Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0831/12
Data do Acordão:01/16/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IMPOSTO DE SELO
LOCAÇÃO FINANCEIRA
AQUISIÇÃO DE IMÓVEL
Sumário:I – O termo da vigência de um contrato de locação financeira de um imóvel tanto ocorre no final do contrato como nas situações em que as partes, ao abrigo do próprio contrato, põem termo ao mesmo, mediante a opção de compra antecipada do referido imóvel, nos termos da lei aplicável.
II – Ocorrendo o termo da vigência do contrato, o Imposto de Selo há-de incidir sobre o valor residual pago pela Locatária, nos termos do disposto na regra 14ª do nº 4 do art.12º do CIMT, aplicável por força do disposto no art. 9º, nº 4, do CIS, porquanto o legislador quis, neste caso, afastar a regra geral consagrada no nº 1 do mencionada no art. 12º do CIMT.
III – Ao utilizar no art. 12º, nº 4, do CIMT a expressão “(…) sem prejuízo das seguintes regras”, o legislador pretende, desta forma, salvaguardar o regime especial quanto à incidência de Imposto de Selo, quando os imóveis tenham sido adquiridos pelo locatário no âmbito de um contrato de locação financeira, recortando a regra 14ª do mesmo preceito como uma verdade regra especial.
Nº Convencional:JSTA00068043
Nº do Documento:SA2201301160831
Data de Entrada:07/17/2012
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIMT03 ART12 N1 ART14 N4
DL 10/91 DE 09/01
DL 145/95 DE 24/06
DL 285/2001 DE 03/11
CIS ART9 N4
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I- RELATÓRIO

1. A………., Lda., identificada nos autos, impugnou judicialmente, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional do Imposto de Selo, relativa à compra do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia do Louriçal sob o artigo 6647, no montante de € 10.142, 36, que foi julgada improcedente.

2. Inconformada, a A……… veio interpor recurso para este Tribunal, formulando Alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:
“A) — A douta sentença recorrida fez incorrecta interpretação da regra 14ª do n°4 do artigo 12° do CIMT.
B) — O termo da vigência do contrato de locação financeira tanto ocorre no final do prazo do contrato como nas situações em que as partes, ao abrigo do próprio contrato, põem termo ao contrato, mediante a opção de compra antecipada do imóvel, objecto da locação financeira.
C) — A douta decisão recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação da regra 14ª do n°4 do artigo 12° do CIMT.
Termos em que deve o presente recurso julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida e anulada a liquidação de IS”.

3. Não houve contra-alegações.

4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer, onde conclui que “(…) é de anular a liquidação efectuada por erro no valor tributário”.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“1. Em 19/11/1999 a Impugnante, A……………, Lda., na qualidade de locatária, celebrou com B……….. SA, na qualidade de locadora, um contrato de locação financeira imobiliária, por um período de 10 anos (120 rendas mensais) — cfr. fls. 21 e seguintes dos autos.
2. Em 06/07/2005, a impugnante, exerceu na qualidade de locatária no contrato de locação financeira supra, o direito de antecipação de compra do prédio urbano sito em ……… freguesia do Louriçal, concelho de Pombal inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.° 6647, pelo preço de € 354.735,27, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de ……. — cfr. fls. 14 e seguintes dos autos.
3. O prédio supra descrito foi sujeitos a avaliação, nos termos requeridos na declaração (Modelo 1) de IMI, apresentada em 16/03/2005, no Serviço de Finanças de Pombal tendo-lhe sido atribuído em 2ª avaliação o valor patrimonial de € 1.622.5$0,00 — cfr. consta do PA aqui em anexo:
4. A Impugnante tomou conhecimento da liquidação adicional do Imposto de selo por carta que lhe foi dirigida pela Direcção Geral dos Impostos, datada de 20/12/2007, com a nota de demonstração que a seguir, parcialmente, se transcreve:

Identificação do Prédio
Quota -

Parte
Valor tributável do prédio resultante da avaliaçãoValor tributável do contrato Diferença de Valores tributáveis Taxa Imposto a Pagar
Município/Freguesia/Artigo
101506 LOURIÇAL
-U-006647
1/1
1.622.530,00
354.736,27
1.267.794,73
0,80
10.142,36
Tudo cfr. fls. 46 dos Autos


5. Em 22/02/208, foi autuada no Serviço de Finanças de Pombal a reclamação Graciosa n.° 3883200804000137, face à petição apresentada pelo sujeito passivo aqui Impugnante, com vista à obtenção da anulação da liquidação supra — cfr. consta do PA aqui em anexo.
6. O pedido foi indeferido por despacho do Director de Finanças de Leiria de 09/07/2008 — cfr. consta dos respectivos autos aqui em anexo.
7. A Impugnante tomou conhecimento da decisão supra por carta registada com aviso de recepção que foi assinado em 11/07/2008 - cfr. consta do PA aqui em anexo
8. A presente Impugnação foi deduzida em 24/07/2008 — cfr. fls. 1 dos autos.”


2- DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

A ora recorrente, na qualidade de locatária, celebrou, em 19711/1999, com a B………, SA, na qualidade de locadora, um contrato de locação financeira imobiliária, por um período de 10 anos, tendo por objecto um prédio urbano sito na freguesia do Louriçal e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº 6647.
Em 6/7/2005, a recorrente exerceu o direito de antecipação de compra do referido prédio, pelo preço de € 354.735,27.
Entretanto, tendo o referido prédio sido sujeito a avaliação, nos termos requeridos na declaração (Modelo 1) de IMI, apresentada em 16/3/2005, foi-lhe atribuído em 2ª avaliação o valor patrimonial de €1.622.50,00, o que originou uma liquidação adicional do imposto do Selo, no montante de € 10.142,36.
A recorrente impugnou judicialmente o despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional de imposto de selo, tendo argumentado, entre o mais, errónea quantificação da matéria tributável, por considerar que a liquidação deveria assentar no valor resultante da resolução do contrato de compra e venda e não no valor patrimonial.
Por outro lado, considerou ainda que tendo o contrato de locação terminado após o decurso do 5º ano, significa que ao regime de determinação da matéria colectável para efeitos de imposto de selo se deve aplicar a regra 14ª do CIMT, por remissão do art. 9º, nº 4, do CIS.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença proferida em 22/3/2012, julgou a impugnação improcedente.
Para tanto ponderou a Mmª Juíza “a quo”, entre o mais, que:
“(…)
A determinação da matéria colectável em sede de IMT incide de acordo como n.° 1 do art. 12.° do respectivo código sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.
Dito isto é apodíctico concluir que a liquidação em conflito foi realizada com base no valor patrimonial do imóvel, cumpre estritamente as regras legais em vigor.
Acresce referir que a situação em epigrafe não tem cabimento na regra especial preceituada no art. 12.° n.° 4-14ª do CIMT, de que “o valor dos bens imóveis ou do direito de superfície constituído sobre os imóveis locados, adquiridos pelo locatário, através de contrato de compra e venda, no termo da vigência do contrato de locação financeira e nas condições nele estabelecidas, será o valor residual determinado ou determinável nos termos do respectivo contrato”, uma vez que a mesma não decorreu no termo da vigência do contrato de locação, mas durante a sua vigência”.
Vem o presente recurso contra o assim decidido, alegando, em síntese, a recorrente que a douta decisão recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação da regra 14ª do nº 4 do artigo 12° do CIMT, porquanto o termo da vigência do contrato de locação financeira tanto ocorre no final do prazo do contrato como nas situações em que as partes, ao abrigo do próprio contrato, põem termo ao mesmo, mediante a opção de compra antecipada do imóvel, objecto da locação financeira.
Em face das conclusões, que delimitam o âmbito e o objecto do presente recurso, a questão central a decidir traduz-se em saber se a Mmª Juíza “a quo” incorreu em erro de julgamento ao julgar manter a liquidação de Imposto de Selo, que tinha sido liquidado pela AF com base no valor patrimonial tributário de imóvel adquirido no contrato de locação financeira, por não ser aplicável a regra 14ª do nº 4 do art. 12º do CIMT.


2.2. Da análise do erro de julgamento

Segundo o art. 1º, nº 1, do respectivo Código (Na versão alterada pelo Decreto-Lei n.° 287/2003 de 12 de Novembro, em vigor na ordem jurídica portuguesa desde 01/01/2004, por força do art. 32.º n.° 4 deste mesmo diploma legal.), o Imposto de Selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
Por seu lado, de acordo com o n.° 4 do art. 9.° do CIS (Aditado pela Lei n.° 60-A/2005, de 30 de Dezembro.), à tributação dos negócios jurídicos sobre bens imóveis, prevista na tabela geral, aplicam-se as regras de determinação da matéria tributável do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).
Estatui o nº 1 do art. 12º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, aplicável por remissão do nº 4 do preceito atrás mencionado, que “o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”.
No caso de imóveis adquiridos, no âmbito de contratos de locação financeira, há que ter em conta a regra 14ª do nº 4 do art. 12º, do CIMT, que tem o seguinte conteúdo:
“O valor dos bens imóveis ou do direito de superfície constituído sobre os imóveis locados, adquiridos pelo locatário, através de contrato de compra e venda, no termo da vigência do contrato de locação financeira, e nas condições nele estabelecidas, será o valor residual determinado ou determinável, nos termos do respectivo contrato”.
Para a Mmª Juíza “a quo” este preceito não é aplicável ao caso sub judice, porquanto, como ficou dito, a regra 14ª do nº 4 do art. 12º, do CIMT, pressupõe que o contrato seja cumprido na sua totalidade e a aquisição se verifique no termo da sua vigência e não nas situações de resolução antecipada do contrato de locação.
Vejamos.
A locação financeira começou por estar regulada, no Decreto-Lei nº 171/79, de 6 de Junho, diploma que previa apenas a aplicação deste regime de financiamento à aquisição de bens de equipamento ou de imóveis destinados ao investimento produtivo na indústria, na agricultura ou em outros sectores de serviços de manifesto interesse público. O alargamento do leasing ao financiamento da aquisição de habitação por particulares, foi alcançado com o Decreto-Lei nº 10/91, de 9 de Janeiro, estabelecendo o seu art. 1º que “é permitida a celebração de contratos de locação financeira de imóveis que sejam destinados a habitação própria do locatário, nos termos do presente diploma.”
Com o Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, verificou-se o alargamento do leasing ao financiamento da aquisição de quaisquer outros bens e permitiu-se que os prazos mínimos de vigência dos contratos fossem reduzidos para 18 meses, quando se tratasse de locação de coisas móveis e de 7 anos, quando os bens fossem imóveis.
Finalmente, com o Decreto-Lei nº 285/2001, de 3 de Novembro, foi eliminado o prazo mínimo de vigência dos contratos, permitindo-se que as partes pudessem a qualquer tempo ajustar o exercício do direito de opção do locatário, antecipando o pagamento das rendas ainda não vencidas.
É nesta sequência que o contrato celebrado pelas partes, no caso em apreço, prevê, na Cláusula XX, que até um ano antes do termo do contrato a “Locatária” deverá comunicar à “Locadora” se pretende adquirir a propriedade do imóvel, sendo que se fizer essa opção deverá pagar, nos termos da Cláusula XXI, a título de valor residual, a importância estabelecida na Cláusula V das “Condições Particulares”.
Por sua vez, na Cláusula XXII, sob a epígrafe “Antecipação de compra”, estabelece-se que:
“A partir do quinto ano de vigência do presente contrato, a “Locatária” poderá exercer antecipadamente o seu direito de opção de aquisição da propriedade do imóvel, nos termos seguintes:
a) A “Locatária” apenas poderá, por exercício da referida opção, adquirir a propriedade do imóvel locado antes do termo do Contrato, desde que não se encontre em mora relativamente a qualquer uma das suas obrigações;
b) Decidindo exercer antecipadamente o seu direito de opção, a “Locatária” deverá comunicar a sua decisão à “Locadora” e proceder, simultaneamente com essa comunicação, ao pagamento do valor correspondente ao montante do “Capital Financeiro em Dívida” à data da rescisão, penalizado em dois pontos percentuais;
c) Com o pagamento da importância referida no número anterior, e na data desse pagamento, considerar-se-ão cumpridas todas as obrigações da “Locatária”.
d) (…)”.

Assim sendo, assiste razão à recorrente quando defende que “O termo da vigência do contrato de locação financeira tanto ocorre no final do contrato como nas situações em que as partes, ao abrigo do próprio contrato, põem termo ao mesmo, mediante a opção de compra antecipada do imóvel, objecto da locação financeira”.
Por outro lado, ocorrendo o termo da vigência do contrato, o Imposto de Selo há-de incidir sobre o valor residual pago pela Locatária, nos termos do disposto na regra 14ª do do nº 4 do art.12º do CIMT, aplicável por força do disposto no art. 9º, nº 4, do CIS.
Com efeito, não obstante o nº 1 do art. 12º do CIMT, sob a epígrafe “Valor tributável”, estabelecer que “O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou contrato ou sobre o valor patrimonial tributários dos imóveis, consoante o que for maior”, a verdade é que o nº 4 do mesmo preceito salvaguarda, entre outras situações, as que caem no âmbito de incidência da regra 14ª. Neste sentido, são incisivas as expressões utilizadas pelo legislador ao dizer “O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras”.
O legislador pretende, desta forma, salvaguardar o regime especial quanto à incidência de Imposto de Selo quando os imóveis tenham sido adquiridos pelo locatário no âmbito de um contrato de locação financeira. Neste caso, o valor dos bens imóveis, no termo da vigência do contrato será o valor residual determinado ou determinável.
Como refere o Ministério Público, no seu douto Parecer, estando na regra 14ª do art. 12º o CIMT consagrada “uma diferença de tratamento do tipo de discriminação negativa quanto à aplicação da regra geral constante do dito art. 12.º n.º 1, não será já de aplicar, estando-se em face de uma autêntica regra especial”.
Em face do exposto, tendo a sentença recorrida decidido em sentido diverso não pode manter-se, devendo ser revogada, dando-se provimento ao recurso e, nessa sequência, julgando-se procedente a impugnação judicial.


III- DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo decidem, em conferência, revogar a sentença recorrida, dando provimento ao recurso e, em consequência, julgar procedente a impugnação judicial.
Sem custas.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2013. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.