Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0503/19.3BELRS
Data do Acordão:06/08/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ERRO IMPUTÁVEL À ADMINISTRAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I - O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária.
II - A anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito da liquidação, pelo que, ao abrigo do citado artigo 43.º da LGT não assiste ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios.
III – A conclusão exarada no ponto II não afasta o direito do contribuinte, ao abrigo, conjugadamente, do preceituado no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa e na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, requerer, no processo próprio, a indemnização a que se julgue com direito.
Nº Convencional:JSTA000P29516
Nº do Documento:SA2202206080503/19
Data de Entrada:03/21/2022
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão

1. RELATÓRIO

1.1. O Tribunal Tributário de Lisboa julgou extinta por inutilidade superveniente da lide a Impugnação Judicial deduzida por “A…………, SA” (doravante Recorrida) e condenou a Autoridade Tributária (doravante Recorrente) a pagar àquela primeira juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do tributo até integral e efectiva restituição.

1.2. Inconformada com este julgamento, recorre a Autoridade Tributária e Aduaneira, sumariando as razões em que alicerça a pretensão de revogação do julgado nos seguintes termos:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão proferida nos autos, na parte em que julgou procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios;

B. Conforme resulta da douta sentença recorrida, entendeu a Meritíssima Juiz a quo, a este propósito que “o ato tributário impugnado foi revogado por a notificação da liquidação ter ocorrido após o prazo de caducidade do direito à liquidação.

Pelo que, houve uma errada aplicação do direito, ao ato de liquidação impugnado, ora anulado. E, é à Autoridade Tributária que é imputável esse erro como, expressamente previsto no artigo 43.º, n.º 2 da LGT.”;

C. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto entende existir erro de julgamento de direito, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 1 e 2 da LGT;

D. Conforme resulta do disposto no n.º 1 do citado artigo 43.ºda LGT, os requisitos do direito a juros indemnizatórios são os seguintes:

e) Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;

f) Que o erro seja imputável aos serviços;

g) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

h) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

E. Como refere JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2011, 6.ª edição, I Vol., pág. 531,“A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros indemnizatórios, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.”

F. Traduz jurisprudência consolidada, da Secção de Contencioso Tributário do STA, que, quando o ato de liquidação impugnado é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, para atribuir juros indemnizatórios ao Impugnante;

G. Outrossim, nos casos em que a anulação da liquidação impugnada tenha por fundamento, único, a caducidade do direito de liquidar, por falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, não existe apoio, conferido pelo artigo 43.º LGT, para condenação no pagamento desse tipo de juros.

H. Neste sentido vejam-se, entre outros, os acórdãos de 30.05.2012 e de 12.02.2015, rec. 0410/12 e rec. 01610/13, deste Colendo Tribunal Superior, em cujos sumários se pode ler o seguinte:

I - O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.

II - A anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art. 43.º da LGT.”

I. Revertendo ao caso dos autos, em sintonia com esta corrente jurisprudencial, uma vez que a causa, exclusiva, de anulação da liquidação impugnada residiu, em suma, na sua notificação, ao contribuinte, dia 02.01.2017 e não até à data limite de 31.12.2016, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, pelo que, ao não ter decidido desta forma incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 43.º da LGT.

1.3. A A…………, SA, notificada da interposição do recurso não contra-alegou.

1.4. A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso, invocando, nuclearmente, a recente jurisprudência consolidada pelo Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.5. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, a única questão que importa dirimir é a de saber se, tendo um acto de liquidação sido revogado pela Autoridade Tributária na pendência da Impugnação Judicial instaura tendo em vista a sua anulação, por ter sido notificado ao contribuinte após o prazo de caducidade, deve ou não ser reconhecido ao sujeito passivo o direito a uma indemnização nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

O Tribunal Tribuário de Lisboa deu como provados os seguintes factos:

A) A Impugnante foi notificada da liquidação de IMI, com data de 02-12-2016, documento n.º 2015 653104103, relativa ao ano de 2012, na importância a pagar de € 37 513,99 – cfr. documento 2 da petição de impugnação;

B) Em 18-03-2019, foi apresentada a petição dos presentes autos de impugnação, na qual é pedida a anulação da liquidação referida em A – cfr. petição inicial no Sitaf;

C) Por despacho da Exma. Chefe de Divisão, da Direção de Finanças de Lisboa, Divisão de Justiça Contenciosa datado de 17-02-2021, foi revogado o ato de liquidação referido em A.A presente revogação resulta de que a notificação da liquidação só ocorreu em 02.01.2017, pelo que se verifica que já havia sido ultrapassado o prazo de caducidade do direito à liquidação, que ocorreu em 31.12.2016.”- cfr. documento 1 junto com a contestação.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. A ora Recorrida deduziu Impugnação Judicial contra a liquidação de IMI que lhe foi efectuada a 2-12-2016, com referência ao ano de 2012, invocando erro sobre os pressupostos de facto, falta de fundamentação quanto à determinação da base de incidência do acto tributário e caducidade do direito à liquidação.

3.2.2. Após revogação do acto impugnado pela Recorrente na pendência da Impugnação Judicial e extinta a instância quanto ao pedido de anulação, debruçou-se o Tribunal a quo sobre o pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Recorrida, julgando-o procedente com fundamento em que na base da revogação estava um erro sobre os pressupostos de direito.

3.2.3. É, esta, pois, a única questão trazida por força da interposição do recurso a esta conferência e a que, desde já o adiantamos, damos resposta oposta à proferida pela Meritíssima Juiz a quo.

3.2.4. A questão suscitada no âmbito do presente recurso vem sendo há anos objecto de análise e decisão na Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, pelo menos desde 30-5-2012, data em que foi julgado o processo n.º 410/12, em que ficou expresso o seguinte:

«Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT.

Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.

Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».

Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT.

Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531.)

O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.

Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.

Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.

Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.

Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.

Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento de um vício de forma ou de incompetência, fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer.

Assim, compreende-se que a LGT, em sintonia com a doutrina tradicional, nos casos em que há uma anulação de um acto administrativo ou de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, casos em que há a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, atribua uma indemnização baseada em presunção de danos (no caso sob a forma de juros) e não faça idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação» (Idem, págs. 531/532.)

De acordo com a doutrina exposta, é jurisprudência consolidada nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que, quando o acto de liquidação objecto de impugnação é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no art. 43.º da LGT, para a atribuição de juros indemnizatórios ao impugnante (…)

(…) quanto à caducidade do direito à liquidação, que no caso sub judice foi declarada por o Impugnante não ter sido validamente notificado dentro do prazo que a lei fixa para a AT exercer o direito de liquidar o imposto, a questão não é líquida” como seria se estivéssemos “perante uma simples situação de falta de notificação (válida) da liquidação, caso em que seria inequívoco que tal vício, de natureza procedimental e exterior ao procedimento de liquidação, em nada contenderia com a relação jurídica material tributária e, por isso, seria insusceptível de conferir ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT. Na verdade, se a questão fosse de mera preterição de formalidade legal na comunicação do acto ao Contribuinte, sempre o vício poderia ser sanado mediante a repetição da notificação, com observância da forma legalmente exigida, pelo que nunca se justificaria a concessão do direito a juros indemnizatórios.

No caso, porém, a situação não é de simples falta de notificação da liquidação, mas é de caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal para o exercício desse direito (cfr. art. 45.º, n.º 1, da LGT); ou seja, do facto de a notificação não ter sido validamente efectuada dentro do prazo que a lei fixa para o efeito retirou-se como consequência a perda do direito de liquidar o tributo.

No entanto, se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (e nessa parte a sentença transitou em julgado), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.

Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto (Prescrição e caducidade têm em comum o facto de serem figuras jurídicas relacionadas com a aquisição ou perda de situações subjectivas pelo mero decurso do tempo: a primeira anda associada aos direitos ou situações jurídicas consolidadas, sendo o seu campo de eleição os direitos subjectivos a se; a segunda reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos. Em termos sintéticos, podemos dizer que a prescrição determina a extinção de um direito e a caducidade a impossibilidade de o exercitar num caso concreto (Cfr. A caducidade no Direito Administrativo: Breves considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2005, Coimbra Editora).). Significa isto que a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, se limitou a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

Ora, como resulta do que deixámos já dito, o direito aos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade do direito à liquidação.

Não significa isto que o Contribuinte, se entender estar lesado nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação o Contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 5. ao art. 61.º, pág. 532/533.)

Conclui-se, assim, que nos casos em que a anulação da liquidação impugnada tenha por fundamento a caducidade do direito de liquidar por falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT.».

3.2.5. Foi esta jurisprudência que, revisitada, voltou, recentemente, a ser firmada pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, nos acórdãos de 4 de Novembro de 2020 (processo n.º 37/19.BALSB) e de 23 de Junho de 2021 (processo n.º 480/12.1BESNT), que aqui se invoca como fundamento de improcedência do presente recurso jurisdicional, por força do preceituado no artigo 8.º do Código Civil.

3.2.6. As custas serão suportadas pela Recorrida, sem prejuízo da dispensa da taxa de justiça devida nesta instância recursiva por não ter contra-alegado (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT).

4. DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concedendo provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida na parte relativa à condenação em juros.

Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Junho de 2022 – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.