justificar aquela pontuação, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação». Decerto que esta posição inclui o pressuposto oculto de que os «elementos, factores parâmetros ou critérios com base nos quais o órgão decisor procedeu à ponderação» apresentam uma minúcia reticular que, para além do fim avaliativo, sirva ainda, e acessoriamente, como meio de esclarecimento das avaliações efectuadas».
E tendo dado por assente que os acórdãos estavam, efectivamente, em oposição, na determinação de saber se o acórdão recorrido julgara bem a questão fundamental de direito, ou se o assunto deveria ser resolvido de outra maneira – fosse a do acórdão fundamento ou uma terceira via, escreveu-se o seguinte:
«Seguiríamos um terceiro modo de enfrentar o vício de forma se devêssemos concluir que a grelha classificativa do concurso continha insuficiências originárias que comprometiam um cabal esclarecimento, «in fine», das classificações atribuídas às propostas; ou que o art. 148º do CCP formulava exigências de fundamentação que excediam os normais deveres do género, previsto no CPA. Mas nenhum destes pontos se verifica. Quanto ao primeiro, e para além da petição não ter encarado o vício de forma sob esse prisma, o que é logo decisivo, nada há. Na factualidade provada, que sugira um tal desvalor na grelha classificativa adoptada no concurso. Quanto ao segundo, não vemos que o art. 148º do CCP – ao impor que o júri elabore «um relatório final fundamentado» - haja introduzido quaisquer exigências especiais de fundamentação; sendo assim, o parâmetro desse dever de fundamentar continua a ser o que genericamente consta do CPA, já que a norma não aponta outro nem se vê a necessidade dele.
Tudo indica, pois, que a resolução da «quaestio juris» em apreço há-de seguir um dos dois arestos. E antecipamos já que a pronúncia preferível é a do Acórdão fundamento.
O dever de fundamentar os actos administrativos cumpre funções múltiplas, em que sobressaem, para além do acréscimo da imparcialidade e da transparência, o esclarecimento («auto» e «hetero») do processo decisório e do seu resultado. Ora, a ponderação das propostas apresentadas num concurso mediante a referência delas aos itens de uma grelha classificativa suficientemente densa, a que se sigam as operações aritméticas que quantifiquem as propostas e permitam a sua graduação recíproca, exprime e comunica logo a valia de cada uma delas – seja sob os aspectos parcelares por que foram apreciadas, seja globalmente – bem como os motivos da classificação que obtiveram. Por isso a jurisprudência habitual do STA – onde se filia o acórdão fundamento – vem dizendo que essas operações de subsunção das propostas aos vários critérios, factores ou itens da referida grelha explicam, «per se», a ponderação que lhes foi atribuída no concurso, sem necessidade de um discurso complementar que, no fundo, redundaria numa fundamentação do já fundamentado. São exemplos dessa linha decisória os acórdãos do Pleno do STA de 31/3/1998 e de 13/3/2003, proferidos, respectivamente, nos recs. ns.º 30.500 e 34.396; linha que persiste neste Supremo, como mostra o aresto, mais recente, de 26/4/2006, tirado no proc. n.º 2083/03 e que aplica a ideia de que o dever de fundamentação pode cumprir-se através do preenchimento de grelhas ou fichas previamente elaboradas.
E nada justifica que rompamos com essa jurisprudência, que integralmente satisfaz as funções que a fundamentação prossegue, designadamente a de esclarecer qualquer destinatário dos motivos das pontuações atribuídas às propostas.»
Conforme se vê do que acabou de transcrever-se o acórdão do Pleno uniformizador de jurisprudência tem cabal aplicação ao caso sub judice, conforme entenderam as instâncias e é igualmente nosso entendimento.
Assim, por todo o exposto, consideramos que as grelhas utilizadas, nos termos em que o foram satisfazem o dever de fundamentação exigido, não padecendo o acórdão recorrido dos erros de julgamento que a Recorrente lhe assaca.

Alega ainda a Recorrente que o Tribunal a quo terá incorrido em erro de julgamento na medida em que verificando-se a por si alegada violação do art. 58º do CCP e do art. 31º do Programa do Procedimento, por a contra-interessada ter juntado vários catálogos e fichas técnicas de materiais e equipamentos em língua estrangeira desacompanhados de tradução devidamente legalizada, deveria, como peticionado pela aqui Recorrente, dar lugar à exclusão da proposta apresentada pela contra-interessada, nos termos do art. 146º, nº 2, al. e) do CCP.
Também aqui não tem razão.
Com efeito, e tal como bem refere o acórdão recorrido, a exigência de apresentação dos documentos em língua portuguesa, contemplada no art. 14º do Programa do procedimento, destina-se apenas aos documentos exigidos e, portanto, obrigatórios, da proposta.
Ora, os documentos aqui em causa não integram o acervo de documentos exigidos, visto não serem documentos caracterizadores dos atributos da proposta ou os referentes a termos ou condições não sujeitas à concorrência, exigidos pelo procedimento.
Os documentos aqui em causa não fazem parte destas duas categorias, sendo, como tal, documentos adicionais que podiam não ter sido juntos.
Ora, ao não poderem ser relevados, é indiferente se eles cumprem ou não as normas concursais quanto à língua em que estão redigidos.
Assim, a apresentação destes documentos, não viola o disposto no art. 58º, nº 1 do CCP e nos arts. 14º, nº 2 e 31º do Programa do Procedimento, não podendo dar lugar à exclusão da proposta da contra-interessada, nos termos do art. 146º, nº 2, al. e) do CCP, conforme bem entendeu o acórdão recorrido, que não incorreu em erro de julgamento nesta matéria.
Improcedem, consequentemente, ou são irrelevantes, todas as conclusões do recurso.
Nestes termos, improcede o recurso interposto, sendo de confirmar o acórdão recorrido.

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 5 de Julho de 2018. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.