Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:065/18.9BEPRT
Data do Acordão:10/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
NULIDADE INSUPRÍVEL
DEFESA
COIMA
Sumário:I - Tendo sido efetuada uma descrição, ainda que de forma padronizada, mas em que são elencados o tipo de imposto a que se refere, o período temporal a que respeita, o valor da prestação tributária em falta e o termo do prazo para cumprimento, em associação com a norma infringida e com a punitiva, não ocorre nulidade insuprível previsto no art. 79.º n.º1, b), do R.G.I.T., por falta de “descrição sumária dos factos”.
II - Também não ocorre a nulidade insuprível prevista no art. 63.º n.º 1 d) ou c) do R.G.I.T. se, na decisão de aplicação da coima, apesar de não ter sido apreciado/ponderado a exclusão de ilicitude invocada na defesa, se procedeu à apreciação de outros elementos previstos na al. d) e da dispensa e atenuação especial da coima, também naquela invocada, tendo a exclusão sido assente na violação de princípios que são de ordem constitucional (art. 104.º n.º 2 e 266.º n.º 2 da C.R.P.), matéria que se insere na apreciação dos Tribunais, no quadro do art. 202.º da C.R.P..
Nº Convencional:JSTA000P25043
Nº do Documento:SA220191023065/18
Data de Entrada:03/28/2019
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: *
1. O magistrado do Ministério Público no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, inconformado com a sentença daquele tribunal que anulou a decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 5 no processo de contraordenação nº 31902017060000096859, que tinha aplicado a coima de € 4000,69 a A……….., S.A., por violação do art. 104.º n.º 1, do C.I.R.C., ordenando ainda a baixa dos autos ao dito Serviço de Finanças, para eventual sanação de nulidade e renovação do ato sancionatório, se nada à mesma obstasse, vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA).

Alegou, tendo apresentado conclusões que a seguir se reproduzem:

“1ª - Nos presentes autos, o Tribunal “a quo” entende que a decisão da autoridade tributária que aplicou a coima aqui impugnada não preenche os requisitos legais previstos no nº 1, al) b), do art.º 79º do RGIT, nomeadamente no que diz respeito à falta de descrição sumária dos factos.

2ª - O MP entende que o processo de contra-ordenação não padece de nulidade insuprível, pois a decisão de aplicação de coima observa os requisitos legais previstos nos artigos 27º e 79º do RGIT,

3ª - A decisão de aplicação de coima impugnada contém a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação em concreto da coima, como sejam a inexistência de actos de ocultação e de benefício económico para o agente, o carácter frequente da prática, o ter sido cometida por negligência simples, a situação económica e financeira do agente baixa e terem decorrido mais de seis meses desde a prática da infracção, que da mesma constam e que foram ponderados pelo decisor para fixação em concreto da coima aplicada.

– É nosso entendimento que aqueles elementos são suficientes para se poder concluir que a decisão condenatória preenche os requisitos legais previstos na al. c), do nº 1 art.º 79º do RGIT e que por esse motivo, não padece o processo de contra-ordenação da nulidade insuprível prevista na al. d), do nº 1, do art.º 63 do RGIT.

- A decisão de aplicação da coima contém pois todos os elementos legais exigidos, mas se estas exigências não foram levadas à perfeição, é elemento sem relevância jurídica, pois o essencial é que a decisão seja compreendida pela arguida, para o cabal exercício do direito à sua defesa, sendo que no caso concreto dos autos, tal exigência foi observada, o que se denota pela petição apresentada, o que nos permite concluir com maior facilidade que a decisão notificada foi cabalmente entendida.

- É este o entendimento dos conselheiros Jorge Sousa e Simas Santos, no seu RGIT anotado (4ª edição), na nota 1 ao art.º 79º, o seguinte e acórdãos do STA de 12/12/2006, proferido no P. 1045/06, e de 25/06/2015, proferido no P. 382/15, disponíveis em www.dgsi.pt.

7ª - E muito recentemente e apreciando a matéria dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, incluídos na decisão condenatória aplicada pela ATA, tendo por base um formulário pré-elaborado por sistemas informáticos, decidiu-se no acórdão do STA de 17/10/2018, proferido no recurso 588/18 e P. 1004/17.0BEPRT deste TAF do Porto, disponível em www.dgsi.pt que “o requisito da decisão administrativa de aplicação de coima” indicação dos elementos que contribuíram para a […] fixação” da coima [cf. art.º 79º, n.º 1, alínea c), do RGIT] deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima.”

8ª - A descrição sumária dos factos contém os elementos necessários, como o tipo de imposto, data dos factos e sua natureza bem como são indicadas as normas infringidas e punitivas

- Foram violados os artigos 79º nº 1 alínea b) e 63º – nº 1 – al. d) do RGIT.

Nestes termos, deverá ser admitido o presente recurso e julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida para que seja e substituída por outra que conheça do mérito da impugnação judicial da coima aplicada nestes autos pela ATA.”

Não foram apresentadas contra-alegações, nem pela arguida nem pelo representante da Fazenda Pública.

O magistrado do Ministério Público neste Tribunal acompanhou a posição manifestada nas conclusões do recurso acima transcritas.

2. Objeto do recurso:

Consideramos ser de conhecer das seguintes questões:

- Nulidade insuprível prevista no art. 63.º n.º 1, d), do R.G.I.T. por falta de “descrição sumária dos factos” na decisão de aplicação da coima, nos termos do art. 79.º n.º 1, b), do R.G.I.T.;

- Nulidade insuprível prevista no art. 63.º n.º 1 d) ou c) do R.G.I.T. por a decisão de aplicação da coima não ter sido apreciado/ponderado a exclusão de ilicitude invocada pela arguida na sua defesa.

Entendemos ser de conhecer desta questão, tal como foi formulada, mas sendo referida a alínea d) constante da fundamentação da sentença recorrida, bem como a alínea c) por ser esta a que ficou na parte decisória.

O recorrente invoca ainda quanto a esta última questão o disposto nos artigos 27.º e 79.º n.º 1, c), do R.G.I.T., defendendo encontrarem-se reunidos todos os elementos essenciais da decisão de aplicação da coima.

3. Fundamentação:

3.1. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:

A) Contra a Recorrente foi autuado o processo de contra-ordenação nº 31902017060000096859, tendo sido proferida a seguinte decisão de fixação da coima, que consta de fls. 52 e 53 dos autos (p.f.):

B) A Recorrente apresentou defesa no RCO supra, na qual invocou, designadamente, a exclusão de ilicitude por haver desproporção entre o pagamento por conta exigido e a matéria colectável do exercício anterior, cfr. teor de fls. 18 e ss. autos (p.f.).

C) O Chefe do SF de Porto 5 proferiu despacho sobre a defesa apresentada nos seguintes termos, cfr. fls. 50 e 51 do p.f.:

Nada mais se deu como provado.

3.2. Quanto à primeira questão, relativa a nulidade insuprível por falta de “descrição sumária dos factos”, inciso previsto no art. 79.º n.º1, b), do R.G.I.T., consideramos não ocorrer a mesma.

Com efeito, foi efetuada uma descrição, ainda que de forma padronizada, mas em que são elencados o tipo de imposto a que se refere, o período temporal a que respeita, o valor da prestação tributária em falta e o termo do prazo para cumprimento.

Tal, associado à menção das normas infringida e punitiva, permite a um destinatário normal aperceber-se da concreta imputação da contraordenação, o que satisfaz o referido desiderato legal, conforme a jurisprudência do S.T.A. vem afirmando – cfr., para além dos acórdãos citados pelo recorrente, os de 20-3-2019 e de 10-4-2019, proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 02226/16.6BEPRT e 0260/17.8BEAVR, acessíveis em www.dgsi.pt.

3.3. Quanto à 2.ª questão, diz respeito a nulidade insuprível por na decisão de aplicação da coima não se ter conhecido/ponderado a exclusão de ilicitude invocada pela arguida na defesa que apresentou.

Certo é que na dita decisão se conheceu, por concordância com informação prestada, da dispensa ou atenuação especial da coima que, para além da exclusão da ilicitude, tinha sido invocada.

Tendo a dita exclusão de ilicitude sido sustentada em factos relativos à redução do lucro tributário da arguida em 2015 e na violação dos princípios da tributação pelo lucro real e da proporcionalidade, não se vê que tenha ocorrido a invocada nulidade insanável em relação com o exercício do direito de defesa ou com a própria estrutura de decisão.

Com efeito, os “requisitos legais de aplicação da coima” são de reconduzir, no caso, ao previsto nos artigos 27.º e 79.º do R.G.I.T., tendo de ser referidos “os elementos que contribuíram para a sua fixação”.

Conforme o recorrente defende, a dita decisão refere a inexistência de atos de ocultação e de benefício económico para o agente, o carácter frequente da prática, o ter sido cometida por negligência simples, a situação económica e financeira do agente ser baixa e terem decorrido mais de seis meses desde a prática da infração, ou seja, contém os “elementos essenciais” – cfr., neste sentido, para além do acórdão citado pelo recorrente, o de 10-4-2019, proferido no processo 0260/17.8BEAVR.

A falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa encontra-se prevista no artigo 63.º n.º 1, c), do R.G.I.T. como nulidade insuprível.

Em caso-limite já foi considerado aí abrangida situação em que a decisão de aplicação da coima teve lugar sem que se procedesse a qualquer apreciação sobre a defesa apresentada, ou tido lugar qualquer diligência instrutória – assim, se decidiu já no acórdão de 6-2-2019, proferido no processo 02740/15.0BELRS.

Tal não tem similitude com o caso ora em apreciação em que no despacho de aplicação da coima se procedeu, por concordância com informação, à apreciação da dispensa ou atenuação especial da coima.

Por outro lado, a arguida na impugnação judicial apresentada, embora invoque que no referido despacho não se conheceu da exclusão de ilicitude, daí não extrai como consequência que tenha sido cometido nulidade, muito menos, insanável, ou sequer irregularidade. Manifesta pretender que se conheça da dita questão.

E, tendo a arguida assentado a falta de exclusão de ilicitude na violação dos ditos princípios que são de ordem constitucional (art. 104.º n.º 2 e 266.º n.º 2 da C.R.P.), o conhecimento dessa violação é matéria que se insere na apreciação dos Tribunais, no quadro do art. 202.º da C.R.P..

Acresce que, em processos de contraordenação, os direitos de audição e defesa previstos no art. 32.º n.º 10 da C.R.P. são assegurados com uma conformação específica que é de relacionar com o direito a decisão em prazo razoável, com o processo equitativo e o direito à impugnação, conforme previsto nos artigos 20.º n.º 4 e 268.º n.º 4 da C.R.P. - nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Constitucional de que se cita o acórdão n.º 659/06, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.

Nos termos expostos, consideramos não terem sido cometidas nulidades insupríveis, bem como que é de anular a decisão recorrida e devolver o processo ao tribunal recorrido, nos termos do art. 75.º n.º 2, b), do R.G.C.O., subsidiariamente aplicável, para que se conheça da matéria da impugnação, caso a tal nada obste.

4. Decisão:

Os Juízes Conselheiros da secção do Contencioso Tributário do STA acordam em conceder provimento ao recurso, anular a decisão recorrida e devolver o processo ao tribunal recorrido, para que se conheça da matéria da impugnação, caso a tal nada obste.

Sem custas pelas partes – art. 94.º n.º 4 do R.G.C.O. aplicável por força do art. 66.º do R.G.I.T..

Lisboa, 23 de Outubro de 2019. – Paulo Antunes (relator) – Francisco Rothes – Neves Leitão.