Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01513/20.3BELSB
Data do Acordão:04/07/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:RECURSO PER SALTUM
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
PLANO DE TRABALHOS
Sumário:I – No procedimento de formação de um contrato de empreitada, quando Caderno de Encargos seja integrado por um projecto de execução, a proposta tem de ser acompanhada por um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º do CCP.
II – As exigências do 361.º do CCP não são apenas de natureza formal, antes encontram o seu fundamento também em aspectos materiais relacionados, quer com a correcta avaliação das propostas, quer com a futura execução do contrato.
Nº Convencional:JSTA00071440
Nº do Documento:SA12022040701513/20
Data de Entrada:02/01/2022
Recorrente:A.........., S.A.
Recorrido 1:ISCTE – INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE LISBOA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO PER SALTUM
Objecto:SENTENÇA DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CIRCULO DE LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
Legislação Nacional:Artigos 57.º, n.º 2, al. b) e 361.º do CCP
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A………., S.A., com os sinais dos autos, interpôs recurso per saltum para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, Juízo de Contratos Públicos, de 29 de Novembro de 2021, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual que a mesma interpusera contra o ISCTE - INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE LISBOA, igualmente com os sinais dos autos, e na qual peticionara, no essencial, a sua classificação em 1.º lugar, e a adjudicação a si da empreitada de execução de trabalhos antecipados de demolições, contenções periféricas e escavações para a requalificação do futuro centro de valorização e transferência de tecnologias do ISCTE (CVTTISCTE)”.

2 – Por despacho da Relatora, de 2 de Fevereiro de 2022, foi o recurso admitido por este Supremo Tribunal Administrativo nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 151.º do CPTA.

3 – A Autora, e aqui Recorrente, apresentou alegações que concluiu da seguinte forma:
I. A decisão ora recorrida violou de forma grave a lei substantiva que rege a contratação pública, mais concretamente os princípios da transparência, da legalidade, da concorrência, da boa fé previstos quer no CCP quer no CPA, porquanto;

II. Ao dar por assente os pontos b) e c) que a Recorrida ISCTE estabeleceu o seguinte;

III. Critério de adjudicação:

«[…]

15. CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO

15-1 A adjudicação é efetuada com base no critério da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, isto é, avaliação do preço, sendo adjudicada a proposta que apresente o preço mais baixo.

15.2 Em caso de empate no preço apresentado, será adjudicada a proposta que apresentar o preço mais baixo no artigo 4.1 «Demolições totais» do Mapa de Quantidades de Trabalhos.

15.3 Caso o empate ainda subsista é adjudicada a proposta que apresentar o preço mais baixo no artigo 4.2 «Demolições parciais» e sucessivamente nos preços 5.1.1 «Escavação geral» 4.31 «Desmontagem e remoção integral das coberturas» e por último, caso se mantenha o empate, será adjudicada a proposta selecionada na sequência de sorteio a efetuar com recurso a um número de bolas de várias cores equivalente ao número de propostas empatadas. O sorteio será desenrolado presencialmente com os concorrentes, do qual será lavrada ata, a qual será assinada por todos os presentes. Neste caso, haverá convocará [sic] dos concorrentes com 2 (dois) dias úteis de antecedência, sendo comunicada a data, hora e local onde se realizará o ato de sorteio.

[…]».




IV. Forma de elaboração do plano de trabalhos

«[…]

e) Plano de Trabalhos, Plano de Pagamentos, Plano de mão-de-obra, Plano de Equipamento e Plano de Estaleiro. Estes documentos deverão ser apresentados de acordo com o estipulado no Caderno de Encargos;

[…]».

V. Dizendo o documento contratual o seguinte;

«[…]

18. Plano de trabalhos

18.1. O plano de Trabalhos, integrando os Planos de equipamentos e de mão-de-obra e o Plano de Pagamento, nas suas versões iniciais ou ajustadas ou revistas em obra, deve ter em conta o seguinte:

a) O Plano de Trabalhos deve:

¾ Considerar o Faseamento Construtivo da empreitada incluído no Projeto de Execução,

¾ Indicar as datas de início e fim de cada atividade incluída no Faseamento Construtivo, sua duração e precedências entre fases;

¾ Conter para além dos Capítulos como atividades principais, os artigos mais significativos de cada capítulo como atividades secundárias;

¾ Indicar as datas de início e fim de cada atividade, sua duração e precedências entre as diversas atividades;

¾ Indicar as atividades críticas da obra;

¾ Definir com precisão as datas de início e de conclusão da empreitada, bem como a sequência, o escalonamento no tempo, o intervalo e o ritmo de execução das diversas espécies de trabalho, a unidade de tempo que serve de base à programação;

¾ Apresentar a semana como escala mínima da representação do tempo no gráfico de Gantt;

¾ Estabelecer ligações coerentes entre atividades de trabalho assim como as relações de sequencialidade;

¾ Apresentar interligações entre as atividades que permitam em qualquer momento uma correta análise e simulação do Plano de Trabalhos Aprovado, para avaliar avanços ou atrasos na obra;

b) O Plano de mão-de-obra, elaborado em harmonia com o Plano de Trabalhos, deve ter uma distribuição semanal como escala mínima. por categorias profissionais;

c) O Plano de Equipamentos, elaborado de harmonia com o Plano de Trabalhos deve ter uma distribuição semanal como escala mínima com indicação dos equipamentos;

d) O Plano de Pagamentos deve ser elaborado em harmonia com o Plano de Trabalhos, representando os valores mensais e acumulados dos trabalhos previstos no referido Plano. O Plano de Pagamentos deve ser desdobrado por capítulos do mapa de quantidades. Deverá ser apresentada a evidência da relação entre o Plano de Pagamentos e o Plano de Trabalhos através da associação a cada uma das atividades de trabalho ou tarefa do Plano de Trabalhos do seu correspondente preço e da distribuição deste pelo tempo de duração dessa mesma atividade A referida associação deve ser tal que o somatório do preço total de todas as atividades de trabalho ou tarefa, discriminadas no Plano de Trabalhos deve corresponder ao preço total da empreitada.

18.2 Os documentos indicados nos números anteriores são também apresentados ao Dono da Obra em formato digital, cumprindo o estipulado no Regulamento Nacional de Interoperabilidade Digital (RNID), que define as especificações técnicas e os formatos digitais a adotar pela Administração Públicas, nos termos previstos na Lei n.º 36/2011, de 21 de junho. São ainda aceites documentos nos seguintes formatos digitais: Microsoft Project e Excel.

19. Plano de Trabalhos detalhado

19.1. O Plano de Trabalhos detalhado previsto na alínea d) da cláusula 16.3 integrando os planos de equipamento e de mão-de-obra, e o Plano de Pagamentos, nas suas versões inicial ou ajustadas ou revistas em fase de obra, não pode implicar a alteração do preço contratual, nem a alteração do prazo de execução da obra, nem ainda alterações aos prazos parciais definidos no Plano de Trabalhos constante do contrato, cingindo-se ao estritamente necessário à adaptação à data da consignação da obra.

19.2 Os Planos de mão-de-obra e de equipamentos detalhados devem ser elaborados com uma distribuição diária, incluindo os respetivos totais diários e semanais.

19.3. O Plano de Trabalhos detalhado nos termos dos números anteriores carece de aprovação pelo Dono da Obra, no prazo de 30 (trinta) dias após a notificação do mesmo, pelo Empreiteiro, equivalendo o silêncio a aceitação.

[…]».

VI. Ora tendo a Recorrente dado cumprimento a estas exigências pode ser excluída com os fundamentos constantes da decisão recorrida?

VII. A resposta apenas pode ser negativa.

VIII. O plano de trabalhos exigia nos termos dos documentos colocados a concurso, divulgados, publicitados, sobre os quais nenhum concorrente suscitou nenhuma dúvida no período concursal.

IX. Ou seja, exigindo o caderno de encargos do concurso em discussão nos presentes autos determinava “que o plano de trabalhos contenha para além dos capítulos como atividades principais os artigos mais significativos de cada capítulo, como atividades secundárias,”

X. Pode um concorrente ser excluído de um concurso onde apresentou a proposta mais baixa, sendo beneficiado outro que apresentou uma proposta mais alta com um fundamento de “exclusão” em que não apresentou no seu plano de trabalhos todos os trabalhos previstos na empreitada quando o documento concursal não o exigia de forma expressa?

XI. Quando nos documentos concursais tal exigência não era peticionada, ou seja, a alegada exigência que o plano de trabalhos deveria incluir todas, mas todas, as atividades.

XII. Aliás da leitura dos documentos contratuais é inequívoco que o dono de obra apenas exigia que parte das atividades fossem incluídas no plano de trabalhos, as atividades principais e as secundárias mais relevantes.

XIII. Ora a Recorrida ISCTE que elaborou estes documentos, que os colocou a concurso em sede de análise proposta entendeu excluir todos os concorrentes que deram cumprimento a esta exigência.

XIV. Incluindo uma exigência oculta e não revelada de exigir aquilo que não pediu em sede de procedimento concursal, ou seja, que os concorrentes apresentassem um plano de trabalhos contendo todas as atividades.

XV. Com fundamento nesta exigência oculta, exclui todos os concorrentes, com exceção de um, que sendo vidente conhecia exigências ocultas,

XVI. Em consequência desta exclusão, a Recorrida ISCTE alterou matéria, o critério de adjudicação, uma vez que desta forma conseguiu adjudicar ao concorrente que apresentava preço mais alto.

XVII. Ora os princípios da legalidade, transparência, concorrência não permitem exigências ocultas muito menos invocar acórdãos dos tribunais superiores como fonte de regra concursal.

XVIII. Em consequência, deverão os Venerandos Conselheiros do Tribunal Administrativo revogar a decisão recorrida por violação dos citados princípios, substituindo por outra que dê pleno provimento ao pedido formulado pela Recorrente, fazendo-se assim a merecida justiça.

[…]».


4 – O Recorrido ISCTE - INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE LISBOA contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
«[…]
A ação dos presentes autos e o recurso interposto pela A………., S.A., são manifestamente improcedentes, porquanto:
1. As questões que a Recorrente alega carecerem de decisão, duas delas referidas nas Conclusões VI e X das alegações de recurso, partem do pressuposto já de si errado, (de facto e de direito) de que a sua proposta era constituída por todos os documentos que devia conter, ou seja, incluem como seu pressuposto aquela que a própria Recorrente pretende ser a resposta à questão, o que só por si inquina tais pretensas questões;

2. Ao contrário do que a Recorrente parece querer dar a entender, o facto de a sua proposta apresentar o preço mais baixo não é motivo legal suficiente para afastar a decisão de excluir a mesma por incidir num fundamento de exclusão legalmente tipificado;

3. Ao contrário do alegado pela Recorrente, a Sentença recorrida analisou e decidiu sobre todas as questões colocadas pela Recorrente em primeira instância, e que respondem às pretensas questões colocadas pela Recorrente nas suas alegações de recurso, apenas não tendo decidido no sentido pretendido pela Recorrente;

4. A única questão que está verdadeiramente em causa nos presentes autos é uma simples questão de direito, que é a de saber se a proposta da Autora, ora Recorrente, foi devida ou indevidamente excluída, à qual precede uma simples questão de facto, que é a de saber se essa proposta contém ou não todas as "espécies de trabalhos" previstas no projeto de execução do Caderno de Encargos;

5. O mero confronto entre a proposta da Recorrente e o MQT, constitutivo do Projeto de Execução e integrante do Caderno de Encargos permite aferir que a proposta não incorpora qualquer menção às seguintes "espécies de trabalhos" (conforme sintetizado também na página 61 da Sentença recorrida): 3.3.1 e 3.3.2; 3.8.1, 3.8.2, 3.8.3 e 3.8.4; 3.11.1, 3.11.2 e 3.11.3; 3.12.1, 3.12.2, 3.12.3, 3.12.4, 3.12.5 e 3.12.6; 4.3.1 e 4.3.2; 4.4.2.1 e 4.4.2.2; 5.2.1 e 5.2.2; 6.1.1.1, 6.1.1.2, 6.1.1.3, 6.1.1.4, 6.1.2.1, 6.1.2.2, 6.1.2.3, 6.1.3.1, 6.1.3.2, 6.1.3.3, 6.1.4, 6.1.5, 6.1.6 e 6.1.7; 6.2.1.1, 6.2.1.2, 6.2.1.3, 6.2.2.1, 6.2.2.2, 6.2.2.3, 6.2.3.1, 6.2.3.2, 6.2.3.3, 6.2.4.1, 6.2.4.2, 6.2.4.3 e 6.2.5; 6.4.1, 6.4.2, 6.4.3, 6.4.4; 6.5.1, 6.5.2, 6.5.3, 6.5.4 e 6.5.5;

6. A própria Recorrente admite que a sua proposta não continha todas as "espécies de trabalhos" previstas no projeto de execução do Caderno de Encargos, o que foi devidamente assinalado pela Sentença recorrida; ora

7. Por força do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 57.º do CCP, e sem descurar as alíneas e) e d) do n.º 1, do ponto 8.1 do Programa do Procedimento, constituía uma exigência legal, e procedimental, que as propostas fossem constituídas por um Plano de Trabalhos e por uma lista dos preços unitários de todas as "espécies de trabalho", previstas no projeto de execução; e

8. Atento o artigo 361.º do CCP, resulta, sem espaço para ambiguidades, que o Plano de Trabalhos deve fazer referência expressa a cada uma das "espécies de trabalho" previstas, no projeto de execução, devendo ser indicada a ordem e o prazo de execução de cada uma das "espécies de trabalho";

9. As "espécies de trabalhos" estavam previstas nos documentos conformadores do procedimento, pelo que a sua definição não é algo que se insere no domínio opinativo - cumpriria, com efeito, da parte da Recorrente, atender devidamente ao disposto no Caderno de Encargos, sem descurar o previsto no Mapa de Quantidades de Trabalhos;

10. Da apresentação de proposta contratual que não cumpra o exposto acima, dá-se a verificação, em princípio, de fundamento de exclusão da proposta, de acordo com o disposto na alínea d), do n.º 2, do artigo 146.º do CCP, salvo se as informações em falta puderem ser encontradas, inequivocamente, em outra documentação junta com a proposta, o que não se constata atenta a proposta da Recorrente;

11. Considerando o aresto do Venerando Supremo Tribunal Administrativo de 14.06.2018, a não apresentação de Plano de Trabalhos que preveja a totalidade das "espécies de trabalhos", não poderá ser suprida, com recurso ao expediente procedimental previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CCP, em matéria de pedido de esclarecimentos;

12. Para além de isenta de fundamentos atendíveis, a tese sustentada pela Recorrente subsume-se ao frágil argumento de que as regras aplicáveis à elaboração do Plano de Trabalhos se circunscrevem às que constam apenas do Caderno de Encargos, relegando, deste modo, o disposto na Lei para um plano de clara inferioridade face aos documentos enformadores do procedimento;

13. O sobredito argumento improcede em dois aspetos: em primeiro lugar, admitindo, sem conceder, a divergência entre a Lei e os documentos enformadores, sempre prevaleceria o disposto no CCP, por aplicação do princípio da preferência de Lei, sem descurar o disposto no seu artigo 51.º; em segundo lugar, não existe, no caso concreto, qualquer dissonância entre a Lei e o disposto no Caderno de Encargos, designadamente no modus de elaboração do Plano de Trabalho;

14. Deste modo, e contrariamente ao alegado pela Recorrente, o Caderno de Encargos não permite que o Plano de Trabalhos, a integrar a proposta contratual, não faça referência a todas as "espécies de trabalho" previstas no projeto de execução; ademais, é notória a exigência de indicação de todas as "espécies de trabalho" no Plano de Trabalhos, conforme o ponto 18.º do Caderno de Encargos; por outro lado,

15. Ao contrário do que a Recorrente alega, até das peças concursais, que a Recorrente pretende interpretar isoladamente do ordenamento jurídico em que se inserem, resultava a obrigação de apresentar um plano de trabalhos com referência a todas as "espécies de trabalho" previstas no Projeto de Execução, como bem concluiu a Sentença recorrida [(... ) a Autora parece olvidar que, para além dessa exigência, o próprio PP, no seu artigo 8.º, alínea e), que depois remete, de forma expressa, para as regras concursais estipuladas no CE, em concreto, para a cláusula 18.ª, exige também que o Plano de Trabalhos deve (i) considerar o faseamento construtivo da empreitada incluído no Projeto de Execução; (ii) indicar as datas de início e fim de cada atividade incluída no faseamento construtivo, sua duração e precedências entre fases; (iii) indicar as datas de início e fim de cada atividade, sua duração e precedências entre as diversas atividades; (iv) indicar as atividades críticas da obra; e (v) definir com precisão a sequência, o escalonamento no tempo, o intervalo e o ritmo de execução das diversas espécies de trabalho, a unidade de tempo que serve de base à programação.

Reitere-se: consta das regras concursais previstas neste procedimento pré contratual que o Plano de Trabalhos a apresentar com a proposta deve definir com precisão a sequência, o escalonamento no tempo, o intervalo e o ritmo de execução das diversas espécies de trabalho, a unidade de tempo que serve de base à programação.

Portanto, o afirmado pela Autora no seu sentido de que "o conceito de espécie de trabalho (invocado pela ED como fundamento de exclusão da proposta da Autora) não consta da exigência da Cláusula 18ª do CE, consta apenas e somente a expressão atividades principais e secundárias, sendo totalmente inexistente, bastando para tal a leitura do português, a alusão a espécies de trabalhos" não tem qualquer aderência à realidade factual concretamente apurada."];

16. Em sede da própria execução do contrato de empreitada, atento o artigo 373.º do CCP, o preço a pagar pelos trabalhos a mais, e o respetivo prazo, serão justamente os que decorrem do Plano de Trabalhos, para cada "espécie de trabalhos", destarte a omissão de qualquer uma não é um aspeto de menor, inócuo, como se deduz da tese da Recorrente;

17. Em síntese, na medida em que a proposta da Recorrente não incluía a plena referência a todas as "espécies de trabalho", nem essa informação se deduziria da demais documentação junta na proposta, e recordando a inadmissibilidade de recurso, para suprimento, ao pedido de esclarecimentos, a decisão de exclusão da proposta da Recorrente foi tomada em plena conformidade com a Lei, não lhe podendo ser assacados quaisquer vícios;

18. Ao contrário do alegado pela Recorrente, a mera invocação do sentido de jurisprudência anterior relativa a casos semelhante (que foi apenas o que ocorreu no procedimento concursal e na Sentença recorrida) não constitui qualquer "violação do princípio da separação de poderes", tendo necessariamente a Recorrente consciência disso porquanto a própria também tentou invocar em seu favor, ainda que sem sucesso, decisões jurisdicionais anteriores, pelo que apenas se admite que o argumento da Recorrente se deva a manifesto lapso.

Nestes termos, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o recurso interposto por A………., S.A., ser julgado totalmente improcedente, com as legais consequências.

[…]».



5 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se pela improcedência do recurso.


Cumpre apreciar e decidir


II – Fundamentação


II.1. De facto
Remete-se para a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.


II. 2. De direito
2.1. A única questão que vem suscitada no âmbito do presente recurso é a de saber se existiu ou não erro de julgamento da sentença recorrida na parte em que considerou improcedente a alegada ilegalidade do acto que excluiu a sua proposta do procedimento pré-contratual por a mesma ter apresentado um plano de trabalhos que não fazia referência a todas as espécies de trabalhos, i. e. que não estava organizado segundo a discriminação de todas as espécies de trabalhos.

2.1.1. A Recorrente alega, no essencial, que a sua proposta foi excluída por não ter apresentado um plano de trabalhos em conformidade com as exigências do artigo 361.º do CCP – designadamente, por não ter discriminado “a sequência e os prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas, especificando os meios com que se propunha executá-los e definindo o correspondente plano de pagamentos” –, mas que tal não lhe podia ser exigível, uma vez que os pontos 18 e 19 do Caderno de Encargos e a alínea 2) do n.º 8 do Programa de Concurso não contemplavam essa exigência.

Ele apresentou um Plano de Trabalhos alegadamente organizado em conformidade com as exigências constantes do Programa do Concurso e do Caderno de Encargos, onde se fazia apenas referência à necessidade de indicar “os capítulos como actividades principais e os artigos mais significativos de cada capítulo como actividades secundárias”. Considera, portanto, que o parâmetro normativo para admissão ou rejeição das propostas teria de ser aquele que estava estipulado nas referidas peças processuais.

E acrescenta ainda que a decisão da Entidade Demandada de excluir as propostas que não estivessem em conformidade com os requisitos legais do artigo 361.º do CCP, os quais não estavam expressamente reproduzidos nas peças processuais, tinha como resultado a deturpação dos resultados do concurso por impedir a adjudicação da proposta com o preço mais baixo, que era a sua, o que se traduzia na violação do princípio da concorrência.

2.1.2. A sentença recorrida rejeitou a tese da Recorrente com dois fundamentos essenciais:

i) Primeiro, por considerar que, contrariamente ao afirmado pela Recorrente, as exigências legais em matéria de apresentação do Plano de Trabalhos contavam também das peças processuais. Segundo o Tribunal a quo, o Programa do Concurso, no artigo 8.º, al. e) remete para as regras concursais do Caderno de Encargos e, na cláusula 18.ª daquele, é possível identificar claramente a exigência de apresentação do Plano de Trabalhos organizado por “espécies de trabalhos”. Em especial, um dos pontos da alínea a) da cláusula 18.ª refere expressamente que o Plano de Trabalhos tem de “definir com precisão as datas de início e de conclusão da empreitada, bem como a sequência, o escalonamento no tempo, o intervalo e o ritmo de execução das diversas espécies de trabalho, a unidade de tempo que serve de base à programação”. Em suma, também os documentos de regulação do concurso exigiam a apresentação do Plano de Trabalhos organizado segundo cada uma das espécies de trabalhos, o que a Recorrente não cumpriu;

ii) Segundo, porque o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 361.º do CCP é, como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Junho de 2018 (proc. n.º 0395/18), um elemento essencial para a validade da proposta apresentada, independentemente de tais exigências estarem ou não reproduzidas nas peças processuais.

E a sentença recorrida não merece censura, pois não encontramos razões para divergir do que se afirmou no já mencionado aresto deste Tribunal de 14 de Junho de 2018 e cujos segmentos de fundamentação mais relevantes na questão que aqui nos ocupa em seguida transcrevemos:

“[…]

Da conjugação de todos estes preceitos [361.º e 57, nº 2, al. b) do CCP] decorre com suficiente clareza que deverá haver uma adequação do plano de trabalhos apresentado no âmbito da proposta (conforme impõe a al. b) do n.º 2, do artigo 57.º) ao plano de execução constante do CE, pois só assim este será respeitado. E, por conseguinte, só assim, efectivamente, como afirmava o ora recorrido na sua contestação, só assim, dizia-se, será possível o controlo e a fiscalização do cumprimento dos prazos contratuais para efeitos de aplicação de eventuais sanções contratuais, a determinação de prorrogações do prazo de execução e ainda outros aspectos relacionados com eventuais trabalhos a mais.

[…]

Alega a ora recorrente, fundamentalmente, que o plano de trabalhos apresentado pela recorrida não prevê todas as espécies de trabalhos previstas no Mapa de Trabalhos e Quantidades que integra o Caderno de Encargos (CE). Mais concretamente, não indicou todas as espécies de trabalhos e, deste modo, também não indicou, em relação a cada espécie de trabalho, os meios afectos (quer no cronograma temporal, quer no plano da mão de obra e no plano dos equipamentos necessários). Segundo a recorrente, o legislador impõe regras específicas para o conteúdo do plano de trabalhos, o qual é exigido aos concorrentes em procedimentos de formação de contratos de empreitada. O cumprimento (ou não) das exigências respeitantes ao conteúdo do plano de trabalhos tem implicações ao nível da aplicação de outros regimes substantivos consagrados no CCP já em sede de execução do contrato.

Conforme se viu supra, no ponto 2.2., além destas exigências previstas no artigo 361.º (Plano de trabalhos), ainda há aquelas relacionadas com a circunstância de estarmos perante um procedimento de formação de um contrato de empreitada. Ou, talvez melhor, neste caso, as exigências do artigo 361.º, lidas em conjugação com o disposto no artigo 43.º do CCP (Caderno de encargos do procedimento de formação de contratos de empreitada) ainda se tornam mais específicas. Com isto, reafirma-se a conclusão de que um plano de trabalhos que não indica “todas as espécies de trabalhos e, deste modo, também não indicou, em relação a cada espécie de trabalho, os meios afectos (quer no cronograma temporal, quer no plano da mão de obra e no plano dos equipamentos necessários)” viola claramente o disposto nos artigos 361.º e 43.º do CCP […]”.

Com efeito, ali explica-se, de forma clara, que nos casos em que esteja em causa um procedimento de formação de um contrato de empreitada e o Caderno de Encargos seja integrado por um projecto de execução, o que sucede aqui, a proposta tem de ser acompanhada por um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º do CCP [exigência expressamente prevista no artigo 57.º, n.º 2, al. b) do CCP].

E resulta também explícito do mencionado acórdão que o cumprimento das exigência do 361.º do CCP não se esgota numa exigência formal – que em si seria suficiente para cumprir o princípio da legalidade -, mas que encontra o seu fundamento também em aspectos materiais relacionados, quer com a correcta avaliação da proposta, quer com a futura execução do contrato, que são igualmente determinantes da comparabilidade entre as propostas, inclusive quando o critério de adjudicação é o do preço.

2.1.3. A Recorrente alega ainda que a decisão que veio a ser adoptada pela entidade adjudicante e que aqui vem impugnada viola os princípios da legalidade, transparência, concorrência, mas, como resulta já da fundamentação precedente, não tem razão nesta alegação.

Não existe violação do princípio da legalidade na medida em que, como deixámos já expressamente afirmado, é o CCP (i. e., a lei) que expressamente impõe ou exige que a proposta seja acompanhada do plano de trabalhos. Não existe violação do princípio da transparência, uma vez que esta é uma exigência que se encontra prevista de forma clara na lei e por isso a decisão não pode considerar-se surpreendente ou incompreensível para um interlocutor (um co-contratante) que é pressuposto que conheça as regras da contratação pública. E não existe igualmente qualquer violação do princípio da concorrência, porquanto, como afirmámos, a apresentação do plano de trabalhos é um elemento fulcral para a comparabilidade das propostas e, por isso, para a formação do juízo comparativo que sustenta a escolha/adjudicação e, com isso, o cumprimento das regras da concorrência.

Em suma, por não cumprir as exigências legais – que a sentença, fundamentadamente, identifica ainda como exigências das peças processuais – a proposta apresentada pela Recorrente tinha, nos termos do artigo 146.º, n.º 2, al. d) do CCP, que ser excluída.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça ex vi do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, uma vez que a causa não apresenta uma complexidade superior à normal e nada há a apontar à conduta processual das partes.

Lisboa, 7 de Abril de 2022. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.